4.08.2011

FAZER CHURRASCO É UMA ARTE

O tempo passa, a modernidade está aí e junto dela uma infinidade de produtos industrializados e semi prontos disponíveis nas gôndolas dos supermercados e nos balcões de auto-serviço dos açougues e casas de carnes, mas o que é bom não precisa de tanta evolução para manter-se como um dos pratos preferidos do consumidor brasileiro. O churrasco é, hoje em dia, um dos itens principais de uma reunião de família ou uma confraternização com os amigos, mas isso vem de tempos, é uma tradição mantida desde os primórdios, e que não sofreu muitas transformações para ser tão bem aceito nos dias atuais. Mas para que esse costume tenha podido se manter, e cativar não só os apreciadores de carne mas o público em geral, algum segredo há.


Desvendando mistérios 


Carne macia, saborosa e suculenta - características indispensáveis para um bom churrasco, além de fogo, churrasqueiras, ferramental, carvão, técnica e demais apetrechos, que variam conforme o tipo de churrasco a  ser feito. Existem inúmeros tipos de churrasco, o autêntico fogo de chão, no rolete, o gaúcho, entre outros. O que pode diferenciar um e outro são os fatores ambientais como condições climáticas, momento, ocasião (o que se comemora) e local (sítio, praia, montanha, sertão, etc). 
Conversando com vários churrasqueiros e apreciadores dessa cultura, o que todos dizem apesar de todos esses tópicos, é que é preciso ter gosto pelo que faz, não pode haver pressa. 
Churrasquear é uma arte que requer carinho e cuidado com o que é realizado em cada etapa: a escolha do corte, o descongelamento da carne (se houver), o espetar, os temperos, o fogo e os beliscativos. Dentre essas etapas, a primeira é talvez a principal. Você pode realizar todo o processo com o máximo de policiamento e prazer possível, mas se a carne não tiver a qualidade desejada, de nada adiantou tanto esforço. 
É aí que entra a responsabilidade e ao mesmo tempo a satisfação de cada elo da cadeia produtiva, desde a criação, abate, processamento e comercialização da carne. Se o animal não for criado, abatido, desossado, porcionado, embalado e comercializado da maneira devida, nem sempre o churrasqueiro consegue fazer milagres e, conseqüentemente, o churrasco não salta os olhos e nem enche a boca d'água dos degustadores.


Como essa "arte" teve início? 


A origem primeira do churrasco está ligada ao domínio do fogo pelo homem. Se lembrarmos um pouco da história da civilização, veremos vários trogloditas (homens que viviam em cavernas) reunidos ao redor de um animal, recém-abatido, espetado em cima de um fogo de lenha, sendo assado lentamente, e mal sabiam eles que a sua forma de alimentação e também de sobrevivência seria apreciada e vista como a "arte de churrasquear" nos tempos modernos. Mas e o nosso churrasco? 
O churrasco brasileiro nasceu, reconhecidamente, na região dos pampas, onde se encontram as fronteiras meridionais do Rio Grande do Sul, Uruguai e parte norte da Argentina. Numa passagem do recém lançado livro "A culinária da carne e o churrasco brasileiro", Sylvio Lazzarini conta um pouquinho como tudo começou. "A criação de gado trouxe uma grande transformação nos hábitos alimentares do brasileiro. O tropeiro, também chamado de arrieiro ou bruaqueiro, comandava as comitivas que buscavam o gado em lugares distantes para o abate nos matadouros das cidades e vilas. Uma ou outra rês que se feria no caminho era sacrificada e servia de alimento à comitiva. À noite, enquanto o gado pernoitava descansando, os vaqueiros reuniam-se à volta do fogo para, nos bate-papos, lembrar da família e dos amigos distantes, saboreando a carne da novilha sacrificada, em nacos espetados em varas ou varais, lentamente assada no calor do fogo". Surgiu aí o churrasco brasileiro, cuja especialidade, por certo, atingiu seu ponto alto nos pampas gaúchos.


Dicas básicas para compra de carne para churrasco
  
A cor deve ser vermelho puxando para o rosado, evitando carnes vermelho escuro (queimadas pelo excesso de tempo no gelo). 
Existem cortes mais claros e mais escuros, dependendo se a região do boi é mais ou menos irrigada de sangue. A picanha e o vazio ficam localizados numa das regiões mais irrigadas, macias e suculentas. 
No caso específico da costela, atenção ao corte transversal do osso. Ossos pequenos e arredondados são de novilho. 
A graxa (gordura) não pode ser amarelo escuro (indica que é de animal velho), deve ser clara, cor de manteiga. Graxa muito branca é carne de búfalo. 
Se não encontrar a carne que você queria, do jeito certo, procure carne maturada, embalada a vácuo. Não se esqueça de abrir o pacote meia hora antes de ir ao fogo.  


O churrasco gaúcho 


Retornando às "priscas eras", vamos encontrar o peão, sempre a cavalo, na lida diária do gado. Apartar, marcar, levar o gado de lá para cá. A paisagem é um imenso tapete verde, de se enxergar o horizonte frio do vento minuano, ou quente com pouca sombra no verão. O que se vê é uma horta ou outra, com frutas, legumes e hortaliças de pouca variedade e quantidade, ou um campinho com milho de vez em quando. O que sobra? carne de rês e de ovelha, que é como os gaúchos chamam os ovinos de maneira genérica. E como a lida com o rebanho afastava os peões de suas casas, quando a fome e o cansaço apertavam, o jeito era fazer um foguinho com lenha no chão para aquecer a água, preparar um chimarrão e encostar, espetado em uma vara de madeira, pedaços de carne para assar. 
"Era o momento da aproximação e do aconchego. Hoje, o autêntico churrasco fogo de chão, também conhecido como gaúcho, é visto como símbolo de amizade e acolhimento pelos gaúchos. O cansaço de um dia de trabalho no tempo e longe da família aproximava os peões para contar seus causos e lembrar de quem estava distante, esperando que a água ficasse no ponto certo para o chimarrão e a carne assasse" recorda o churrasqueiro paulista Jaime Gouvea, dos tempos em que viveu ao lado de seu padrinho no Rio Grande do Sul. 
O tempero era o sal grosso, carregado em uma guampa (chifre de boi) com tampa, que era dissolvido em água aquecida na cambona (lata de óleo com cabo feito de arame torcido) A faca, companheira inseparável de qualquer gaúcho, era o talher único e indispensável. A simplicidade dessa refeição foi e continua sendo a base do churrasco gaúcho. 
O churrasco faz parte da cultura gaúcha, que sempre o diferenciou do assado. O primeiro é feito no espeto e, o segundo, na grelha ou no jirau (armação de varas usada, antigamente, à maneira de grelha). Um churrasco bem gaúcho deve ser de carne de gado ou de ovelha. No caso de gado, a preferência está na costela, principalmente a "minga" (flutuante), sendo ainda muito apreciado o granito (carne do peito). Um matambre (carne de rês que fica entre o couro e a manta do castilhar), bem feito, também tem o seu valor. 
Gouvea recorda também que, devido ao vento, era necessário abrir uma vala, onde eram colocados os pedaços de pau e lenha e a carne era espetada em varas, em grandes cortes, e estendida em varais. À medida que a carne ia assando, os convidados iam se servindo, cortando nacos nos próprios espetos, sem tirá-los do lugar. Ainda hoje, o autêntico churrasco fogo de chão é realizado dessa maneira no Rio Grande do Sul, em rodeios, e nas churrascarias de tradição gaúcha espalhadas por todo o País.


No rolete 


A brasa, colocada no buraco feito no chão para a realização do churrasco fogo de chão, foi substituída por um assador pelos churrasqueiros, visando maior praticidade no preparo do animal ainda inteiro! É o tradicional churrasco no rolete, que permite assar boi, porco, cordeiro inteiros numa máquina própria para esse feitio. A diferença é que o carvão não fica no chão e sim em quatro gavetas, na parte inferior do assador. E, outro fato interessante é que, nesse sistema, o gaúcho não deixa a carcaça descansar com os temperos, sendo estes previamente misturados numa salmoura com algas da vinha e, com o auxílio de um compressor e uma pistola de agulha grossa, são injetados em toda a carcaça. 
O processo de assar requer alguns cuidados: o espeto principal, por exemplo, tem em uma das extremidades uma manivela para virar a carcaça, o que é feito em intervalos de uma hora, para que asse por igual. A carcaça fica no assador por um período de 14 horas. No final, esse tempo de virada é reduzido para cada meia hora e, pouco a pouco, vão sendo retiradas as gavetas com o carvão, diminuindo o calor no interior do assador. Para saber o ponto exato do assado, basta furar a carne e verificar e ainda está saindo água. Se não, já está pronto. 
A tampa é então retirada e a carne começa a ser cortada, primeiro em peças maiores para depois ser picada sobre a mesa e servida para os convidados. Aceitando ou não, essa é mais uma das delícias também provinda do Sul, da terra do churrasco, da carne gorda.


Diferenças regionais 


Assim, o churrasco avançou pelo Brasil inteiro e hoje é regionalizado. Cada região tem um modo peculiar de fazer e servir. No Rio Grande do Sul, é preparado em cortes inteiros, em grandes varais, pelo fato de a costela ser muito apreciada. No Mato Grosso do Sul, abre-se uma valeta na terra, onde são colocados lenha e carvão. As carnes são espetadas e os convivas vão se servindo, cortando nacos de carne direto desses varais. Há muita semelhança com o churrasco gaúcho, diferindo apenas com relação às músicas e ao acompanhamento da carne, à base de mandioca cozida. 
Em Minas Gerais e Goiás, o estilo vai mais para grandes nacos de carne, acompanhados com "arroz de pequi", tudo acompanhado pela "catira", que é uma dança típica. Em São Paulo já se formou a tradição de servir o churrasco grelhado, em cortes especiais. No Rio de Janeiro, a moda está pegando, substituindo a feijoada para acompanhar a roda de samba, a cachaça e as belas mulatas. No Nordeste, surge o churrasco de carne de sol, com muita música também. Um verdadeiro show de alegria.


Carne para churrasco, por favor! 


Como já foi afirmado, os açougues e casas de carnes são peças importantes para o êxito de uma churrascada, pois são eles os fornecedores da matéria-prima. Devido à tendência do mercado e do gosto do consumidor pelo churrasco, nos últimos anos aumentou consideravelmente o número de restaurantes, churrascarias e casas de carnes especializados em carnes. Sylvio Lazzarini é proprietário do restaurante Varanda Grill, em São Paulo, uma casa especializada em carnes, dando destaque para o churrasco. Segundo Lazzarini, a maior preocupação da casa é com a inovação, alta qualidade e excelência dos serviços.


Cortes indicados para churrasco


É função também dos açougueiros auxiliar o cliente na escolha da carne, pois num churrasco é analisada a maciez da carne e não o valor pago. Normalmente, o corte mais indicado para esse preparo é a picanha, pelo fato de ser um corte macio. Mas há outros cortes espetaculares como o contrafilé e a alcatra completo ou, ainda, cortes maturados. No livro "A culinária da carne e o churrasco brasileiro", Lazzarini sugere alguns cortes que ele considera indispensáveis para uma degustação de deixar com água na boca os melhores gourmets da cozinha brasileira.
"A fraldinha é uma carne rija de apurado sabor, que necessita ser assada a meia altura e deve ser servida ao ponto. A ponta-de-agulha é uma carne rija, devendo ser assada lentamente (de cinco a seis horas) a 50 ou 60 centímetros da brasa. A parte dos ossos deve ficar sempre para baixo. A maminha é muito saborosa e macia, devendo, assim como a fraldinha, ser assada lentamente e servida cortada em fatias finas, tipo rosbife, ao ponto ou levemente mal passada. A alcatra completa assada tem um sabor muito acentuado. Recomenda-se que, antes de ir para a grelha, seja cortada em bifes grossos. E, para finalizar, o contrafilé, de ótimo sabor, deve ser grelhado". 
Analisando a sua vasta experiência em churrasquear, Lazzarini afirma que não existe um corte preferido para churrasco e que muitos cortes são mais procurados para essa degustação por falta de conhecimentos de outros. "Cansei de fazer churrasco pelo Brasil inteiro e ficava surpreendido com o desconhecimento generalizado dos cortes bovinos. Por exemplo, quando eu preparava um bom-bom que é um corte da alcatra, todos se surpreendiam pelo sabor e maciez e ficavam sempre indagando: que carne é essa? Eu achava estranha a pergunta, mas aos poucos fui vendo que se tratava de falta de orientação, simplesmente isso. No caso de churrasco de ovelha, os cortes mais indicados são paleta, quarto, costela, espinhaço e alguns miúdos", afirma. Desta forma, fica aqui um conselho e incentivo aos açougueiros para que orientem os seus fregueses na escolha do corte, não somente para o churrasco, mas para o consumo em geral. Com certeza, o resultado vai ser positivo: o seu cliente satisfeito com a indicação e auxílio, e você, por se sentir útil, porque, segundo Lazzarini, o açougueiro que estiver preocupado em servir qualidade e fazer um bom trabalho de atendimento vai estar na frente dos outros e vai acabar conquistando uma grande clientela.


Além da carne, o que mais é preciso?


Churrasqueiras, ferramental e fogo - Instrumentos necessários no preparo de um churrasco. Mas como fazer a escolha certa perante tantas opções? Para esclarecer essa dúvida e auxiliar você, açougueiro, nos equipamentos e acessórios que você também pode indicar ou até mesmo oferecer em seu estabelecimento, vamos falar um pouquinho sobre todo o arsenal necessário para um assado. 


Churrasqueiras 


O autêntico churrasco fogo de chão deve ser feito com lenha, muita paciência e prática. A principal vantagem da carne assada dessa maneira é a de não ter a fumaça gerada pelo pingar da graxa nas brasas, além de o sabor ser outro. O tanque de tijolos é muito utilizado em médios e grandes churrascos. É bem fácil de fazer, não precisa nem mesmo de cimento. 
O meio tonel, apoiado numa numa armação de ferro, proporciona uma churrasqueira ótima para todos os tipos de assado. É semelhante à churrasqueira de camping, porém, maior. 
A churrasqueira de camping é indicada para assar lingüiça, coxinha de frango e outros miúdos. Já a tradicional churrasqueira de parede é a rainha dos lares brasileiros. O difícil é achar alguma onde a relação tamanho da boca X profundidade X altura do fogo X apoio de espetos, seja adequada. Diz uma regra de construção que a boca deve ter o dobro da área do buraco da chaminé, que deve ser bem alta para ter um bom "puxe" da fumaça, evitando o desagradável rebojo (redemoinho do vento, provocado por mudança repentina de direção). A churrasqueira tipo especial é a lareira com lugar para espetos de pé - muito interessante em lugares frios. As churrasqueiras tipo "Parilla" são comuns no sul do Estado do Rio Grande do Sul, e padrão no Uruguai e na Argentina, países de onde foram importadas. Nelas, são utilizadas grandes grelhas inclináveis. O fogo de lenha é feito ao lado ou no fundo, puxando aos poucos a brasa para debaixo do assado. Um detalhe importante é que, nesse tipo de churrasqueira, o fogo da lenha puxa a fumaça, eliminando o gosto da fumaça. 


Ferramental 


As facas são as principais coadjuvantes de um assador. Um assador que se preze tem de ter no mínimo uma boa faca, sempre afiada, de preferência profissional, em aço inoxidável. Uma faca média para uso geral deve ter entre 35 a 45 cm, mas é importante ter uma faca menor para limpar e picar os temperos, e uma grande, para grandes churrascos. 
Os espetos devem ser adequados à churrasqueira e se faz necessário que o assador tenha modelos variados para todos tipos de cortes e carnes. A tábua é o lugar em que se prepara, se corta e se serve a carne, por isso deve ser muito bem higienizada. As mais indicadas são as de propilene, por serem impermeáveis e atóxicas. 


O fogo


Quem assa o churrasco é o churrasqueiro? Não, é o fogo! Um detalhe importante a que pouca gente dá a devida atenção. O carinho com as brasas é fundamental, pois pode-se estragar carne maravilhosa com um fogo mal feito. O fogo deve ser aceso com uma certa antecedência, para poder queimar o carvão, eliminando a fumaça inicial que deixa cheiro e gosto ruins na carne. O ideal é colocar a carne com as brasas bem acesas e com aquela camadinha de cinzas se formando. 
As carnes com o osso para baixo e a graxa para cima devem ser assadas, inicialmente, mais de longe, para irem baixando conforme vão se aprontando. 
Um dos segredos do assador é saber regular essa distância para cada tipo de carne ou de corte. Carne muito  perto do fogo "sapeca", fica queimada por fora e a crosta evita que asse por dentro. Carne muito alta cozinha e perde o gosto. Existem exceções para alguns tipos de carne, mas é aí que entram a prática e a observação. 
Uma das dicas dos churrasqueiros em relação à altura certa da carne na churrasqueira é observar o barulhinho da graxa pingando no fogo. Escutar o "tchiiii..." muito perto significa que vai levantar labareda e a carne vai queimar. Nada de jogar água ou colocar latinhas. É preciso levantar a carne ou tirar carvão da churrasqueira. Muito alta, o ritmo do pingar fica lento, anunciando que tem pouco fogo. 
O segredo de um churrasco tranqüilo é o de se fazer um bom fogo, por isso quando o carvão (ou lenha) estiver todo em brasa, é importante que se dê uma espalhada por toda a churrasqueira para, então, se colocar a carne. O melhor fogo é aquele em que se forma uma camada de cinza por cima do braseiro, impedindo a formação de labaredas, e mantendo um fogo parelho e consistente. Se faltar fogo ou chegar mais gente - muito comum -, não se apavore. Pegue os pedaços de carvão, e atire-os por cima do braseiro, devagar e sem muita bagunça. Respeite o fogo e o assado saberá recompensá-lo.


Publicado na 'Revista do Açougueiro & Frigorífico', Ano VI, nº 63, outubro de 2000. Editado por Leopoldo Costa para ser postado. 



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