3.25.2011

A HISTÓRIA DO EXTRATO DE CARNE

Leopoldo Costa

TIPOS DE EXTRATO DE CARNE

São classificados três tipos de extrato de carne, dependendo do grau de concentração do caldo. O chamado 'extrato fluido', que contem aproximadamente 50% de umidade,  o 'extrato sólido', que contem aproximadamente 25% de umidade. Também existe o 'extrato em pó'.
Atualmente o extrato de carne é usado como ingrediente na fabricação de ‘caldo de carne’ em tabletes, sopas, molhos e até uma grande cadeia de lanchonetes usa-o para dar sabor as suas batatas fritas.

LIEBIG, O CRIADOR DO EXTRATO SÓLIDO

 Fábrica de Fray Bentos em 1921
O químico alemão barão Justus von Liebig (1803-1873), foi professor em Giessen de 1824 a 1852 e em Munich de 1852 a 1873. Com suas experiências, foi um dos descobridores do clorofórmio e também um dos que ajudaram a desenvolver os primeiros fertilizantes agrícolas artificiais.

Desde o ano de 1855 realizava testes em seu laboratório com um produto que dizia ser milagroso e revolucionário, de alto valor proteico e que poderia ser indicado para recuperação de pessoas enfermas, debilitadas e de soldados feridos na guerra. Era o 'extrato de carne', obtido mediante o cozimento em caldeirões de pressão, de carne bovina livre de cartilagens, ligamentos e tendões, até ficar bem concentrado.

O seu sonho era desenvolver a produção em escala comercial do produto, mas o problema era o custo da carne bovina na Europa. O extrato que conseguiu produzir no laboratório da ‘Farmácia Real’ de Munich era de um preço impossível de ser comercializado. Para produzir 100 kg de extrato era necessário o cozimento de 7.000 kg de carne com osso ou cerca de 30 bois.

As ideias de Liebig chegaram ao conhecimento do engenheiro belga George Christian Giebert, de  descendência alemã, que vivia no Uruguai e por isto muito bem informado sobre a abundância e preços baixos da carne bovina na região dos Pampas da América do Sul.
Em meados do século XIX abatiam-se bois nos Pampas, apenas para aproveitar a língua, o couro, o sebo e algumas vezes, parte da carne que era salgada para a fabricação de charque.

A ideia de instalar uma empresa para implantar o projeto da fabricação de extrato de carne na América do Sul, foi enviado por Giebert  em um documento via correio para Liebig, que devido aos seus muitos afazeres, não deu a devida importância. Giebert não esmoreceu, tomou um navio para a Alemanha e em Munich num encontro pessoal, mostrou o seu projeto ao professor, que interessado, se prontificou a colocar a disposição do jovem engenheiro, todos os segredos da fabricação do produto. Liebig foi convidado para ser sócio da empresa a ser criada para este empreendimento.

De volta ao Uruguai, Giebert providenciou a produção experimental  do extrato de carne de Liebig numa pequena fábrica, próxima a Montevidéu, e enviou  amostra para Munich, que foi examinada e aprovada pelo químico.

A licença para produção foi então concedida. Em 1861, Giebert viajou para a povoação de Fray Bentos às margens do rio Uruguai, quase na sua desembocadura no rio da Plata, com o objetivo de escolher um local para construir a fábrica de extrato de carne.

Em 1863 ele adquiriu terras, criou a empresa e montou uma pequena fábrica para a produção de extrato de carne. O sucesso do produto na Europa foi espetacular e os pedidos eram maiores do que a capacidade da fábrica em produzi-los. Em razão disto, Giebert viajou mais uma vez para a Europa e demonstrando as vantagens, conseguiu um financiamento de 500.000 libras esterlinas de comerciantes e banqueiros britânicos e belgas para a criação da 'Liebig Extract of Meat Company' com sede em Londres e que se propunha a produzir um grande volume de extrato da carne. Com a disponibilidade de capital investiu na ampliação da fábrica de Fray Bentos.

Com a remodelação, além do extrato a empresa diversificou suas atividades vindo a produzir outros produtos de origem animal como sebo, lã, crina, ossos, farinha de ossos, couros, farinha de sangue, farinha de carne, albumina de sangue, línguas defumadas, fertilizantes e óleos refinados.
O volume produzido de extrato de carne, apesar de ter sido multiplicado por centenas de vezes, ainda era insuficiente para atender a demanda.

As vantagens eram flagrantes: com quatro quilogramas de extrato e farinha de trigo ou aveia, fazia-se em poucos minutos uma nutritiva sopa para um batalhão de 128 soldados.

A produção de extrato de carne continuou em crescimento até os últimos anos da década de 1910. Depois da Primeira Grande Guerra, com a crise econômica que abateu sobre a Europa  e a concorrência do Bovril de Johnston que fazia propaganda maciça nos jornais e revistas, as vendas da Liebig caíram bruscamente e o estabelecimento de Fray Bentos passou por sérias dificuldades financeiras e esteve prestes a fechar.

Em 1920, foi vendida para o ‘Frigorífico Anglo’ (Grupo Vestey), empresa de capital inglês. A fábrica foi toda remodelada e em 1924 reinaugurada com novas instalações, que além de extrato de carne, tinha equipamentos para produzir carne curada (cured beef), peito de boi enlatado, língua de boi enlatada e ‘corned beef’. O extrato de carne continuou a ser produzido, porém agora, como um sub produto da fabricação de ‘corned beef’ com preço bem inferior.

JOHNSTON, O CRIADOR DO EXTRATO FLUÍDO (BOVRIL)

O escocês John Lawson Johnston (1869-1900) quando adolescente trabalhava no açougue do seu tio em Edimburgo, que mais tarde tornou-se de sua propriedade. Ele ficava impressionado com o volume de recortes de carne que mandava para a graxaria, junto com os ossos e o sebo. 


(Acima uma propaganda do Bovril da década de 1910)


Interessado e como tinha estudado rudimentos de química com o prof. Lyon Playfair, recolheu estes recortes em separado e cozinhou-os numa panela de pressão até desmanchar e formar um caldo amarronzado viscoso e grosso. O produto era conhecido como ‘meat graze’- ‘glace de viande’ e fez sucesso no seu açougue por que era barato e não perecível. Dedicou-se na fabricação do produto e chegou a abrir outra fábrica  em Holyrood.

Em 1871, convencido pelas oportunidades que poderia ter, decidiu emigrar para o Canadá e desenvolver o seu negócio. Começou a produção.
Em 1874 a fama do produto chegou até Paris e Napoleão III encomendou da empresa de Johnston um milhão de latas de carne em conserva para alimentar as suas tropas. Convenceu os franceses em substituir a encomenda por 'meat graze'. Ele teve que aperfeiçoar o ‘meat graze’, que tinha o defeito de tornar-se sólido à temperatura  ambiente um pouco mais fria, por que continhagrande quantidade gelatina extraída das aponevroses da carne, durante o processamento. O 'meat graze' foi então hidrolisado com uma substância alcalina, tornando-se sempre pastosa, fácil de embalar e de usar. O novo produto ganhou o nome comercial de ‘Johnston Fluid Beef’- ‘carne fluida de Johnston’ e a marca comercial de ‘Bovril’. O exército francês recebeu a sua encomenda e o produto foi aprovado.  Pelo seus bons serviços Johnston foi condecorado com a Ordem da Cruz Vermelha Francesa.

Em 1880 sua fábrica pegou fogo e ele voltou para a Escócia. Nove anos depois, em 1889 criou a empresa Bovril, que depois de sua morte foi administrada pelo seu filho George Lawson Johnston , condecorado em 1929 com o título de Lorde Luke. Em 1966 foi lançado no mercado a versão instantânea. A marca Bovril hoje pertence a Unilever. Na Escócia, o caldo de carne é usado para misturar no chá que é tomado no inverno e vendido em garrafas térmicas, nos estádios de futebol.

O governo britânico era grande comprador do produto. Os soldados britânicos que lutavam na guerra dos Bôeres (1880-1881), na África do Sul levava como ração de emergência uma lata de 4 onças (113g) de extrato fluido de carne e outra com 5 onças de pasta de cacau. 

4 comments:

  1. Boa tarde!
    Voce tem algum artigo mais completo?
    Processamento, etc.
    To precisando fazer um trabalho e me ajudaria bastante.
    email: dayamantes@gmail.com

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  2. No Pantanal na fazenda do Luiz Lacerda tem uns barracoes de alvenaria abandonados que consta serem uma antiga fabrica de extrato de carne dos Ingleses

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    1. Muito interessante! Eu adoraria ver uma foto disso.

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  3. Muito obrigado pela postagem, Leopoldo Costa. Anos atrás eu estava curioso pra saber a origem do caldo de carne. Encontrei seu artigo naquela época e o favoritei. Hoje estou relendoo e percebendo o quanto a leitura desse texto, anos atrás, mudou a minha percepção sobre os caldos de carne, suas formas de uso e a influencia que ele teve para a humanidade. É realmente fascinante, e te agradeço pelo seu trabalho e por disponibiliza-lo para nós.

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