2.17.2011

AS SESMARIAS

Leopoldo Costa
A lei das Sesmarias foi promulgada pelo rei Fernando I de Portugal (1345-1383) em Santarém a 28 de Maio de 1375. Inseriu-se num contexto de crise econômica que se manifestava em toda a Europa e que a Peste Negra agravou.

A segunda metade do século XIV e quase todo o século XV foram períodos de depressão econômica. A Peste Negra causou uma falta inicial de mão de obra nas aldeias e cidades, locais onde a mortandade foi mais intensa, que por sua vez, provocou o aumento dos salários das atividades artesanais. Estes fatores desencadearam o êxodo das populações rurais atraídas por esta oportunidade. O êxodo rural levou à diminuição da produção agrícola, falta de gado para tiro e ao despovoamento de todo o país.

A lei das Sesmarias procurava fixar os camponeses às terras e diminuir o despovoamento.
A lei pretendia:
• obrigar os proprietários a cultivar as terras mediante pena de expropriação.
• obrigar ao trabalho na agricultura a todos os que fossem filhos ou netos de lavradores e a todos os que não possuíssem bens avaliados até quinhentas libras.
• evitar a carestia geral fixando os salários rurais.
• obrigar os lavradores a terem o gado necessário para a lavoura e fixando o preço do mesmo gado.
• proibir a criação de gado que não fosse para trabalhos de lavoura.
• fixar preços de arrendamentos.
• aumentar o número de trabalhadores na lavoura obrigando os mendigos, ociosos e vadios que tivessem condições de trabalhar a serem empregados nesta atividade.

De fato, a lei das Sesmarias foi uma pequena reforma agrária.

Em 1530, depois da efetivação da conquista do território brasileiro a Coroa portuguesa decidiu utilizar este sistema de sesmarias no Brasil, com algumas adaptações.

Quando chegaram ao Brasil os capitães-donatários, titulares das capitanias hereditárias, a distribuição de terras a sesmeiros passou a ser uma prioridade, pois seria a sesmaria que iria garantir a instalação da lavoura açucareira na colônia.

No Brasil a principal função do sistema de sesmarias foi estimular a produção. Quando o titular da propriedade não iniciava a produção dentro dos prazos determinados, seu direito de posse poderia ser cassado, tornando a sesmaria devoluta.
Em 1698 uma ordem régia estabelecia o prazo de dois anos para o cultivo e a povoação da sesmaria, se isso não ocorresse a sesmaria era considerada devoluta.

Para coibir pretensões territoriais desmesuradas, generalizou-se nessa época a utilização de uma variante do antigo instrumento greco-romano da enfitêuse.
A enfitêuse era um contrato de alienação territorial que dividia a propriedade de uma sesmaria em dois tipos de domínio: o domínio eminente, ou direto, e o domínio útil, ou indireto. Ao utilizar um contrato enfitêutico, o proprietário de pleno direito de um bem não o transfere integralmente a terceiros. Apenas cede o direito de utilizar a área e de nele fazer benfeitorias, retendo, entretanto, a propriedade do mesmo. Em troca do domínio indireto que lhe é repassado, o outorgado aceitava uma série de condições que lhe eram impostas, e obrigava-o também a pagar uma pensão anual ao proprietário.

Ao conceder as primeiras sesmarias, Martim Afonso de Souza (1500-1571) já o fez em caráter perpétuo, contrariando o texto régio que estabelecia que a doação seria apenas vitalícia. Não há duvida, entretanto, que essa modificação veio a se adequar melhor aos objetivos da colonização. Não seria possível povoar uma terra tão longínqua e com tantos problemas, sem que se pudesse garantir aos colonizadores o direito de transferir o fruto de seus esforços a seus herdeiros.

No Brasil, entretanto as sesmarias incorporariam uma exigência adicional: o pagamento do dízimo à Ordem de Cristo, o que na realidade significava um pagamento à própria Coroa. O dizimo era um ônus sobre a produção e incidia sobre a agricultura e a pecuária.

Durante a colonização as vilas resultaram da decisão de donatários e governadores, que tinham poder para criá-las, ou de ordem real para que se elevasse a essa categoria algum arraial. A criação de cidades, entretanto, foi sempre um atributo exclusivo da Coroa. Vilas e cidades diferenciavam-se, entretanto, bastante dos arraiais, pois só nelas estava a sede de um governo local.

Caracterizado desde o início pela imensidão das glebas concedidas e pela imprecisão de seus limites, era inevitável que o processo de apropriação das terras brasileiras acabasse dando origem, com o tempo, a uma série de conflitos. Os posseiros surgiram desde o início.

O sistema de sesmarias perdurou no Brasil até 17 de julho de 1822, quando pela Resolução 76, atribuída a José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838), pôs termo a este regime de apropriação de terras.

Não havia um formato padrão de sesmaria. O seu tamanho era determinado pela capacidade do colono em explorá-la. Nunca, tanto na Europa e nas ilhas recém-colonizadas, as áreas foram extensas. Eram pequenos lotes, pois não havia muito território a ser distribuído.

No Brasil, pela sua vastidão, não houve a preocupação de limitar o tamanho das sesmarias e nem tampouco, saber das condições econômicas dos pretensos sesmeiros para explorar a área. Por falta de controle foram doadas mais de uma sesmaria para cada colono e para piorar, foi permitido a transferência de glebas entre os sesmeiros.

As primeiras sesmarias foram doadas em 1532, durante a permanência de Martim Afonso de Souza (1500-1571). Em 1534, o rei João III (1502-1557), delegou aos governadores e administradores, o poder de conceder sesmarias. Estácio de Sá foi pródigo na doação de sesmarias. Entre 1565 e 1566 distribui 45 sesmarias e até o fim do século tinha distribuído mais de 200.

A maioria das doações de sesmarias na região central e sul não ultrapassavam as três léguas de costado, enquanto no norte e nordeste eram comuns sesmarias com vinte, cinquenta e até cem léguas de costado.

Segundo Francisco Carlos Teixeira da Silva (1) :
(...) As grandes sesmarias serão doadas nas áreas de fronteira e quase sempre fazem menção direta e regular a pastos e campos. Em 1659 são doadas 10 léguas a Garcia D’Ávila, Padre Antônio Pereira, Francisco Dias e mais dois vizinhos, com a menção de serem “(...) 10 léguas para cada um e (...) se ressalvarão também de sorte que as 10 léguas de cada um sejam de pastos, e terra, onde possam criar gado”. Já na doação feita ao Alferes Manuel de Mattos, em 1674, estipula-se que “(...) não entram matos e caatingas e somente terras de pastos”. Da mesma forma, três outras doações, feitas em 1690, falam em terras “(...) para pastos e logradouros de gados e currais (...)”.
Nestes primeiros tempos, a maior parte das terras era apropriada sem qualquer referência concreta à área ou localização, muito especialmente quando se tratavam de terras dos sertões, não tão cobiçadas quanto as ricas e bem localizadas terras do litoral. Informações vagas, dadas pelos desbravadores e capitães de índios, serviam de base, em Salvador da Bahia – sede do poder metropolitano na nova colônia e principal núcleo do aparelho legal português –, para registros cartorários, que resultavam em virtual monopólio das terras recém-conquistadas. Assim, a carta de Manoel Velho, de 1653, se refere ao apossamento “(...) da terra que houver até‚ o rio de São Francisco”. Na doação de Domingos Affonso, o Sertão, de 1674, há uma clara admissão de que o próprio sertanista desconhecia a situação das novas conquistas: “(...) e estando, as ditas terras, já ocupadas serão dadas mais além‚ pelas cabeceiras [do rio]”. Na doação de Felício Cypriano, de 1675, dá-se a entrega “(...) de toda a terra que se achar entre os rios Piagui, Araticuba e Guararema”, enquanto outra carta, de 1697, nos fala das “(...) terras que se achar e descobrir pelo Sertão”.


A família de Garcia D’Ávila (1528-1609), por exemplo, chegou a possuir 250 léguas de costado entre a Bahia e o Piauí e outras de menor tamanho, mais ainda com mais de 50 léguas de costado. Chegava a arrendar (enfiteuse) algumas de suas sesmarias para outros explorarem. Seguindo alguns cronistas da época, a família possuía o total de 800.000 quilômetros quadrados de área, o equivalente hoje às superfícies somadas de Portugal, Países Baixos e Itália.

Outros sesmeiros de grandes áreas foram Francisco Pires, Afonso Torres e Simão Gama de Andrade. Com a ocorrência de frequentes abusos e de benefícios discriminatórios, a coroa sentiu a necessidade de regulamentar a concessão de sesmarias.
Uma Carta Régia de 1695 recomendava que se concedesse no Brasil a cada sesmeiro uma extensão de no máximo quatro léguas (22 km) de comprimento por uma légua (6 km) de largura.
Em outra, de 7 de dezembro de 1697, estabelecer-se-ia o padrão de 3 léguas (17 km) de comprimento por uma légua (6 km) de largura, que perduraria largamente durante o período colonial.
Mais tarde houve a proibição de doar sesmarias para quem já fosse proprietário.

Em atendimento a uma Carta Régia, de 28 de setembro de 1700, constituiu-se uma junta para estabelecer um foro uniforme a ser pago pela posse das sesmarias. O critério estabelecido não considerava a qualidade ou dimensões das terras, mas, sua localização. Assim, até 30 léguas do litoral pagar-se-ia um foro de 6$000 réis por légua possuída e, aquelas a mais de 30 léguas, pagariam 4$000 réis por légua. Da mesma forma, o padrão é confirmado. As doações, porém, não deveriam ser contíguas uma às outras, devia existir entre elas ao menos uma légua de terra. Na definição do sistema de uso da terra, a légua de mediação entre as fazendas constituiu-se em uma área comunal, de uso coletivo, onde o gado de diversos criadores ficava à solta. A primeira medida nunca foi praticada.
A Carta Régia de 19 de maio de 1729, com pequenas alterações, confirmariam o padrão estabelecido em 1695.

(1) No seu trabalho 'Pecuária e Formação do Mercado Interno no Brasil-Colônia', publicado no periódico 'Estudos Sociedade e Agricultura de 8 de abril de 1997.

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