Na América do Sul, antes da chegada dos espanhóis, os Incas, nos altiplanos andinos a mais de 4 mil metros de altitude, elaboravam um produto dessecado com carne de lhamas cortada em tiras, denominado charqui. É provável que a técnica dos incas tenha chegado às regiões Nordeste e Sul do Brasil, por duas rotas distintas a partir de Cuzco: ao longo do rio Amazonas, e pela cordilheira dos Andes. Mas foi no século 18 que a produção de charque destinado a alimentar os escravos concentrados em torno da cultura da cana-de-açúcar, no litoral, e da mineração, no interior do país, deslanchou, primeiro no Rio Grande do Sul, e depois no Ceará.
As antigas charqueadas brasileiras -de triste memória devido à crueldade na matança do gado, falta de higiene, poluição ambiental e brutal exploração da mão-de-obra sazonal- multiplicaram-se até a metade do século 20, quando começaram a ser substituídas por matadouros-frigoríficos que continuaram fabricando charque, agora em condições higiênico-sanitárias adequadas. Surgia, assim, uma indústria nacional de carne bovina inspirada no modelo das multinacionais Anglo, Armour, Swift e Wilson, que aqui se estabeleceram na época da I Grande Guerra.
Atualmente, em várias partes do mundo, ainda são encontrados diversos produtos cárneos salgados e dessecados muito apreciados nas suas regiões de origem. Esses produtos constituem uma categoria à parte porque são feitos com matéria prima cortada em mantas ou em tiras, e têm como único ingrediente não cárneo o sal, embora alguns sejam condimentados. No Brasil predominou o charque, que teve um papel importante na história econômica do país, viabilizando a expansão da atividade pecuária, antes do uso generalizado da refrigeração comercial e doméstica.
O charque, vulgarmente conhecido como carne-seca, sempre presente na culinária popular, em pratos tão apreciados como a feijoada e o arroz de carreteiro, vem conquistando ultimamente as cozinhas dos melhores restaurantes do país. Uma matéria do "Jornal do Brasil"(03/11/01) menciona alguns dos bons restaurantes do Rio de Janeiro, nos quais cresce rapidamente a saída de pratos como o risoto de charque desfiado, acompanhado de purê de abóbora e mandioca frita.
Na estatística oficial, referente a 1986, constata-se que o charque foi o produto cárneo com maior volume de produção, 117 mil toneladas, a maior parte(71%) fabricada no estado de São Paulo. A evolução da produção daí em diante é desconhecida porque, lamentavelmente, o Ministério da Agricultura deixou de publicar o Anuário Estatístico do Serviço de Inspeção Federal.
Considerando-se a importância desse produto tipicamente nacional que chegou a ser exportado para uns poucos países em pequenos volumes, seria interessante promover alguma prospecção de mercado externo, aproveitando-se da crescente demanda por alimentos étnicos e das colônias brasileiras em países como o Japão e os Estados Unidos.
O charque é o produto cárneo ideal para ser exportado, pois é concentrado (45% de umidade), tem uma ampla vida-de-prateleira à temperatura ambiente, e agrega valor à carne de dianteiro e ponta-de-agulha de bois e vacas.
Por Pedro Eduardo de Felício, adaptado para ser postado por Leopoldo Costa
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