3.23.2011

HISTÓRIA DA INDUSTRIALIZAÇÃO EM SÃO PAULO


O COMÉRCIO DO CAFÉ GERA A INDÚSTRIA

O DESENVOLVIMENTO DA LAVOURA CAFEEIRA

A industrialização de São Paulo dependeu, desde o princípio, da procura provocada pelo crescente mercado estrangeiro do café, principalmente da Europa. O cultivo do café começou neste estado muito depois das plantações do Rio de Janeiro, no início do século XIX. Por volta de 1850, a onda de cafezais penetrara o lado paulista do Vale do Paraíba e estendera-se até a região de Campinas, além da capital da Província. Aos poucos, viu-se que no interior de São Paulo estava o futuro do café, pois nesta região se encontravam os solos mais adequados à sua cultura.

No fim do século XIX, o mercado do café entrou a expandir-se mais depressa. A procura nos EUA e Europa crescia à medida que aumentava a produtividade; o café do Brasil de qualidade inferior se apropriava ao consumo das massas. O transporte tornou-se mais barato e seguro à proporção que os vapores de casco de ferro passaram a seguir as rotas do Atlântico Sul. O sistema comercial foi se tornando mais eficiente à medida que se estendiam as rotas marítimas, se fundavam casas importadoras e se iniciavam as operações bancárias ultramarinas. São Paulo passou a experimentar uma eufórica prosperidade.

Certas circunstâncias aceleraram ainda mais o súbito crescimento do comércio do café. No Ceilão, o principal rival de São Paulo, uma praga devastou os cafezais, cortando a produção. A escravidão foi abolida no Brasil em 1888, abrindo caminho para um a mão-de-obra mais eficiente de imigrantes europeus livres. A deposição do imperador em 1889 acarretou a instituição de uma estrutura econômica e política extremamente descentralizada, que permitiu ao governo de São Paulo estimular o comércio, e reter, no Estado, o lucro dele derivado.

Os embarques de café no porto de Santos mais que dobravam a cada década, a população do estado se elevava e a capital crescia em ritmo acelerado. O café era a base do crescimento industrial nacional, primeiro que tudo, porque proporcionava o pré-requisito mais elementar de um sistema industrial: a economia monetária. Antes da introdução do café, as fazendas, praticamente auto-suficientes, se dedicavam tipicamente à agricultura de subsistência e eram suficientemente grandes para exigir o trabalho escravo ou a participação de meeiros. Antes de 1872, havia apenas dois bancos em São Paulo, ambos filiais de firmas do Rio. Assim que os lavradores encontraram um mercado que pagava em dinheiro os seus produtos, aumentou o volume de dinheiro em circulação e o crédito bancário. Os novos bancos, cujos fundos eram investidos originalmente em transações de café, poderiam usar parte de sua capacidade de crédito para financiar industriais. O resultado foi a instalação de algumas poucas fábricas de tecidos na década de 1870. Essas fábricas transformavam o algodão produzido localmente em material tosco, cru, que se vendiam aos agricultores para que vestissem seus escravos.

Com o advento da mão-de-obra livre estimulada pelo aumento da produção e exportação do café, o uso do dinheiro difundiu-se pela população. Em São Paulo, os plantadores descobriam ser impossível atrair trabalhadores da Europa sem pagar o salário em dinheiro. Descobriam, além disto, que o pagamento de salário lhes era vantajoso. O emprego mais econômico do esforço dos trabalhadores residia na produção do café e não na cultura de subsistência, portanto os colonos, trabalhadores imigrantes, foram proibidos de plantar outras culturas depois que os cafeeiros alcançavam a maturidade. Os agricultores passaram a interessar-se mais pelos aspectos comercias e financeiros do negócio.

A estrutura do sistema agrícola era fundamentada na concentração da propriedade da terra na mão de poucos que tinham capital e influência. O sistema de mão-de-obra se baseava no europeu de origem camponesa. Trabalhavam nos cafezais por salários, como arrendatários com contratos anuais. Entretanto, 80% do rendimento agrícola ficava com os donos da terra. A escala de consumo era limitada pela alta propensão dos colonos, explorados e regulados pelo sistema, para guardar o que ganhavam a fim de poderem, um dia, voltar ao país de origem. A produtividade na cultura de café melhorou durante todo o período de sua expansão geográfica em 3 sentidos: transporte, benefício e organização comercial. A manufatura nacional contribuiu até certo ponto para os dois primeiros progressos.

Toda a política e economia, investimentos e recursos, giravam em torno e se destinavam quase que exclusivamente ao café. No início, a indústria surgiu em detrimento da expansão dos lucros gerados pelo comércio internacional do café e da infra-estrutura gerada. O comércio do café não gerou apenas a procura da produção industrial: custeou também grande parte das despesas gerais, econômicas e sociais, necessárias a tornar proveitosas a manufatura nacional. A construção das estradas de ferro proveio da expansão do café. Importantíssimo para os primórdios da indústria, em função da necessidade de matérias-primas importadas, como a juta e o trigo, o porto de Santos foi igualmente um empreendimento do café.


O DESENVOLVIMENTO DO CAFÉ COMO GERADOR DA INDUSTRIALIZAÇÃO

As primeiras fábricas eram acionadas por vapor, alimentados por carvão de lenha ou carvão importado, mas a produção subseqüente das máquinas dependia da instalação de sistemas urbanos de energia elétrica. As usinas que proporcionavam maior cota de energia, as de São Paulo e Sorocaba, foram construídas por empresas européias e norte-americanas, cuja esperança no lucro se fundava, no café, isto é, no crescimento urbano funcionalmente dependente do comércio do café. Gradativamente, foram se instalando bondes elétricos, telefone, gás e capacidade térmica e hidroelétrica necessária a fornecer energia para a indústria e para os serviços de utilidade pública.

As primeiras fábricas também se viram beneficiadas pela transformação social já operada pelo café, em particular pela presença não só da mão-de-obra, como de um quadro de técnicos e contramestres contratados na Europa para superintender as plantações ou construir estradas de ferro, ou treinados nos novos institutos superiores de São Paulo. Além da escola de Direito, fundada em 1830, escolas de Engenharia, Comércio, Medicina e Biologia se criaram antes da Primeira Guerra Mundial.

Considerados em conjunto, globalmente, esses súbitos progressos na região de São Paulo nas décadas de 1880 e 1890 foram a causa da industrialização. É importante destacar que dentre as outras economias voltadas para a exportação na América Latina o caso de São Paulo foi único. A explicação para este fato se concentra na questão do grau em que as manufaturas nacionais foram capazes de suplantar as importações. Os primeiros produtos que se fabricavam em São Paulo foram aqueles cuja relação entre peso e custo era tão alta que até com a técnica mais rudimentar custavam menos para produzir do que para comprar da Europa. Além disto, tais produtos, com raras exceções, eram feitos de matérias-primas locais ou de materiais importados, cujo volume teria sido muito maior do que se fossem completamente transformados antes do embarque. As atividades mais importantes empregavam materiais agrícolas locais, notadamente o algodão, o couro, o açúcar, cereais, madeiras de construção ou minerais não metálicos, sobretudo barro, areia, cal e pedras. Por volta de 1920, eram produzidos localmente telhas, cimento, pregos, canos de cerâmica, madeira serrada, chapas de vidro e material de encanamento, cerveja, bebidas doces e o vasilhame para engarrafá-las, sapatos caldeiras, tecidos grosseiros, móveis, peças de cantaria, farinha, potes, panelas e chapéus.

O empresário paulista produzia, no princípio, os bens de consumo mais simples. Isto era necessário porque precisava adquirir a técnica gradativamente. Ao mesmo tempo, encontrava maiores lucros em artigos cuja relação entre o peso e o custo lhe proporcionava a maior vantagem sobre as importações. A conseqüência dessa estratégia foi uma associação inevitável por parte do consumidor entre artigos de má qualidade e a manufatura nacional. O negociante precisava oferecer os artigos nacionais a preço inferior ao dos estrangeiros e por vezes para ter mais lucro falsificava os seus produtos com o rótulo ou embalagens dos artigos importados. Os industriais passaram então a exigir uma vantagem, proteção para os produtos nacionais que deveria ter o preço 10% maior que o produto nacional similar, já que o artigo importado pelo mesmo preço sempre seria preferido.

Nesta fase inicial, o setor industrial era marginal dentro da economia orientada para a exportação. Tanto os industriais quanto os fazendeiros dependiam dos preços do café para cobrir os custos de produção, mas os últimos dependiam menos das trocas externas para sobreviverem, pois podiam pagar suas despesas sem recorrer a moedas estrangeiras. O Estado, porém, apoiava a cultura cafeeira, chave do progresso material, o que beneficiava indiretamente a industrialização.


AS PRIMEIRAS INDÚSTRIAS


1810- Instala-se a primeira fábrica de São Paulo, a usina siderúrgica em Ipanema, com um subsídio real.


1811- Constrói-se a primeira fiação de algodão, na capital, que empregava energia hidráulica e braço escravo.


1836- Entra em operação a primeira usina a usar o vapor como força motriz, uma refinaria de açúcar em Santos.

O relatório oficial do presidente da província em 1852 menciona 5 fábricas: uma fiação de algodão em Sorocaba, uma usina de potassa em Bananal, uma fundição, uma fábrica de vidros, e uma fábrica de velas. No ano seguinte, se construiu uma fábrica de chapéus. Na década de 1870, fundaram-se novas fiações e umas poucas serrarias.

1855- Por ocasião de um inquérito parlamentar sobre direitos alfandegários, havia 13 fiações de algodão e uma fiação de lã, pelo menos 4 fundições, uma fábrica de fósforos e um número desconhecidos de serrarias. O primeiro cálculo, que se supunha completo, das firmas industriais, ou seja, um relatório oficial datado de 1895 e que incluía apenas a capital do Estado, fazia menção de 121 firmas que se utilizavam de energia mecânica. Delas, apenas 52 eram realmente indústrias. Onze empregavam mais de 100 operários: 3 fiações, uma fábrica de cerveja, 3 fábricas de chapéus, uma fábrica de fósforos, uma fundição e duas oficinas ferroviárias. entretanto é impossível se ter uma noção exata das primeiras manifestações do sistema fabril de São Paulo. A partir de 1870, a instalação das fabricas se multiplicou, e em 1907, havia 326 firmas no Estado e mais de 2.400 operários na indústria.

A partir deste início modesto, a economia regional de São Paulo foi-se tornando cada vez maior. Por volta de 1920, substituíra a área do Rio de Janeiro como o centro industrial mais importante do Brasil. No correr da década de 1940 possuía a maior aglomeração industrial da América Latina.


ORIGENS ECONÔMICAS E SOCIAIS DO EMPRESARIADO 1880-1914


A MATRIZ ECONÔMICA: A IMPORTAÇÃO

INTRODUÇÃO

No início, a economia do café quase não tinha capacidade industrial para alimentar-se ou vestir-se. Nos primeiros anos do surto do café o negócio das importações atingira o zênite. Assim, nas lojas apinhadas dos sírios, que comerciavam com fazendas na Rua 25 de Março, como nas lojas de luxo da Rua São Bento, o paulista comprava todos os produtos da Europa e dos EUA, desde o básico até o supérfluo. Em 1910, as importações de São Paulo igualavam a produção das usinas e oficinas do Estado. Em 1915, só o afluxo de produtos alimentícios não bastava a proporcionar meia libra de alimento diário para cada habitante do Estado. A preponderância dos artigos importados de comércio era apenas uma conseqüência secundária do rápido crescimento do comércio de exportação. A escassez de mão-de-obra arrancava braços das culturas de subsistência para a cultura do café, e, freqüentemente, as culturas de subsistência eram proibidas na fazenda. Daí que a importação suprisse maciçamente o novo mercado nacional de bens de consumo e bens industriais.

TRANSIÇÃO DA IMPORTAÇÃO PARA MANUFATURA

Posto que os produtos importados viessem substituir produtos que não poderiam ser fornecidos localmente nos primeiros dias do comércio do café, os negócios de importação não constituíam obstáculo ao desenvolvimento da indústria. Pelo contrário, foram claramente a origem de um setor industrial que cresceu a par das empresas agro-industriais dos fazendeiros. Três séries de circunstâncias favoreceram o envolvimento de importadores na criação da empresa industrial. Em primeiro lugar, por sua própria natureza, a importação requeria certo número de operações realizadas localmente. A instalação de equipamento hidrelétrico, por exemplo, de fiações ou pontes de báscula requeria uma perícia técnica cujo exercício o comprador, por via de regra, deixava a cargo do importador. Este, freqüentemente, se via obrigado a completar no local a manufatura de artigos que eram muito caros para serem embarcados completamente transformados, como pregos, cerveja e caldeiras, mas havia numerosas outras considerações além do peso e do volume. Alguns artigos, como o acetileno, eram perigosos demais para se embarcarem; outros, como biscoitos ou pasta, eram perecíveis; outros ainda, como ferragens e material de encanamento, exigiam um estoque caríssimo. Às vezes, as operações de remate envolviam matérias-primas que se obtinham mais em conta em São Paulo do que embarcadas e, portanto, permitiam ao importador investir em fornos de tijolos, serrarias ou vidrarias, que contribuíam para a construção de suas pontes, de sua maquinaria industrial ou para o engarrafamento dos seus produtos.

Uma segunda explicação da transição da importação para a manufatura reside na posição estratégica do importador na estrutura do comércio. O importador, e mais ninguém, possuía todos os requisitos do industrial bem sucedido: acesso ao crédito, conhecimento do mercado e canais para distribuição do produto acabado. A escassez de capital no comércio paulista de café corria parelha com a escassez de crédito para propósitos comerciais. Aparentemente, todo crédito derivava em última instância do estrangeiro, quer através de fabricantes ou distribuidores europeus, quer através de agências locais de bancos europeus associados com fabricantes e casas de comércio do exterior. Na década da I Guerra, quando o comércio exterior era incentivado por diversos governos europeus, colocou-se um crédito generoso à disposição de importadores para instalação de equipamento industrial.

O conhecimento de mercado que possuía o importador se constituía em vantagem inestimável. O cálculo do custo relativo da manufatura nacional supunha uma familiaridade com as oscilações dos direitos aduaneiros e de sua aplicação que não estava ao alcance dos atacadistas e de nenhum outro empresário em potencial. Como o importador em lugar de ser um especialista, era quase sempre um negociante cujos interesses abrangiam a mais ampla série imaginável de mercadorias, desde chita até locomotivas, esse conhecimento tinha todas as probabilidades de estar muito próximo da onisciência. O importador era tão valioso para o fabricante em relação aos seus mercados quanto o era em relação ao crédito que poderia proporcionar-lhe. Mas havia outro aspecto em que a posição do importador era estratégica como industrial potencial. Um sem-número de vezes os importadores converteram suas agências de vendas em fábricas autorizadas. Esse fenômeno, porém, só se registrou mais recentemente.

Em face dos seus recursos e da sua experiência, era provável, portanto, que os importadores não deixassem escapar oportunidades apresentadas pelo padrão mutável do comércio e passassem a estimular a manufatura nacional. Os importadores eram negociantes; se compravam de fabricantes franceses, alemães e ingleses, por que não comprariam de brasileiros? Claro está que era mais fácil aplicar um golpe no setor dos serviços do que na manufatura. Desenhos, partes, rótulos, depois máquinas inteiras podem copiar-se sem licença nem direitos num sítio tão remoto.

A possibilidade de que o fabricante viesse a passar por cima do importador e vender diretamente ao atacadista ou ao retalhista não poderia transformar-se em realidade, pelo menos, durante os primeiros trinta anos de industrialização. O importador pouco se preocupava com as conseqüências finais da manufatura nacional. Por conseguinte, quando os fabricantes locais solicitavam ao governo federal o amparo das tarifas, os importadores não levantavam objeções contra o aumento desses direitos. Absolutamente seguros de que seriam os intermediários do produto, fosse ele estrangeiro ou nacional, abstinham-se de queixar-se a menos acreditassem o peticionário nacional, de fato, incapaz de atender a procura.

 OS IMPORTADORES SE TRANSFORMAM EM MANUFATORES

Em meados da década de 1920, as atividades industriais de importadores convertidos em manufatureiros, impressionantemente variadas e requintadas, incluíam o controle de todas as fases da manufatura têxtil, da moagem, engarrafamento de cerveja e de bebidas, da manufatura de ferragens, da forja do aço e do latão, da laminação de metais, estampagem do alumínio, da esmaltagem do ferro fundido, fabrico do papel, da refinação de óleos vegetais e de toda sorte de máquinas feitas de encomenda - elevadores, caldeiras, fornos, bombas, balanças e equipamento de moagem.

Muito mais do que as firmas do Rio, os importadores paulistas tendiam a perder sua identidade como importadores e transformar-se em fabricantes. Isto se devia, em parte, ao fato de possuírem as firmas paulistas uma participação muito maior na criação e na expansão das fábricas. O contexto histórico também era significativo. Os importadores do Rio haviam crescido lentamente numa economia regional, que se devia tanto ao aumento da população vegetativa e ao desenvolvimento da burocracia federal quanto ao ciclo do café. Eles haviam sido importadores por muito tempo antes de adquirirem ações de empresas industriais. Os importadores paulistas mal se haviam estabelecido quando descobriram a necessidade de adaptar-se ao declínio da capacidade do café para custear as mercadorias vindas do estrangeiro. Vale notar que, enquanto os importadores de São Paulo se voltavam para a indústria à medida que a importação se tornava cada vez mais difícil, os do Rio vendiam suas empresas industriais e voltavam a ocupação original, de simples atacadistas.

Todos os grandes empresários possuíam experiência de importação. Os industriais continuavam a ser importadores por diversas razões. Primeiro que tudo, precisavam de matérias-primas do estrangeiro, sempre que pudessem aproveitar vantagens oferecidas pelas taxas de direitos aduaneiros, que aumentavam o custo do produto acabado sem aumentar o custos dos materiais necessários a sua produção. Mesmo que não empregassem matérias-primas estrangeiras, precisavam de máquinas, peças sobressalentes, lubrificantes e materiais de acabamento, como corantes, descoradores, tintas etc. Sempre que podia, o industrial fazia seus pedidos diretamente, em grande escala, para não precisar pagar comissões a intermediários. Os materiais que o industrial encomendava para as suas necessidades podiam ser estocados ou ele os comprava em quantidades superiores às de que necessitava, a fim de obter descontos.


ORIGENS SOCIAIS: A BURGUESIA RURAL

OS CAFEICULTORES E SUA GRANDE CRIATIVIDADE

Os proprietários rurais não somente sobreviveram como classe, mas também dirigiram a passagem de uma cultura rotineira de cana-de-açúcar, no principio do século XIX, para um complexo sistema industrial nos meados do século XX.

A faculdade criativa dos cafeicultores evidencia-se em duas consecuções de suma importância: a construção de estradas de ferro e a mudança para um sistema de mão-de-obra livre.

Mais difícil de se remediar era a escassez de mão-de-obra causada pelo fim do tráfico de escravos. A escravidão representava mais do que um mero desafio técnico ou financeiro: era a base social, no Brasil, de trezentos anos de exploração agrícola. Apesar disso, em contraste com as elites outros sistemas de plantações, os paulistas acabaram compreendendo que precisavam fomentar ativamente a conversão num sistema de mão-de-obra livre, se quisessem que a economia de exportação continuasse a crescer. Em 1871, a assembléia provincial votou um subsídio para as companhias formadas com a finalidade de transportar camponeses italianos. Percebeu-se também a necessidade de abolir rapidamente a escravidão, a fim de estimular o fluxo de trabalhadores livres.

O financiamento do comércio do café continuou sendo, em grau considerável, um negócio local. O comércio dividia se em duas partes: os corretores (comissários), que forneciam crédito aos lavradores, e os exportadores, que lidavam com os corretores.

Desses exemplos se pode inferir que, no intuito de valorizar suas propriedades, os lavradores eram levados a meter-se em atividades comerciais e diversas, em larga escala. As estradas de ferro e os bancos eram todos sociedades anônimas. As firmas de corretagem e de importação eram sociedades de que participavam diversas famílias de fazendeiros.

OS CAFEICULTORES INVESTEM NA MANUFATURA

O desejo de tornar mais lucrativas as propriedades agrícolas foi, igualmente, uma das molas dos primeiros empreendimentos manufatureiros.

O crescimento do mercado cafeeiro exigia outros empreendimentos industriais. Os grãos de café precisavam ser beneficiados, secados e escolhidos para serem negociados. A escassez de mão-de-obra estimulou a experiência com máquinas capazes de realizar essas tarefas. Conquanto os mecânicos que aperfeiçoaram o novo equipamento descendessem de imigrantes a iniciativa e o capital que lhes escoravam as oficinas eram paulistas. Essas mesmas oficinas produziram grande variedade de equipamento modelado e usinado, principalmente para uso nas fazendas como estradas de ferro, como caldeiras, bombas, vagões fechados de carga, e artigos semelhantes.

Entretanto, a mais importante das empresas de transformação agrícola foi a indústria de fiação e tecelagem do algodão, que se criou na esteira do modesto surto de exportação do algodão, registrado na década de 1860.

Outras indústrias, destinadas à transformação de recursos agrícolas ou minerais, construídas antes da I Guerra Mundial com o dinheiro do café, incluíam fábricas de enlatamento de carnes, curtumes, moinhos de milho e de mandioca, serrarias, fábricas de cal e de cimento, de fornos para tijolos, de tubos de cerâmica e vidrarias. Ocasionalmente, as firmas dos lavradores se estendiam além da manufatura de artigos cujas matérias-primas podiam fornecer. Possuíam estabelecimentos em que se fabricavam drogas, cerveja, pólvora, artigos esmaltados e aparelhos sanitários. Finalmente, havia grande interesse delas por benfeitorias urbanas. Constituíram-se companhias para fornecer energia elétrica, bondes, serviços de água, telefones e para empreender pretensiosas construções públicas.

A prova mais robusta de que operavam, na preponderância dos investidores privados paulistas frente aos de outros Estados, fatores não culturais, e sim, circunstâncias históricas, pode ver-se no grande número de proprietários rurais paulistas que não abandonaram as culturas de subsistência pelo café, e, no número ainda maior de brasileiros que migraram de outros Estados para participar do surto do café. O aumento da atividade empresarial em São Paulo pode explicar-se melhor pela mais intensa operação da economia de mercado, isto é, pela maior lucratividade do café e pelo uso mais completo do dinheiro como meio de troca.

A EXIGÊNCIA DA PRÉVIA ACUMULAÇÃO DE CAPITAIS E A APLICAÇÃO

É provável também que a capacidade industrial aparentemente maior dos fazendeiros bem sucessedidos escondesse acumulações preexistentes de capital. Era mister, portanto, que os recém chegados já fossem famílias prósperas, que estivessem transferindo ativos de uma região de fertilidade em declínio para outra que lhes acenasse com maiores possibilidades de lucros.

A verdadeira diferença entre os fazendeiros do Vale do Paraíba e os do Oeste paulista reside nas circunstâncias contrastantes que cercaram os primórdios do seu desenvolvimento separado. A produção de café no Vale do Paraíba atingiu o apogeu antes de 1860; em São Paulo, ela só poderia ter começado a aumentar depois de completada a estrada de ferro Santos-Jundiaí, em 1867. As plantações do Paraíba, portanto, desenvolveram-se inteiramente à sombra do trabalho escravo. Ainda que o tráfico fosse proibido em 1850, a escravidão permaneceu viável por mais dez anos, porque o aumento do preço dos escravos após o encerramento do seu comércio duplicou o valor dos "estoques" existentes. Durante as décadas de 1850 e 1860, portanto, os lucros no Vale foram reinvestidos num custoso suprimento de novos escravos. A experiência dos paulistas foi muito diferente. Nunca houve escravos em número suficiente e, na década de 1870, já era manifesto que eles representavam um frágil investimento. Em 1873, constituíam apenas 19% da população do Estado, depois de terem sido 28% em 1854. Desviados de novas aquisições de escravos, os lucros em São Paulo poderiam ser aplicados em finalidades mais produtivas. O custo inicial da mão-de-obra européia era insignificante comparado ao tráfico com a África. Talvez seja mais fácil demonstrar que a mudança para as formas capitalistas de utilização da terra e da mão-de-obra ocorreu no início e não no fim da expansão do café paraibano.

A disposição para aceitar a mão-de-obra livre, entretanto, não supunha necessariamente um enfoque mais racional nem mais humano da sua utilização por parte dos paulistas. Ao que tudo indica, estes pretenderam, de início, tratar os novos trabalhadores europeus com a mesma desumanidade com que haviam tratado os escravos, mas, com o passar do tempo, a constante escassez de mão-de-obra obrigou os fazendeiros a afrouxar seu jugo. Criou-se um contrato padronizado de trabalho e os prazos de pagamento se expandiram suficientemente para desencorajar a servidão das dívidas. Até certo ponto, portanto, o que ocorreu foi que o sistema de mão-de-obra livre estimulou uma perspectiva capitalista, e não o processo inverso.

Com a terra baratíssima em relação ao capital e à mão-de-obra, não se faziam esforços para prolongar-lhe a fertilidade. Em conseqüência disso, criou-se um padrão de fronteira falsa, que gradativamente se movia na direção do oeste e deixava após si terras que só serviam para pastos. O cafeicultor era obrigado a reinvestir em novas propriedades se não quisesse ver declinar sua fortuna real. Para realizar, todavia, o desenvolvimento de terras além das áreas consolidadas, fazia-se mister uma verdadeira promoção imobiliária, no sentido mais abrangente, e em escala grandiosa. Isso significava estradas de ferro, urbanização, serrarias, e ondas sucessivas de sertanistas, trabalhadores assalariados e negociantes.

Em suma, o êxito empresarial dos fazendeiros paulistas como classe pode ser atribuído, não a dotes inatos ou culturais, mas a operação de um mercado lucrativo, que atraia gente e fora de recompensava os capazes, ao capital trazido de outros lugares e de outras atividades, a necessidade de conformar-se às exigências de uma economia de mercado, particularmente a mão-de-obra livre, e a natureza da cultura do café, que recompensava os fazendeiros capitalistas - isto é, aqueles que reinvestiam.


O CONTROLE DO MÁQUINA GOVERNAMENTAL E AS CIRCUNSTÂNCIAS HISTÓRICAS

Os fazendeiros controlavam a máquina do governo e usavam-na constante e eficazmente em favor de seus interesses. Durante a longa luta para promover o comércio do café, eles também se utilizaram dos parlamentos provinciais e imperiais a fim de apertar com o governo para que concedesse subsídios para a imigração, a abolição da escravatura e a redução da autoridade imperial sobre a política econômica paulista. Quando a queda do império, em 1889, lhes ensejou a oportunidade de melhorar sua posição, advogaram na assembléia constituinte a descentralização política, que proporcionou a São Paulo todos os elementos essenciais da soberania com pouquíssimos ônus: o controle das terras imperiais, o direito de tributar a exportação e de agenciar empréstimos no exterior e um exército estadual. Apoiaram também a separação entre a Igreja e o Estado e ampliaram os direitos dos cidadãos naturalizados, em parte pelo desejo de incrementar a imigração. Alguns dos primeiros fazendeiros-industriais exerceram cargos políticos.

O governo do Estado ignorava as necessidades dos que não possuíam terras com a mesma efetividade com que favorecia as dos fazendeiros. Não tentou criar uma classe alfabetizada, estável ou especializada de cidadãos, quer nas cidades quer no interior. Esta evidente favorização das elites impedia a mobilidade social das classes baixas e fez com que a quase totalidade dos empresários brasileiros viessem da elite rural.

Circunstâncias históricas explicam, em grande parte, a capacidade dos fazendeiros paulistas de desenvolver a economia cafeeira sem precisar transferir para estrangeiros a maior parte dos seus recursos. O controle do comércio brasileiro estava dividido: os ingleses eram os principais fornecedores, seguidos de perto pelos alemães, mas também norte-americanos, franceses, italianos e portugueses, todos supriam o mercado paulista de mercadorias e investiam capitais em bancos. O mercado paulista nunca foi esfera de influência particular de um só país ou de um só truste financeiro.

Mesmo assim, se as potências européias não tivessem sido repetidamente desencorajadas no que dizia respeito às perspectivas de investimento em São Paulo, ou se não houvessem sofrido as catástrofes da guerra mundial e da depressão, suas repercussões no capitalismo paulista teriam sido, provavelmente, muito maiores. Durante três retrações da influência européia, os brasileiros foram capazes de encontrar suas próprias soluções para a escassez de capital e de importações e para comprar empresas estrangeiras a baixo preço.

Conquanto os empreendimentos dos fazendeiros parecessem ambiciosos e múltiplos, não constituíam um programa completo de desenvolvimento. Grande foi o papel dos imigrantes no crescimento da economia paulista, sobretudo na manufatura de bens de consumo, pois se os fazendeiros criavam a procura interna, não faziam muito para satisfazê-la. Finalmente, à proporção que a economia estadual principiou a voltar-se para a indústria de bens de capital nas décadas de 1930 e 1940, as famílias dos fazendeiros com melhores ligações políticas obtiveram empréstimos do governo e reingressaram vigorosamente no setor manufatureiro.

A mudança dos meios de produção não requer, necessariamente, mudança na composição da elite que controla e desfruta as novas fontes de riquezas. O êxito dessa elite não se deve às habilidades empresariais, nem o fracasso de outros grupos é culturalmente patológico. Ao invés disso, os principais determinantes foram histórico-econômicos: (1) as vantagens de êxitos anteriores, como a acumulação de capital e a posse do poder político; (2) os estímulos econômicos objetivos, que incluem lucros potencialmente elevados e (3) os fatores que descoroçoaram a competição de outros grupos.


ORIGENS SOCIAIS: A BURGUESIA IMIGRANTE


AS PRIMEIRAS OCUPAÇÕES DOS IMIGRANTES

Os importadores que complementaram os fazendeiros-empresários no desenvolvimento da indústria paulista foram quase sempre imigrantes. Havia muitas firmas brasileiras de importação, algumas das quais sem ligações com fazendas, mas poucas foram as que se desenvolveram e transformaram em empresas industriais. Seria interessante estudar as razões dessa identificação de um setor da economia com um só grupo social. Os forasteiros encontravam as terras e os ofícios ocupados. Então, ou se convertiam no intermediário ou não sobreviviam. Seu êxito, além disso, supera o dos que não migraram, porque está livre, até certo ponto.

A marginalidade, todavia, parece ser apenas parcialmente aplicável ao meio de São Paulo no início do século. As oportunidades econômicas que se ofereciam aos imigrantes eram apenas limitadas pelos requisitos legais da cidadania para o exercício de certas profissões, e até esse obstáculo parece ter sido, de quando em quando contornado. A propriedade da terra não era vedada ao imigrante; na realidade, vastas quantidades de terra se encontravam à venda. Para a consolidação de uma propriedade talvez fosse necessária alguma influência política, pelo menos num plano local, mas esta se adquiria prontamente através da naturalização, da filiação partidária e de acordos com o chefe político local. Como se verá, os imigrantes que se meteram no comércio e na indústria eram de origem pequeno-burguesa; sua experiência e seu treinamento, segundo se pode presumir, os predispunham a tais ocupações.

As famílias brasileiras que possuíam terras se achavam de idêntica maneira predispostas à agricultura. Caíssem ou subissem os preços do café, seus esforços eram empregados na expansão das fazendas. Os poucos membros da família que não se ocupavam de lavoura operavam firmas estreitamente associadas a ela. Os membros supérfluos das famílias de fazendeiros geralmente preferiam abraçar profissões liberais a dedicar-se ao comércio ou a indústria.

MOTIVOS QUE LEVARAM À PREPONDERÂNCIA DOS IMIGRANTES NO COMÉRCIO E NA MANUFATURA

A razão mais óbvia da preponderância de imigrantes no comércio, muito embora não explique a propensão deles para a manufatura, e a ausência quase completa de um quadro de, paulistas nativos com um estilo urbano de vida. A classe operária da metrópole se constituía, na maior parte, de imigrantes, compondo-se de homens que haviam tentado tratar de cafezais, mas não se haviam dado bem nessa ocupação, e de imigrantes subsidiados que, se bem nunca houvessem assinado contratos, tinham conseguido permanecer nas cidades. O número deles fora aumentado por imigrantes com experiência industrial – contratados em cidades italianas por industriais paulistas, mormente operários de fábricas de tecidos – e por escravos libertos que, na melhor das hipóteses, eram jornaleiros não especializados. Os imigrantes que adquiriram fortunas e conseguiram igualar-se aos fazendeiros em posição social eram de origens totalmente diversas. Os dados biográficos que se possuem revelam que quase todos, em suas pátrias, haviam morado em cidades, pertenciam à classe média e possuíam instrução técnica ou, menos, certa experiência no comercio ou na manufatura. Muitos chegaram com alguma forma de capital: economias de um negócio realizado na Europa, um estoque de mercadorias ou a intenção de instalar uma filial da sua firma. Outros haviam sido contratados para trabalhar em empresas de propriedade de fazendeiros, à semelhança dos colonos e operários têxteis, mas como técnicos ou administradores.

Uma segunda explicação da acentuada correspondência entre a industrialização dirigida por importadores e o empresariado imigrante reside no mercado que as massas rurais e urbanas nascidas na Europa proporcionaram aos que estavam familiarizados com seus gostos e hábitos. Nem a elite rural nem o grupo de negociantes nascidos no país conheciam muita coisa das preferências dietéticas, indumentárias ou arquitetônicas dos europeus. Os comerciantes italianos, portugueses e sírios importavam o bacalhau salgado, os chapéus de feltro, a pasta, o azeite de oliva, a cerveja, as especiarias e o vinho de que os europeus gostavam, logo principiaram a manufaturá-los, ao lado de outros produtos, cuja importação da Europa teria sido excessivamente dispendiosa, como trabalhos ornamentais de mármore e móveis de madeira.

Os colonos proporcionavam vultosa contribuição ao capital disponível para empreendimentos industriais, através das economias que acumulavam. De mais a mais, a comunidade imigrante representava para o empresário reciprocamente, em diversas fases da sua carreira, um apoio, e o manancial de auxiliares merecedores de confiança ou de jovens promissores que justificavam os investimentos que neles se fizessem. Os empresários tendiam a contratar ou ajudar pessoas oriundas de seus próprios países ou até vindos das mesmas cidades da Europa.

Além dos seus antecedentes urbanos e da sua experiência comercial anterior, e além das vantagens que lhes proporcionava um grande mercado de compatriotas, os imigrantes possuíam ainda outra superioridade: as conexões que podiam manter com fontes de capital nos países de origem.

AS FONTES DE CAPITAL PARA A INDUSTRIALIZAÇÃO

O capital para essas novas fábricas proveio, em parte, das mesmas fontes anteriores. Se bem continuasse a entrar no país durante a maior parte dos anos que mediaram entre 1920 e 1940, o capital estrangeiro não representou uma grande proporção do capital de risco empregado na indústria, como acontecera nas duas décadas anteriores. Os investimentos britânicos no Brasil, que totalizavam cerca de 110.000.000 de libras esterlinas em 1923 só se expandiram significativamente no setor dos fósforos e do fumo e parecem ter permanecido estacionários a partir de 1929. O investimento manufatureiro norte-americano perfazia US$ 45 milhões em 1933. No fim da década de 1940, já se podia observar um padrão: o capital estrangeiro tendia a retirar-se dos setores da indústria que se haviam estabilizado tecnologicamente. De 1929 a 1947, essa tendência se sobrepôs a um padrão mais genérico de fuga de capitais para a Europa.

Como já acontecera antes, o capital nacional foi fornecido tanto por fazendeiros quanto por importadores. Houve quem dissesse que os fazendeiros, desiludidos com a baixa dos preços do café em 1930, transferiram para a indústria grande parte do seu capital. A plantação de novos cafeeiros foi reduzida entre 1933 e 1942. É provável que alguns fazendeiros, como já havia acontecido, fossem capazes de reconhecer o lucro potencial inerente aos mercados que se ampliavam e de utilizar vantajosamente sua influência política para obtenção do necessário apoio do governo, mas é preciso não esquecer que o afastamento do café não foi repentino. A produção se manteve firme durante o ano de 1940. De mais a mais, outras oportunidades, além do café ou do investimento industrial, se ofereciam aos fazendeiros.

A DIVERSIFICAÇÃO COMO RESPOSTA À CRISE

Na maior parte do período transcorrido entre as duas guerras se expandira grandemente a produção de algodão exportável, e a produção de gado, arroz, açúcar, frutas cítricas, feijão e milho para o mercado interno corria parelha com o crescimento da população. Outros fazendeiros parecem haver realizado inversões em imóveis e construções urbanas, em seguros ou no comércio. A atividade bancária comercial continuou sendo quase que inteiramente provinda da elite fazendeira. Loteando algumas de suas propriedades mais antigas ou abrindo novos loteamentos na "orla pioneira", ao passo que conservavam, ao mesmo tempo, o controle dos recursos de crédito, das atividades do mercado e do transporte, outros fazendeiros ainda obtiveram provavelmente um lucro tão grande quanto antes, muito embora houvessem alienado parte das suas propriedades. Não obstante, o aparecimento de várias grandes empresas de equipamento ferroviário e máquinas pesadas se deveu à transferência de capitais da agricultura. Menores investimentos se fizeram em tecidos, cerâmica, ferro e aço na década de 1920 e em tecidos, fabricação de metais e ferro na década de 1930.

Os importadores se envolveram menos no crescimento da indústria nas décadas de 1920 e 1930, conquanto o padrão de distribuição continuasse praticamente o mesmo. Até os maiores fabricantes continuavam a vender seus produtos no mercado através dos importadores, que, em seguida, os vendiam aos atacadistas. Esse arranjo, sem dúvida alguma, aumentava os custos de distribuição, mas era necessário porque os importadores continuavam a oferecer crédito a curto prazo aos manufatores. No ramo dos tecidos, somente uma poucas fábricas haviam conseguido livrar-se dos importadores por volta da década de 1940.

É provável que os investimentos dos fazendeiros e importadores fossem menos importantes para o desenvolvimento da indústria nesse período do que o reinvestimento dos industriais. Os modestos cotonifícios construídos por fazendeiros no interior, por exemplo, não provocaram nenhuma redistribuição significativa de mercados, porque as fábricas da capital aumentavam ainda mais rapidamente a sua capacidade. O fenômeno da integração, já observado, continuava, e os industriais estabelecidos invadiram mais agressivamente novos campos de produção.

Por essa descrição se pode ver que não ocorreu nenhuma rápida acumulação de capital industrial no período que mediou entre as duas guerras. Parece provável que a estagnação do comércio do café tenha restringido novos investimentos por parte de fazendeiros e importadores e freiado indiretamente industriais, cortando; lhes o crédito fornecido por importadores e banqueiros estrangeiros. O relativo declínio do investimento estrangeiro relacionou-se, obviamente, com o colapso de padrões comerciais mundiais. Afinal de contas, as adições mais significativas ao parque industrial paulista talvez haja sido as pequenas oficinas que principiaram a aparecer em setores tecnicamente adiantados da indústria, tais como equipamento elétrico, máquinas, ferramentas, plásticos e peças de automóveis. Do ponto de vista do capital acumulado não teriam parecido importantes antes de 1940, mas do ponto de vista da transformação final da estrutura da indústria fora realmente importantes. Fez-se uma lista de todas as firma de São Paulo que se dedicavam a uma dessas linhas de produção, a de máquinas, fundadas entre 1920 e 1940 e que em pregavam mais de cem operários por volta de 1961. As transferências de capital de outros setores foram substanciais em pouco menos da metade do total de trinta e sete firmas. As restantes parecem haver-se auto-financiado, utilizando-se dos próprios lucros.

As origens desse novo grupo de empresários são, na maioria dos casos, obscuras; se puder, entretanto, generalizar a partir de uns poucos casos, talvez se possa dizer de um modo geral, que eram membros dos estratos inferiores da classe média, criados na cidade, quase sempre imigrantes de primeira ou segunda geração, que haviam obtido algum treinamento técnico.

CARACTERÍSTICAS PECULIARES DA INDÚSTRIA PAULISTA QUE ATRAPALHAVAM O RÁPIDO CRESCIMENTO

Duas características da indústria paulista devem ser assinaladas, pois talvez expliquem o lento crescimento nas décadas de 1920 e 1930: a ausência de qualquer tendência para a concentração e a organização de cartéis e outras associações controladoras dos preços e da produção. A aparente falta de concentração na indústria paulista tem sido notável e tem-se constituído, portanto, em objeto de especulação. Duas explicações se oferecem: as que a atribuem à capacidade das firmas pequenas de sobreviverem e as que a atribuem à incapacidade das firmas de tamanho grande ou médio de se fundirem. A primeira espécie de explicação inclui custos elevados de transporte, sonegação de impostos e outros gêneros de ilegalidades praticadas pelas unidades menores, e políticas monopolistas de fixação de preços por parte das firmas maiores. Os custos do transporte poderão, até certo ponto, explicar a sobrevivência das firmas menores no interior, e mesmo de artesanatos primitivos: observadores encontraram em Minas Gerais, na década de 1920, uma produção de panos de algodão fiados em casa. Mas não explicarão a comuníssima coexistência de oficinas grandes e pequenas nas cidades.

Já se sugeriu que a falta de qualquer tendência das firmas maiores e de médias para se fundirem esteja relacionada com a perpetuação da propriedade familiar. Ainda que as empresas assumissem amiúde a forma de sociedade anônima, esta continuava uma companhia da família. Poucas companhias chegavam sequer a vender algumas ações ao público. As poucas vendas particulares registradas nos mercados de títulos de São Paulo e do Rio de Janeiro geralmente assinalavam transferências dentro do círculo familiar. A administração da companhia era confiada a parentes, de preferência filhos ou genros; o estranho infreqüente na direção da companhia possuía mais o status de dependente da família do que de empregado. Os industriais estavam "ocupados demais para pensar em absorver outras firmas e tinham demasiado orgulho do nome da família para permitir que a sua firma se fundisse com outras. Seus métodos de planejamento eram em grade parte, intuitivos. Suas empresas se viam, freqüentemente, encostadas na parede porque os auxiliares de administração se recrutavam mais pela lealdade do que pela competência ao passo que a segunda geração, não raro, se mostrava incapaz de assumir responsabilidades.

É forçoso reconhecer, todavia, que a identificação entre a firma e o patrimônio familiar é uma característica universal dos primórdios do capitalismo; não há razão para se esperar que o empresário consinta em perder o controle pessoal da sua companhia, a menos que algo o obrigue a isso. Nos EUA, o processo de mistura se verificou muito mais cedo e difundiu-se muito mais, provavelmente em razão da existência de um mercado enorme, mercado que, a princípio, induziu a maioria dos empresários a buscarem refúgio na cartelização, em seguida, estimulou alguns, os mais brilhantes, a criarem consolidações ao longo de linhas funcionais, com um grau de especialização nunca visto até então. Na Europa o processo foi muito mais lento e no Brasil ainda não se completou. Até a década de 1950 o mercado brasileiro só existia em sentido limitado, não só porque o transporte era oneroso mas também porque, até o fim da década de 1930, parte da renda dos diversos Estados dependia de tarifas interestaduais.

Era possível, portanto, a uma firma permanecer sob o controle pessoal de um só empresário e dos seus parentes e, sem embargo disso, ser suficientemente grande para manter uma posição oligopolista no mercado paulista. De mais a mais, o controle familiar não era, necessariamente, avesso ao empreendimento. Os fabricantes faziam com freqüência esforços para preparar os filhos para assumirem. As disputas no seio das famílias eram, às vezes, sintoma de que o mais competente, ou talvez o mais implacável dos herdeiros estava tomando conta do negócio.

AS TENTATIVAS DE COMBINAÇÃO

Posto que não ocorresse mistura na indústria paulista, seria um erro supor que não se registraram tentativas de combinação. Pelo contrário, formaram-se cartéis na maioria das linhas de produção já mais ou menos mecanizadas, e umas poucas firmas monopolizaram certos gêneros. Havia, em meados da década de 1920, associações comerciais que provavelmente se empenharam na fixação de preços para os produtos (a metalurgia, calçados, couro e peles, madeira de construção e drogas.

Houve, sem dúvida alguma, cartéis, em diversas ocasiões, da moagem da farinha, do papel, dos chapéus, da sacaria de juta e da cerveja. 80% ou mais da capacidade produtora de fósforos, lâminas de vidro, óleo de caroço de algodão, linha para coser, cerveja, enlatamento de carne, cimento, ferro gusa e rayon pertenciam a três firmas apenas. Só nos tecidos de algodão não se estabeleceram cartéis. É provável que esta circunstância esteja relacionada com o grande número de fábricas em operação e as amplíssimas variações de sua eficiência.

Outra espécie de combinação principiou a ser praticada na década de 20 entre os industriais paulistas: o "pool" dos recursos de diversas famílias, ou a dotação de parentes mais distantes a fim de criar novos negócios. As maiores dentre as sociedades famílias ou combinações de clientela, que revelavam certa estabilidade e diversificação em atividades imobiliárias, comerciais e bancárias passaram a chamar-se "grupos". Reuniram consideráveis quantidades de capital, fábricas e poder político sem precisar vender ações ao público nem fundir-se.

O POUCO CRÉDITO DA INDÚSTRIA PERANTE A POPULAÇÃO

Outra característica constante da indústria paulista deve ser assinalada antes de examinarmos as mutáveis circunstâncias da década de 1920: permaneceu marginal e um tanto desacreditada. O público desestimava os industriais por motivos cuja culpa não lhes cabia totalmente, como a qualidade inferior e os preços altos, mas também observou muitos casos de cupidez e oportunismo manifestos. Os empresários não familiarizados com a contabilidade dos custos tinham ainda menores probabilidades de reconhecer o valor das relações públicas, de modo que existe considerável documentação para um enfoque do capitalismo paulista na base do "barão salteador". Grande parte desse material foi divulgado por sócios comerciais prejudicados em seus direitos ou por jornalistas cujas tentativas de extorsão eram contrariadas. Os industriais se viram, em várias ocasiões, acusados pela imprensa, de usura, trapaça no jogo, participações em negócios reservados por lei aos nacionais, exploração de concessões do governo para introduzir contrabandos, calote no pagamento de dividendos a acionistas e mendicância de fórmulas a laboratórios de análises do governo. É muito provável que os empresários também copiassem produtos patenteados, se empenhassem na prática do dumping e falsificassem rótulos.

Embora houvesse, evidentemente, muita verdade nos relatos populares acerca da desonestidade e dos negócios escusos dos industriais, havia também muito exagero. A crença, por exemplo, de que as falsificações levadas a efeito em porões secretos eram a origem de algumas fortunas andou ligada ao nome de vários industriais. Esse tipo de história é prova manifesta da incapacidade de se criar uma ideologia capitalista. As massas que trabalhavam nas fábricas e a classe média que consumia os produtos do industrialismo não se persuadiam de que riquezas em tão grande escala pudessem ser honestamente adquiridas. Em sua ingênua concepção, tanto dinheiro só poderia ser conseguido mediante algum pacto com o diabo. A legitimidade do capitalismo industrial, entretanto, estava em jogo até nos recantos das ilegalidades que realmente se verificaram. Os empresários de São Paulo nunca foram capazes de impor aos canais de comunicação uma visão mais favorável das suas atividades, talvez porque não fossem capazes de tamanho grau de organização, porém mais provavelmente por não serem capazes de se iludirem a si mesmos a tal ponto.

O crescimento industrial de São Paulo retardou-se nas décadas de 1920 e 1930 talvez porque o comércio do café já não estimulasse a manufatura local com a mesma eficácia dos anos anteriores. O mercado rural não crescia com a mesma rapidez e as novas infusões de capital eram escassas. É também possível que certas características estruturais da indústria -a dispersão do esforço em pequenas oficinas, o controle familiar, os cartéis e a fixação dos preços- tenham parte da culpa. Como quer que seja, são todas a par de uma tendência para operar fora das normas sociais e legais, fatores significativos de "conjuntura", aspectos do meio em que agia o empresário. É preciso tomá-las em consideração para se compreender a percepção que tinham os industriais das oportunidades que se lhes ofereciam à medida que tentavam engrandecer sua posição no mercado e na sociedade durante os anos escoados entre as guerras.


CONFLITOS ENTRE AS ELITES O INÍCIO DA AUTOCONSCIÊNCIA


A CONSCIENTIZAÇÃO DOS INDUSTRIAIS

Os industriais de São Paulo só perceberam a tendência para um desenvolvimento mais lento da economia de após-guerra no princípio da década de 1930. Antes disso, atribuíam seus contratempos a uma série de acontecimentos fortuitos. Em 1921, queixaram-se do acentuado declínio da renda das exportações; em 1924, do saque e da destruição durante a revolta do exército; em 1925, da escassez de energia elétrica provocada pela seca; em 1926, da política deflacionária do governo federal; e de 1927 a 1929, da concorrência das importações estrangeiras. Os industriais reconheciam, evidentemente; que o sério decréscimo nas vendas sofrido nos primeiros anos da década de 1930 fora causado principalmente pela crise do comércio mundial. Mais tarde se ouviram muitas referências ao "excesso da provisão", isto é, a um abarrotamento temporário do mercado. De modo geral, portanto, o tom dos pronunciamentos feitos pelos industriais era otimista.

Conquanto os industriais não propendessem a mostrar desalento e não tivessem consciência de tendências a longo prazo no ritmo do desenvolvimento, as dificuldades com que começaram a topar no meio da década de 1920 encontraram expressão na exacerbação de seus conflitos com outros setores da economia. À medida que se tornava mais difícil a obtenção de lucros, tornava-se necessário analisar as próprias despesas com espírito mais crítico, o que levava a uma visão mais precisa da eficiência alheia. Em conseqüência disso, os manufatores entraram a pensar em função dos seus interesses de grupo em oposição aos interesses dos outros – os fazendeiros, os importadores, a classe média. Isto, por seu turno, propiciou o advento da coesão e da consciência própria.


INDUSTRIAIS X FAZENDEIROS:

1) A POUCA OPOSIÇÃO AOS FAZENDEIROS

É um tanto surpreendente verificar-se que os industriais se mostravam menos inclinados a opor-se aos fazendeiros do que ao governo ou aos importadores. É possível discernir alguns motivos de ressentimento que os manufatores poderiam ter contra os proprietários de terras. Há, por exemplo, a insistência destes últimos em que "máquinas, ferramentas e instrumentos destinados a finalidades agrícolas e suas respectivas peças e acessórios... bem como tratores e veículos para a agricultura mecânica e o transporte rodoviário, e os adubos naturais e químicos... sejam isentos de impostos de consumo e de exportação, pagando apenas uma taxa de serviço de 2%".

Os industriais compreenderam que, no sentido mais amplo, sua prosperidade dependia do setor agrícola. Eles devem ter ficado desconcertados pelas demonstrações de incapacidade dos fazendeiros de aumentarem sua eficiência. A produtividade do setor rural não cresceu no período que se estendeu entre as guerras; prova disso se encontra no valor inalterado dos estoques de maquinaria agrícola de 1920 a 1940, apesar do aumento de 35% da superfície cultivada. Informou-se que a produção da indústria açucareira diminuiu durante a maior parte da década de 1920, não em virtude de uma redução da procura, mas em resultado de várias novas doenças da cana-de-açúcar, contra as quais os fazendeiros não se defendiam.

Apesar disso, os manufatores decidiram não contestar a definição do problema agrícola dada pelos fazendeiros. No entender destes últimos, a dificuldade não residia na sua incapacidade de diminuir os custos de produção, nem na sua relutância em permitir que produtores marginais fossem eliminados do mercado, senão no declínio geral dos preços mundiais das mercadorias. Em 192l, tentou-se novamente a valorização no meio de súbita queda das vendas de café. Enfrentando preços que eram apenas uma quarta parte dos de 1919, fazendeiros persuadiram o governo federal a comprar quase um terço da safra. Felizmente, por volta de 1925, esses estoques haviam sido liquidados graças às safras menores dos anos seguintes.

Mas o governo federal, sob um presidente mineiro, já se cansara de sustentar os fazendeiros, e a valorização seguinte teve de ser levada a cabo sob a direção de um organismo semi-particular, o Instituto do Café, financiada por empréstimos estrangeiros e pelo Banco do Estado de São Paulo, estadual. A compra dos estoques se converteu em operação contínua, que encorajou plantios de novos cafeeiros. Em 1928, uma safra pesada obrigou à aquisição de 16.000.000 de sacas, financiada com quase 100.000.000 de dólares de banqueiros de Londres e New York. Em 1930, o governo revolucionário achou necessário reassumir a responsabilidade federal pelo problema do café. Os estoques que se encontravam em mãos de governos estaduais foram comprados e destruídos. Em 1937, mais de 70% haviam sido queimados ou atirados ao mar.


2) A INFLUÊNCIA POLÍTICA DOS FAZENDEIROS E O PROBLEMA DO ALGODÃO

Através do controle do eleitorado rural, os fazendeiros se achavam na posse efetiva do governo. Daí que os industriais, prudentemente, decidissem apoiar os lavradores e a ala conservadora do Partido Republicano Paulista em troca de favores intermitentes. Essa política teve êxito modesto. Os manufatores fizeram campanha em favor de todos os candidatos oficiais para governador, desde 1916 até ao fim da velha República, e receberam recompensas adequadas. Os manufatores só se arriscaram a enfrentar os fazendeiros numa questão, suficientemente limitada para fugir ao problema da legitimidade política, mas crítica do ponto de vista dos lucros: a incapacidade das fazendas paulistas de fornecerem algodão bastante às fábricas de tecidos. Antes da I Guerra, a indústria têxtil proporcionara o ímpeto para a expansão de uma cultura comercial do algodão em São Paulo. A produção local excedeu as importações do exterior e de outros Estados em 1913 e, em 1919, exportou-se vultosa quantidade. Embora ficasse demonstrado nesse ano que uma boa safra de algodão paulista poderia liquidar a competição externa, os fazendeiros pareciam considerar o algodão como especulação. Plantaram-no em 1918 porque a geada lhes arruinara os cafezais. Conseguiram bons preços e dobraram as exportações no ano seguinte. Mas o preço do café subiu mais depressa que o preço do algodão no princípio da década de 1920 e, quando voltou a cair depois de 1926, não caiu tanto.

Por conseguinte, novos cafeeiros continuaram a ser plantados e os fazendeiros só se dedicavam ao algodão como atividade subsidiária, plantando invariavelmente mais depois de temporada de preços baixos, de sorte que os preços e os suprimentos sofriam variações extremas e desencorajavam inevitavelmente um investimento firme ou a melhoria da qualidade. A maior safra de algodão, de quase 27.000 toneladas métricas, foi colhida em 1925; dela se exportaram mais de 9.000 toneladas e, a fim de satisfazer à procura das fábricas paulistas, que consumiam quase tanto algodão quanto o produzido nesse ano pelos fazendeiros, foi necessário trazer mais de 7.000 toneladas dos Estados do Norte. De 1926 a 1932 a produção de algodão no interior do Estado declinou e os fabricantes passaram a depender cada vez mais de fornecedores externos. As manobras impessoais de vantagem relativa aborreciam os fabricantes de tecidos de algodão, que se julgavam forçados a pagar mais caro suas matérias-primas. Os Estados do Norte taxavam as exportações de algodão exatamente como São Paulo taxava o café e as despesas de frete acresciam os custos. Os fabricantes entraram a queixar-se de que o algodão de São Paulo, não classificado, tinha fibra curta e era de qualidade inferior.

INDUSTRIAIS X IMPORTADORES:

1) A IMPORTÂNCIA DOS IMPORTADORES

Antagonismo mais sério surgiu entre industriais e importadores. Em seus primórdios, a indústria de São Paulo deveu muito aos importadores no tocante a máquinas, capitais e mercados. Começara representada por simples oficinas acessórias de manutenção o fornecimento de peças para os negócios mais estratégicos e lucrativos da importação. Muito embora as oficinas crescessem, os importadores não viram nelas ameaça potencial, porque levavam ao mercado tanto os fabricantes nacionais quanto aos estrangeiros.

Apesar do aumento da venda de produtos nacionais, o comércio importador não se achava em declínio. O paulista consumiu, em média, cerca de vinte e oito dólares anuais de artigos importados na segunda metade da década de 1920, em confronto com dezoito dólares per capita consumidos nos cinco anos prósperos que antecederam a Primeira Guerra Mundial.

Além disso, os importadores ainda ocupavam posições estratégicas. Continuavam a dirigir as associações mercantis, como a Associação Comercial de São Paulo, que possuía um conjunto misto de sócios. Alguns indícios da tradução dessa espécie de prestígio em poder político podem encontrar-se na composição do Conselho Superior do Comércio e da Indústria, órgão federal criado por decreto presidencial em 1923, que se destinava a assessorar o governo em assuntos econômicos e apresentar projetos seus.

Além de uma maioria de burocratas federais, com responsabilidades financeiras e comerciais, figurariam no Conselho oito "representantes do comércio" e apenas quatro da indústria. Os importadores poderiam contar também com o apoio da classe média urbana, vítima principal da inflação provocada pelas tarifas elevadas e pelo dinheiro barato.

2) A OPOSIÇÃO DOS INDUSTRIAIS ÀS VANTAGENS OBTIDAS POR IMPORTADORES E CLASSE MÉDIA

Os industriais, por outro lado, haviam conquistado algo mais do que a tolerância dos fazendeiros por se haverem abstido de atacar-lhes frontalmente os privilégios. Mostravam-se geralmente prontos a colaborar quando o inimigo comum eram a classe média e os importadores. O emprego mais proveitoso dessa aliança foi a política deliberadamente inflacionária arrancada ao governo federal de 1920 a 1923. Durante a I Guerra e nos cinco anos subseqüentes, os fazendeiros puderam pagar suas dívidas sem maiores dificuldades mercê da maciça emissão de papel-moeda a que se entregava o governo. Os industriais, de um modo geral, se agradavam dessa política, porque a inflação aumentava o preço das importações e lhes ampliava as margens de lucro. Sempre sensível às exigências dos fazendeiros, o Partido Republicano Paulista adotou uma política implacável de emissões e crédito fácil no congresso federal.

O Pres. Arthur Bernardes, que não era paulista, sentiu-se alarmado. Viu-se alvo de críticas da classe média, que incluía oficiais mais jovens do exército, os quais consideravam os fazendeiros não apenas como antagonistas mas como traidores do ideal republicano, pois o seu controle do governo só se perpetuava através da fraude e da manipulação eleitorais. Bernardes foi obrigado a inverter sua política financeira. Principiou a retirar papel-moeda da circulação. Pouparam-se os fazendeiros às conseqüências dessa impiedosa deflação através do lançamento de um empréstimo extraordinário pelo Instituto do Café de São Paulo, mas os fabricantes permaneceram vulneráveis. Não deram, contudo, expressão política à sua consternação.

Os industriais solicitaram a Bernardes que desse ordens ao Banco do Brasil para facilitar os descontos comerciais a fazer empréstimos sobre os estoques existentes nos armazéns das fábricas. O auxílio, todavia, só lhes foi concedido depois que outro paulista, Washington Luís, assumiu a presidência. Este adotou de pronto a proposta alternativa dos industriais, a saber, "estabilização da taxa de câmbio, num ritmo razoável". Reinstituiu o mecanismo de conversão do Banco do Brasil e assegurou, dessa maneira, uma taxa de câmbio firme, situando-a, porém, num nível consideravelmente inferior ao que Bernardes atingira. Nessas condições, fazendeiros e fabricantes receberam de volta o seu dinheiro barato, ao mesmo tempo que se desvanecia para os importadores e para a classe média o medo de nova inflação.

3) O SEGUNDO "ROUND": A LUTA PELO PODER NA ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DE SÃO PAULO

Um segundo teste da força relativa dos importadores e industriais começou a aparecer à medida que se dissipava a controvérsia sobre a taxa de câmbio. Em 1926 e 1927, os industriais começaram a propor um aumento geral das tarifas. Desde 1900 não se redigira nenhum plano geral nesse sentido; ao invés disso, as taxas eram aumentadas individualmente, depois de um trabalho feito junto a deputados por uma associação ou até por uma única firma. Às vezes, a revisão era revogada da mesma forma por importadores cujos negócios lhe sofriam as conseqüências.

Nessa época, a Associação Comercial de São Paulo era o principal porta-voz dos negócios do Estado. Fundada em 1894 por comerciantes e manufatores, em 1917 absorvera uma organização semelhante, chamada Centro do Comércio e da Indústria de São Paulo. Após a fusão, a Associação Comercial parece ter sido controlada pelos comerciantes e importadores, e os interesses do comércio passaram a dominar-lhe a agenda.

Em janeiro de 1928, os membros da Associação ficaram surpresos ao descobrir que se apresentara uma chapa de dissidentes para se opor aos candidatos indicados pela diretoria cujo mandato expirava. A chapa dissidente era composta exclusivamente de industriais enquanto a chapa oficial só continha comerciantes. De mais a mais, as duas listas se situavam, politicamente, em pólos opostos: os dissidentes contavam com o apoio da máquina do Partido Republicano Paulista e com o endosso do governo, ao passo que a chapa oficial tinha o apoio do recém-organizado Partido Democrático, de tendências moderadamente reformistas. Em nenhuma outra ocasião se delineou tão claramente o reagrupamento político emergente de São Paulo. Os industriais não formavam na vanguarda do reformismo político nem da ambiciosa classe média; ao contrário identificavam-se com "a situação" e tudo o que ela supunha.

A divisão que se esboçava na Associação foi remendada pela nomeação conjunta de um novo comitê deliberativo, que escolheu uma chapa inteiramente nova de candidatos. As eleições que se seguiram foram as mais concorridas em toda a história da Associação. Os candidatos de conciliação, importadores e exportadores com interesses industriais, foram eleitos e os membros das suas chapas originais se concedeu assento conselho consultivo. O discurso de posse tentou reconciliar os interesses feridos. A defesa dos preços do café para os eleitos era um principio legítimo de política comercial, comparável às tentativas britânicas de fixar o preço da borracha ou ao controle norte-americano dos preços do petróleo. O protecionismo não precisava ser adverso aos interesses dos negociantes; estes teriam maior número de produtos nacionais para vender. Ele fora informado de que 95% dos artigos localmente vendidos já eram produtos nacionais. Os industriais, entretanto, não estavam dispostos a aceitar essa posição ambígua e decidiram, poucos meses depois, fundar uma associação de comércio separada, a que deram o nome de Centro das Indústrias do Estado de São Paulo.

4) O CASO DOS FABRICANTES DE TECIDO

Os fabricantes de tecidos, que tinham conhecido alguns anos prósperos depois da guerra, haviam assistido ao decréscimo das suas vendas em 1924, que se fixaram em pouco mais de 500.000.000 de metros. E não atribuíam esse declínio às suas insuficiências empresariais, mas ao aumento da concorrência do exterior. As importações de tecidos de algodão, em sua maioria de cor ou estampados, ultrapassaram oito mil toneladas em 1928 - 13% do consumo total.

De acordo com os manufatureiros, os ingleses buscavam uma alternativa para os seus evanescentes mercados hindus. Esperavam poder reconquistar a preponderância anterior no comércio brasileiro, arruinando os industriais nacionais pelo dumping e pela depreciação dos direitos aduaneiros. Sustentavam, além disso, que os níveis mais elevados de preços da década que se seguiu à guerra não tinham sido acompanhados de revisões dos tributos. A proteção efetiva, conseqüentemente, era apenas a metade da pretendida na tarifa de 1900.

O Jornal do Commercio, O Estado de S. Paulo e outros jornais que representavam os comerciantes da classe média reformista, atacaram os donos de fábricas. Mas, as cláusulas do algodão, por conseguinte, foram revistas em janeiro de 1929. É possível que outras campanhas se houvessem seguido, mas o inicio da depressão tirou da luta tarifária toda a sua importância. Nos três anos seguintes à revisão, o tecido importado quase desapareceu do mercado, principalmente porque a economia brasileira já não estava em condições de comprá-lo.

A POUCA COESÃO DA CLASSE INDUSTRIAL

Embora poucos manufatores fossem capazes de articular uma defesa racional dos interesses do grupo, e se bem muitos mais, aderindo ao Centro das Indústrias, revelassem algum sentido de solidariedade de classe, não se pode dizer que a coesão dos industriais fosse muito além. Os rigores da competição ou o processo de produção, que fazia de alguns os fornecedores ou fregueses de outros, provocavam excessivo antagonismo. Em certos casos, as usinas de montagem se opunham à implantação de manufaturas básicas com a mesma sanha com que os importadores se haviam oposto à instalação das usinas de montagem. Os fabricantes de tecidos, por exemplo, combatiam a proteção tarifária não só para o algodão mas também para corantes e máquinas. As poucas firmas pequenas que produziam negro de carvão e anilinas nunca foram contempladas com taxas protecionistas, e os fabricantes de teares tiveram de enfrentar, na década de 1930 as exigências dos fabricantes de tecidos de que se interrompesse a produção nacional.

Os fabricantes de papel, que haviam obtido se proibisse a importação de equipamento para o fabrico de papel, foram queixar-se ao governo ao descobrir que se planejava encetar a produção de celulose, a qual, supunham eles, seria acrescentada à capacidade adicional de fabricação do papel. Insistiam também em que a manufatura nacional de máquinas de papel se limitasse à substituição das fábricas existentes, visto que a indústria se achava em "estado de superprodução". Os impressores, por outro lado, encaminharam ao governo um memorial em que negavam as alegações dos fabricantes de papel e solicitavam a instalação de novas máquinas.

A fim de proteger os fabricantes de ferro e aço do Estado, que outra coisa não faziam senão fundir sucata, os representantes paulistas ao congresso federal se opuseram sistematicamente à criação de uma indústria de transformação de minérios em Minas Gerais. Por seu turno, as companhias de construção exigiam da Associação Comercial que impugnasse as tentativas dos fabricantes no sentido de elevar as tarifas sobre as importações de aço. Casos como este dão a entender que a implantação anterior de indústrias de bens de consumo talvez tenha retardado o desenvolvimento de indústrias mais básicas, pois cada unidade de consumo, fosse ela o consumidor final, houvesse um intermediário, tenderia a opor-se ao aumento do custo de suas aquisições.

Entre as guerras, uma coisa que impressiona é a ausência de exortações em prol de novas indústrias. Eles bradavam, em termos genéricos, por investimentos em áreas que lhes reduziriam os custos, tais como a produção e o transporte do algodão, mas o seu interesse pela proteção à indústria só abrangia as linhas existentes de produçâo. Nesse período, não foram os "empresários", senão os engenheiros, jornalistas e burocratas que se manifestaram a favor da criação das indústrias do aço, do petróleo e de produtos químicos.

OS INDUSTRIAIS ENFRENTAM A SOCIEDADE E O ESTADO 1920 - 1945

OS INDUSTRIAIS E "A QUESTÃO SOCIAL"

AS PÉSSIMAS CONDIÇÕES DE TRABALHO DOS OPERÁRIOS E OS BAIXOS SALÁRIOS

O conflito entre manufatores e operários é importante para o estudo do empresariado porque, no tratamento que dispensam a mão-de-obra, revelam os empregadores muita coisa acerca do que pensam da sociedade e do papel que representam dentro dela. A tarefa de conservar homens, mulheres e crianças realizando um trabalho extenuante e até perigoso, por longas horas mediante um magro salário, requer mais racionalização do que a defesa de tarifas protecionistas ou de facilidades de crédito. Os operários e seus sindicatos não eram simples rivais econômicos por suas pretensões aos lucros; eram também testemunhas e críticos do sistema fabril e do capitalismo.

As condições de trabalho em São Paulo dificilmente se justificariam. Em 1920, o industriário paulista médio percebia quatro mil-réis (US$ 0,60) por dia, de dez horas ou mais, durante seis dias por semana. As mulheres representavam cerca de um terço da força de trabalho e havia muitas crianças. Não admira que, famílias inteiras fossem trabalhar, muito embora às mulheres e às crianças se pagasse menos por tarefas equivalente.

O orçamento de uma família de sete pessoas, destinava para alimentos quase quatro vezes o que recebia um trabalhador médio em São Paulo. O industriário não ganhava muito mais do que diaristas agrícolas, que percebiam cerca de 3$700 por dia, era talvez menos bem pago do que os colonos das fazendas de café, se bem precisasse comprar para o seu sustento muito mais coisas do que eles. As condições de trabalho eram duríssimas; muitas estruturas que abrigavam as máquinas não haviam sido originalmente destinadas a essa finalidade; além de mal iluminadas e mal ventiladas, não dispunham de instalações sanitárias. As máquinas se amontoavam ao lado umas das outras e suas correias e engrenagens giravam sem proteção alguma. Os acidentes se amiudavam porque os trabalhadores cansados, que trabalhavam às vezes, além do horário sem aumento de salário ou trabalhavam aos domingo eram multados por indolência ou pelos erros cometidos fossem adultos, ou surrados, se fossem crianças.

O suprimento de operários aumentava constantemente. Durante a década de 1920 entraram em São Paulo, vindas da Europa, maiores quantidades de imigrantes do que as chegadas nos quinze anos anteriores e, quando se desencorajou a imigração na década de 1930, essas quantidades foram substituídas por um fluxo ainda maior proveniente do setor agrícola e de outros Estados. Por conseguinte, se os operários não queriam ficar nas fábricas isso talvez se devesse ao fato de ser qualquer emprego preferível ao trabalho industrial.

O PATERNALISMO DOS EMPREGADORES

Até certo ponto, os empresários paulistas suplementavam a remuneração inferior dos trabalhadores com vários benefícios. Há testemunhos da existência de creches e jardins de infância, armazéns, igrejas e restaurantes de companhias, casas fornecidas pelos empregadores e assistência médica. Porém, argumenta-se que até as instalações de assistência à infância e de recreação fossem deduzidas do ganho dos operários. Além disso, apenas uns poucos dentre esses serviços eram gratuitos.

Esse costume, que tratava os operários como extensão da maquinaria, pode ser considerado mais progressista do que a atitude paternalista representada pela expressão "pai dos pobres", porque, pelo menos, anunciava uma exploração mais plena e racional das possibilidades dos trabalhadoras. Pressupõe-se que as tendências para o paternalismo sejam muito robustas nas primeiras fases da industrialização, visto que nem o operário nem o empresário tinham perdido ainda o anseio recíproco de segurança e veneração, peculiar à sociedade tradicional. Não obstante, o paternalismo era considerado pelos contemporâneos, em São Paulo, o mais avançado dos dois papéis, a despeito da clara implicação de que o trabalhador teria de permanecer, moral e politicamente uma criança diante do patrão.

A NEGOCIAÇÃO POLÍTICA DA QUESTÃO SOCIAL:

1) A INTERVENÇÃO DA CLASSE MÉDIA

A "questão social" tornou-se um problema politicamente negociável durante a Primeira Guerra Mundial. O súbito advento da inflação e a escassez de gêneros alimentícios causaram tremendas dificuldades aos operários, cujos sindicatos cresceram rapidamente em número e militança, e provocaram inúmeras greves, inclusive as greves gerais de 1917 e 1919. Os apuros dos operários despertaram na classe média urbana certa dose de simpatia, por motivos não só humanitários mas também de interesse próprio.

De um lado, os profissionais liberais, os burocratas e os pequenos negociantes, que empregavam mão-de-obra em escala reduzida e causal ou não a empregavam de maneira alguma, podiam dar-se ao luxo de desprezar os industriais pelo tratamento dispensado aos trabalhadores e de sentir-se moralmente compelidos a salvar das suas garras esses infelizes. Por outro lado, o foco do descontentamento dos operários, a inflação, era o mesmo que enfurecia a classe média. Além disso, as providências que a classe média advogava visando à elevação dos industriários pareciam quase sempre implicar, para a sua execução, a criação de novos empregos burocráticos, que lhe seriam destinados. Daí que as campanhas civilistas em São Paulo, em 1910 e 1918, incluíssem apelos retóricos aos trabalhadores.

A capacidade da classe média de embaraçar os manipuladores conservadores do Partido Republicano e o reconhecimento de que os operários e suas organizações, pelo menos potencialmente, eram uma força que devia ser agradada, redundou na promulgação de umas poucas leis pelos governos estadual e federal. O Código Sanitário Estadual, que incluía dispositivos sobre o emprego de menores, foi revisto em 1917, depois da greve. Exigia que os menores de dezoito anos tirassem licenças de trabalho, que continham prova de idade, consentimento dos pais e prova de alfabetização.

A medida não representou um inconveniente sério para os empregadores, porque não especificava nenhuma idade mínima. Em 1919, o seguro de acidentes foi tornado compulsório nas companhias de transporte e construção e nas fábricas que empregavam máquinas. A família de um operário falecido poderia receber até 3.600 mil-réis (400 dólares) se estivesse ganhando um salário médio, e fundaram-se várias novas companhias de seguros industriais, em que figuravam de maneira preeminente nomes de políticos paulistas.

Texto de Warren Dean em 'A INDUSTRIALIZAÇÃO DE SÃO PAULO'  Editora: Bertrand Brasil – 4ª edição – 1991. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa

2 comments:

  1. Graças a esses avanços, podemos obter uma tecnologia melhor, porque nos esforçamos para obter o melhor resultado possível

    ReplyDelete

Thanks for your comments...