6.16.2011

LINGUAGEM É INATA E INSTINTIVA COMO O SEXO E A FOME

''O homem inventou a linguagem para satisfazer sua profunda necessidade de se queixar'', jura Steven Pinker, citando a atriz Lily Tomlin. Mas é certo que o brilhante psicolinguista do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts, EUA), menino prodígio do departamento de ciências do cérebro e da cognição e rival do linguista Noam Chomsky, tem outras explicações para a invenção da linguagem.
Ele as expôs no seu livro ''O Instinto da Linguagem'', publicado em 1994 nos EUA e já traduzido em mais de dez línguas.
Como uma criança de três anos pode falar, utilizando milhares de palavras e com um senso agudo da gramática, deixando para trás os computadores mais sofisticados?
Há trinta anos, a resposta foi dada por Chomsky. Os bebês nascem com uma capacidade inata e universal: a ''gramática universal'', que lhes permite dar um sentido ao que eles ouvem e de produzir, por sua vez, a fala. Um postulado que perturbou as teorias segundo as quais o bebê aprendia a falar por imitação. O livro de Pinker, considerado como um dos maiores psicolinguistas atuais, levou mais adiante essa tese sobre a capacidade inata que o homem teria de aprender a usar a linguagem.

A seguir, trechos da entrevista, realizada no laboratório de Pinker, no MIT, em que ele fala sobre os genes da linguagem e sobre como as crianças a aprendem.

Pergunta - O que o sr. quer dizer com o ''instinto'' da linguagem?
Resposta - É claro que não estou me referindo à capacidade de falar inglês ou francês, mas à capacidade inata da espécie humana de adquirir e utilizar a linguagem. Já se descreveu a linguagem como uma faculdade psicológica, um órgão mental, um sistema neurológico. Prefiro o termo meio fora de moda instinto. Quer dizer, as pessoas falam como as aranhas tecem sua teia. A tecedura da teia não foi inventada por um gênio desconhecido e não depende de uma boa educação. As aranhas tecem as teias porque elas têm um cérebro de aranha, que lhes dá a pulsão de tecer e a competência para fazê-lo. Do mesmo modo, uma criança de berçário sabe implicitamente mais sobre a linguagem do que o mais sofisticado dos programas de computador. E é assim com todos os seres humanos, inclusive os jogadores de futebol, célebres por maltratar a sintaxe, e os adolescentes do ''e aí?'' O conceito de ''instinto'' pode parecer chocante para aqueles que pensam que a linguagem é o ápice do intelecto humano e que os instintos são pulsões brutas como as que levam os pássaros a fazer ninhos ou a voar para o sul. Mas ter instinto não quer dizer necessariamente que você vá agir como um autômato. Meu argumento é que a linguagem é como a fome ou o sexo. Como nesses casos, não se compreendem as regras mas não é possível impedir que elas tenham efeitos sobre nós. Quando falo de regras da linguagem não estou me referindo às regras aprendidas na escola, mas a uma espécie de programa para a linguagem, colocado no cérebro. Como explicar que uma criança adquira a linguagem tão rapidamente senão pela hipótese de que o cérebro tem ligações para apreender certas estruturas e realizar certas operações? É o que Chomsky chamou de ''gramática universal''. Isso posto, não aceito a oposição entre inato e adquirido. O aprendizado não é mágico, não ocorre no ar, no vazio. É preciso um circuito inato, uma máquina de aprender.

Pergunta - Se a linguagem é um instinto, por que as crianças levam mais de dois anos para falar?
Resposta - Em primeiro lugar, porque o cérebro não está pronto. Os bebês humanos nascem antes de estarem prontos. Se eles ficassem no útero proporcionalmente tanto tempo como os outros primatas, eles não sairiam antes de 18 meses _a idade com a qual as crianças começam a falar. Em um certo sentido, pode-se dizer que os bebês falam desde o nascimento. Uma grande parte das ligações cerebrais é feita depois do nascimento: o número de conexões entre os neurônios aumenta até a idade de quatro anos. Por outro lado, o aprendizado é essencial à linguagem, pois ela é um código que deve ser partilhado. Esse período permite sincronizar a capacidade inata de linguagem com a língua falada ao redor de si. Uma gramática inata que apenas você é capaz de possuir é inutilizável. É um tango que você dança sozinho.

Pergunta - Como Chomsky, o sr. diz que existe uma gramática universal. Como o sr. a define?
Resposta - É a estrutura subjacente que todas as línguas têm em comum. É também o que a criança tem no espírito e que lhe permite aprender a falar. Imagine que você precisasse criar um programa de computador no qual os dados que entram são uma série de frases dos pais e o resultado é uma série de regras para utilizar a linguagem. Programador algum poderia resolver esse problema antes de alguns anos. Mas todos os bebês se viram para compreender muito rapidamente a lógica da linguagem. É por isso que deve existir um programa muito sofisticado na suas cabeças, o qual lhes permite converter as frases que eles ouvem em conhecimento inconsciente do funcionamento da linguagem. Quando escutamos uma criança que está aprendendo a falar, podemos observar que ela não se contenta em repetir o que ouviu _ela procura regras. Quando a criança fala de acordo com as regras da gramática não se percebe que ela faz uma análise. Pensa-se simplesmente que ela imita os pais. Mas isso, a análise, salta aos olhos quando a criança diz: ''os pãos'', em vez de ''os pães'', ou ''se eu isse'', em vez de ''se eu fosse''. Ela utiliza uma forma não gramatical porque ela tenta aplicar uma regra.

Pergunta - Se existe uma gramática universal, porque as línguas são tão diferentes?
Resposta - A gramática universal é como a estrutura do corpo que podemos observar em todos os animais da mesma família. Todos os vertebrados, por exemplo, têm uma arquitetura comum: a coluna, quatro membros, um crânio. Mas todas essas partes podem definhar ou ser distorcidas de maneira grotesca. A asa de um morcego é uma mão, o cavalo trota sobre seus dedos do meio e os membros anteriores da baleia se tornaram nadadeiras. As diferenças se devem a mínimas variações na duração do desenvolvimento embrionário. O mesmo ocorre com as línguas. Mesmo quando elas parecem ser radicalmente diferentes podem ser observados os mesmos elementos estruturais regras de sintaxe e de fonologia e alguns parâmetros cuja variação pode levar a grandes diferenças superficiais.

Pergunta - Quais são as características comuns a todas as línguas?
Resposta - Um ponto comum é a utilização do canal boca/ouvido. A percepção é um dos milagres biológicos desse instinto, a linguagem. Há vantagens evidentes em utilizar a boca e o ouvido e jamais se soube de grupos de pessoas que prefiram utilizar a linguagem dos sinais, mesmo ela sendo tão expressiva. A palavra não exige nem boa iluminação, nem contato face-a-face, nem monopolização das mãos e dos olhos. É possível gritar, para alcançar alguém distante, ou sussurrar para esconder uma mensagem. Entre outros traços comuns: um código simétrico para a produção e a percepção, palavras de sentido estável e ligadas a convenções arbitrárias, categorias como os nomes e os verbos, ''auxiliares'' para indicar um tempo ou negação, mudanças de estrutura que permitem formular perguntas. São coisas que encontramos em todas as línguas, mas não nas linguagens artificiais, como as de computador ou na notação musical.

Pergunta - Como são feitas as ligações da linguagem no cérebro?
Resposta - Isso é pouco conhecido, ao contrário da visão, pois não é possível estudá-lo nas drosófilas (mosca de frutas) ou em ratos. A maior parte das informações vêm de pessoas que têm lesões neurológicas. Nós sabemos que nos destros, a linguagem está no hemisfério esquerdo, ao longo da fissura de Sylvius. Aí é possível imaginar grupos de neurônios, instalados de maneira inata. O aprendizado corresponde ao reforço de certas sinapses (conexões entre neurônios) para as regras de uma certa linguagem as outras ficam adormecidas.

Pergunta - Já foi encontrado o gene da gramática?
Resposta - Há o registro de casos de famílias inteiras que têm grandes dificuldades com a linguagem, pessoas que, apesar de terem uma inteligência normal, enfrentam graves problemas com a gramática em particular. Essas pessoas são incapazes de descobrir o plural de ''wug'', uma palavra inventada. Uma criança de quatro anos não tem problemas com isso. A causa dessa deficiência familiar é provavelmente genética. Isso não quer dizer de modo algum que exista UM gene da gramática, das regras da linguagem. Os genes implicados são necessariamente numerosos. Por outro lado, pode haver um gene responsável por um problema de linguagem. Esses genes talvez estruturem partes do cérebro, coordenem informações entre a boca e a memória, organizem os neurônios em redes capazes de extrair as formas gramaticais. Essas conexões nervosas tornam possível um talento extraordinário: a capacidade de transmitir um número infinito de pensamentos precisos de uma cabeça a outra modulando o ar expirado.

Publicada originalmente no jornal 'Liberation' de Paris em janeiro de 1997- Editado e adaptado por Leopoldo Costa para ser postado.

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