2.16.2011

GRILAGEM DE TERRAS EM SÃO PAULO (parte I)



O nariz de Minas poderia ser maior do que mostram os mapas. Bem na ponta, perto de onde os rios Paranaíba e Grande se juntam para formar o Paraná, os limites deveriam se estender por mais 5 mil quilômetros quadrados, algo em torno de 10% da Região do Triângulo Mineiro. As terras, que hoje abrigam 25 municípios do extremo Noroeste de São Paulo, foram conquistadas, no início do século 19, por um ilustre desconhecido da maioria dos brasileiros.
Como se fosse um bandeirante viajando na direção inversa, Patrício Lopes de Souza, conhecido como Patrício Colodino, natural de São Tiago, no Campo das Vertentes, Minas Gerais deixou a sua pequena vila, aos 17 anos, para desbravar os sertões no rumo Oeste, então cobertos de matas e povoados por índios caiapós e caingangues. Acompanhado do escravo Jeremias, ele se tornou, mais tarde, dono da Fazenda São José da Ponte Pensa, em São Paulo, e de outras três vastas propriedades no Mato Grosso do Sul, no entorno da cidade de Paranaíba, antiga 'Paranahyba de Sant’Anna'.
O império, no entanto, não ficou de pé, muito menos toda a extensão da história de Patrício, que, como era costume na época e no lugar, não tinha escritura da terra nem qualquer papel que valesse. Em manobras que até hoje assustam pela audácia, mentiras e falta de escrúpulos, grileiros paulistas e cariocas forjaram documentos com o objetivo único de retalhar as propriedades, se apossar delas, legitimá-las e vendê-las. Nessa empreitada, foram defendidos pelo advogado Júlio Prestes (1882-1946), que foi presidente de São Paulo, de 1927 a 1930, e presidente eleito do Brasil, embora sem tomar posse. Ao mesmo tempo, tomaram o cuidado de apagar todos os vestígios da existência de Patrício, que ficou na região durante 55 anos. Destruíram as benfeitorias e sepultaram sua memória.



Durante uma semana, o 'Estado de Minas' viajou mais de 3 mil quilômetros para reconstituir a história do homem branco, que morreu solteiro e sem filhos, na sua terra natal, em 1885, aos 80 anos. Não há nem mesmo uma pintura ou desenho do personagem, tal a queima de arquivo. Durante o trajeto, que começa em São Tiago, atravessa o Triângulo Mineiro e o Noroeste paulista até chegar às margens do Rio Sucuriú (MS), é possível ouvir as aventuras de um mineiro destemido, encontrar seus parentes distantes e conhecer estudos recentes que contam parte da saga. Lendas e realidade, muitas vezes, se cruzam nesse caminho, que sempre conduz à brutal injustiça cometida contra Patrício. Como se fosse numa escavação arqueológica, os fragmentos da história vão surgindo aos poucos.
Durante décadas houve disputa pela herança de Patrício, com muita gente reclamando seus direitos nas comarcas paulistas, principalmente os grileiros das terras, munidos de documentos falsos. A situação perdurou até 1946, quando a Justiça, finalmente, arquivou o caso por falta de provas – nessa altura, a maioria das cidades construídas nas terras da primitiva Fazenda de São José da Ponte Pensa (pensa significa inclinada, torta) já estava no mapa de São Paulo.
Em São Tiago, a 44 quilômetros de São João del-Rei, moradores mais antigos sempre ouviram o nome de Patrício Colodino, irmão de Joaquim Gaudêncio de Souza e de Maria Tereza de Souza. Entre os que preservam a tradição oral e os laços de sangue estão os irmãos Rita Moraes de Paula, de 69 anos, Geralda Silva de Oliveira, de 75, Maria Bárbara Moraes Silva, de 79, e Geraldo da Silva Moraes, o Negrinho, de 61, netos de José Cândido da Silva, que lhes contava, quando crianças, sobre as andanças do tio distante.




Autoria de Gustavo Werneck - Publicado no 'Estado de Minas', Belo Horizonte em 8 de junho de 2008. Editado e adaptado para ser postado por Leopoldo Costa.















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