Leopoldo Costa
O canibalismo foi durante muito tempo um costume difundido universalmente. Encontramos este hábito entre os povos primitivos e mesmo entre os civilizados, como os irlandeses, ibéricos, pictos e dinamarqueses do século XI.
Numa região remota do Himalaia, entre o Nepal e a Índia, era costume depois de 11 dias da morte de uma pessoa, a celebração de um culto para salvar a alma do falecido. Um sacerdote, depois das orações, se servia de arroz, legumes e pedaços da carne do defunto que era reservada para a cerimônia. O costume ainda subsiste, mas hoje a carne humana foi substituída pela carne de cabrito.
Em algumas regiões da África Central, a carne humana era comercializada entre as tribos e em razão disso havia poucos sepultamentos. Na região do rio Congo, por exemplo, homens, mulheres e crianças eram negociados livremente como se fossem animais de criação, para serem abatidos e servirem de alimento. O sangue humano era constantemente bebido pelos integrantes de diversas tribos primitivas, às vezes como ritual religioso, outras vezes como receita do curandeiro para algum mal que os afligisse ou ainda, pela convicção de que bebendo o sangue de uma pessoa valente absorvia a sua valentia.
Na ilha de Nova Bretanha (pertencente à Pápua-Nova Guiné, no sudoeste de oceano Pacífico) existiam locais especializados (açougues?) para vender carne humana para o consumo doméstico.
Nas Ilhas Salomão (arquipélago da Melanésia, centro oeste da Oceania) havia pessoas cujo negócio era a engorda de mulheres para serem abatidas e consumidas.
Na Terra do Fogo (sul da América do Sul) a carne de mulher era tão apreciada quanto a carne de cachorro.
Os habitantes antigos do Taiti e de Fiji (Oceania) consumiam a carne dos marinheiros e missionários europeus que capturavam, todavia tinham preferência pela carne das pessoas do seu povo. Achavam a carne dos europeus muito dura e salgada.
No Brasil, entre os índios da nação tupi-guarani, servir de alimento para os outros era antes de tudo um reconhecimento da bravura do guerreiro adversário.
O inimigo que aprisionavam era muito bem tratado. Antes de entrar na aldeia recebia um colar de algodão, tinha os cabelos cortados e a sua cabeça era enfeitada com um cocar vistoso. Na aldeia recebia uma jovem como companheira que lhe forneceria alimentação e também favores sexuais. Ás vezes, um prisioneiro chegava a deixar filhos. A esta jovem caberia no ato do sacrifício servir bebidas alucinógenas preparadas com folhas e raízes para todos o que estavam assistindo e antes preparar as vasilhas de cerâmica para servir a bebida. A cerimônia durava pelo menos cinco dias. No primeiro dia o prisioneiro guiado com uma corda de algodão era conduzido ao terreiro onde o seu corpo seria pintado. No segundo e terceiro dia eram realizadas festas e danças em sua homenagem. No quarto dia era levado bem cedo para um banho, começando o ritual de preparação para a sua morte. No quinto dia pela manhã a sua companheira se despedia dele e ia chorar na sua oca. O mais bravo dos guerreiros da tribo era escolhido para com uma borduna matar o prisioneiro. Depois de morto era esquartejado e as peças levadas ao fogo para assar. Algumas partes eram comidas cruas, outras moqueadas e guardadas para outro dia. As mulheres mais velhas (pela falta de dentes?) e as crianças, se serviam das tripas e miudezas (fígado, rins, pulmão etc) por serem mais macias .
Anchieta na sua obra constatou que em toda a costa brasileira os índios consumiam carne humana. Usavam a guerra para aprisionar vítimas que eram devoradas prazerosamente.
O jesuíta João de Azpilcuelta Navarro (1522-1557), que era companheiro de Anchieta, escreveu aos ‘padres irmãos de Coimbra’ em 1550 o seguinte: (...) quando fui visitar a una Aldea de las que enseño (...) entrando em la 2ª casa allé uma panela a manera de tinaja, en la qual tenían carne humana cociendo, y al tiempo que yo llegué enchaban braços, pies y cabeças de hombres, que era cosa spantosa de ver. Vi seis o siete viejas que apenas se podian tener en pié dançando por el rededor da panella y atizando la oguera, que parecian demônios en el infierno. (...)
Em 1552, outro jesuíta Vicente Rodrigues relatou que com outros missionários, impediram que um grupo de índios comesse o corpo de um índio morto numa batalha.
Quando chegou a Bahia em 1553, o jesuíta Brás Lourenço (1525-1605) escreveu uma carta também ‘aos padres irmãos de Coimbra’ relatando a viagem e a visita dele e de seus colegas que tinham ido a uma aldeia onde estava se realizando uma festa e iam matar um inimigo para ser assado e comido. As mulheres com cabaças de bebida serviam aos homens que mataram o inimigo, assaram e todos comeram.
Frei Vicente do Salvador (1564-1635) descreve na sua obra 'História do Brasil' uma cena de canibalismo: ‘(...) em morrendo este preso, logo as velhas o despedaçam e lhe tiram as tripas e fressura, que mal lavadas cozem para comer, e reparte-se a carne por todas as casas e pelos hóspedes que vieram a esta matança, e dela comem logo assada ou cozida, e guardam alguma, muito assada e mirrada, a quem chamam moquém, metida em novelos de fios de algodão e posta em caniços de fumo, para depois, renovarem o seu ódio e fazerem outras festas, e do caldo fazem grandes alguidares de migas e papas de farinha de carimã, para suprir na falta de carne, e poder chegar a todos.'
Padre Pero Correia (que foi morto pelos índios Carijós em 1554), no ano de 1551, em carta a outro colega jesuíta João Nunes Barreto (1517-1562), informou que os índios Tupinambás, quando mantinham alguém em cativeiro a espera de ser abatido, se ele tivesse filho com uma índia, este também era morto, assado e comido.
Em 1556, quando naufragou nas costas alagoanas a nau portuguesa ‘Nossa Senhora da Ajuda,’ o primeiro bispo do Brasil, Pero Fernando Sardinha (1495-1556) foi capturado, morto e devorado pelos índios Caetés, num festim.
O padre Manuel da Nóbrega (1517-1570), numa carta datada de 1559 ao governador Tomé de Souza (1503-1579), narrou que contrariando a ordem do governador, que proibia o consumo de carne humana, um morador da ilha de Corurupeba, distante sete ou oito léguas de Salvador ‘matou e comeu com festas um dos seus escravos.’ Prosseguindo, informou que Vasco Rodrigues de Caldas, a mando do governador trouxe o pai e o filho presos.
No ‘Roteiro Geral da Costa Brasílica’, Gabriel Soares de Souza (?1540-1591) descreveu os hábitos e motivos dos grupos indígenas de consumo de carne humana:
Grupos Índigenas
Motivos e Hábitos para Consumir Carne Humana
Potiguares: Por vingança
Caetés: Por vingança
Aimorés: Por ‘mantimento’
Tupiniquins: Matam e comem os contrários (Goitacases)
Goitacases: Matam e comem os contrários (Tupiniquins)
Papanases: Não costumam matar os que os ofendem, mas fazem deles escravos.
Tamoios: Comem carne de seus inimigos
Guaianases: Não comem carne humana e transformam cativos em escravos.
Carijós: Não comem carne humana e não matam brancos que vão resgatar com eles.
Américo Vespúcio (1454-1512) no dia 17 de agosto de 1501, desembarcou no litoral brasileiro com três caravelas. Permitiu a alguns marinheiros que penetrassem no interior para procurar ouro e pedras preciosas. Tiveram um prazo de cinco dias para voltar e jamais retornaram. Vespúcio assustado mandou outros marinheiros para procurar os desaparecidos. Logo que desembarcaram uma mulher com um tacape nas mãos avançou contra eles e acertou um golpe na nuca de um. Outras nativas o arrastaram pelos pés e logo adiante acenderam uma fogueira. Deceparam os seus membros, assaram e o devoraram, até lambendo os ossos.
Hans Standen (1525-1579) descreve uma cerimônia que assistiu entre os Tupinambás na região de Ubatuba: ”Convidam os selvagens de outras tribos para que assistam a cerimônia. Logo que estão reunidos todos os que vieram de fora, o principal da aldeia dá-lhes as boas vindas e diz: ‘Vinde agora e ajudai a comer o inimigo’. Os selvagens contam então a noite toda em volta da choça do que vai morrer, e o pintam. Tiram o prisioneiro da choça, que bebe com eles, e amarrando{uma corda} em todo o seu corpo, deixam-no ficar ao lado de um monte de pedras que as mulheres jogarão nele, mostrando-lhe com ameaças que o pretendem comer. Fazem então uma fogueira a dois passos do homem, um outro pega o tacape, e se afasta com outros treze ou catorze selvagens para que o sacrificado não saiba quem o vai matar. A seguir, um outro inicia o diálogo:’Sim, aqui estou eu, quero matar-te, pois tua gente também matou e comeu muitos dos meus amigos, ao que lhe responde: Quando estiver morto terei muitos dos meus amigos que saberão vingar-me. Golpeia-se o prisioneiro na nuca, de modo que saltam todos os miolos e imediatamente levam as mulheres ao morto, arrastam-no para fora, raspam-lhe toda a pele fazendo-o inteiramente branco, e tapam-lhe o ânus com um pau a fim de que nada dele escape. Depois de esfolado toma-o um homem e corta-lhe as pernas acima do joelho e os braços junto ao corpo. Vem então quatro mulheres, tomam-lhe quatro pedaços de carne e põem-se a correr pela aldeia, em torno das cabanas, fazendo grande alarido em sinal de alegria. Separam após as costas das nádegas das partes dianteiras. Repartem tudo entre si. As vísceras são dadas as mulheres. Fervem-nas e com o caldo fazem um mingau, que elas e as crianças sorvem. Comem estas vísceras assim como as partes da cabeça. O miolo do crânio, a língua e tudo o que podem aproveitar, comem as crianças. Quando tudo foi partilhado, voltam às cabanas, levando cada um o seu quinhão. Quem matou o prisioneiro recebe ainda uma alcunha, e o ‘ principal da choça’ arranha-lhe os braços em cima com o dente de um animal selvagem. Quando esta arranhadura se cicatriza, fica valendo como um ornato mui honroso. Tudo isto eu vi, e assisti...’
Os astecas ofereciam sacrifícios humanos ao deus Huitzilopochtli, seguindo um cuidadoso ritual. Ao meio dia a vítima deveria subir os 114 degraus da escadaria da pirâmide e no topo encontraria os sacerdotes seus algozes. Era iobilizado e colocado numa plataforma de pedra. Com uma faca de sílex o seu peito era aberto e o coração arrancado ainda palpitante para ser oferecido à divindade. O corpo era retalhado, chamuscado e comido pelos sacerdotes e pelos convidados que presenciavam o sacrifício. Existem registros que mais de 70.000 pessoas foram sacrificadas durante o reinado de Itzcoalt (que reinou de 1427 a 1440) que tinha como conselheiro o poderoso Tlacaelel (1397-1487), seu sobrinho.
Jonathan Swift (1667-1745), escritor inglês nascido em Dublin na Irlanda que entre outras obras é mais conhecido como autor das ‘Viagens de Gulliver’, escreveu satiricamente em 1729, no livro ‘Uma Proposta Modesta’, a sugestão para impedir que os filhos dos pobres irlandeses fossem um peso para o país. Argumentava que as crianças pobres podiam ser abatidas e servidas como alimento para os ricos, principalmente aos ricos proprietários de terra: ‘(...) uma criancinha sadia e bem criada é, com um ano de idade, o alimento mais delicioso, nutritivo e benéfico que existe, seja cozida, grelhada, assada ou ferventada, e não duvido de que igualmente para um ‘fricassé’ ou um ragu (,,,)’.
Acreditava que ninguém que tivesse dinheiro, deixaria de desembolsar dez shillings pela carcaça de uma criança após um período de engorda. Ela poderia ser preparada da mesma maneira que se faz com os leitões, e a pele depois de curtida, poderia servir de matéria prima para finas luvas e botinhas de senhora. Swift foi internado num hospício e morreu louco, dizem, que suas últimas palavras na presença dos médicos que o assistiam foi: ‘eu sou um idiota’.
Há registros de canibalismo provocado por razões de sobrevivência.
No cerco de Leningrado (hoje São Petersburgo) na Rússia pelas tropas alemãs, que durou de 8 de setembro de 1941 a 27 de janeiro de 1944, existem relatos velados do uso de carne humana para ser moida e preparar tortas e pastéis vendidos na rua para os famintos.
Em 23 de dezembro de 1972, depois de 72 dias de sumiço, foram resgatados 16 sobreviventes da queda de um avião uruguaio nos Andes chilenos. Faziam parte de um time de rugby de Montevidéu (e seus familiares), totalizando 45 pessoas, que ia disputar uma partida em Santiago. Eles confessaram que depois de uma semana sem comer, para sobreviver relutaram mais tiveram que consumir a carne de seus companheiros mortos.

Me ajudou muito em um trabalho escolar. Agradeço.
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