Leopoldo Costa
CAUSAS DAS CRISES DE FOME
As crises de fome que assolam a Humanidade podem ser naturais ou provocadas deliberadamente pelo homem. Como causas naturais podemos considerar: a destruição das lavouras e dos estoques de alimentos, provocados pela seca, chuvas e enchentes, furacões e tornados, infestação de insetos daninhos, roedores e de pragas.
As crises de fome causadas pelo homem podem ter origem política ou cultural. Problemas de logística, guerra e perseguições a grupos dissidentes.
Uma das primeiras grandes fomes que se tem registro aconteceu em 3600 a.C no Egito e Oriente Médio.
IMPÉRIO ROMANO
As grandes e prolongadas crises de fome ocorridas no Império Romano foram causadas por problemas de logística. Os administradores não tiveram a habilidade de transportar e armazenar os alimentos para atender as regiões onde ocorria a escassez. Roma era uma megalópole, a maior cidade do mundo e tudo que consumia era importado.
A cidade em 476 a.C foi afetada por uma crise de fome generalizada e centenas de pessoas decidiram suicidar atirando-se no rio Tibre para evitar um sofrimento maior.
AMÉRICA PRÉ-COLOMBIANA
Na América, em 1051, a falta de alimentos na região onde habitavam, fez com que os toltecas fugissem para a região central do México.
EUROPA
Na Europa, durante a Idade Média, as crises de escassez de alimentos foram causadas pela rigidez do sistema feudal, combinado com as precárias práticas culturais e aumento excessivo da população urbana. A falta generalizada e contínua de alimentos provocou a desnutrição na população e abriu as portas para a proliferação de doenças endêmicas como foi a Peste Negra.
Nos quase 1.000 anos da Idade Média a Grã Bretanha experimentou 95 grandes fomes e a França 75. Em 1235 os habitantes de Londres sofreram uma grande crise de fome. 20 mil pessoas morreram e existem relatos que para sobreviver muitas pessoas se alimentaram até de cascas de árvore.
Em 1315/1317 na Europa Central e Ocidental ocorreram chuvas excessivas durante a primavera e o verão. As plantações foram inundadas e a colheita foi pouca. A morte por falta de disponibilidade de alimentos atingiu 10% da população desta vasta área.
Na península itálica as piores crises de fome atingiram principalmente a população rural do norte entre 1339/1340, 1346/1347, 1352/1353 e 1374/1375. Além da má distribuição de chuvas, a produção agrícola foi prejudicada e destruída pelas constantes guerras intestinas.
As recorrentes crises de fomes da Hungria entre 1505 e 1586, levou a população a praticar o canibalismo: os pais chegaram a se alimentar com a carne de seus próprios filhos mortos, para garantir a sobrevivência.
Na Europa Oriental entre 1500 e 1700, a maioria das ocorrências de fome pode ser considerada como de origem política. A disputa pelo poder fazia com que os administradores controlassem e produção e a distribuição de alimentos nas regiões que não lhes davam suporte político.
Em 1600, na Rússia cerca de 500 mil pessoas morreram de fome depois que foi executado a mando do governo, uma deliberada destruição das lavouras.
A conhecida fome irlandesa da batata (Irish Potato Famine) ocorrida entre 1845/1849, que dizimou aproximadamente um milhão de pessoas, aconteceu devido a uma praga (um fungo) que destruiu as folhas e os tubérculos das batatas, que chegavam a apodrecer antes de serem colhidas. Acabou praticamente com toda a cultura de batata no país que ficou durante mais de 4 anos consecutivos sem produzir nada. A batata era um item básico da alimentação irlandesa e a falta dela provocou a fome generalizada.
Pelo menos, duas das maiores crises de fome do século XX tiveram origem política. Na União Soviética a crise de 1932-1934 foi causada pelo declínio da produção agrícola. O governo impôs uma rígida coletivização dos meios de produção. Aconteceu a reação de alguns agricultores que tiveram todo o seu estoque de cereais confiscado para o abastecimento das grandes cidades. A população rural ficou sem disponibilidade de alimentos. Ocorreu entre seis a oito milhões de mortos.
ÍNDIA
A superpopulação dos países asiáticos, combinado com uma produção de alimentos apenas suficiente para atender a demanda, deixaram vulneráveis países muito populosos como a China e a Índia. Não havia estoques estratégicos para atender uma emergência e qualquer alteração climática, prejudicando a safra, era motivo para a falta de alimentos.
Entre 917 e 918 na Cachemira, a fome foi o motivo da morte de um milhão de pessoas. O curso d’água do rio Jhelum foi literalmente coberto pelos cadáveres, ali deixados pela população, que apodreciam, emanando uma fetidez horrível.
Existem vários registros de graves crises de fome na Índia desde o século XIV que continuaram a acontecer com certa frequência até o século XX.
Em 1677, em Hyderabad a fome matou milhares de pessoas devido as chuvas torrenciais que caíram durante várias semanas inundando todos os campos cultiváveis.
Uma fome em Deccan entre 1702 e 1704, provocada por falta de chuvas, causou a morte de 2 milhões de pessoas.
Em Bengala, em 1769/1770, outra onda de seca causou a morte entre 3 milhões e 10 milhões da população da província.
Entre 1790 e 1792, numa vasta região abrangendo Bombaim, Hyderabad, Orissa, Madras e Gujarat, aconteceu a chamada ‘fome do crânio’- ‘Doji Bara’- que matou milhões de pessoas. O nome da fome se deu porque era impossível sepultar tantos cadáveres que ficaram por toda a parte exibindo seus crânios. Há relatos da prática de canibalismo entre a população remanescente, numa tentativa de sobrevivência.
Em 1866, principalmente em Bengala e Orissa, a escassa distribuição de chuva prejudicou as lavouras e em consequência a falta de cereais. Morreram mais de 1,5 milhão de pessoas por inanição ou doenças correlatas.
Entre 1868 e 1870, uma terrível seca atingiu as províncias do centro e do nordeste indiano e ainda Rajputana, Punjab e Bombaim e provocou a morte de milhões de pessoas. Em Rajputana entre um quarto e um terço da população pereceu. 90% do gado também sucumbiu por falta de água e de comida. Chegou a faltar água potável para beber e cozinhar.
Entre 1876 e 1878 ocorreu uma violenta fome também causada pela seca que resultou em 5 milhões de mortes.
Outra seca em 1896/1897 matou de fome ou de doença ligadas a desnutrição, principalmente de crianças, cerca de 5 milhões de pessoas.
Em 1943/1944, quando o mundo estava na Segunda Grande Guerra, na província de Bengala, o aumento especulativo do preço do arroz causado pelo fracasso na colheita, inviabilizou a sua compra pela maioria da população. A falta do cereal, básico na alimentação do país, provocou a inanição que matou quase 2 milhões de pessoas.
Em 1967 uma grande fome aconteceu em Bihar e só não foi uma catástrofe porque as notícias corriam mais rápido havendo uma expressiva ajuda dos Estados Unidos e países europeus que enviaram toneladas e toneladas de alimentos para a população.
CAMBÓDIA
Entre 1976 e 1979, cerca de um milhão de pessoas morreram de inanição no Cambódia causada por motivos políticos. Os Khmers Vermelhos que dominavam o país, expulsaram das cidades grande quantidade de pessoas, forçando-os a irem para o campos, sem estoque de alimentos e sem abrigo. Este procedimento esfacelou a economia do país e desestruturou toda a produção. A falta de alimentos provocou a inanição e a morte de milhares de pessoas, principalmente crianças e idosos.
CHINA
Na China também houve graves ocorrências entre os séculos XIX e XX. No norte, ocorreu uma grande fome entre 1876 e 1879, causada pela falta de chuvas em três anos consecutivos que acabou com as plantações de arroz. Matou entre 9 milhões e 15 milhões de habitantes.
Em 1892/1894 também causada pela seca, a falta de alimentos abateu cerca de um milhão de vidas.
Em 1928/1929 outra onda de fome matou 3 milhões de pessoas.
ÁFRICA
Entre 1064 e 1072, no Egito, durante sete anos consecutivos, não aconteceu as tradicionais cheias anuais do rio Nilo. Não houve colheita de grãos e leguminosas e milhares de pessoas morreram de fome. Alguns praticaram o canibalismo como forma de sobrevivência.
Uma grande seca provocou falta generalizada de alimentos e uma crise de fome e desnutrição na Etiópia em 1971/1973, que ceifou mais de 1,5 milhão de vidas.
Entre 1967 e 1969 aconteceu uma guerra civil de Biafra, comandada por Ojukwu que queria a independência de três estados da Nigéria habitados pela etnia Ibo. Tropas federais do governo central em contra ofensiva fecharam todas as fronteiras da região, impedindo o suprimento de alimentos. Morreram cerca de 1,5 milhão de pessoas de fome, sede e doenças correlatas.
No período de 1968 a 1974 na região do Sahel, na Africa, principalmente no Senegal, na Mauritânia, no Mali, no Alto Volta, na Nigéria, no Níger e no Chad ocorreu falta de chuvas, prejudicando a produção de alimentos. A inanição matou milhares de pessoas. As instituições religiosas e de assistência social solicitaram auxilio internacional e os alimentos chegaram em boa quantidade. A corrupção desviou muita coisa, a má distribuição por falta de meios de transporte e de planejamento não conseguiu fazer chegar os alimentos nas regiões necessitadas. Morreram 500 mil pessoas e 5 milhões de cabeças de gado.
A mesma situação se repetiu entre 1983/1984 quando cerca de 22 milhões de pessoas em 22 países morreram de fome ou de doenças causadas pela desnutrição. A seca destruiu muitas lavouras e matou muito gado.
Em 1973 na Etiópia, uma onda de seca dizimou 100.000 pessoas e grande parte do rebanho. Poderia ter sido poupado esta perda de vidas, se houvesse ajuda internacional, porém o imperador Hailé Selassié (1892-1975) preferiu não permitir a divulgação da situação, para não espantar os turistas que sempre visitavam o país.
Na Somália em 1974 a falta de chuvas provocou declínio da produção de alimentos e matou muitas cabeças de gado. A população morria por falta de alimentos. No ano seguinte a União Soviética, com sua frota de aviões, transportou 120.000 de famintos somalis e os acomodaram em fazendas coletivas que tinham implantado no sul do país.
AS GUERRAS
As guerras têm sido uma das maiores causadoras da falta de alimentos e a maior responsável por espalhar a fome na humanidade. São táticas bélicas incorretas aplicadas universalmente, a destruição das lavouras e dos estoques de alimentos, como também a destruição dos meios de transporte, inviabilizando a sua distribuição. O cerco de cidades é outro terrível método de guerra para forçar a capitulação do inimigo.
Entre 1941 e 1944, durante 872 dias o cerco da cidade russa de Leningrado pelas forças armadas da Alemanha e da Finlândia, impedindo a entrada e a saída de qualquer coisa, provocou a morte por fome e doenças correlatas de cerca de 1.000.000 de pessoas. Em 1943 o cultivo de hortaliças e legumes em todas as áreas disponíveis da cidade conseguiu minorar o sofrimento dos moradores, mas não resolveu a questão. Existem relatos de canibalismo.
BRASIL
No Brasil desde o começo da colonização ocorrem crises de fome.
Em 1750 a população da região mineradora de Minas Gerais era de cerca de 50.000 habitantes. 30.000 pessoas garimpavam ouro e pedras preciosas na pequena região delimitada por Vila Rica, Caeté, Mariana, Sabará e Pitangui, e a região não tinha estrutura para suportar tanta gente.
Esta grande aglomeração de pessoas num território exíguo e montanhoso, provocou sérios problemas de escassez de alimentos e esta carência chegou até a prejudicar as regiões vizinhas. No Rio de Janeiro, cerca de 1.000 trabalhadores abandonaram as lavouras para buscar ouro, deixando de produzir cereais.
Em 1697/1698 foi registrada na região de mineração a primeira crise de falta de alimentos e outra pior veio a ocorrer em 1700/1701. A fome grassava em todos os arraiais, obrigando a população a comer de tudo, cobras, lagartos, içás, sapos e até ‘bichos mui alvos criados em pau podre’, como chegou a escrever um cronista da época.
A dificuldade de transporte dos alimentos e a grande procura foram os motivos destas calamidades. Havia abundância de ouro e falta de produtos para serem comprados.
Segundo Zemella : ‘Não é fácil abastecer centros populacionais nascidos quase da noite para o dia. Havia gente demais para ser alimentada, vestida, calçada e abrigada. O abastecimento das minas tornou-se um problema que por vezes se apresentou quase insolúvel, sobrevindo crises agudíssimas de fome, decorrentes da total carência de gêneros mais indispensáveis à vida.’
Os alimentos vinham de longe. Para o seu transporte pelos íngremes caminhos foi organizado o comércio de mulas e criada a atividade de tropeiro, fazendo a fama de Sorocaba.
O governador conde de Assumar (1688-1756) emitiu apelos desesperados para que os criadores de São Paulo despachassem boiadas para a região de mineração, porém só em 1719 é que começaram a chegar as primeiras boiadas paulistas.
Segundo Eduardo Frieiro (1889-1982) ‘Já ao tempo do conde de Assumar, que governou a capitania das Minas de 1717 a 1721, grande como era a necessidade de carne bovina, indispensável à alimentação dos mineradores, havia-se incrementado a importação de gado, procedente de São Paulo, Curitiba e notadamente dos sertões da Bahia e Pernambuco. O conde calculava em 18 ou 20 mil cabeças de bovinos o consumo anual dos moradores, que seriam então uns 30.000. Para regularizar a importação, estabeleceu o governador contratos de fornecimento de carne e aconteceu que o estanco oriundo dessa medida provocou sérios descontentamentos que teriam concorrido para o desfecho da luta entre paulistas e emboabas. Por outra parte, o estanco da águardente, produto considerado então quase tão necessário como os gêneros alimentícios, chegou a provocar um começo de revolta na vila de Pitangui, em 1720’.
Para Laura de Mello e Souza (n.1953) no seu livro 'Desclassificados do Ouro: A Pobreza Mineira no Século XVIII', os primeiros anos da mineração foram os que a fome foi mais presente. A falta de alimentos transformou a região aurífera no ‘centro de inflação da Colônia’, onde os preços dos alimentos e produtos de primeira necessidade eram supervalorizados e calculados em oitavas de ouro. Segundo a autora, muitos dos primeiros povoados foram abandonados pelos mineiros em decorrência da falta de alimentos.
A fome acompanhou a população por todo o século XVIII, no entanto, a partir da primeira década, com a presença mais marcante do poder metropolitano na região aurífera, a fome nunca mais chegou ao extremo antes vivido. As autoridades da Colônia preocuparam com a oferta de alimentos para a região mineradora, de onde provinha toda a riqueza que a Metrópole usufruía .
A Coroa entendeu que o projeto de mineração só teria êxito se as concessões das ‘datas’ auríferas fossem acompanhadas de cartas de sesmarias doando terras destinadas à agricultura de abastecimento. Em pouco tempo, toda a região foi dividida em inúmeras sesmarias, tanto nas proximidades das minas, quanto ao longo dos principais eixos de circulação, tais como as Estradas Reais.
A fome ainda preocupa no Brasil. Principalmente no Nordeste, Norte e periferia das grandes cidades existem até hoje ocorrência de morte por fome, mas os óbitos não são registrados como tal, pois os médicos evitam esta designação que afirmam ser muito genérica. As mortes por fome e inanição são registradas como como pneumonia, diarreia, influenza e outras, doenças causadas pela debilitação da defesa do organismo pela fome. A situação foi amainada com a introdução pelo governo federal do Programa Bolsa Família.
O Bolsa Família é um programa de transferência direta de renda que beneficia 12 milhões de famílias em situação de extrema pobreza. O Programa integra a Fome Zero que tem como objetivo assegurar o direito humano à alimentação adequada, promovendo a segurança alimentar e nutricional e contribuindo para a conquista da cidadania pela população mais vulnerável à fome. Estudos oficiais apontam queda da pobreza extrema de 12% em 2003 para 4,8% em 2008.
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