3.25.2011

A HISTÓRIA DO ENLATAMENTO DE ALIMENTOS

Leopoldo Costa


A LATA

Desde 1620, alguns artesãos (funileiros) da Alemanha já fabricavam recipientes de folhas de zinco, chumbo, estanho ou outros metais para guardar alimentos secos, como farinha e grãos. Estes recipientes foram os precursores das latas.

O sistema de ‘estanhamento’ de folhas delgadas de ferro foi inventado na Boêmia no final do século XI e ficou conhecido na Bavária no início do século XIV. O ‘estanhamento’, que é a cobertura da superfície da folha com um fina camada de estanho, era mantido em sigilo absoluto. Segundo a lenda, foi João V (1439-1507), duque de Saxe-Lauenburg que ficou conhecendo a técnica deste processo no final do século XV, difundindo-a para a França e a Inglaterra, que começaram a produzi-las

As delgadas folhas de ferro ‘estanhadas’ produzidas ficaram conhecidas em português como ‘folha de flandres’, ‘tinplate’ em inglês, ‘Weißblech’ em alemão, ‘latta’ em italiano, 'fer-blanc' em francês e ‘hojalata’ em espanhol.

Em 1764 as tabacarias de Londres já vendiam rapé embalado em bonitas latinhas de folha de flandres.

Até o final do século XVIII, não era permitido a embalagem de alimentos úmidos ou líquidos em recipientes de folhas de flandres, pois temiam que pudesse contaminar os alimentos.

A LATA DE ALUMÍNIO

Em 1957 o alumínio foi introduzido na fabricação de latas e em 1959 surgiu a primeira cerveja em latas de alumínio nos Estados Unidos. A demora da sua introdução foi o custo da matéria prima. Em 1825, quando começou a ser extraído da bauxita, o custo de um quilo de alumínio era equivalente a US$1.200, só com os novos processos de extração a partir de 1852 é que os custos começaram a  abaixar, chegando a US$30 por quilo em 1942. Com a reciclagem das latas usadas o custo diminuiu mais ainda  permitindo a sua popularização para o enlatamento de cervejas e refrigerantes.

A ESTERILIZAÇÃO

Os Romanos não conheciam o processo de esterilização, mas, conservavam vinho durante décadas em ânforas de cerâmica que eram hermeticamente fechadas, seladas com cera e guardadas em locais frescos. Tentaram conservar alimentos no mesmo recipiente lacrado, porém eles estragavam num curto espaço de tempo.

Nicholas François Appert, (1750-1841) descobriu em 1795 a esterilização de alimentos. Ele colocou frascos de vidros hermeticamente fechados com alimentos, deixando-os  ferver num recipiente com água (banho-maria) durante um determinado tempo.

Este processo participou de um concurso realizado pelo governo francês, que procurava uma maneira prática e segura de conservar alimentos para alimentar os soldados em guerra.

Appert foi premiado em 1810, com 12.000 francos, entregues pessoalmente pelo imperador Napoleão Bonaparte (1769-1821) e o seu invento provocou uma mudança na indústria de conservação de alimentos. Com o prêmio recebido Appert deu início a primeira empresa comercial de enlatamento de alimentos do mundo.

Ele não sabia exatamente por que os produtos não deterioravam, mas atribuía isso a eliminação do ar interno do recipiente pela ação do calor. Ele tentou aquecer os alimentos colocados numa vasilha aberta e depois encher os frascos de vidro e fechá-los hermeticamente, porém, os alimentos deterioraram.

A polêmica perdurava entre os técnicos e os cientistas e o governo francês decidiu contratar o químico Joseph Louis Gay Lussac (1778-1850) para investigar e explicar o motivo da conservação dos alimentos no processo de Appert.

Depois de certo tempo pesquisando Gay Lussac concluiu que era a eliminação do ar interno, o mesmo que tinha pensado Appert, é que protege os alimentos da deterioração. Não estava certo. O motivo verdadeiro só foi explicado em 1862 por Louis Pasteur (1822-1895). Segundo Pasteur houve a destruição de todos os micro-organismos presentes nos alimentos pela ação do calor e o fechamento hermético evitou apenas a entrada de novos micro-organismos no recipiente.

Appert mais tarde publicou uma obra ‘O Livro para Todas as Donas de Casa’ ou ‘A Arte de Preservar Substâncias de Origem Animal e Vegetal por Longo Tempo’.

Cinquenta após a descoberta um sobrinho de Nicholas, Raymond Chevallier-Appert criou a autoclave (equipamento que usando vapor sobre pressão atinge altas temperaturas e é mais eficiente do que a esterilização em água fervente) e o manômetro para medir e registrar a temperatura das autoclaves, o último patenteado em 1852.

O ENLATAMENTO

A simplicidade do processo de Appert fez imediatamente que conservas fossem produzidas em pequena escala, nas residências ou pequenas indústrias.

Os produtos apenas eram processados em vasilhames de vidro que eram frágeis e de transporte difícil e para substituí-lo, foi patenteada em 1810, na Inglaterra por Peter (ou Pierre) Durand a lata de folha de flandres. Durand obteve uma patente do rei inglês Jorge III (1683-1760) bem abrangente. Referia-se ao processo de preservar alimentos usando: ‘recipientes (ou vasos) de vidro, de cerâmica, estanho ou outros metais e materiais adequados.’

As latas foram inventadas antes do processo para abri-las. As primeiras latas traziam a instrução do fabricante, que deveriam ser abertas com martelo e formão.

Em 1855, Yates patenteou de um dispositivo em forma de garra para abrir as latas. Outro tipo de abridor de latas foi inventado e patenteado nos Estados Unidos por William W. Lyman (1821-1891) em 1870, embora em 1858, Ezra Warner já tivesse patenteado outro tipo.

Foram Bryan Donkin (1768-1855) e John Hall, também ingleses, que aplicaram na prática a invenção de Durand, inaugurando em 1813, a primeira fábrica de Dartford Iron, que abasteceu as tropas britânicas e por ironia enviou ‘corned beef’ até para a ilha de Santa Helena, onde estava exilado Napoleão Bonaparte (1769-1821).

Em 1824 algumas latas de carne em conserva e sopa de ervilhas foram levadas pela expedição de Sir William Edward Parry (1790-1855) ao polo Ártico. Em 1944 algumas latas abandonadas pela expedição foram recolhidas e apresentavam boas condições. Uma das latas de carne abertas pelos cientistas foi consumida pelo gato do laboratório que comeu e nada sentiu.

O enchimento das latas de ‘corned beef’ era artesanal e efetuado por uma abertura deixada na tampa com cerca de 3,5 cm de diâmetro. A carne a ser enlatada era previamente cozida, colocada nas latas e estas tendo uma tampinha tapando a abertura era introduzida numa câmara onde era obtido o vácuo. Depois, através de visores de vidro e ainda sob vácuo, as tampinhas eram soldadas na lata e a operação terminada.

Em 1812, Thomas Kensett Sr. (1814-1877) montou em Boston nos Estados Unidos, uma pequena fábrica que produzia latas de carnes, salmão, frutos do mar e legumes, seladas a vácuo.

Em 1821 William Underwood[1] (1787-1864) construiu também em Boston, uma grande indústria de enlatamento. Underwood enlatava além da carne, legumes, frutas e temperos. Inicialmente usava frascos de vidro, que foram substituídos mais tarde por latas de folhas de flandres. Em 1828, a sua fábrica chegou a exportar leite condensado enlatado para a América do Sul.

Recravadeira Antiga
Em 1825 em sociedade com Ezra Dagget, Thomas Kensett obteve a patente do processo nos Estados Unidos. Mais tarde, criou o sistema de fechamento das latas através da recravação automática. A recravação automática consistia em juntar a tampa e o corpo da lata ‘costurando’ mecanicamente as bordas de ambas, o que agilizou o processo e permitiu grande volume de produção.

Em 1839, Isaac Winslow iniciou suas experiências para enlatamento de milho verde nos Estados Unidos. Só treze anos depois em 1852 foi que teve sucesso, obtendo o registro da patente em 1853.

Em 1892 foi feito o primeiro enlatamento de abacaxi em rodelas, nos Estados Unidos.

No ano de 1866 foi inventada pelo norte americano J.Osterhoudt, a lata com uma ranhura semi vazada e com a chavinha de arame para facilitar a abertura.

No mesmo ano de 1866, E. M. Lang patenteou um sistema de soldagem das tampas e fundos das latas.

Em 1868 foi criado o processo de envernizamento interno das latas mediante a aplicação de uma resina, que evitava o contato dos alimentos com a camada de estanho dos recipientes.

Em 1888 foi inventado nos Estados Unidos o sistema de recravação da lata por costura dupla e usando em vedante para aumentar a eficácia. Ficou mais tarde conhecida como ‘lata sanitária’, depois das melhorias introduzidas pela empresa de George Cobb em 1898.


A empresa ‘George A. Hormel & Co.’, foi a pioneira no enlatamento de presunto nos Estados Unidos em 1926. 

Outro marco da indústria foi em 1897, quando John T. Dorrance criou a sopa condensada em lata para a ‘Campbell’ que virou um ícone para os americanos e serviu até de inspiração para Andy Warhol (1928-1987) para criar um famoso quadro.

Em 1935 apareceu nos Estados Unidos a primeira cerveja em latas.

Em 1960 foi patenteada nos Estados Unidos a lata com o sistema de abertura puxando uma argola, que ficou conhecida como ‘easy open’.


ENLATAMENTO DE CORNED BEEF

O enlatamento de ‘corned beef’ foi um dos primeiros setores a usar a invenção do processo de conservação elaborado por Appert em 1795.

As latas eram produzidas em diversos tamanhos desde a menor comportando 2 libras (907g) até a maior com 70 libras (31,7kg).

Em 1840, a marinha britânica comprava apenas de uma fábrica instalada na Alemanha, ás margens do Danúbio, 1.227 toneladas de ‘corned beef’ por ano.

O suporte alimentar do exército britânico nas duas grandes guerras mundiais foi o ‘corned beef’, ideal para as tropas em movimento podendo ser consumida fria, retirada diretamente da lata.

Durante a Segunda Grande Guerra os Estados Unidos distribuíam latas de ‘corned beef’ para a população dos locais em que conquistava. No sul da Itália criou-se até o hábito de comer esse tipo de carne pela população que passava fome.

A lata piramidal (o mais correto seria trapezoidal) para ‘corned beef’ foi criada por Arthur A. Libby, depois de adquirir a patente do produto em 1875. A lata de formato diferente nas duas bases tinha como propósito, facilitar a retirada do conteúdo num só bloco.

Na década de 1920, foi criado por engenheiros norte americanos, o processo de produção de latas com o formador de corpos. A lata era composta de uma só peça mais a tampa e não tinha costuras laterais.

PEQUENA HISTÓRIA DA LIBBY'S, UMA EMPRESA PIONEIRA

Um dos principais produtores mundiais de alimentos enlatados, a Libby's foi criada em Chicago, nos Estados Unidos em 1868 por Archibald McNeill e os irmãos Arthur e Charles Libby, que vendiam carne salmourada em barricas. Em 1875, a empresa começou a produzir 'corned beef' em latas piramidais.

O 'corned beef' tornou-se, pelo preço e comodidade muito popular, e em torno de 1880 a Libby’s já empregava 1.500 pessoas e abatia por ano cerca de 200.000 bovinos 
Como outras grandes empresas processadoras de carne de Chicago, os animais eram abatidos no 'Union Stockyard'.

As latas de 'corned beef' eram vendidas na Europa, onde era consumida por civis e soldados. No período de 1888 a 1920, a Libby's foi controlada pela Swift & Co. 

Durante os primeiros anos do século XX, a empresa começou a enlatar e comercializar também legumes, milho verde, ervilhas e frutas.

Em meados da década de 1930, empregava cerca de 9.000 pessoas. O faturamento anual passava dos US$ 100 milhões durante a década de 1940.

Na década de 1970, a Libby's foi adquirida pela Nestlé, da Suíça e teve vendas anuais de cerca de US$ 500 milhões.


 A MARCA ‘EXETER’

A marca Exeter é uma das mais antigas e conhecidas marcas de 'corned beef' no mundo e existe desde o início do século XX. É a preferida do consumidor em vários mercados em todo o mundo e seu rótulo diferenciado tem sido imitado por inúmeras marcas concorrentes. Não possui fábricas de corned beef. Os produtos da marca Exeter  são produzidos pelas principais indústrias de enlatamento da Argentina e do Brasil, mediante terceirização.







[1] Em sociedade com Charles Mitchel

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