5.23.2011

HISTÓRIA DA CRIAÇÃO DE GADO EM SÃO PAULO

Leopoldo Costa

Martim Afonso de Souza (1490-1571) saiu de Lisboa no dia 3 de dezembro de 1530 comandando uma esquadra da qual fazia parte também seu irmão Pêro Lopes de Souza (1497-1539), com a tarefa de explorar o litoral sul e o rio da Prata, descoberto por Juan Diaz Solis. No dia 12 de agosto de 1531 atingiu o litoral paulista em Cananéia onde permaneceu até o dia 26 de setembro quando rumou para o sul. Uma tempestade à altura do cabo de Santa Maria o obrigou a retroceder, ficando seu irmão com algumas caravelas para prosseguir viagem para o rio da Prata.  No dia 22 de janeiro de 1532 fundeou a esquadra na costa leste da ilha conhecida pelos índios como Induaguaçu (que ele mudou o nome para ilha de São Vicente), onde fortificou com os equipamentos de artilharia de bordo e fundou a vila com o mesmo nome.
Sabendo do desembarque foi procurado por João Ramalho, que era casado com uma filha do cacique Tibiriçá dos Guainases e por Antonio Rodrigues que tinha ligações com Piqueramobi, cacique dos Ururaís.  Ambos eram degredados portugueses e foram deixados no litoral pelas expedições exploradoras. João Ramalho vivia em Borda do Campo e recebeu em doação da Coroa portuguesa as terras e o direito de fundar e ser o governador da povoação que ali fundasse. Em 1553 fundou a vila de Santo André da Borda do Campo.
Em 1534, com a criação do sistema de capitanias, a de São Vicente foi doada a Martim Afonso de Souza. Ela era composta de dois lotes de 50 léguas de costado: o primeiro com limite costeiro em uma linha imaginária que passava onde hoje fica a cidade fluminense de Macaé e terminava numa outra linha que passava onde hoje fica a cidade paulista de Caraguatatuba. O segundo lote tinha como limite uma linha imaginária que passava sobre a atual cidade de Bertioga e terminava na linha que passava sobre a atual cidade de Cananéia. No meio dos dois lotes ficava a capitania de Santo Amaro com 50 léguas de costado, doada a seu irmão Pêro Lopes de Souza. Portanto, a superfície do atual estado de São Paulo era abrangida por estes três lotes.

Em janeiro de 1554 por iniciativa do missionário jesuíta padre Manoel da Nóbrega (1517-1570), uma expedição formada de missionários, colonos portugueses e índios subiu a serra do Mar e fundou um colégio que deu origem à vila de São Paulo de Piratininga. A primeira missa no colégio foi realizada no dia 25 de janeiro, dia da conversão de São Paulo e daí veio o nome do colégio e da vila. O colégio se dedicava a catequização dos índios que também aprendiam rudimentos de latim e  de aritmética.
A vila de São Paulo substituiu a vila de São Vicente, tornou-se mais importante e passou a ser um entroncamento de diversos caminhos naturais e por isto foi usado como centro de irradiação. Ao invés de vicentinos os habitantes da capitania passaram a ser conhecidos como paulistas. Partindo dali, os bandeirantes seguiram para o norte, cruzando a serra da Mantiqueira até atingir Minas Gerais e Bahia. Seguindo sentido sul, usando o “corredor” formado pela serra do Mar/serra Geral e o planalto ocidental, conseguiram chegar ao atual estado do Rio Grande do Sul e para oeste, caminhando à jusante do rio Tietê, atravessaram todo o território atual do estado de São Paulo e alcançaram as regiões dos atuais estados de Mato Grosso e Goiás.

Sem ouro e prata para explorar os habitantes do planalto paulista viviam da criação de gado e da agricultura de subsistência, cultivando principalmente milho e mandioca. Para escapar a vida apertada que levavam, empreenderam uma atividade muito lucrativa: a preação de índios. Antes preavam os índios das proximidades[1] e a partir do início do século XVII as bandeiras partiam rumo as ‘reduções’ jesuíticas localizadas no atual estado do Rio Grande do Sul e no Paraná, invadindo aldeias com muita truculência, capturando os homens aptos ao trabalho (que já estavam  treinados pelos missionários) que eram vendidos para os donos de engenho do Nordeste. As mulheres e crianças destas ‘reduções’, quanto não eram mortas na invasão das aldeias, ficavam abandonadas à própria sorte.

Quando o Ciclo da Cana de Açúcar atingiu o seu apogeu no nordeste no século XVII, foi também a melhor época do bandeirantismo de preação. Durante o domínio holandês no nordeste, estes  assumiram também o controle do tráfico de escravos da África interrompendo o fluxo  de escravos negros, obrigando aos donos de engenhos a aquisição de  escravos indígenas. Com a expulsão dos holandeses em 1654, o tráfico de escravos retornou como era antes e os senhores de engenhos concluíram que importar negros da África era mais vantajoso do que escravizar índios, insubmissos, indolentes e bem pouco produtivos.

Mais uma vez, os paulistas por falta de mercado para os índios que preavam e pela reação dos jesuítas contra  esta atividade, tiveram que buscar outro meio de sobrevivência e tornaram bandeirantes de prospecção. Deixando em paz os índios, dedicaram-se á busca de metais e pedras preciosas. Passaram então a avançar pelo interior desbravando terras desconhecidas e ampliando assim, sem intenção, as fronteiras do domínio de Portugal na América do Sul. Embora os bandeirantes não se preocupassem particularmente com a colonização, das suas expedições nasceram vários núcleos de povoamento.
Desde o início da colonização, os portugueses, baseados em informações dos nativos, procuraram penetrar na região do vale do rio Paraíba do Sul, em busca de metais preciosos e para tentar estabelecer um meio de ligação entre o litoral e o interior do território.
Naturalmente, o rio Paraíba do Sul, que nasce nas proximidades de São Paulo e segue em direção nordeste, serviu de roteiro. Os indígenas já usavam trilhas que conduziam ao litoral norte, que mais tarde foram o caminho usado pelos bandeirantes e comerciantes que queriam ultrapassar a serra da Mantiqueira e atingir as Minas Gerais.
A estrada que saia de São Paulo com destino ao território mineiro, chamava ‘Caminho Velho dos Paulistas’[2].

Até o início do século XVII a colonização ainda não tinha de fato chegado à região do vale do Paraíba do Sul e havia a necessidade de demarcação de posses destes sertões pela sua donatária, Mariana de Souza Guerra, condessa de Vimieiro, neta e herdeira de Martim Afonso de Souza. Em 1628 ela concedeu sesmarias na região ao bandeirante paulista Jacques Félix. Em 20 de janeiro de 1636 foram-lhe concedidos poderes de avançar pelos ‘Sertões do Paraíba’ através de provisão do capitão-mor e governador da capitania de Itanhaém Francisco da Rocha. Em 13 de outubro de 1639, por outra provisão, desta feita do capitão-mor Vasco da Mota, recebeu ordens para  a construção da igreja matriz,  da casa para o concelho, da cadeia pública,  de arruamentos,  do engenho de cana-de-açúcar e de farinha de milho, além do privilégio de poder conceder sesmarias para algumas famílias. Em 1645 a esta povoação fundada por Jacques Félix foi elevada a vila com o nome de São Francisco das Chagas de Taubaté. Esta vila foi um importante centro de partida de desbravadores e bandeirantes[3]. Foi de Taubaté que partiu em 1693, a bandeira comandada por Antonio Rodrigues Arzão, que descobriu as primeiras minas de ouro em Vila Rica, atual Ouro Preto, em Minas Gerais e deu início ao Ciclo da Mineração.
Em 1709 a capitania de São Vicente foi adquirida pela Coroa portuguesa.

Para melhorar a ligação entre as capitanias de São Paulo e do Rio de Janeiro, foi construído nas primeiras décadas do século XVIII, um caminho, mais tarde denominado ‘Caminho do Gado’. Partia onde  hoje estão localizadas as cidades de Guaratinguetá e Lorena, para alcançar a região de Bocaina, seguindo em direção a Bananal, onde transpunha a serra e interligava com o ‘Caminho de Mambucaba’. Por este caminho o gado de Minas Gerais chegava ao Rio de Janeiro. 

No início do século XVIII, o bandeirante Bartolomeu Pais de Abreu, genro de Pedro Taques (1714-1777), exercia a função de procurador do Concelho e Juiz da Câmara Municipal da vila de São Paulo. Detinha parte da propriedade do seu sogro em São Paulo, que recebera como dote, quando se casou. Em 1713, com o seu prestígio, Pedro Taques recebeu varias sesmarias no Paraná e no Rio Grande do Sul, onde passou a desenvolver a criação de gado.
Escreveu Antonil:
 ‘As vilas de São Paulo matam as reses que têm em suas fazendas, que não são muito grandes, e só nos campos de Curitiba vai crescendo e multiplicando cada vez mais o gado’.
A mineração do ouro em Mato Grosso e Goiás, como aconteceu em Minas Gerais, atraiu grande quantidade de pessoas e não havia oferta de alimentação adequada para todos. Os mantimentos e principalmente a carne, por ser altamente perecível, tinham preços exorbitantes.

O comércio de carne bovina para estas regiões de mineração era tão lucrativo, que no início da década de 1720, Bartolomeu Pais de Abreu, candidatou-se a construir ás suas custas, o caminho para as minas de Cuiabá, desde que recebesse em contrapartida, o monopólio do fornecimento do gado para a região pelo prazo de nove anos, sem o pagamento de tributos.  Enviou a proposta para o governo e impaciente, não quis esperar a resposta do governador da Capitania, que estava em viagem às Minas Gerais. Decidiu partir para o sertão e com sua comitiva, começou a abriu em 1721 um caminho, que chamou de "picadão".  Saiu do morro do Hybyticatu (Botucatu), termo da vila de Sorocaba e prosseguindo no sentido oeste chegou ao rio Paraná, onde instalou três roças de milho, feijão, legumes e deixou 250 bois em uma delas.
O seu trajeto, num rascunho que deixou, foi: dos altos da Cuesta, a partir, provavelmente do atual município de Pardinho, aos campos do Lençóis e dali à cabeceira do rio Batalha e, então, pelo divisor do  rio Feio (atual Aguapeí) e Peixe, por onde prosseguiu até os Campos da Laranja Doce e, depois, pelas 18 léguas de densas matas do Vale do rio Santo Anastácio até o rio Paraná. No tempo em que estava no sertão, incomunicável realizando o seu empreendimento, assumiu um novo governador (Antonio da Silva Caldeira Pimentel) que julgando que o governo fora desrespeitado por Bartolomeu Paes de Abreu, não aceitou a proposta. Bartolomeu ficou muito desapontado.
Foi  no leito deste ‘picadão’ que, algum tempo depois, Luis Pedroso de Barros começou a construir, com autorização oficial, o caminho de São Paulo até o rio Coxipó, no Mato Grosso. Seu tráfego esteve interrompido em várias ocasiões: ora por violentas investidas dos índios Caiapós e Guaicurus, na região dos afluentes do rio Paraná; ora pelas entradas feitas pelos espanhóis, que usavam o caminho para chegar até o território paulista e colocar marcos de pedra que designavam serem aquelas terras pertencentes à Coroa espanhola.
Nesta época do apogeu do Ciclo do Ouro, os bandeirantes paulistas dedicaram-se à captura do gado semisselvagem que vagava pelos pampas do Rio Grande do Sul e Uruguai e o seu envio para as regiões das Minas Gerais. Concomitantemente, desbravaram outras regiões, descobrindo minas de ouro e de pedras preciosas e estabeleceram os primeiros currais de gado em Minas Gerais, para servir de apoio (fornecer carne) a atividade de mineração.

A estrada ligando a região dos Pampas a Curitiba foi iniciada em 1727. Em 1732 Cristóvão Pereira de Abreu (1678-1755) partiu da Colônia do Sacramento com uma boa quantidade de mulas com destino a São Paulo. Em 1733 esta tropa chegou à região de Sorocaba, saindo depois dali para a região mineradora de Minas Gerais. Foi esta tropa que deu início a Feira de Sorocaba. Cristóvão Pereira de Abreu era muito prestigiado pela Coroa. Foi ele também que construiu o forte Jesus, Maria, José de Rio Grande, demarcou limites e iniciou o povoamento do Porto dos Casais (hoje Porto Alegre), em 1753. Ele fez com que a Coroa instalasse um posto de registro em Curitiba, para cobrar impostos sobre as mulas que ali passasse com destino a São Paulo. O posto foi instalado em 1736 e ele preiteou metade da arrecadação. Por uma carta régia datada de 4 de março de 1747, a Coroa autorizou que ele pelo período de 12 anos, ficasse com metade da arrecadação de impostos sobre os muares. Um novo posto de registro foi instalado em Sorocaba em 1750, apenas para a verificação de documentos.Em 1754 têm-se registros da passagem de uma tropa que foi considerada a maior, composta de 3.780 mulas. A feira de muares de Sorocaba tornou-se importante, atraiu novos moradores e permitiu o desenvolvimento do comércio e da indústria locais, popularizando produtos como: facas, facões, selas, redes e quinquilharias. Era realizada de abril a junho. Durante o evento a vila tornava-se agitada e mais movimentada do que muitas capitais. As poucas pensões ficavam lotadas e muitos tinham que pousar em acampamentos. Os homens que traziam os animais do Sul adquiriam na feira outros itens para levar para as suas terras e gastava o dinheiro em prostíbulos, festas e jogatinas. Por volta de 1750 vendiam-se ali cerca de 10.000 mulas por ano.
Dizem alguns historiadores que a vocação paulista para o desbravamento dos sertões foi o resultado do fracasso da agricultura canavieira. O desenvolvimento da cultura da cana em Pernambuco suplantou a paulista, deixando inviável a fabricação de açúcar na região.
O historiador Nelson Werneck Sodré[4] (1911-1999) argumentou que a marginalização do paulista abriu-lhe a perspectiva da ousadia e do espírito guerreiro. Conhecedores profundos do modo de vida dos indígenas e sendo os próprios paulistas produtos da mestiçagem dos pioneiros portugueses com os índios, eram especialistas na captura e na domesticação destes.

A capitania de São Paulo que foi uma das maiores do Brasil compreendia toda a região Sul e Centro Oeste conheceu muitas configurações. Em 1720 foi desmembrada a capitania de Minas Gerais, em 1738 as capitanias de Santa Catarina e de São Pedro do Rio Grande do Sul. Em 1748, a própria capitania foi extinta, passando a ser subsidiária do Rio de Janeiro. Em 1763 foi restaurada a capitania que já compreendia apenas o território dos estados de São Paulo e Paraná. As áreas onde hoje localizam os estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e Tocantins tinham sido desmembradas (1748/1749) durante o período de perda da autonomia.[5]


Mais tarde, a cana de açúcar voltou a ser importante para a economia paulista, tratou-se de um breve período, no fim do Ciclo do Ouro de Minas Gerais, sendo finalmente, estabelecida a cultura do café, que dominou e expulsou para bem distante dos portos, a criação de gado.[6]

Com a crise no mercado do café e a sua introdução nas terras de alta produtividade do Norte Novo paranaense, São Paulo voltou a praticar a criação de gado nas regiões antes dedicadas à cafeicultura.
Regiões limítrofes, especialmente aquelas próximas das divisas formadas pelo rio Grande e rio Paraná e de seus afluentes em território paulista, se transformaram em zonas de ‘invernadas’[7], áreas de boas pastagens, destinadas a engordar o gado que chegava em São Paulo após longas marchas, procedentes de Mato Grosso, Goiás e Triângulo Mineiro.  Era em pastagens localizadas em regiões como Franca, Barretos, São José do Rio Preto, Araçatuba, Presidente Prudente, até então, pouquíssima povoada região do norte e noroeste paulista, que estes animais recuperavam o peso perdido antes de serem tocados em direção a Barretos, através do velho leito da estrada Boiadeira.
A estrada Boiadeira, antes de ser construída em 1896, já havia promovido precariamente a ligação entre os 
campos pantaneiros e Barretos, grande centro comercial de bovinos, desde a década de 1870.

Foram os irmãos Barreto e suas famílias que estabeleceram a criação de gado na região de Barretos. A atividade prosperou bastante depois de um violento incêndio de vários meses que aconteceu no verão/outono de 1870/1871. As condições meteorológicas que provocaram o incêndio foi o rigoroso inverno de 1870, com fortes geadas que deixou ressequida a vegetação. Aconteceu então o grande incêndio (talvez proposital) que calcinou  pastagens e matas,  só terminando de queimar quando alcançou as barrancas dos rios. Com a chegada da primavera e do período chuvoso, brotou uma abundante pastagem natural ajudada pela qualidade das terras, propiciando condições excelentes para a engorda de gado. O grande incêndio que destruiu a floresta nativa facilitou também a formação de novas fazendas (não precisava desmatar) atraindo assim novos colonizadores, principalmente do sul de Minas Gerais para uma extensa área da qual Barretos tornou-se principal polo.
Em 25 de maio de 1909 foi inaugurado o ramal da estrada de ferro de Barretos. Os diretores da 'Campanhia Paulista de Estradas de Ferro'' no mesmo ano em que os trilhos atingiram a cidade, solicitaram ao governo do estado a instalação de um Posto Zootécnico em Barretos, que só foi implantado em 1911. Um dos maiores acionistas da 'Companhia Paulista de Estrada de Ferro', o conselheiro Antonio Prado encaminhou uma solicitação à prefeitura de Barretos para a construção de um matadouro frigorífico, o que foi obtido no dia 16 de outubro de 1909 pela lei municipal nº 42 com exclusividade por 40 anos. Foi inaugurado em 1913 e em 1914, saiu deste frigorífico a primeira remessa experimental de carne congelada para a Inglaterra. Foi a primeira exportação de carne congelada do Brasil. Em 1919  o frigorífico foi arrendado para a ‘Brazilian Meat Company’, uma empresa do Grupo Vestey da Inglaterra que em 1923,  comprou o frigorífico, reformou e trocou o nome para ‘Frigorífico Anglo’. Durante três décadas foi o único frigorífico localizado na macro região (norte de São Paulo, Triângulo Mineiro e sul de Goiás) com o maior rebanho para abate da época. 
Com a instalação do frigorífico e a chegada dos trilhos da ‘Companhia Paulista de Estradas de Ferro’ nesta cidade, incrementou o comércio de gado. Todos os envolvidos na comercialização do gado para abate tinham como ponto referencial a cidade de Barretos com o frigorífico capaz de abater mais de 2.000 cabeças por dia. Também existiam os compradores de gado dos frigoríficos que se instalaram no entorno da capital paulista (que eram alcançados pelos trilhos da ferrovia).

O sertão do rio Pardo, próximo a Barretos, já havia sido desbravado por bandeirantes, destacando-se a expedição do Anhanguera I em fins do século XVII que deixou uma trilha ligando São Paulo a Goiás e que ficou conhecida como “Caminho do Anhanguera” ou “Caminho dos Goiases”. Mas foi seu filho, Bartolomeu Bueno da Silva (Anhanguera II), que havia acompanhado o pai na expedição de 1673, que percorreu novamente o caminho e notificou oficialmente a capitania de São Paulo sobre a descoberta do ouro goiano (1725). As novas regiões auríferas movimentaram a rota para se chegar a Goiás e Mato Grosso e permitiram a ocupação e o povoamento do sertão do rio Pardo.

Num primeiro momento o sertão do rio Pardo foi povoado por paulistas e a economia da região estava voltada para a produção de gêneros de primeira necessidade para o próprio consumo e o abastecimento dos viajantes que percorriam o ‘Caminho dos Goiases’. Para se ter uma ideia, a população de todo o sertão do Rio Pardo era de apenas 365 habitantes em 1797.
Na década de 1790 a participação mineira foi dominante. Este movimento de mineiros em direção ao sertão do rio Pardo situa-se no contexto de ampliação da fronteira da pecuária e agricultura de subsistência de Minas Gerais em direção a São Paulo.
A Vila Franca foi fundada em 1805 por fazendeiros procedentes do sul de Minas Gerais. Seu nome se deve ao governador de São Paulo, Antonio José de Franca e Souza. Foi elevada a vila em 1821 e a cidade em 1856.
Uma família destes pioneiros foi a Diniz Junqueira, que depois se tornaram  importantes criadores de gado do interior de São Paulo, com ramificações em várias cidades. Francisco Antonio Diniz Junqueira[8] (1784-1842) o patriarca da família, chegou à Franca na década de 1810. Conseguiu terras para lavoura e criação de gado. Em 1825 já era reconhecido como um grande proprietário de escravos e importante criador de gado. No inventário de sua primeira esposa, falecida em 1826, está arrolado que a família era proprietária de dezenas de fazendas, mais de 30 escravos, 58 ovinos, 234 bovinos e 70 equinos.[9]
A migração para áreas de fronteira mostrou-se um método eficiente para a obtenção de terras por parte de membros da família Junqueira que se expandiram para outras áreas do  oeste paulista, Goiás e Rio de Janeiro. Outros membros da família tiveram destino semelhante ao de Francisco Antonio Diniz Junqueira e se estabeleceram no nordeste paulista: três de suas irmãs (ao todo eram nove filhos) foram viver em Batatais e São Simão, assim como outros primos.

A Lista Nominativa de 1835-36 já arrolava para Franca 3.596 cabeças de gado bovino (2.757 bezerros, 435 vacas, 351 bois, 50 novilhos e três “bovinos”), 2.280 porcos, 184 capados, 364 carneiros, 270 potros, 132 éguas, 83 cavalos e 45 bestas. Também mostrava que o milho era o principal gênero de subsistência produzido, seguido do feijão, arroz, fumo, algodão, açúcar e café. O gado bovino era destinado para tração/transporte e para o consumo da população.

O Regimento do Físico-mor Manoel Vieira da Silva aprovado em 22 de janeiro de 1810 estabelecia as seguintes medidas:
  •         Controle dos gêneros alimentícios (trigo, farinhas, milho, carnes secas ou verdes e qualquer outro  comestível).
  •        Mandar fazer exames e vistorias nos matadouros e açougues públicos.
  •         Designar pastagens nos sítios dos caminhos por onde passassem as boiadas para descanso do gado, antes de serem conduzidos aos matadouros da cidade.
  •         Os magistrados, como provedores-mores fariam os exames e vistorias nos mantimentos nos açougues e matadouros.
Augusto-Emílio Zaluar[10], em viagem à província de São Paulo no início da década de 1860, ao se referir a Campinas escreveu: 
'O comércio é pois ativo e florescente, porque é aqui o entreposto de Goiás, Uberaba, Franca e outras povoações do interior com a Corte. Asseguram-me, porém que já foi muito mais importante e ativo com estes pontos; e assim mesmo ainda entram aqui todos os anos, da Franca, quatrocentos a seiscentos carros, que trazem toucinho, algodão, queijo e feijão, que permutam por ferragens e sal em grande quantidade’.
Em 1855, na província de São Paulo existiam 533 fazendas de criação de gado que produziram 34.691 crias. Do rebanho foram vendidas 23.670 cabeças. Na época existiam apenas 50 municípios na província: Guaratinguetá, Bananal, Queluz, Areias, Silveiras, Lorena, Cunha, Taubaté, Pindamonhagaba, São Luís, Ubatuba, Jacareí, São José, Santa Isabel, Santo Antonio de Paraibuna, Mogi das Cruzes, São Sebastião, Vila Bela, São Paulo, Santo Amaro, Paranaíba, Jundiaí, Campinas, Bragança, Atibaia, Nazaré, Constituição, Mogi Mirim, Limeira, São João do Rio Claro, Araraquara, Vila Franca, Batatais, Casa Branca, Sorocaba, Itu, Porto Feliz, Pirapora, Capivari, São Roque, Itapetininga, Tatuí, Itapeva, Apiaí, Xiririca, Santos, Iguape, São Vicente, Conceição de Itanhaém e Cananéia.
Como se pode observar o município mais ocidental da província era o de Araraquara. Barretos, São José do Rio Preto, Araçatuba e Presidente Prudente, que mais tarde tornar-se-iam municípios de grande expressão 
na criação de gado, ainda não existiam.

Como mostra o mapa acima, datado da primeira década do século XX, toda a região à margem esquerda do rio Tietê,  acima de Lençóis, era completamente desabitada.  Como curiosidade, Barretos está ainda com o nome de Espírito Santo, pois foi apenas em 1906 que passou a chamar assim..


As terras, que hoje abrigam 25 municípios do extremo noroeste de São Paulo, foram conquistadas, no início do século XIX, por Patrício Lopes de Souza, conhecido como Patrício Colodino, natural de São Tiago, Minas Gerais, que  aos 17 anos saiu de sua vila para desbravar os sertões no rumo oeste, então cobertos de matas e povoados por índios Caiapós e Caingangues. Acompanhado do escravo Jeremias, ele se tornou, mais tarde, dono da fazenda São José da Ponte Pensa e de outras três vastas fazendas no Mato Grosso do Sul, próximas  da  atual cidade de Paranaíba, dedicadas a criação de gado. Como era costume na época e no lugar, não tinha escritura da terra nem qualquer papel que valesse. Grileiros paulistas e cariocas forjaram documentos com o objetivo único de retalhar as propriedades, se apossar delas, legitimá-las e vendê-las. Nessa empreitada, foram defendidos pelo advogado Júlio Prestes (1882-1946), que foi presidente de São Paulo. Ao mesmo tempo, tomaram o cuidado de apagar todos os vestígios da existência de Patrício, que ficou na região durante 55 anos. Em 1914, o grupo entrou na esfera federal com uma ação para comprovação da propriedade e, seis anos depois, começaram comercializar as áreas da fazenda.  Para fazer a demarcação foi designado como perito o engenheiro Euphly Jalles, mineiro de Frutal, Houve, então, um novo ciclo, com a venda de terras demarcadas e surgimento das cidades do noroeste, entre elas Jales, fundada em 1941 e nomeada em homenagem do engenheiro.
A partir de 1867, com a implantação das ferrovias e o início da construção das grandes mansões dos barões do café na cidade de São Paulo[11], a cidade começa a mudar de cara. Segundo Maria Cecília Naclério Homem, autora do livro “O Palacete Paulistano” em 1867 a cidade tinha 10 açougues e em 1918 alcançava 34.
A pecuária paulista tem-se desenvolvido muito nos últimos tempos, para isto concorreu a decadência dos velhos cafezais, que foram transformados em novas e boas pastagens. Os rebanhos além de mais numerosos melhoraram de qualidade com o desenvolvimento de cruzamentos cientificamente controlados. Três importantes raças de gado bovino teve origem em território paulista; a Canchim, a Pitangueiras e a Lavinia.

Macho da Raça Canchim
A história da raça Canchim começou em 1922 quando  foi importado pelo Ministério da Agricultura um lote de gado Charolês que foi enviado para a Fazenda de Criação de Urutaí no estado de Goiás. Ali se desenvolveram até que em 1936 foram transferidos para a Fazenda de Criação de São Carlos (SP). Do plantel recebido foram selecionados reprodutores Charolês para os cruzamentos a serem realizados. As fêmeas escolhidas eram predominantemente da raça Indubrasil, com pequena proporção de Guzerá e Nelore. Os trabalhos de cruzamento tiveram início em 1940, sob a direção do zootecnista Antônio Teixeira Viana. Tiveram como objetivo obter mestiços com 5/8 de sangue Charolês e 3/8 de sangue Zebu, como também mestiços com 3/8 de sangue Charolês e 5/8 de sangue Zebu para avaliar a melhor alternativa. Depois de mais de uma década de experimentos foi obtido em 1953 o padrão da raça, um bi-mestiço com 5/8 de sangue Charolês e 3/8 de sangue Zebu. O propósito era obter animais que agregasse a rusticidade do Zebu e a precocidade do Charolês.

Macho da Raça Pitangueiras
A raça Pitangueiras foi formada na fazenda Três Barras, na cidade de Pitangueiras, (SP), pertencente ao Grupo Vestey, de capital britânico que atua em várias partes do mundo. Os cruzamentos começaram logo durante a ocorrência da Segunda Guerra Mundial e o objetivo era obter um animal para abate com idade entre 18-24 meses, pesando entre 480-550 kg, como também mães leiteiras, com produtividade média entre 2.500-3.500 kg por lactação. Foram testados cruzamentos das raças Nelore, Guzerá e Gir, com touro Red Poll britânico, tendo finalmente sido aprovado o Guzerá, que já contava com uma boa seleção leiteira no país. Os touros Red Poll foram importados da Argentina e da Grã-Bretanha.

Rebanho da Raça Lavínia
A raça Lavínia surgiu depois de uma série de experiências envolvendo cruzamentos com machos da raça Parda Suiça com fêmeas das raças Gir, Nelore e Guzerá realizadas no município de Lavínia (SP), o criador Rubens Franco de Melo, proprietário da fazenda Santa Maria, dedicou-se aos cruzamentos da raça Parda Suiça com Guzerá, desenvolvendo em 1954 um bi-mestiço com 5/8 de sangue Pardo Suiço e 3/8 de sangue Guzerá. Em 1970 foi criada o Centro Nacional de Seleção de Bovinos da Raça Lavínia em São Joaquim da Barra (SP), que foi muito importante no desenvolvimento da raça.
Em 1965 o rebanho do estado era de 11.659.000 cabeças de bovinos, 5.273.000 cabeças de suínos, 851.000 cabeças de equinos, 688.000 cabeças de muares  e 487.000 cabeças de caprinos.

O IBGE no último Censo Agropecuário constatou que no dia 31/12/2008 havia nos 643 municípios do estado de São Paulo 11.200.000 cabeças de bovinos. Possuía o sétimo maior rebanho do Brasil.
Os cinco maiores rebanhos de São Paulo, que representavam 4% do total estavam nos seguintes municípios:
·        Mirante do Paranapanema                     127.000 cabeças
·        Rancharia                                              121.000 cabeças
·        Marília                                                   115.000 cabeças
·        Presidente Epitácio                                113.000 cabeças
·        Martinópolis                                          111.000 cabeças                                 


Outros 40 municípios paulistas tinham rebanhos acima de 50.000 cabeças.



[1] João Ramalho em 1562 preou índios que habitavam o vale do rio Paraíba do Sul.
[2] Escreveu Antonil sobre este caminho: ‘Roteiro do caminho da vila de São Paulo para as Minas Gerais e para o Rio das Velhas. Gastam comumente os paulistas, desde a vila de São Paulo até as minas gerais dos Cataguás, pelo menos dous meses, porque não marcham de sol a sol, mas até o meio-dia, e quando muito até uma ou duas horas da tarde, assim para se arrancharem, como para terem tempo de descansar e de buscar alguma caça ou peixe, aonde o há, mel de pau e outro qualquer mantimento. E, desta sorte, aturam com tão grande trabalho. O roteiro do seu caminho, desde a vila de São Paulo até a serra de Itatiaia, aonde se divide em dous, um para as minas do Caeté ou ribeirão de Nossa Senhora do Carmo e do Ouro Preto e outro para as minas do rio das Velhas, é o seguinte, em que se apontam os pousos e paragens do dito caminho, com as distâncias que tem e os dias que pouco mais ou menos se gastam de uma estalagem para outra, em que os mineiros pousam e, se é necessário, descanso e se refazem do que hão mister e hoje se acha em tais paragens. No primeiro dia, saindo da vila de São Paulo, vão ordinariamente a pousar em Nossa Senhora da Penha, por ser (como eles dizem) o primeiro arranco de casa, e não são mais que duas léguas. Daí, vão à aldeia de Itaquequecetuba (sic), caminho de um dia. Gastam, da dita aldeia, até a vila de Moji, dous dias. De Moji vão às Laranjeiras, caminhando quatro ou cinco dias até o jantar. Das Laranjeiras até a vila de Jacareí, um dia, até as três horas. De Jacareí até a vila de Taubaté, dous dias até o jantar. De Taubaté a Pindamonhagaba, freguesia de Nossa Senhora da Conceição, dia e meio. De Pindamonhagaba até a vila de Guaratinguetá, cinco ou seis dias até o jantar. De Guaratinguetá até o porto de Guaipacaré, aonde ficam as roças de Bento Rodrigues, dous dias até o jantar. Destas roças até o pé da serra afamada de Amantiqueira, pelas cinco serras muito altas, que parecem os primeiros muros que o ouro tem no caminho para que não cheguem lá os mineiros, gastam-se três dias até o jantar. Daqui começam a passar o ribeiro que chamam Passavinte, porque vinte vezes se passa e se sobe às serras sobreditas, para passar as quais se descarregam as cavalgaduras, pelos grandes riscos dos despenhadeiros que se encontram, e assim gastam dous dias em passar com grande dificuldade estas serras, e daí se descobrem muitas e aprazíveis árvores de pinhões, que a seu tempo dão abundância deles para o sustento dos mineiros, como também porcos monteses, araras e papagaios’.
[3] Escreveu Pedro Taques de Almeida Pais Leme (1714-1777) in ‘História da Capitania de São Vicente’:’A vila de São Francisco das Chagas de Taubaté foi ereta em 1645 por Jaques Félix, natural de São Paulo, e nela foi povoador e fundador, como procurador bastante da condessa de Vimieiro, donatária da Capitania de Itanhaem:este paulista tinha passado de São Paulo,com sua família e grande número de índios de sua administração, gados vacum e cavalar; e tendo conquistado os bravos gentios da nação Jerominis e Puna (...).
[4]  No livro ‘Formação Histórica do Brasil’,Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1979.
[5] Como curiosidade histórica, reproduziremos, uma noticia que saiu publicada no “Diário Popular” no dia 19 de abril de 1898. Esta nota nos mostra como as cercanias de São Paulo, eram habitadas por muitos bois e vacas. “O trem de passageiros que partiu de São Paulo para o interior esta manhan as 5,20 descarrillou no kilometro 97 entre Taipas e Perus, em conseqüência de ter apanhado um boi na linha. A machina do carro de animaes, bagagens e quatro carros de passageiros que iam na frente tombaram. Foram encontrados três cadáveres e ficaram feridas levemente seis pessoas”.
No mesmo dia , o mesmo jornal informa em outra nota, que
“O Laboratorio de Analyses Chimicas do Estado condemnou hoje um leite de vacca aprehendida no Largo do Arouche a João Costa e proveniente de uma cocheira sita a Rua Hygienopolis, por conter 22% de água fraudulentamente adiccionada”.
[6] Pierre Monbeig, relata no seu livro "Pioneiros e Fazendeiros de São Paulo" que foi escrito em 1949/1952, relata o que ele observou:
"Nas margens do Rio Grande, do Paraná e o baixo Tietê, encontram-se famílias que vivem da caça e da pesca. Preferem outros o nomadismo do boiadeiro que, conduzindo as boiadas provenientes de Goiás, do Mato Grosso e de Minas, encaminham para as pastagens paulistas
[7] Pierre Monbeig, na mesma obra, faz uma descrição do desenvolvimento da pecuária no Norte e Noroeste paulista, com a implantação do sistema de invernadas:
"A grande zona das invernadas estende-se de Barretos a Araçatuba. Ela compreende os municipios de Olimpia, Guaraci, Nova Granada, Palestina e Paulo de Faria que recebem gado vindo de Minas Gerais ou de pastagens de Mato Grosso ou Goiás. Nesses municipios os campos cobrem mais da metade da superficie ( 57% em Barretos, 64% em Olimpia e 56% em Palestina) e localizam-se principalmente nas terras baixas vizinhas ao rio Grande, mas ganharam terreno em direção aos espigões, à medida que se destruiam os cafezais mais baixos. O raio de ação de Barretos estende-se aos municipios da Alta Araraquarense, tanto no eixo Mirassol-Fernandópolis, como na direção de Monte Aprazível e General Salgado. As pastagens de Novo Horizonte, na margem esquerda do Tietê ligam-se à área de Barretos. Pode-se avaliar em 900.000 o número de bovinos na região"
 [8] Este mineiro natural de Baependi-MG nasceu em 1784 e foi casado em primeiras núpcias com Mariana Constança de Andrade com quem teve sete filhos que chegaram à fase adulta.
[9] Escreve John Mawe (1764-1829), sobre o que viu em São Paulo no inicio do século XIX, na sua obra " Viagens ao Interior do Brasil":" Em nenhum ramo de trabalho rural os fazendeiros se descuidam tanto quanto no tratamento do gado. Não cultivam pastagens, não constroem cercados, nem armazéns de forragem para a época da escassez. As vacas não são ordenhadas com regularidade; consideram-nas mais como ônus do que como fonte de renda. Precisam de sal, de quando em quando, que lhes é dado de quinze em quinze dias, em pequenas porções"
 [10]  No livro ‘Peregrinação pela Provincia de São Paulo (1860-1861), São Paulo, Martins, 1953.
 [11]  O primeiro palacete construído foi do segundo barão de Piracicaba em 1877, na rua Brigadeiro Tobias.

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