4.10.2011

HISTÓRIA DA CRIAÇÃO DE GADO NO MARANHÃO


Leopoldo Costa

Acredita-se que já no início de 1500, antes de Pedro Alvares Cabral (1467-1526), o espanhol Vicente Yañes Pinzon (1462-1514) tenha atingido a costa maranhense, como também a de Pernambuco, chegando, como vimos anteriormente, até a foz do rio Amazonas.

A partir de 1524, as costas maranhenses passaram a ser visitadas pelos piratas franceses. Em 1531, Martim Afonso de Souza (1490-1571), enviou Diogo Leite para explorar o litoral, sendo alcançada a foz do rio Gurupi, na divisa do Maranhão com o Pará.

Quando o território brasileiro foi dividido em capitanias hereditárias, o Maranhão foi doado a três donatários[1]. Estes não se interessaram pelo legado e o nem sequer vieram tomar posse.

Em 1594 a ilha Grande era um enclave francês na capitania. Numa expedição em 1612 comandada por Daniel de La Touché, senhor de La Ravardiére (1570-1631) composta de três navios, mais de 500 soldados, padres, colonos e animais fundaram a vila e o forte de São Luís. Em 1615, os portugueses reagiram e expulsaram os franceses da ilha, mas não conseguiram tomar posse efetiva da região. Para garantir o domínio da foi criada a Capitania Real do Maranhão e incentivada a colonização portuguesa.

Foi Bento Maciel Parente, que solicitou a Coroa que fosse trazida do arquipélago dos Açores, algumas famílias para habitar a região. Foi atendido e vieram com elas também algumas cabeças de gado. Coube a Martim Soares Moreno e a Matias de Albuquerque Maranhão, filho de Jerônimo de Albuquerque Maranhão (n.1586), primeiro capitão-mor da capitania, explorar a área, preando e escravizando os índios que se revoltavam.

Os jesuítas em 1626 iniciaram a catequese dos índios da região. Padre Antônio Vieira (1608-1697) que chegou ao Maranhão em 1653 ficou impressionado com esta ação evangelizadora. Segundo Basílio de Magalhães (1874-1957) o trabalho dos jesuítas e mais tarde dos criadores de gado, foram responsáveis pela conquista do território maranhense. Em 1651, os jesuítas foram expulsos do Maranhão, devido à pressão dos que queriam continuar a escravizar os índios.[2]

Com o propósito de alavancar a economia que estava estagnada, Portugal criou em 1682 a ‘Companhia de Comércio do Maranhão’[3]. A ação da Companhia, no entanto ao invés de incentivar, provocou protestos dos maranhenses, pois implantou o monopólio. Manoel Beckman (1630-1685), fazendeiro português de ascendência alemã, liderou uma revolta contra os desmandos da Companhia. Reivindicava liberdade de comércio e direito de escravizar os índios, o que era privilégio da Companhia. Foi preso e condenado à morte, sendo enforcado em 1685. Mais tarde a Companhia de Comércio foi extinta.

Fazendeiros baianos ultrapassaram o rio Parnaíba, depois, de ocupar todas as terras férteis da margem direita e começaram a estabelecer na margem esquerda. A vila de Pastos Bons[4] foi fundada por estes pioneiros, tornando um ponto de partida de expedições para explorar o interior maranhense. As primeiras fazendas de criação de gado foram estabelecidas no sul do Maranhão. Em 1751 a capitania contava com oito freguesias, cinco engenhos de açúcar, duzentas e três fazendas de criação de gado, das quais quarenta e quatro em Pastos Bons e trinta e cinco em Aldeias Altas.

Em 1654 a carne no Maranhão era uma mercadoria cara, sendo vendida a 40 réis a libra. Com a evolução da criação de gado e aumento da oferta, houve quedas sucessivas de preço. Em 1676 baixou para 30 reis, em 1687 baixou para 20 reis e em 1688 baixou para 18 reis a libra. O crescimento populacional e o hábito de consumo provocou um grande consumo de carne.
No final do século XVII, o Maranhão embora já contasse com cerca de duzentas fazendas de criação de gado, não era autossuficiente na produção de carne para o seu consumo e a província necessitava de importar do Piauí, cerca de 15.000 cabeças de gado por ano.

Em 1755 foi criada, outra ‘Companhia de Comércio’, apregoada para ser diferente da ‘Companhia de Comércio do Maranhão’, porém com a mesma filosofia monopolista. A Companhia incentivava a agricultura. A partir de 1760 passou a fornecer crédito, escravos e ferramentas para os agricultores plantarem algodão e cacau, produtos destinados a exportação. O sucesso foi temporário e a Companhia encerrou suas atividades em 1778.[5]

Em meados do século XVIII e pela primeira vez os colonos portugueses partindo da costa, avançaram rumo ao interior, estabelecendo currais de criação de gado ao longo das margens do rio Mearim, em terras recém conquistadas dos índios.

Southey (1774-1843) na sua ‘História do Brasil’ informa que às margens do rio Maracu, um dos afluentes do Mearim, existia a vila de Vicuna, distante 80 léguas de São Luís. Esta região exportava muita madeira e gado e também tinha o melhor engenho de açúcar da Capitania que era propriedade dos jesuítas.[6]

Para melhorar a criação de equinos, a presidência da província pela lei 454 de 2 de novembro de 1857, concedeu uma verba de 3:500$000 para a importação de 4 garanhões do Cabo da Boa Esperança, porém o governo federal não permitiu, pois o assunto era da alçada do Ministério do Império e o assunto foi arquivado.

O Maranhão contava com indústrias para o preparo dos couros salgados (curtumes) que eram exportados para a América do Norte (No período de 1880 a 1885 foi exportada uma média anual de 45.350 arrobas[7]). Também existiam indústrias para a produção de carne seca para o consumo interno (No período entre os anos de 1858 e 1862 a produção média anual foi de 15.230 arrobas[8]), embora insuficiente para cobrir a demanda que era suprida pelas importações das províncias do Ceará e Piauí.

No ano de 1861, a administração ordenou que fosse efetuado um levantamento do gado existente e dos bezerros nascidos na província do Maranhão. Foi levantada a existência de 294.700 cabeças de bovinos e o nascimento de 74.675 bezerros naquele ano. O maior rebanho estava localizado na comarca de Carolina com 60.000 cabeças, seguido pelo rebanho da comarca de Pastos Bons com 26.800 cabeças[9].

Em 1865, no Relatório Anual da Presidência da Província, são destacados os seguintes abates anuais para suprimento da população de São Luis:

Ano
Abate de Bovinos
1861
10.920 cabeças
1862
11.529 cabeças
1863
11.100 cabeças
1864
10.872 cabeças
1865
11.318 cabeças

Um comentário inserido no mesmo Relatório, observava que considerando o abate médio dos cinco anos (11.147 reses) e o peso médio de 6 arrobas (90 kg) de carne por animal, o consumo de carne bovina na cidade foi de 71 libras por ano. Este dado foi comparado com o consumo per capita de Paris, que era na época de 120 libras, de Nantes que era de 112 libras, de Londres que era de 114 libras e de Marselha que era de 62 libras.

Observava também que a importação de suínos representava a média de 1.234 cabeças, o que sabemos que não indica o consumo, pois, ao contrário dos bovinos, suínos eram criados em domicílios dentro dos limites da ilha e não tinham nenhum controle confiável.

Para amenizar os problemas de abastecimento da capital da província, propunha a instalação de feiras de gado no continente em Anajatuba, Resfriado, Itapecuru-Mirim e Vargem Grande. Também, comentava que o alagamento das pastagens de Viana e Ananajuba durante a estação de chuvas e a falta de água no período seco, vinha provocando a mortandade do gado.

O abigeato era outra prática comum no interior, que estava preocupando os criadores e as autoridades.

Caio de Prado Jr.[10] informou que no início do século XIX para abastecimento de São Luís abatiam-se 6.000 cabeças de gado por ano, todas vindas de longe.

A população do Maranhão no final de cada década era a seguinte:

Ano
População
1900
499.000
1910
664.000
1920
874.000
1930
1.064.000
1940
1.180.000
1950
1.583.000
1960
2.492.000

O rebanho teve a seguinte evolução:


1938
1950
1957
1964
1964/1938
Bovinos
850.000
1.000.000
1.307.000
1.823.000
114%
Eqüinos
168.000
-
223.000
350.000
108%
Suínos
448.000
1.000.000
2.113.000
2.763.000
517%
Ovinos
86.000
-
190.000
285.000
231%
Caprinos
163.000
300.000
455.000
703.000
331%








Em 1964 foram abatidos em estabelecimentos controlados pelo governo:

Bovinos
120.000 cabeças
Suínos
153.000 cabeças
Ovinos
15.000 cabeças
Caprinos
44.000 cabeças






O IBGE no Censo Agropecuário constatou que no dia 31/12/2008 havia nos 217 municípios do estado do Maranhão  6.800.000 cabeças de bovinos. Os cinco maiores rebanhos, que representavam 16% do total estavam nos seguintes municípios:
·        Açailândia                                 450.000 cabeças
·        Santa Luzia                               191.000 cabeças
·        Amarante do Maranhão              185.000 cabeças
·        Bom Jardim                              146.000 cabeças
·        Senador La Rocque                    139.000 cabeças

Outros 9 municípios tinham uma população bovina acima de 100.000 cabeças.



[1]  Primeira secção: João de Barros e Aires da Cunha e segunda secção: Fernando Alvares de Andrade.
[2] Basílio de Magalhães escreve sobre a conquista e colonização do Maranhão: “O restante da irradiação ali ficava reservado aos missionários católicos e aos criadores de gado, a que os mamelucos meridionais iriam prestar auxilio eficaz”
[3] Conforme Roberto Simonsen (1889-1948) “... O segundo empreendimento visando à exploração do comércio colonial foi a Companhia do Maranhão, derivada do contrato negociado em 1678 e 1679, entre o governo português e um grupo de acionistas, para a exploração do tráfico comercial entre o Pará, o Maranhão e a Metrópole." Um alvará de 12 de junho de 1682 confirmou esse acordo. Essa companhia, também conhecida por "Estanco do Maranhão", tinha o monopólio completo do comércio no Maranhão e Pará, mas o seu principal negócio era o tráfico de escravos africanos. Os seus créditos eram cobrados executivamente, como se fossem da Fazenda Real. Tão draconiano era o sistema que, em 1684, estourou a revolta liderada por Beckmann. Embora sufocado o movimento, o estanco, segundo Simonsen, teria sido logo abolido. Há opiniões divergentes. Rodolfo Garcia discorda e afirma que o monopólio perdurou ainda por vários anos. César Augusto Marques, em seu Dicionário, informa que, em 1677, por acordo entre o governo e a população, se estabelecera um monopólio de certos produtos, especialmente manufaturas de ferro e aço, usadas nos "resgates" com os índios. Esse empreendimento teve o nome de "Estanco da Fazenda Real". Dois anos depois, o Governador do Maranhão propôs a abolição do estanco, em razão dos avultados prejuízos, sugerindo que ele fosse substituído por contratadores particulares. A Coroa aceitou a proposta e, em 1682, o alvará já citado confirmou o assento do Estanco do Maranhão, avençado, junto com o contrato do Cacheu, com Manuel Pedro Valdez, Pedro Alvares, Pascoal Pereira Jansen e outros comerciantes da Metrópole. Segundo Marques, a rebelião de Beckmann não resultou na extinção imediata do estanco, tanto que, em 1686, se abria devassa contra os que reclamavam contra ele. (FONTES: BUESCU, Evolução Econômica do Brasil, 65 - GARCIA, Ensaio sobre História Política e Administrativa do Brasil, 119/121 - MARQUES, Dicionário Histórico-Geográfico da Província do Maranhão, 265/266 - PRADO JR., História Econômica do Brasil, 54 - SIMONSEN, História Econômica do Brasil, 358).
[4] Pastos Bons foi elevada a vila em 1764
[5] Empresa organizada em 1755, por comerciantes portugueses, com o apoio do Marquês de Pombal, para explorar o monopólio, concedido pela Coroa, do tráfico e comércio atacadista nas capitanias do Maranhão e Pará. O monopólio abrangia a exportação e importação do Estado do Maranhão, ou seja, de toda a Amazônia. A única exclusão era o comércio de vinho, objeto de privilégio de outra empresa lusa. Cabia também à Companhia organizar frotas mercantes entre a Europa e o Maranhão, para o que obteve a doação de duas fragatas do governo português. Seu capital era de 1.200.000 cruzados e, para favorecer a sua subscrição, foram proibidos no Reino os empréstimos particulares de mais de 300$000 (trezentos mil réis), o que forçava os poupadores a aplicar suas economias na Companhia. A Companhia era dirigida por uma Junta, sediada em Lisboa, responsável perante centenas de acionistas, entre os quais conventos e membros da nobreza. A primeira Junta seria nomeada pelo Rei; as demais seriam eleitas pelos acionistas. Ao contrário das demais companhias privilegiadas, esta foi bem sucedida e deu lucros, durante longo período. Beneficiou muito a região, introduzindo novas culturas e dinamizando a economia local. O cacau, em especial, foi muito favorecido pelo aumento das exportações. Mas, a Companhia também criou graves problemas, que resultaram na perseguição aos jesuítas, seus ferrenhos opositores, na abolição da Mesa do Bem Comum, confraria de comerciantes que se atreveram a criticá-la, e em incontáveis violências e arbitrariedades contra outros adversários. Com tantos inimigos, não é de se admirar que, ao morrer o Rei D. José I, a herdeira do trono, D. Maria I, tenha atendido aos apelos para dissolvê-la, em 5 de janeiro de 1778. (FONTES: BUESCU, Evolução Econômica do Brasil, 93 - DIAS, A Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão - GARCIA, Ensaio sobre a História Política e Administrativa do Brasil, 121/122 - SIMONSEN, História Econômica do Brasil, 358).
[6] Robert Southey, na sua já citada “Historia do Brasil” relata:
“Sobre o Maracu, um dos afluentes do Mearim, ergue-se a vila de Vicuna a trinta léguas de São Luiz, muita madeira e gado dali se traziam, existindo também naquele termo o melhor engenho de toda a capitania, outrora propriedade dos jesuítas... (...) Mais depressa do que na Europa se multiplica aqui o gado, mas e um pouco mais pequeno, nem a carne e tão boa.”
[7] Relatório anual da Presidência da Província 1886
[8] Relatório anual da Presidência da Província 1863.
[9] Relatório anual da Presidência da Província 1861.
[10]  No livro 'Formação do Brasil Contemporâneo', São Paulo- Brasiliense- 1996

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