10.13.2011

MIOPIA ETÍLICA


Estudo mostra que a bebida altera a percepção, deixando pessoas embriagadas com tendência a achar outras mais atraentes          

Mulher no Bar  (Toulose- Lautrec)
O cenário é de festa, música alta e pouca luz. Para alguns, o ambiente parece perfeito para encontrar um par romântico, principalmente após alguns drinques. No dia seguinte, porém, além da dor de cabeça, pode surgir um certo desapontamento com a beleza do parceiro, e é comum que se culpe a bebida pela escolha feita na noite anterior. Pois a velha desculpa tem agora respaldo científico. Pesquisadores da Universidade de Roehampton, em Londres, acrescentaram mais um item à lista de malefícios causados pelo consumo do álcool: a alteração da percepção da simetria.

Durante o estudo, os pesquisadores desenvolveram um experimento envolvendo imagens de rostos que foram previamente modificados para torná-los perfeitamente simétricos ou um pouco assimétricos. “Por algumas noites, saímos para os bares do câmpus da universidade com um laptop em que essas imagens estavam arquivadas e perguntamos aos alunos se gostariam de participar do estudo”, conta Lewis Halsey, um dos pesquisadores responsáveis pela análise, frisando que os voluntários não foram estimulados a se embriagarem.


Sessenta e quatro pesquisados observaram 40 rostos, mostrados em pares formados por um simétrico e outro assimétrico, e apontaram qual dos dois achavam mais atraente. Em seguida, os cientistas mostraram rostos individualmente, e os participantes tinham de dizer se consideravam as faces simétricas ou assimétricas. Por fim, testes similares a um bafômetro indicavam a quantidade de álcool consumido pelos alunos, que eram classificados como sóbrios ou embriagados.

Os pesquisadores observaram que o primeiro grupo apresentou uma clara preferência pelos rostos simétricos, o que não ocorreu de forma tão evidente entre os embriagados. Além disso, aqueles que não tinham bebido exageradamente tiveram mais facilidade em acertar quais rostos eram simétricos. Outra conclusão foi a de que o álcool afetou mais a percepção das mulheres que a dos homens, o que surpreendeu os pesquisadores. “Foi inesperado. Mas a diferença provavelmente tem a ver com a tendência dos homens a serem mais orientados visualmente e mais estimulados por aquilo que veem”, diz Halsen, que publicou os resultados da investigação na revista Alcohol com os colegas Joerg Huber, Richard Bufton e A.C. Little.

A conclusão dos pesquisadores não causa muito espanto entre os frequentadores de bares e baladas. A estudante Raíssa Moraes, 21 anos, acredita que a bebida afeta não só o sentido visual. “Às vezes, o cara não tem nada de interessante, mas a mulher vai bebendo e passa a não achá-lo tão mau assim. Começa a pensar que ele é mais bonito, mais legal, mais educado.” Para a jovem, beleza tem um sentido diferente para as mulheres e os homens. “Se ela enxerga outras qualidades nele, a aparência perde muito a importância, e é como se ela o visse mais bonito. Em alguns casos, estando ela embriagada, por exemplo, se tem alguém ao lado cuidando, sendo prestativo, dando atenção, isso encanta”, considera.

Perigo. Segundo a neurologista Carla Jevoux, membro da Academia Brasileira de Neurologia, o álcool age em todos os locais do cérebro e não apenas nas noções de simetria. “Ele altera os mecanismos de distinção, coordenação, cognição, simetria, reflexos, capacidade de tomar decisões, até a noção do que é certo ou errado. Para aquele indivíduo, a impressão é de que tudo é mais fácil. Por isso, a bebida é tão perigosa”, explica. De acordo com ela, um fator que pode interferir no estudo é a falta de inibição provocada pelo consumo de álcool. “A liberação do sistema nervoso pode fazer com que se aceite qualquer pessoa sem inibição”, defende Carla.

“Por causa da bebida, a gente não percebe o que faz antes. Só se dá conta quando já está fazendo”, confirma o estudante Filipe Alírio, 22 anos. Para Filipe, além de diminuir os sentidos e a noção dos próprios atos, o álcool elimina inibições. “Se a festa está no fim e a pessoa está sozinha, ela vai se importar bem menos para a possibilidade de os amigos fazerem piada depois”, exemplifica. Para o estudante Guilherme Naves, 23, acabar a noite com alguém depende muito da carência e dos desejos de quem bebe. “O álcool não faz ninguém ter vontade de ficar com outra pessoa, apenas agrava tudo o que ela estiver sentindo. E homem, quando fica carente, vai na primeira que passa.

De acordo com Joyce Macedo Silva, neurologista do Instituto Paulistano de Neurocirurgia e Cirurgia da Coluna Vertebral, o álcool provoca uma intoxicação encefálica que afeta principalmente o cerebelo. “Ele é o órgão responsável pelo equilíbrio, pela modulação do movimento e pela noção de distâncias”, esclarece. Segundo a especialista, a interação com o ambiente e as reações do corpo ficam prejudicadas. “Os nervos sensitivos estão relacionados com a maneira como o indivíduo capta o ambiente e isso é refletido em funções motoras, que também são afetadas.

O estudante Lucas Vieira, 21, não acredita que a bebida distorça as imagens que o cérebro capta. “A bebida acaba com o senso crítico”, defende. “O grande problema de beber é não questionar nada”, argumenta.

Artigo originalmente publicado em 09/10/2011 no 'Estado de Minas' e  depois, com algumas alterações no texto no 'Diario de Pernambuco' no dia 13/10/2011 . Digitalizado, adaptado e ilustrado  para ser postado por Leopoldo Costa.

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