4.19.2011

HISTÓRIA DA CRIAÇÃO DE GADO EM PERNAMBUCO

Leopoldo Costa

PRIMÓRDIOS

A capitania de Pernambuco foi criada em 1534 e explorada logo após a chegada do primeiro donatário, Duarte Coelho Pereira (1485-1554), um experiente administrador e tornou-se em pouco tempo um dos principais núcleos econômicos da Colônia. Antes era chamada de ‘Nova Lusitânia’.
O donatário ganhou pelo seu sucesso tanto prestígio junto ao rei, que quando foi estabelecido o sistema de Governo Geral, recusou-se a submeter ao controle do governador e a Corte autorizou a manutenção de sua autonomia, continuando a responder diretamente a Lisboa.

O local onde hoje fica o município de Igarassu era habitado por índios Caetés. Quando em 1535, o donatário Duarte Coelho Pereira desembarcou para tomar posse, ocorreu uma luta e os índios foram repelidos. Por sua ordem, foi instalado um marco de pedra, servindo de ponto divisório entre as capitanias de Pernambuco e de Itamaracá, dando início ao processo de colonização da região. Em 1564, Igarassu foi elevado à categoria de vila. Um pouco depois de ter repelido os índios, foi procurado pelo náufrago português Vasco Fernandes Lucena, habitante da região, que era casado com uma índia da tribo Tabajara e tinha bom relacionamento com os indígenas. Foi graças a ele que a tribo renegou a aliança que havia estabelecido com os franceses e se aliaram aos portugueses. Diz a lenda, que no momento crucial da disputa pela preferência de aliança, quando os índios cercaram a comitiva do donatário, Vasco Fernandes Lucena teria dito que aqueles que preferissem os franceses se atravessassem um risco que traçou no chão com a espada, seriam fulminados por Deus. Cinco índios resolveram atravessar o risco e foram inexplicavelmente atingidos e mortos por um raio, apesar do céu estar límpido, sem uma nuvem sequer. O risco que Lucena traçou no chão, teria sido usado mais tarde, como local para a colocação da pedra fundamental da catedral de Olinda.

Olinda
Olinda foi fundada em 1535 pelo donatário, que fez tudo pelo seu desenvolvimento, construindo o primeiro engenho de açúcar e incentivando a agricultura. Estabeleceu um livro de Tombo e menos de dois anos depois, no dia 12 de março de 1537 elevou Olinda à vila.

Olinda e Igarassu tornaram pontos de origem de expedições que desbravaram o interior. Uma destas expedições comandada por Jorge de Albuquerque Coelho (1539-1600), filho do donatário, penetrou o sertão, até alcançar as margens do rio São Francisco.

PRODUÇÃO DE AÇÚCAR

Duarte Coelho fomentou a cultura da cana de açúcar, a cultura do algodão e a criação de gado[1].
Pero de Magalhães Gândavo (m.1579), no 'Tratado da Terra do Brasil’, em meados do século XVI, já registrava que Pernambuco tinha 23 engenhos de açúcar sendo a maioria movida à água e que três ou quatro engenhos estavam em construção.
O padre José de Anchieta (1534-1597), relatou que em 1585, existiam em Pernambuco 66 engenhos e cerca de 12 mil escravos. Em 1612 já eram 99 engenhos.
Na segunda metade do século XVI, Pernambuco começou a atrair pelo seu desenvolvimento, a maioria dos investimentos portugueses e flamengos, determinando assim, inevitável regressão econômica por falta de investimentos, na capitania de São Vicente.[2]

INVASÃO HOLANDESA

A prosperidade da capitania aguçou a cobiça dos holandeses que haviam fracassado na tentativa de invadir a Bahia em 1625/1626, causando grande prejuízo para a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais. Para recuperar os prejuízos que deu a Companhia, o almirante Pieter Heyn (1570-1659) decidiu interceptar e saquear no mar do Caribe, uma frota espanhola que transportava prata extraída do Alto Peru (Bolívia).
Com esses recursos, os holandeses organizaram uma grande expedição comandada por Pieter Hayn com o objetivo de restabelecer o monopólio do açúcar para a Holanda. Esta esquadra, com 64 navios e 3.800 homens chegou ao litoral pernambucano em fevereiro de 1630, conquistando de pronto Olinda e logo em seguida Recife. O comandante, temendo a reação portuguesa, solicitou que fosse enviado um reforço de mais 6.000 homens para assegurar a posse da terra conquistada.
A resistência à conquista organizada por Matias de Albuquerque (1580-1647) ficou concentrada no arraial do Bom Jesus, nas proximidades do Recife. Embora inferior em número, mas usando as táticas indígenas de combate[3] conseguiram confinar os invasores apenas ao perímetro urbano das duas cidades.
A dominação holandesa teve o apoio de alguns senhores de engenho por entenderem que esta administração, sendo mais liberal e progressista, injetaria novos recursos que alavancaria o desenvolvimento dos negócios. O seu mais importante representante foi Domingos Fernandes Calabar (1600-1635), considerado na época como um traidor por apoiar a ocupação holandesa. Hoje, porém sua figura foi reabilitada sendo o seu entendimento bastante coerente: para continuar submisso a uma potência, o domínio holandês era mais benéfico para o Brasil que o domínio português.
Vencida a resistência portuguesa e concretizada a conquista foi nomeado o conde Maurício de Nassau (1604-1679) [4] para administrar a colônia. Logo mandou criar em 1635 no Recife um mercado de carne (Vleysmarckt), ao lado de outros para peixes e verduras, começando assim a organizar a comercialização destes produtos.
Alguns cronistas afirmam que foram recebidas centenas de animais da raça Holandesa durante o domínio holandês em Pernambuco (1630-1654), a maior parte no governo de Maurício de Nassau.
Heretiano Zenaide[5] escreveu que ‘No Brasil, as primitivas introduções de gado oriundo da Holanda, através da Metrópole e suas possessões, deram origem ao nosso famoso Turino, grande produtor de leite, quando convenientemente tratado, pelo que é muito estimado nos estábulos de João Pessoa e Recife. Por força mesmo da conveniência de somente entabular vacas superiores, os donos desses estabelecimentos vêm selecionando seus rebanhos e procurando obter reprodutores de comprovada linhagem leiteira’.
Na década de 1640 os holandeses adentraram para o interior da capitania confiscando gado dos fazendeiros para abastecimento de Recife e Olinda, provocando violentos embates com os colonos de origem portuguesa.
Os holandeses foram expulsos de Pernambuco em 1654, mas a expulsão prejudicou a economia da capitania, já debilitada pelas pesadas despesas de 24 anos de luta contra os invasores. Desde 1630, na mesma época da invasão, a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais havia iniciado a colonização de diversas ilhas das Antilhas (Sint Maarten, Bonaire, Curaçao, Sint Estatius, Aruba e Saba) e lá implantaram lavouras de cana de açúcar, usando melhor tecnologia do que as dos portugueses. Instalaram eficientes engenhos que supriram com vantagem, o abastecimento de açúcar que deixaram de ter do nordeste brasileiro.

EXPANSÃO DA CRIAÇÃO DE GADO

Foi no final do século XVI que começou a criação de gado no interior de Pernambuco. A Casa da Torre de Garcia d’Ávila estabeleceu algumas fazendas á margem esquerda do rio São Francisco e depois, transpondo as serras da Borborema, Cariris e Ibiapaba, atingiu a Paraíba e o Ceará.
Escreveu Capistrano de Abreu[6] (1853-1927) que os criadores baianos conseguiram atravessar o rio São Francisco e estabelecer currais na sua margem esquerda[7].
Antonil[8] (1649-1716) escreveu no início do século XVIII: ‘os rios de Pernambuco, que por terem junto de si pastos competentes, estão povoados com gado (...). Os currais desta parte hão de passar de 800, e de todos estes vão boiadas para Recife e Olinda e suas vilas e para o fornecimento das fábricas dos engenhos, desde o rio de São Francisco até o rio Grande, tirando os que acima estão nomeados, desde o Piauí até a barra de Iguaçu, e de Parnaguá e rio Preto, porque as boiadas destes rios vão quase todas para a Bahia (...). Só do rio de Iguaçu estão hoje mais de 30 mil cabeças de gado. As da parte da Bahia se tem por certo que passam de meio milhão, e mais 800 mil hão de ser da parte de Pernambuco, ainda que destas se aproveitam mais os da Bahia, para aonde vão muitas boiadas, que os pernambucanos.’
Após o início do Ciclo do Ouro, a notícia sobre o envio de gado da Bahia para as regiões de garimpo, com grandes lucros, incentivou os pernambucanos a investir também na instalação de fazendas de criação de gado e feiras na região onde hoje estão localizadas as cidades de Serra Talhada, Salgueiro, Ouricuri e Araripina. 
Este rebanho era disputado pelas fábricas de carne seca (oficinas) conforme relatou Renato Braga (1905-1968) [9]: ‘As oficinas não tardaram a atrair as boiadas do sertão. Trazendo-as á marinha, os fazendeiros evitavam os percalços das grandes caminhadas e ganhavam o imposto de 400 reis por boi e 320 por vaca, chamado subsídio de sangue, cobrado sobre o gado abatido, que não era de desprezar. Numa matança de milhares de cabeças e quando a arroba de carne fresca se vendia a 240 reis. As boiadas que se deslocavam para as feiras pernambucanas e baianas começaram a rumar em direção à foz das suas próprias ribeiras. Este movimento revolucionou a feição econômica local. Marinha e sertão interpenetraram-se comercialmente e os laços administrativos entre as duas zonas tornaram·se mais efectivos’. Em uma correspondência de 1788, dizia d. Tomás José de Melo, capitão general de Pernambuco ‘que todo o gado dos sertões era para matar, salgar e navegar. ’ Expressão que o retrata perfeitamente o centripetismo das oficinas. Não havia mais quem arrematasse o contrato das carnes, os açougues funcionavam intermitentemente, o gado não aparecia nas feiras pernambucanas, e no Recife houve anos de grande penúria desse habitual alimento. Para enfrentar a situação, resultante da preferência dada ao fabrico da carne seca, aquele capitão general ordenou, no ano de 1788, o fechamento das oficinas do Assu e Mossoró e que o gado da capitania do Rio Grande do Norte se encaminhasse para a Paraíba e Pernambuco. Houve pareceres favoráveis à extensão da medida ao Aracati, cujos estabelecimentos continuaram a funcionar, condicionalmente, "enquanto os criadores de Mossoró não levarem para lá os seus boys para salgarem", juntamente com as oficinas que Ihe ficavam ao norte. Como a rota habitual era a da Baia, determinou ainda a mesma autoridade que todos os barcos escalassem no Recife, afim de segurar os que fossem necessários à alimentação do povo. Nesse ano Recife consumiu a carne de 14 barcos e mais a que veio nos que se entregavam a outros negócios. A carne foi cotada ate 1.200 reis a arroba. (...)’
Segundo José Ribeiro Junior[10] o governador Luís Diogo Lobo da Silva (n.1717) recebeu em 1757 uma proposta de comerciantes pernambucanos para a criação de uma ‘Companhia de Carne-Seca e Couros do Sertão’, com o objetivo de incentivar a produção e a distribuição destes dois produtos em Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro. Garantiam abate entre 28.000 e 30.000 cabeças de bois por ano. A proposta não foi aprovada.
No período de 1859 a 1883, a exportação de couros para outras províncias e para o exterior, atingiu uma média anual de 65.000 peças[11], o que podemos estimar como sendo o abate total da província e com o desfrute médio, calcular o rebanho em cerca de 722.000 cabeças. Sendo assim, o rebanho em mais de 150 anos não progrediu, apenas manteve a sua estabilidade, comparando com os dados fornecidos por Antonil.
Em 1869, na capitania de Pernambuco, segundo o Relatório Anual do Ministério da Agricultura, existiam 142 engenhos de açúcar e varias fazendas de criação de gado em decadência. Trabalhavam na lida agrícola 38.500 pessoas, sendo 26.400 livres e 12.100 escravos.



A população do Pernambuco no final de cada década era a seguinte:
Ano
População
1900
1.178.000
1910
1.601.000
1920
2.154.000
1930
2.664.000
1940
2.793.000
1950
3.395.000
1960
4.136.000

O rebanho teve a seguinte evolução:

1938
1950
1957
1964
Bovinos
677.000
1.000.000
1.071.000
1.354.000
Equinos
172.000
-
252.000
300.000
Suínos
327.000
500.000
805.000
1.014.000
Ovinos
341.000
-
706.000
801.000
Caprinos
818.000
1.400.000
1.494.000
1.572.000

Em 1964 foram abatidos em estabelecimentos controlados pelo governo:

Bovinos
306.000 cabeças
Suínos
359.000 cabeças
Ovinos
182.000 cabeças
Caprinos
370.000 cabeças





Em 1965 o rebanho bovino pernambucano era de 1.468.000 cabeças, de suínos de 1.085.000, de caprinos de 1.653.000 cabeças e de ovinos de 837.000 cabeças. Para analisar estas estatísticas deve-se levar em conta que dois terços do estado estão localizados na região semiárida, com pouca pluviosidade e pastagens ruins. Foram produzidas 58.000 toneladas de carne bovina e 10.100 toneladas de carne suína. A carne produzida não era suficiente para o consumo local.

O IBGE no Censo Agropecuário constatou que no dia 31/12/2008 havia nos 185 municípios do estado da Pernambuco 2.250.000 cabeças de bovinos. Os cinco maiores rebanhos, que representavam 14% do total estavam nos seguintes municípios:

Itaíba                                  86.000 cabeças
Bom Conselho                      64.000 cabeças
São Bento do Una                 63.000 cabeças
Buíque                                 54.000 cabeças
Bodocó                                52.000 cabeças




[1] No Tratado de Terra do Brasil”, Pero de Magalhães Gândavo (m.1579), em meados do século XVI, já descrevia: “A Capitania de Pernambuco está a cinco léguas de Tamaracá para o sul em altura de oito graus, da qual é Capitão e governador Duarte Coelho de Albuquerque. Tem duas povoações. A principal se chama Olinda, a outra Guarassu, que está quatro léguas pela terra dentro. Haverá nesta Capitania mil vizinhos. Tem vinte e três engenhos de açúcar, posto que destes três ou quatro não são ainda acabados. Alguns moem com bois, a estes chamam trapiche,fazem menos açucar que os ouros, mas, a maior parte dos engenhos do Brasil moem com água”
[2] Na “História do Brasil” de Robert Southey (1774-1845), temos o seguinte relato: “Não por amor de minas ou de escravos, mas por causa dos seus pastos fora explorado e conquistado este pais. Logo os primeiros que dele tomaram posse para a Coroa de Portugal ali introduziram gado, e, por menos que esta designação pareça dizer com seu gênero de vida ordinário, era o conquistador Domingos Afonso um dos maiores criadores de Pernambuco. Natural de Mafra na mãe partia fora tão feliz nos seus planos de conquista, que chegou a possuir no Piauí mais de cinquenta fazendas grandes, de que dispunha mais por doação do que por venda. Trinta deixou-as aos jesuítas para com o rendimento anual dotarem donzelas, vestirem viúvas e fazerem outras obras de caridade, e se algum saldo ficasse, empregá-lo-iam no aumento da propriedade. Efetivamente acrescentaram aos padres três fazendas de gado ao legado. Expulsos os jesuítas, tomou a Coroa a si este encargo, fazendo administrar as trinta e três fazendas por três diretores com o ordenado de 300$000 cada um. Em sesmarias de três léguas quadradas se concederam no Piauí as terras, deixando-se entre uma e outra uma légua devoluta para uso comum do gado de ambas, sem que pudesse qualquer dos sesmeiros levantar ali casa ou curral de espécie alguma. Julgou-se isto necessário em razão das frequentes secas e falta de pasto.”.
 [3]  Eram as chamadas ‘companhias de emboscada’, pequenas grupos de dez a quarenta homens, com alta mobilidade, que atacavam de surpresa os holandeses e se retiravam em velocidade, reagrupando-se para novos combates.
[4]  Homem culto e liberal, tolerante com a imigração de judeus e protestantes, trouxe consigo artistas e cientistas para estudar as potencialidades da terra. Preocupou-se com a recuperação da indústria do açúcar, prejudicada pelas lutas, concedendo créditos e vendendo em hasta pública os engenhos conquistados.  Concedeu liberdade religiosa, registrando-se a fundação, no Recife, da primeira sinagoga do continente americano.
[5] Em ‘Palestra com os Fazendeiros’, João Pessoa, Popular, 1948.
[6]  No livro ‘Capítulos da História Colonial, Belo Horizonte, Itatiaia, 2000.
[7]  Na margem pernambucana do Rio São Francisco possuía duzentas e sessenta léguas de testada a casa da Torre, fundada por Garcia D'Ávila, protegido de Tomé de Souza, a qual entre o São Francisco e o Parnaíba senhoreava mais oitenta léguas. Para adquirir estas propriedades imensas, gastou apenas papel e tinta em requerimentos de sesmarias. Como seus gados não davam para encher tamanhas extensões, arrendava sítios, geralmente de uma légua, a razão de 10$ por ano, no princípio do século.
[8]  No livro ‘Cultura e Opulência do Brasil, Belo Horizonte, Itatiaia, 1982 em convênio com a Edusp-São Paulo.
[9]  Renato Braga em ‘Um Capitulo Esquecido da Economia Pastoril do Nordeste‘ publicado na Revista Cultura Política- ano IV, n.' 38, março de 1944, Rio de Janeiro.
 [10]  No livro ‘Colonização e Monopólio no Nordeste Brasileiro- A Companhia Geral de Pernambuco e Parnaíba 1759-1780, São Paulo, Hucitec, 1976.
[11] Relatório anual da Presidência da Província 1884

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