Texto de Leopoldo Costa
Uma das mais violentas revoluções ocorridas no Brasil teve origem numa reação dos charqueadores do Rio Grande do Sul, que não achavam justo que o charque da Argentina e do Uruguai, pagasse as mesmas tarifas aduaneiras do charque rio-grandense, para entrar nas outras províncias brasileiras.
O charque era a base alimentar dos escravos que trabalhavam no cultivo da cana de açúcar. O produto proveniente do nordeste já tinha esgotado e a única fonte seria o Rio Grande do Sul e os países da bacia do rio da Prata.
Uma das características da empresa charqueadora do Rio Grande do Sul é que funcionava à base do trabalho escravo e por isto sua produtividade era muito baixa. A manutenção do sistema escravagista exigia grande investimento em alojamentos, alimentação e mesmo para a aquisição dos escravos.
Por outro lado, os charqueadores argentinos e uruguaios os ‘saladeros’, usavam mão de obra assalariada de imigrantes, mais habilitada e mais eficiente e o produto final ficava mais barato.
Diante deste quadro, os rio-grandenses só podiam enfrentar a concorrência quando situações excepcionais afetassem a indústria da Argentina e Uruguai, ou, se o produto importado fosse gravado com tarifas alfandegárias diferenciadas. O governo não queria diferenciar as tarifas, que iria aumentar os custos do charque para os consumidores do Brasil Central e do Nordeste, pois, contrariaria os fazendeiros que tinham o poder político. Como o governo mantinha os preços do charque brasileiro artificialmente baixo, controlando as tarifas de importação do charque estrangeiro, aumentou a oposição dos industriais do Rio Grande do Sul ao Imperador.
A indústria do charque transformara o Rio Grande do Sul numa importante sociedade agropecuária. Existiam duas facções na política na província. Os ‘moderados' que apoiavam o Imperador e os ‘exaltados’ que lutavam pela reformulação da política tarifária e administrativa e exigiam maior autonomia para a província. Estes eram chamados de farrapos ou ‘farroupilhas’, denominação pejorativa, pois sugeria pobreza e má aparência. Eram representantes dos interesses dos grandes proprietários de terras e dos charqueadores e formavam uma forte corrente política na região.
No ano de 1834, quando um Ato Adicional da Regência Trina, autorizou a criação das assembleias legislativas provinciais, aumentando a autonomia regional, os Farroupilhas sentiram-se prestigiados. Houve comemorações em Porto Alegre o que irritou o governo.
Obedecendo a instruções da corte o presidente da província, Antonio Rodrigues Fernandes Braga (1805-1875) ordenou que a multidão de manifestantes fosse reprimida e se necessário até usando a força. Era o início da rebelião.
O objetivo primordial dos rebeldes, dos Farroupilhas, não era separar a província do Império, mas, sim evitar a presença do charque importado nos mercados do Brasil.
Cerca de 200 rebelados acampados nos arredores de Porto Alegre repeliram uma brigada do governo da província enviada para expulsá-los. Foi o bastante para deixar preocupado o presidente da província Fernandes Braga que temeroso fugiu para o porto do Rio Grande, declarando a cidade como sede do governo. Logo a seguir fugiu para o Rio de Janeiro.
No dia 24 de outubro de 1835, um dia após a fuga do presidente da província para o Rio de Janeiro, Bento Gonçalves (1788-1847), líder liberal, chefe da guarnição militar sediada em Jaguarão, ocupou Porto Alegre e com a ausência do presidente, empossou o vice-presidente Marciano José Pereira Ribeiro no cargo de presidente e no comando das milícias colocou Bento Manuel Ribeiro (1783-1855).
O governo federal reagiu e nomeou como novo presidente José de Araújo Ribeiro (1800-1879), futuro visconde de Rio Grande. Bento Ribeiro aceitou pacificamente a decisão e o novo presidente foi empossado. Bento Gonçalves não concordou com Bento Ribeiro, não aceitando dar suporte ao presidente José de Araujo Ribeiro que ele tinha empossado. Dirigiu as tropas para Pelotas, tomou a cidade e prendeu o comandante do regimento local Manuel Marques de Souza (1804-1875), futuro barão e visconde de Porto Alegre, que posteriormente com a ajuda do carcereiro fugiu e conseguiu, reunindo as suas tropas, marchar para Porto Alegre e depor o presidente Marciano, no dia 15 de julho de 1836.
Os Farroupilhas começaram a sentir o efeito das novas conquistas das tropas legalistas. Houve varias derrotas em combates e finalmente os dois Bentos, o Gonçalves e o Ribeiro, se defrontam às margens do Rio Jacuí, na altura da ilha de Faufa. Depois, de três longos dias de renhida luta as tropas de Bento Gonçalves renderam-se e ele preso foi enviado para a Bahia. Desta feita, um chefe revolucionário Farroupilha, o coronel Antônio de Souza Neto (1801-1866), que estava em Jaguarão, resolveu proclamar no dia 11 de setembro de 1836 a república do Rio Grande, declarando-a independente do Império do Brasil.
A vila de Piratini, próxima a Pelotas, foi escolhida inicialmente para sede da república, mais tarde transferida para Caçapava e finalmente para Alegrete, onde foi criada uma Assembleia Constituinte com 36 membros e elaborado uma Constituição.
Embora ainda preso, Bento Gonçalves foi aclamado presidente, sendo representado por um parente. A Regência, que governava o Brasil, nomeou em 1837, como novo presidente da província, Antero José Ferreira de Brito (1787-1856), futuro barão de Tramandaí, que logo se desentendeu com Bento Ribeiro.
Revoltado, Bento Ribeiro voltou às fileiras revolucionárias, então sob o comando de Antônio de Souza Neto. Atacaram Porto Alegre e foram derrotados. Em 1838, entre inúmeros fracassos e algumas vitórias, os Farroupilhas conseguiram dominar grande parte do território do Rio Grande do Sul.
Em 1839, os Farroupilhas resolveram promover uma incursão a Laguna SC, sob o comando de David José Martins, mais conhecido como David Canabarro (1796-1867), que conseguiu com a colaboração do revolucionário italiano Giuseppe Garibaldi (1807-1882), conquistar a cidade. No dia 24 de julho proclamaram a então provincia de Santa Catarina como a República Juliana, confederada com a República Piratini.
Em 1840, os revolucionários foram anistiados pelo Governo, tentando a paz, mas continuaram lutando. Em 1843, com a nomeação do futuro Duque de Caxias (1803-1880) como presidente da província e após combates em Poncho Verde, Piratini e Canguçu e muitas negociações com Canabarro e Bento Gonçalves, a paz foi finalmente celebrada no dia 1º de março de 1845.
Apesar de terem perdido a guerra a vitória dos Farroupilhas foi à imposição pela Coroa de uma taxa de 25 por cento de imposto sobre as importações de charque do Uruguai e da Argentina. Em 1902 o Congresso criou um novo imposto de 100 réis por quilo de charque.
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