4.03.2011

TRABALHO ESCRAVO NAS FAZENDAS DE CRIAÇÃO



Quando algumas regiões do país ainda eram matas virgens, viram chegar em suas terras muito gado e poucos homens. Os rebanhos, levados e vigiados pelos homens, buscavam maiores espaços para reprodução. Os homens seguiam atrás, tomando posse de vastos territórios, formando fazendas e povoando as novas terras. O sertão nordestino, por exemplo, surgiu assim. Estava no caminho do gado. A pecuária foi e continua sendo de pouco interesse para pesquisa, aparece quase sempre como um tema secundário nas análises. Há muito o que saber sobre esta atividade econômica, mais ainda sobre a vida nas fazendas. Na verdade, existem mitos sobre a pecuária que tornam poucos conhecidos os muitos caminhos trilhados por animais e homens no Brasil colonial.


Salvo engano, desde os primeiros relatos apresenta-se o cotidiano das fazendas centrado na criação de gado bovino e cavalar. Baseando-se em características de produção, como grandes extensões de terra e pouco uso de mão-de-obra, alguns destes relatos ajudaram a construir uma visão romântica do trabalho pastoril. Propaga-se que, nas fazendas, trabalhava-se pouco e a vida era livre para animais e homens. Neste contexto, proprietários, trabalhadores livres e trabalhadores escravizados ajudavam-se mutuamente e desenvolviam suas tarefas lado a lado, do nascer ao por do sol. 

O mito da democracia e paternalismo na pecuária limitou a percepção das reais condições de trabalho e vida dos negros escravizados nos campos de criação. Nas fazendas do Nordeste ou nas estâncias do Sul, criar bois, cavalos e mulas era mais uma das muitas ocupações desenvolvidas pelos negros cativos. Em muitas unidades produtivas havia muitos escravos, em outras eram poucos, raramente existia alguma sem escravos. Se a quantidade de cativos variava, o trabalho, no entanto, mostrava-se praticamente igual em todas as fazendas e regiões. Trabalhava-se pesado, e muito. Documentos sobre as estâncias do Rio Grande do Sul comprovam a presença de negros cativos na lida campeira, principalmente nas estâncias que produziam charque. Além de campeiros, muitos negros eram também descarneadores, salgadores e graxeiros. Nas fazendas do sertão do Piauí e Maranhão, um dos maiores rebanhos da pecuária escravista, as fontes apontam a presença do escravo em todas as tarefas relacionadas ao criatório. O negro cativo era responsável pelo manejo do gado nos campos e currais, como vaqueiros, cabeças de campo, curraleiros, amansadores, peadores.

O trabalho escravo com o gado não se limitava ao manejo nos campos. O negro construiu aguadas, cercas e currais. Abriu vaquejadouros e estradas. Foi curtidor de couros e artesão de peças para o cotidiano e outras de proteção na lida no campo, como perneiras. Nas tropeadas, onde centenas de bois e cavalos eram remetidos para feiras, o trabalhador escravizado era passador, tangedor e ajudante. Mas nas fazendas, havia trabalho com outras criações. Criava-se porcos, caprinos e galinhas, nos seus respectivos chiqueiros feitos e cuidados por escravos. As fazendas requeriam outras tarefas. E os negros foram carpinteiros, ferreiros, pedreiros e oleiros. Fizeram canoas, móveis, instrumentos de trabalho como enxadas, foices e facões, produziram telhas e ajudaram a construir muitas casas e prédios públicos. Os negros foram roceiros. Preparavam a terra, plantavam e colhiam alimentos para o consumo do plantel e da casa do fazendeiro. Plantavam algodão, sobretudo para suas rústicas vestimentas. Roupas fiadas e costuradas por mulheres negras, que, assim como seus pais, companheiros e filhos, muito cedo conheciam a labuta do trabalho servil numa fazenda.

As negras escravas também lidavam nos campos, como amansadoras e peadoras de animais. Ajudavam a construir currais, cercas e aguadas. Estavam ao lado dos homens nas roças, plantando milho, feijão e algodão. Eram as negras que extraiam o sebo dos animais mortos, faziam gorduras e sabão. Eram as negras que acordavam ainda na noite para preparar o café e limpar a modesta casa dos senhores, varriam o quintal e o terreiro, rachavam lenha, lavavam e cozinhavam. Quase sempre, tarefas cumpridas antes das ocupações como fiandeiras e roceiras. Meninas negras perdiam a mocidade e vigor nos fogões e roças, e deixavam a visão entre os fios tecidos nas rodas de fiar. Mulheres "velhas", experientes fiandeiras, comumente apresentavam "doenças nos olhos" e cegueira. Doentes também eram muitos escravos “velhos”, sobretudo os vaqueiros.. Inutilizados para as tarefas, os negros apresentavam, em geral, pernas ou braços quebrados, “fistulas entre as partes” e muitos eram “rendidos dos escrotos”. 

No cotidiano de um trabalhador escravizado numa fazenda de criação não cabia ociosidade. Por menor que fosse a fazenda, o número de animais criados e habitantes, haveria sempre tarefas de infra-estrutura e subsistência a serem desenvolvidas. Trabalhava-se muito, e ao contrário do que muitos pensam, em muitas fazendas reproduzia-se as mesmas condições de violência praticadas nos engenhos de açúcar, plantações de café e charqueadas. Evidentemente, nas fazendas, devido as condições de produção, existiram outras formas de coerção que não somente os castigos corporais. Nas fazendas, os cativos reagiram as jornadas tanto quanto em outras atividades produtivas. Negros trabalhavam com vagar, fugiam, roubavam e praticavam crimes. As punições eram as conhecidas pelos senhores: açoites, correntes e troncos.


Disponível em http://www.ufpi.br/

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