5.03.2011

HISTÓRIA DA ODONTOLOGIA NO BRASIL

Odontologia praticada no século XVI, a partir da descoberta do Brasil por Pedro Álvares Cabral em 22 de abril de 1500, restringia-se quase que só as extrações dentárias. As técnicas eram rudimentares, o instrumental inadequado e não havia nenhuma forma de higiene. Anestesia, nem pensar. O barbeiro ou sangrador devia ser forte, impiedoso, impassível e rápido.

Os médicos (físicos) e cirurgiões, ante tanta crueldade , evitavam esta tarefa, alegando os riscos para o paciente (possibilidade de morte) de hemorragias e inevitáveis infecções. Argumentavam que as mãos do profissional poderiam ficar pesadas e sem condições para intervenções delicadas. Os barbeiros e sangradores eram geralmente ignorantes e tinham um baixo conceito, aprendendo esta atividade com alguém mais experiente.
Em 1600, havia no Rio de Janeiro 300 colonos e suas famílias. Por certo deveriam existir "mestres" de vários ofícios, inclusive mestres cirurgiões e barbeiros, que "curassem de cirurgia, sangrassem, tirassem dentes, etc."
Para exercer esta atividade os profissionais dependiam de uma licença especial dada pelo "cirurgião-mor mestre Gil", sendo os infratores autuados, presos e multados em três marcos de ouro ... (segundo anormal da Carta Régia de 25 de outubro de 1448, de El-rei D. Afonso, de Portugal, dando "carta de oficio de cirurgião-mór destes reinos"). A carta de ofício não se referia aos barbeiros e sangradores, havendo a possibilidade destes profissionais terem obtido licença do cirurgião-mór de Portugal.
Somente em 9 de novembro de 1629 houve, através da Carta Régia, os exames aos cirurgiões e barbeiros.

A reforma do regimento em 12 de dezembro de 1631 determinava a multa de dois mil réis às pessoas que "tirassem dentes" sem licença. Parece que sangrador e tiradentes, ofícios acumulados pelos barbeiros, eram coisas que se confundiam, podendo o sangrador também tirar dentes, pois nos exames de habilitação tinham de provar que durante dois anos "sangraram" e fizeram as demais atividades de barbeiro.

Para avaliar o significado e conceito de "barbeiro" temos na quarta edição do Novo Dicionário da Língua Portuguesa, de Eduardo de Faria, publicado no Rio de Janeiro em 1859:
Barbeiro:s.m. - o que faz barba; (antigo) "sangrador", cirurgião pouco instruído que sangrava, deitava ventosas, sarjas, punha cáusticos e fazia operações cirúrgicas pouco importantes. -* Obs.: Nessas cirurgias pouco importantes incluiam-se extrações dentárias.

Em 1728, na França, Pierre Fauchard (1678-1761) com seu livro: Le Chirugien Dentiste au Traité des Dents, revoluciona a odontologia, inovando conhecimentos, criando técnicas e aparelhos, sendo juntamente cognominado "o pai de Odontologia Moderna".
Nesta época começava a exploração do ouro no Estado de Minas Gerais, com grande afluxo de interessados e José S. C. Galhardo é nomeado pela Casa Real Portuguesa, cirurgião-mór deste Estado, regulamentando os práticos da arte dentária.

Pela lei de 17 de junho de 1782, para uma melhor fiscalização nas colônias portuguesas, em lugar de físico e cirurgião-mór, foi criada a Real Junta de Proto-Medicato. Constituída de sete deputados, médicos ou cirurgiões, para um período de três anos, caberia a estes o exame e a expedição de cartas e licenciamento das "pessoas que tirassem dentes".

Nas últimas décadas deste século, Joaquim José da Silva Xavier (1746-1792) praticou a Odontologia que aprendera com seu padrinho, Sebastião Ferreira Leitão. Seu confessor, Frei Raymundo de Pennaforte disse sobre ele: "Tirava com efeito dentes com a mais sutil ligeireza e ornava a boca de novos dentes, feitos por ele mesmo, que pareciam naturais".
 Nesse período os dentes eram extraídos com as chaves de Garangeot, alavancas rudimentares, e o pelicano. Não se fazia tratamento de canais e as obturações eram de chumbo, sobre tecido cariado e polpas afetadas, com conseqüências desastrosas. A prótese era bem simples, esculpindo dentes em osso ou marfim, que eram amarrados com fios aos dentes remanescentes. Dentaduras eram esculpida sem marfim ou osso utilizando-se dentes Humanos e de animais, retendo-as na boca por intermédio de molas, sistemas usados na Europa. Porém no Brasil, era tudo mais rudimentar.

Os barbeiros e sangradores aprendiam o ofício com um mais experiente e tinham que provar uma prática de dois anos sob a vista do mesmo. Após pagar a taxa de oito oitavos de ouro. Submeter-se-iam a exame perante o cirurgião substituto de Minas Gerais e dois profissionais escolhidos por este. Aprovados, teriam suas cartas expedidas e licenças concedidas. No final do século XVIII, mais precisamente em 23 de maio de 1800, cria-se o "plano de exames", um aperfeiçoamento das formalidades e dos exames. é encontrado pela primeira vez em documentos do Reino, o vocábulo "dentista". Convém lembrar que foi criado pelo cirurgião francês Guy Chauliac (1300-1368), aparecendo pela primeira vez em seu livro "Chirurgia Magna" publicado em 1363.
Em 7 de março de 1808, fugindo das forças francesas, o príncipe regente D. João VI, sua corte e a nata da sociedade portuguesa (cerca de 15 mil pessoas) chegavam a Salvador, tornando-se o Brasil por esta contingência sede do reino. Houve um grande surto de progresso.

No hospital de São José, na Bahia, criava-se a Escola de Cirurgia, graças a interferência do Doutor José Correa Picanço, físico e cirurgião-mór; em nome da Real Junta do Proto-Medicato. Nada beneficiou os dentistas na ocasião. Picanço, a seguir, não só licenciou os profissionais da corte, como sete negros, de baixa classe social, alguns até escravos de poderosos senhores.
Havia nesta época dois ditados populares: "ou casa, ou dente" - ou "ou dente, ou queixo, ou língua, ou beiço". Indicavam que dado o pouco conhecimento e inabilidade dos "tira-dentes" ocorria freqüentemente traumatismos nestas regiões.

Para moralizar esta atividade ante as inúmeras queixas contra os profissionais, o cirurgião-mór determinava em suas "cartas", que o barbeiro poderia exercer a sua arte com restrições, "não sangrando sem ordem de médico ou cirurgião aprovado e não tirando dentes sem ser examinado". Antes do final de 1808, D. João VI transfere-se de Salvador para o Rio de Janeiro.

Em 7 de outubro de 1809 é abolida a Real Junta do Proto-Medicato, ficando todas as responsabilidades ao encargo do físico-mór e do cirurgião-mór, com a colaboração de seus delegados e subdelegados. O físico-mór do Reino era Manoel Vieira da Silva, encarregado do controle do exercício de Medicina e Farmácia e o cirurgião-mór dos exércitos, José Correa Picanço tinha poderes análogos em relação à cirurgia, controlando o exercício das funções realizadas pelos sangradores, dentistas, parteiras e algebristas.
Alguns cirurgiões também tiravam "carta de sangria" e indiscutivelmente o povo era beneficiado. Nesta época o mestre Domingos, "barbeiro" popular no bairro da Saúde, Rio de Janeiro, se tornou famoso. O negro mestiço exercia sua atividade também na casa de clientes. Sob o braço levava uma esteira de taboa, que servia de cadeira e uma enferrujada chave de Garangeot. Dado a manobras intempestivas, algumas vezes extraía também o dente vizinho, mas cobrava apenas um. Às crianças, sugeriu que o dente extraído fosse jogado no telhado, dizendo antes e por três vezes: "Mourão, toma teu dente podre e dá cá o meu são".
Havia um crioulo muito habilidoso que esculpia dentaduras em osso e as vendia na porta das igrejas, após as missas domingueiras. Era só escolher, não só a mais bonita, como também a que se adapta-se o melhor possível na boca.

Em 1820, o Doutor Picanço concedeu ao francês Doutor Eugênio Frederico Guertin a "carta" para exercer sua profissão no Rio de Janeiro. Era diplomado pela Faculdade de Odontologia de Paris e aqui atingiu elevado conceito, atendendo a maior parte da nobreza, inclusive D. Pedro II e familiares. Publicou em 1819, 'Avisos Tendentes à Conservação dos Dentes e sua Substituição', ao que tudo indica, a primeira obra de odontologia feita no Brasil.

Outros dentistas franceses vieram a seguir: Celestino Le Nourrichel, Arson, Emilio Vautier, Henrique Lemale, Eugênio Delcambre, Júlio De Fontages, Hippólito E. Hallais (intitulava-se o dentista das famílias), etc, trazendo o que havia de melhor na Odontologia mundial. Citando, como exemplo, alguns itens dos Honorários de Guertin:
Dentes artificiais de cavalo marinho ou marfim. 4000 réis
Natural..                                                          12000 réis
Incorruptível (porcelana)                                  24000 réis

As dentaduras eram constituídas de duas fileiras de dentes, esculpidas em marfim ou adaptadas em base metálica, sendo as arcadas ligadas por molas elásticas. Em 1 de junho de 1824, Gregório Raphael Silva, do Rio de Janeiro, recebeu a primeira "carta de dentista" após a Independência do Brasil.

No dia 30 de agosto de 1828, D Pedro I (1798-1834) suprime o cargo de cirurgião-mór, cujas funções passaram a ser exercidas pelas Câmaras Municipais e Justiças Ordinárias. Mais ou menos nesta época, graças ao francês Jean-Baptiste Debret (1768-1848) que viveu no Brasil de 1816 a 1831, reproduzindo em gravura a vida brasileira durante o Primeiro Império, Há uma única obra iconográfica do século passado relacionada a atividade de profissionais que exercita a Odontologia. Denomina-se "Boutiques de Barbieri" e retrata dizeres: "barbeiro, cabeleireiro, sangrador, dentista e deitão bichas".

Em 1839, é criada por Chaplin A. Harris, em Baltimore, Estados Unidos, a primeira Escola de Odontologia do mundo: Colégio de Cirurgia Dentária. Foram Também seus professores: E. Farmly, E. Becker e S. Brown.
Um dentista português, Luiz Antunes de Carvalho, obteve notoriedade e riqueza, sendo um dos pioneiros na cirurgia buco-maxilar no Brasil. Em 18 de janeiro de 1832 havia obtido em Buenos Aires o direito de exercer a profissão. Mudou-se para o Rio de Janeiro em 1836, sendo o primeiro dentista a registrar sua "carta" na secretaria da Câmara Municipal. Ficou famoso na Argentina pela propaganda em forma de versos e depois em prosa. Já se fazia marketing. No Brasil foi mais comedido, mas demonstrando sempre ser profissional conhecedor e atualizado, publicou no Almanak Administrativo Mercantil e Comercial: "Luiz Antunes de Carvalho enxerta outros dentes nas raízes dos podres, firma dentes e dentaduras inteiras, firma queixos, céus da boca, narizes artificiais e cura moléstias da boca, rua Larga de São Joaquim,125".

Foi aprovado também na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e o primeiro a se registrar na Junta de Higiene, criada em 1850, em substituição à fiscalização exercida pela Câmara Municipal. A partir de 1840 começaram chegar dentistas dos Estados Unidos e pouco a pouco suplantam os colegas franceses. Luiz Burdell foi o pioneiro, seguindo-se Clintin Van Tuyl, o primeiro a utilizar clorofórmio(só em casos excepcionais) para anestesia, conforme cita em seu livro: "Guia dos Dentes Sãos" publicado em 1849.
O Doutor Whittemore, que tornou-se mais tarde o dentista da Corte Imperial, propalava em 1850 ter recebido "uma porção de clorofórmio puro para tirar dentes sem dor". Nenrique C. Bosworth também se destacou.

Em 1850, pelo decreto lei 598 é criada a Junta de Higiene Pública, que possibilitou a Medicina uma enorme evolução, principalmente pelas medidas saneadoras. Os três primeiros dentistas que se registraram: Luiz Antunes Carvalho (1852), Emilio Salvador Ascagne (1859) e Theotônio Borges Diniz (1860). Mentes mais lúcidas procuravam a melhoria do ensino e normas um pouco mais criteriosas e moralizadoras àqueles que desejassem praticar o Medicina e Odontologia.

Através do decreto de 15 de agosto de 1851, os novos estatutos da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro foram aprovados em 28 de abril de 1854, por proposta de seu diretor, Doutor José Martins de Cruz Jobim. A nomeação contribuiu para o desenvolvimento da profissão, principalmente no Rio de Janeiro e São Paulo. Em setembro de 1869, graças a João Borges Diniz, surge a primeira revista odontológica: "Arte Dentária".
Mais dentistas chegam dos Estados Unidos, alguns fugindo da Guerra da Secessão (1861-1865): Samuel I. Rambo, Carlos Koth, Witt Clinton Green, Preston A.Rambo, Jonh William Coachman, William B. Keys, Carlos Keys, etc.. Estes três últimos pertencentes à mesma família, constituindo-se até hoje no maior contingente de cirurgiões-dentistas no Brasil (cerca de 120 profissionais de uma só árvore genealógica).
Com os Estados Unidos liderando a evolução técnica e científica mundial, era     compreensível que muitos brasileiros para lá se dirigissem afim de se aperfeiçoar. O primeiro foi Carlos Alonso Hastings, natural do Rio Grande, que estudou no Philadélfia Dental College, radicou-se no Rio de Janeiro e modificou o motor Weber-Ferry, que ficou conhecido como motor de Hastings. A seguir viajaram Fio Alves, Também do Rio Grande, os irmãos Gastal, de Pelotas, Francisco Pereira, Alberto Lopes de Oliveira (Universidade de Maryland) e outros.

O decreto nº 8024 de 12 de março de 1881, art. 94 do Regulamento para os exames das Faculdades de Medicina diz: "Os cirurgiões-dentistas que quiserem se habilitar para o exercício de sua profissão passarão por duas séries de exames:
O primeiro de anatomia, histologia e higiene, em suas aplicações à arte dentária. O outro de operações e próteses dentárias.
Ante os fatos narrados, faltava apenas um líder e visionários para instituir o ensino da Odontologia no Brasil. Vem na pessoa de Vicente Cândido Sabóia (1835- ), mais tarde Visconde de Sabóia que, assumindo a direção da Faculdade de Medicina em 23 de fevereiro de 1880, resolveu inicialmente atualizar o ensino, tanto material como cientificamente. Logo a seguir cria o laboratório de cirurgia dentária, encomendando aparelhos e instrumentos dos Estados Unidos. Com crédito especial obtido na lei 3141 de 30 de outubro de 1882, monta também o laboratório de prótese dentária.

Pelos decretos 8850 e 8851 de 13 de janeiro de 1883, o cirurgião-dentista Thomas Gomes dos Santos Filho presta provas em concurso realizado em 22 de maio de 1883 e é aprovado em primeiro lugar como preparador. De personalidade marcante, a odontologia nacional muito deve a ele, principalmente por ter descoberto a fórmula de vulcanite e em seguida produzi-la. Conseguiu dessa forma suprir a falta de material e combater os preços abusivos.

Graças ao empenho de Vicente C. F. de Sabóia e Thomas Gomes dos Santos Filho, houve um novo texto nos Estatutos das Faculdades de Medicina do Império, denominada Reforma Sabóias, apresentado dia 25 de outubro de 1884 através do Decreto nº 9311 com seguinte enunciado: "Dá novos Estatutos às Faculdades de Medicina".
  •  Usando da autorização concedida pelo art. 2º, Parágrafo 7º, da lei 3141 de 30 de outubro de 1882: - Hei por bem que nas Faculdades de Medicina do Império se observem os novos estatutos que com este baixam, assinados por Filippe Franco de Sá; do Meu Conselho, Senador do Império que assim o tenha entendido e faça executar. Palácio do Rio de Janeiro, em 25 de outubro de 1884, 63º da Independência e do Império.
Com a rubrica de sua Majestade o Imperador. Filippe Franco de Sá.
Pela primeira vez, no art. 1º, vinha consignado que a odontologia formaria um curso anexo. Assim:
  •  Art. 1º - Cada uma das Faculdades de Medicina do Império se designará pelo nome da cidade em que tiver assento; seja regida por um diretor e pela Congregação dos Lentes, e as comporá de um curso de ciências médicas e cirúrgicas e de três cursos anexos: o de Farmácia, o de Obstetrícia e Ginecologia e o de Odontologia.

(N.B.- a) Havia apenas as Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e de Salvador).

b) Compreende-se porque a primeira Escola de Odontologia de São Paulo , criada em 7 de dezembro de 1900, denominou-se nos primeiros anos , Escola de Farmácia, Odontologia e Obstetrícia de São Paulo.
  • No capítulo II, a Sessão IV tem o título: "Do curso de Odontologia" - Art. 9º. Das matérias deste curso Haverão três séries:
  • 1ª série - Física, química mineral, anatomia descritiva e topografia da cabeça.
  • 2ª série - Histologia dentária, fisiologia dentária, patologia dentária e higiene da boca.
  • 3ª série Terapêutica dentária, cirurgia e prótese dentárias.
Os três primeiros mestres no Rio de Janeiro foram: Thomas Gomes dos Santos Filho ( ), Aristides Benício de Sá (1854-1910) e Antônio Gonçalves Pereira da Silva (1851-1916) que prestaram relevantes serviços à Odontologia.

Autoria de Elias Rosenthal, CD Publicado no Jornal APCD  em outubro de 1995. adaptado/editado por Leopoldo Costa para ser postado.



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