12.19.2011

TOPONÍMIA MINEIRA

As considerações que se seguem têm o sentido de um brado de alerta contra o extermínio sistemático de nossa antiga e tradicional toponímia, e visam a tentar salvar o que dela ainda resta, Não sabemos o que se passa nos demais Estados da Federação, É de, se supor que o fenômeno seja generalizado, Em Minas Gerais, é simplesmente alarmante a preocupação iconoclasta dos legisladores de acabar com aquelas denominações locais tão características e tão tradicionais, sem a menor atenção à vontade popular, ultimamente, então, nota-se a propensão de homenagear certas pessoas, cujos nomes possivelmente terão algum significado local, batizando com eles cidades e vilas, A tendência mudancista, porém, vem de longa data. Em todas as reformas da divisão administrativa de Minas, verifica-se uma infinidade de mudanças de topônimos,
Mas na divisão administrativa que resultou da lei n. 843, de 7 de setembro de 1923, houve realmente excesso condenável. Basta dizer que se verificaram, então, 324 trocas de denominações de sedes municipais e sedes distritais  Note-se que, em 1923, tínhamos apenas 214 municípios, Quase todos sofreram alteração; em muitos casos, inteiramente injustificável, Nossa formação foi essencialmente cristã; daí a infinidade de topônimos de origem religiosa, Pois bem, só a lei n. 843, acima referida, retirou das sedes municipais e distritais 177 denominações cristãs, trocadas a-bel-prazer do legislador, Eis alguns exemplos:
Nossa Senhora da Glória do Veredinha passou a ser Navarro;
Santo Antônio do Brejo dos Mártires passou a ser Gameleiras;
Santo Antônio do Caratinga passou a ser Mesquita;
Santo Antônio do Mutum passou a ser Centenário;
São Gonçalo do Brumado passou a ser Caburu;
São João do Araxá passou a ser Argenita;
São José da Cachoeira passou a ser Ituí;
São José da Ponte Nova passou a ser Taparuba;
São José do Rio Preto passou a ser Torreão;
São Mateus passou a ser Faria Lemos;
São Pedro de Alcântara passou a ser Ibiá
São Pedro do Suaçuí passou a ser Tourinho;
São Roque passou a ser Itaobim;
São Sebastião passou a ser Bandeirantes;
São Sebastião do Alto Carangola passou a ser  Arrozal;
São Sebastião das Areias passou a ser Comendador Gomes;
São Sebastião da Barra passou a ser Espera Feliz;
São Sebastião da Barra Mansa passou a ser Juruaia;
São Sebastião dos Correntes passou a ser Sabinópolis;
São Sebastião de Entre Rios passou a ser Matipoó;
São Sebastião dos Franciscos passou a ser Capitólio;
São Sebastião dos Lençóis passou a ser Espinosa;
São Sebastião do Pouso Alegre passou a ser Hematita;
e assim por diante.

Na divisão administrativa resultante da lei n. 1.039, de 12 de dezembro de 1953, houve apenas 81 alterações em nossos topônimos. Já na última divisão, que resultou da lei n. 2.764, de 30 de dezembro de 1962, verificaram-se 109 alterações, algumas bem infelizes. Às vezes, há reação por parte dos moradores, pedidos, abaixo-assinados e, então, volta a denominação anterior. Temos algumas localidades que já ganharam seis denominações diferentes; diversas tiveram cinco; e muitas, quatro. Eis alguns exemplos:

Presídio de São João Batista (povoado);
São João Batista dos índios Coropós (freguesia, alvará de 13/ 8/1810);
Presídio (vila, lei n. 134, de 16-3-1839);
Visconde do Rio Branco (lei n. 2.995, de 19-10~1882);
Rio Branco (lei n. 556, de 30-8-1911);
Visconde do Rio Branco (atual, decreto-lei n. 1.058, de 31-12-1943).

Crucilândia
Gambá (denominação primitiva);
Santa Cruz das Águas Claras (lei n. 2.665, de 30-11-1880);
Santa Cruz de Dom Silvério (lei n. 543, de 27-9-1910);
Dom Silvério (lei n. 843, de 7-9-1923),
Dom Silvério do Bonfim (decreto-lei n. 148, de 17-12-1938);
Crucilândia (atual, decreto-lei n. 1.058, de 31-12-1943).



Descoberto do Peçanha (denominação primitiva);
Santo Antônio do Peçanha (paróquia);
Rio Doce (vila, lei n. 2.132, de 25-10-1875);
Suaçuí (cidade, lei n. 2.766, de 13-9-1881);
Santo Antônio do Peçanha (lei n. 3.446, de 28-9-1887);
Peçanha (atual, lei n. 556, de 30-8-1911). '

Santa Rita (lei n. 2.418, de 5-9-1877);
Santa Rita de Itinga (lei n. 3.442, de 28-9-1887);
Tingui (lei n. 843, de 7-9-1923);
Santa Rita dei Araçuaí (lei n. 921, de 24-9-1926);
Santa Rita de Medina (decreto-lei n. 60, de 12-1-1938);
Medina (atual, decreto-lei n. 148, de 17-12-1938);

Senhor Bom Jesus do Pissarrão (povoado);
Pissarrão (distrito);
Nossa Senhora da Glória (lei n. 2.145, de 29-10-1875);
Glória (lei n. 556, de 30-8-1911);
Nossa Senhora da Glória (lei n. 843, de 7-9-1923);
Senhora da Glória (atual, decreto-lei n.1.058, de 31-12-1943).

Arraial Novo da Onça (povoado);
Onça de São João Acima (distrito);
Onça (lei n. 1.046, de 6-7-1859);
Jaguaruna (lei n. 949, de 29-8-1927);
Onça (decreto-lei n. 1.058, de 31-12-1943);
Onça de Pitangui (atual, lei n. 2.764, de 30-12-1962).

Santa Helena da Cabeluda (povoado);
Santa Helena do Manhuaçu (lei n. 2.165, de 20-11-1875);
Amazonita (lei n. 843, de 7-9-1923);
Santa Helena (Lei n. 948, de 29-8-1927);
Caputira (atual, decreto-lei n. 1.058, de 31-12-1943).

Penha de França (distrito, 1837);
Mercês do Araçuaí (lei n. 1.143, de 1843);
Calabar (lei n. 843, de 7-9-1923);
Mercês de Diamantina (lei n. 1.160, de 19-9-1930);
Senador Modestino Gonçalves (atual, lei n. 2.764, de 1962).

São Gonçalo da Vargem (povoado);
São Gonçalo do Tijuco (lei n. 2.898, de 23-10-1882);
São Gonçalo do Amarante (decreto n. 253, de 26-11-1890);
Amarante (decreto-lei n. 148, de 17-12-1938);
Amarantina (atual, decreto-lei n. 1.058, de 31-12-1943).

Capivari (povoado);
Santana do Capivari (lei n. 138, de 3-4-1839);
Tapari (lei n. 843, de 7-9-1923);
Capivari (lei n. 921, de 24-9-1926);
Consolação (atual, decreto-lei n. 1. 058, de 31-12-1943).

Pampã (lei n. 556, de 30-8-1911);
Águas Belas (lei n. 843, de 7-9-1923);
São José das Águas Belas (lei n. 901, de 15-9-1925);
Águas Belas (decreto-lei n. 148, de 17-12-1938);
Águas Formosas (atual, decreto-lei n. 1.058, de 31.-12-1943).

Macaúbas de Baixo (arraial);
Santo Antônio da Vargem Alegre (decreto n. 151, de 21-7-1890);
Campo Alegre (lei n. 622, de 18-9-1914);
Turibaí (decreto-lei n. 1.058, de 31-12-1943);
Santo Antônio da Vargem Alegre (lei n. 1.039, de 12-12-1953);

São Francisco de Paula (lei n. 1.415, de 10-12-1867);
Jacareguai (lei n. 843, de 7-9-1923);
São Francisco de Oliveira (lei n. 860, de 9-9-1924);
Presidente Wenceslau Brás lei n. 2.764, de 30-12-1962);
São Francisco de Oliveira (atual, lei n. 3.187, de 8-9-1964).

Barra do Pontal (povoado);
Senhor Bom Jesus da Barra do Pontal (lei n. 818, de 4-7-1857);
Bom Jesus do Pontal do Araçuaí (lei n. 556, de 30-8-1911);
Pontal (decreto-lei n. 148, de 17-12-1938);
Itira (atual, decreto-lei n. 1. 058, de 31-12-1943).

Tornar-se-ia fastidioso continuar as citações. Quando, ao se proclamar a República, adotou-se aquela bandeira constituída de listas horizontais verdes e amarelas, com um grupo de estrelas em um retangulozinho à esquerda, no alto, o argumento que convenceu Deodoro de tamanha estultícia foi este: a bandeira nacional é qualquer cousa ligada à alma do povo. Que se substitua o emblema da monarquia por outro, mas permaneça a bandeira que a nação se acostumou a admirar e a respeitar, foi o argumento decisivo.
Da mesma forma, o nome de uma localidade, por mais feio que possa parecer a estranhos, está intimamente ligado à alma do povo que o adotou, à sua história, às suas lendas; não deixa de ser uma forma de crueldade inventar um nome sonoro e poético para substituir o primeiro, sem qualquer consulta aos moradores. Às vezes, uma sede distrital é elevada à categoria de cidade; os chefes políticos do município a que pertencia aquele distrito, julgam-se no direito de criar e impor uma bela denominação para o novo município a ser criado.
Um exemplo temos no município de Ijaci. A capela primitiva, dedicada a N. Sra. da Conceição, deu ao povoado e, mais tarde, ao distrito, a denominação de Conceição do Rio Grande. Entretanto, quando Conceição do Rio Grande foi elevada à condição de sede municipal, desmembrando-se de Lavras, os chefes políticos desta cidade inventaram e impuseram a denominação Ijaci (lei n. 843, de 7-9-1923), desprezando o topônimo arraigado no espírito popular (Carta do Sr. Elias Antônio Filho, Prefeito de Ijaci).

O pior, que vem provocando confusões aos desprevenidos, é a denominação idêntica dada a lugares diferentes por leis diversas. Itabira já se chamou Presidente Vargas (lei n. 839, de 13-6-1942); a cidade de Nova Era já teve também a mesma denominação: Presidente Vargas (decreto-lei n. 148, de 17-12-1938).

A cidade de Bicas do Meio chama-se, hoje, Wenceslau Brás (lei n. 3.187, de 8-9-1964); a cidade de São Francisco de Oliveira teve, durante dois anos (30-12-1962 a 8-9-1964) a denominação de Presidente Wenceslau Brás.
A mesma lei (n. 843) que modificou a denominação tradicional de Matipoó para Raul Soares, deu o nome de Matipoó ao antigo São Sebastião de Entre Rios.
A cidade de Ipanema era, antigamente, denominada Santo Antônio do Rio José Pedro e já se chamou Santo Antônio do José Pedro, Rio José Pedro e José Pedro; hoje chama-se Ipanema; pois bem, a localidade que se chamava Ipanema é, hoje, Santana do Paraíso.
A cidade de Itumirim chamou-se, quando simples povoado, Francisco Sales; a lei n. 843, de 7-9-1923, mudou o nome para Coruja; e a lei n. 860, de 9-9-1924, deu-lhe a atual denominação de Itumirim; e a cidade de São Vicente de Minas, que se chamava, a princípio, São Vicente Férrer, teve sua denominação mudada para Francisco Sales, pelo decreto-lei n. 148, de 1938; e, em 1953, a lei n. 1.039 deu-lhe a atual denominação de São Vicente de Minas.
A atual cidade de Teixeiras chamou-se, no passado, Santo Antônio dos Teixeiras; e o lugar que se chamava 'Teixeiras', hoje, Cônego João Pio.
Estes exemplos seriam bastantes para mostrar a confusão que essa legislação tem provocado e continuará provocando; entretanto desejamos mostrar outros ainda. Guaraciaba é o nome que foi dado à antiga e tradicional Barra do Bacalhau (lei n. 336, de 27-12-1948); e a localidade que se chamava Guaraciaba é, hoje, o atual distrito de Tobati, no município de Ibiá- (lei n. 843, de 7-9-1923).
Angaturama é a denominação atual do antigo Recreio; e a antiga Angaturama chama-se, hoje, Pé do Morro.
A cidade de Dona Eusébia chamou-se, antes, Astolfo Dutra; e a atual cidade de Astolfo Dutra chamava-se, primitivamente, Santo Antônio do Porto Alegre.
Crucilândia já teve o nome de Dom Silvério; e a atual cidade de Dom Silvério tinha o nome de Saúde.
O antigo arraial do Chumbo foi elevado a sede distrital com o nome de Major Porto; e o antigo Areado, lugar vizinho, recebeu o nome de Chumbo.
Rochedo de Minas chamou-se, no passado, Japaraíba; atualmente chama-se Japaraíba a cidade que, primitivamente, se chamava São Simão.
A atual cidade de Lambari era denominada Águas Virtuosas da Campanha; e o povoado vizinho, que tinha o nome de Lambari, é a atual cidade de Jesuânia.
Espírito Santo do Pomba teve seu nome mudado para Guarani; e a localidade de Guarani é, hoje, Guaranilândia.
A atual cidade de Antônio Carlos já teve o nome de Bias Fortes; também Crispim Jaques já se chamou, no passado, Bias Fortes; e o antigo arraial do Quilombo, depois distrito denominado União, ao ser elevado à categoria de sede municipal, recebeu a denominação atual, Bias Fortes, Melo Viana foi o primeiro topônimo da atual cidade de Serra da Saudade; Melo Viana era também o nome anterior da atual cidade de Coronel Fabriciano; Melo Viana é hoje o nome dado ao atual distrito do município de Esmeraldas.
Babilônia é o nome atual da antiga Dores da Ponte Alta; e a antiga Babilônia teve sua denominação mudada para Marliéria; outra antiga Babilônia é a atual cidade de Vieiras. Barra Feliz é a denominação que recebeu o povoado de São Bento, ao ser elevado a distrito; Barra Feliz foi o nome que teve, durante quatro anos, a atual vila de Brumal.
Diante de tal balbúrdia e dança de topônimos, o historiador desprevenido tem que se confundir e trazer confusão aos leitores, o que tem acontecido com certa frequência.
A preocupação mudancista, sem qualquer planejamento, tem provocado realmente confusões aos incautos. Ainda há pouco, um jornalista, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, publicou um artigo em matutino de Belo Horizonte, no qual informava que o distrito de Fidalgo, do município de Pedro Leopoldo, vai ser transformado em centro de turismo; acrescentava que o local é histórico, pois, aí fora assassinado o fidalgo D. Rodrigo Castelo Branco. Acontece, porém, que o atual distrito de Fidalgo não é o antigo Fidalgo, onde se verificou o encontro do fidalgo castelhano D. Rodrigo com Borba Gato, em 1681.
O antigo distrito de Fidalgo, local histórico, tradicional, onde ainda se vê a cruz do túmulo de Dom Rodrigo, fica no município de Lagoa Santa, a quatro léguas de Santa Luzia, segundo se vê no roteiro da viagem do governador de Goiás, José de Almeida de Vasconcelos de Several e Carvalho (Coleção Félix Pacheco, Biblioteca Municipal de São Paulo). Mas a sede do distrito foi transferida para a vizinha povoação de Lapinha, pela. lei n. 556, de 30 agosto de 1911; e, ao ser criado o município de Pedro Leopoldo, foi a povoação do Sumidouro, chamada primitivamente a Quinta do Sumidouro, fundada por Fernão Dias, em 1674, "no lugar onde o rio some o Anchacanhura dos indígenas" '(Salomão de Vasconcelos" Rev I.H.G .M.G., IV, pág. 18), elevada a distrito daquele município, com a denominação de Fida1go.
O decreto-lei n.148, de 17-12-1938, devolveu ao distrito o nome de Sumidouro; mas o decreto-lei n. 1.058, de 31-12-1943, determinou que, de novo, se chamasse Fidalgo. Assim, a antiga Quinta do Sumidouro tem hoje o nome de Fidalgo.
Os jornalistas sobretudo são vítimas frequentes de equívocos. Comentando a atual denominação da antiga Quinta do Sumidouro ou Quinta do Rio das Velhas, escreveu Augusto de Lima Júnior: "é mais um caso de História por decreto, hábito que se enraizou em Minas.” (A Capitania de Minas Gerais, ed., pág. 33).

Outro exemplo: No município de Manga, extremo norte de Minas, havia o distrito de Morrinhos; mas como Morrinhos era o nome do arraial fundado por Matias Cardoso, a lei n. 843, de 7-9-1923, determinou a mudança da denominação de Morrinhos para Matias Cardoso. Acontece, porém, que o antigo Morrinhos, que hoje se chama Matias Cardoso, não é o arraial fundado por Matias Cardoso, segundo demonstrou Salomão de Vasconcelos, que procurou mostrar qual o Morrinhos fundado pelo sertanista paulistano (Rev. I.H.G.M.G., IV, pág. 19).

Santana do Paraopeba era lugar onde a primitiva capela fora erguida, por provisão de 4 de março de 1750; mas o lugar que hoje se chama Santana do Paraopeba é outro, distante cerca de 5 km do primitivo e que se chamava Costas (Lei n. 1.035, de 20-9-1928).
Manga, nome tradicional, sede da antiga Câmara Eclesiástica a que se subordinava toda a região da margem esquerda do São Francisco, não é a Manga de hoje; a atual cidade de Manga tem por sede o antigo povoado de São Caetano do Japoré.
O tradicional sítio de Simão Pereira, onde teria sido criada a paróquia em 1718 (Cônego Trindade cita dois documentos que comprovam ter sido criada a paróquia naquele ano), não é a cidade de Simão Pereira de hoje. Pela lei n. 858, de 14 de maio de 1858, foi a sede da paróquia transferida de Simão Pereira para o povoado de Rancharia, que recebeu a denominação de São Pedro de Alcântara. Foi o decreto-lei n. 1.058, de 31 de dezembro de 1943, que deu ao então distrito de São Pedro de Alcântara a denominação de Simão Pereira. A cidade de Simão Pereira, portanto, nada tem a ver com a antiga paróquia de Simão Pereira.
Recentemente, um dos maiores cronistas do Brasil, grande poeta, referiu-se à região de Cataguases, como sendo a terra dos ferozes e terríveis índios "cataguás". Ledo engano. O domínio dos cataguás era a relação limítrofe de São Paulo; e o nome "deles generalizou-se para todo o sertão ao norte da Mantiqueira" (Diogo de Vasconcelos, História Antiga de Minas Gerais, pág. 116). Na região da atual cidade de Cataguases viviam os índios Puris, os Coroados.
O topônimo Cataguases se originou de uma sugestão do Cel. José Vieira de Resende, grande artífice do progresso do arraial de Meia Pataca, e primeiro Presidente da Câmara e Agente Executivo Municipal da vila de Cataguases, criada pela lei n. 2.180, de 25 de novembro de 1875. Em lembrança da região onde nascera e onde se localizava a fazenda de seu pai, Catauá, talvez a última reminiscência da presença dos índios Cataguás, região localizada nas proximidades de Lagoa Dourada, sugeriu ele o nome de Cataguases para a vila criada em 1875, no arraial de Meia Pataca.
A lei n. 2.764, de 30 de dezembro de 1962, em grande parcela das modificações realizadas, mostrou a tendência de homenagear determinadas pessoas que, em parte, deveriam ter possíveis ligações com a história local, mas sem qualquer significado de maior importância. A maioria mesmo tinha ligação com a sede do município, do qual se desmembrava a nova unidade administrativa.
Casos há em que o nome de chefe político de um município é dado a novo município, para cujo povo o nome nada representa.
Topônimos sugestivos como LAGOA DOS VEADOS, SOBRADO DO ROCHA, JACU, ANGORRAS, ALTO VAU-AÇU, SÃO. JOÃO DA LAGOA, MERCÊS DE DIAMANTINA, MONJOLOS, QUEIROGA, COROAS, CONCEIÇÃO DO BARREIRO,' CAPELINHA DO CHUMBO, BANANAL, ,SÃO FÉLIX, UNIÃO DE CAETÉ, PARAISO DE NOSSA SENHORA DAS GRAÇAS, passaram a chamar-se, respectivamente, Doutor Campolina, Monsenhor Isidro, Luislândia, José Gonçalves de Minas, Padre Felisberto, Simão Campos, Senador Modestino Gonçalves, Pedro Lessa, Edgard de Melo, Coronel Xavier Chaves, Francisco Dumont, Major Porto, Nacip Raydan, Frei Jorge, José de Melo, Plautino Soares.
Essa insistência em homenagear pessoas foi levada a excessos, com relação a um vivo. Havia, no município de Curvelo, o distrito de São Sebastião do Paraúna, que a lei n. 843 modificou para Paraúna; o decreto-lei n. 1.058, de 31 de dezembro de 1943, alterou a denominação para Ponte de Paraúna; pois bem, esse distrito foi elevado à categoria de cidade, pela referida lei n. 2.764, com a denominação de Presidente Juscelino. Foi homenagem ao ex-governador do Estado e ex-presidente da República.
Poderíamos acrescentar: homenagem justa. Acontece que a mesma lei criou o município de Presidente Kubitschek, denominação que foi dada ao distrito de Tijucal, do município de Diamantina. Bem, foi outra homenagem ao criador de Brasília. O pior, porém, é que a mesma citada lei n. 2.764, ao elevar o antigo povoado de São José da Lagoa a sede distrital, no município de Curvelo, atribuiu-Ihe a denominação de J. K, o que nos pareceu, além de homenagem desnecessária, em vista das duas anteriores, uma denominação supinamente ridículas que só pode provar o excesso de mau gosto dos legisladores mineiros. Dá-se a uma localidade a denominação de J. K, como se fosse à marca de um café ou de um automóvel ou de um canivete.
Enquanto se tributaram tantas homenagens a vultos, na maioria, inteiramente desconhecidos, a mesma lei mudou o nome de Guia Lopes, o grande herói da Retirada da Laguna, para São Roque de Minas.
Sempre houve protestos contra o excesso dos mudancistas. Já o General Cunha Matos, em "Itinerário do Rio de Janeiro ao Pará e Maranhão pelas províncias de Minas Gerais e Goiás", em 1823, clamava contra o hábito de se mudarem as denominações de sítios, fazendas, de acordo com o santo da devoção de cada um. Depois de referir-se às dificuldades resultantes dessas modificações, acrescentava: "Ninguém mais fez uso desta liberdade do que o sábio Barão de Eschwege e Mr. Marliêre. Eles mudaram e deram novos nomes a rios, córregos e ribeirões" (pág. XV).
O mais curioso é que, depois desse desabafo, ele próprio resolveu designar por outro o nome de um pico: "Eu, ao mesmo tempo em que censuro o arbítrio com que se tem mudado várias denominações, indico com a de Mausoléu o morro Cabeça de Boi, da Serra Geral, no Julgado de Porto Real" (pág. XVI).
Escrevendo sobre as constantes mudanças dos topônimos mineiros, ponderava Nélson de Sena: "Às vezes, o nome moderno, o batismo oficial, a nova designação que recebe uma povoação, um arraial, uma vila ou uma cidade, são repelidos pelo povo, que persevera em usar o nome primitivo, o nome da tradição, com que já está habituado instintivamente, desde largos anos. E assim acontece o inconveniente de alguns mapas de Minas trazerem duplicada a mesma localidade, em diferente posição geográfica. Citemos um exemplo, entre muitos: temos visto o antigo Bonfim (de Montes Claros), que é a moderna cidade de Bocaiúva, dado como simples povoação e figurando Bocaiúva no local em que está a ex-vila de Jequitaí, no norte do Estado" (Rev. A.P.M., XVI, 311).
O mestre Salomão de Vasconcelos também protestou contra a "mania hoje reiterada do Legislativo mineiro e dos estatísticos apressados, de mudar, com a maior facilidade, a toponímia antiga de lugares, serras ou povoados, tão expressivamente indicados pelo linguajar dos íncolas e pelos acidentes da natureza, por nomes arrevesados e inexpressivos, tumultuando cada, vez mais o trabalho dos pesquisadores (Rev.I.H.G.M.G., IV, 18). Citou Salomão alguns exemplos, dos quais destacamos um: “Casa Branca, tradicional e poético povoado do município de Ouro Preto, cujo nome foi tirado da primeira habitação ali plantada no final do século XVIII, chama-se hoje simplesmente Glaura”. .. " (id. ib.). Augusto de Lima Júnior é outro que tem levantado sua voz contra a "depredação toponímica do arrivismo inculto e iconoclasta" (A Capitania de Minas Gerais, 3a.ed., pág. 144).
O Dr. Joaquim Ribeiro Costa, estudioso do assunto e que, durante anos, foi diretor do Departamento Estadual de Estatística, confessou: "Como membro da Comissão encarregada dos estudos para essas alterações na toponímia de nosso Estado: foi-me dado sentir as resistências com que foram recebidas pelas respectivas populações" (Rev. I. H.G.M.G., VII, 579).
Também o historiador Vitor Figueira de Freitas, sob o título "Mudanças e Mudancistas", trouxe sua contribuição aos que se têm erguido contra o desrespeito à nossa tradição e ao nosso passado: “A atração dos políticos pelas tabuletas em que possam figurar seus nomes, muitas vezes constitui obstáculo ao culto do passado”. Assisti, quando engenheiro da construção da bitola larga do ramal de Paraopeba, à substituição do nome tradicional de "Aranha" pelo de Melo Franco, Ministro da Viação naquela época. No entanto, Aranha era o nome dado por nós à estação que servia à antiquíssima vila de Jesus Maria José da Boa Vista do Aranha. Resumimo-lo: Aranha.  Documentos por mim compulsados, datando de 1750, mostram que esse nome - Aranha - já assim figurava resumido, em documentos e assentamentos recolhidos em Sabará, a que primitivamente estê'1e jurisdicionado o lugar. Tão antiga localidade que, ali próximo, na margem direita e a jusante do Paraopeba, existe até hoje o lugarejo com o nome de "Sesmaria", indicando Tradição, no entanto, é matéria que está longe de ser compreendida por espíritos ligeiros, superficiais. Talvez o nome do inseto inofensivo não lhes despertasse simpatia. Ali Perto, o nome da parada "Toca" veio a ser substituído recentemente pelo de Eurico de Souza Gomes. Quem foi, afinal, esse major ou coronel? Um simples agrônomo, péssimo diretor da E.F.C.B., cargo para o qual não tinha credenciais. "Toca", porém, era um nome tradicional e significativo".
Continua o Dr.Victor Figueira de Freitas: “Outra mudança aqui em Minas verificada e também condenável, sob o ponto de vista da tradição histórica longínqua é a que desprezou o nome do antigo arraial de São Domingos para adotar “Cidade da Virgem da Lapa”.  Ali ao norte da cidade de Minas Novas, da qual dista cerca de 60 km e nas proximidades dos limites com a Bahia, estabeleceu-se, no passado longínquo, indústria de tecelagem pioneira em Minas. Faziam-se lá redes e tecidos com fios ali mesmo tingidos, de que se abasteciam as populações dos sertões mineiro e baiano.
Os "chapadeiros" (de São João da Chapada) buscavam ali redes e os seus "cacaios", uniformes que usavam e com os quais partiam para executarem empreitadas de serviço de lavoura, indo até as terras de São Paulo. Esta circunstância de pioneirismo da tecelagem, aliada à tradição secular dos "cacaieiros", deveria ter obstado a que fosse mudado o antigo nome de São Domingos daquela localidade (Estado de Minas, 7-11-65). Em artigo publicado no jornal "A Tarde", de Salvador, o sr. Antônio Osmar Gomes, focalizando o assunto em seu Estado, chamou a atenção para dois aspectos curiosos dos legisladores baianos: o primeiro é o abuso do "erudito prefixo pólis", na mudança de nomes de cidades. E o outro, a tendência ridícula de se mudarem nomes vernáculos para os seus equivalentes indígenas.
"Era uma forma ingênua de se fazer nacionalismo", acrescentava (in Boletim do Conselho Nacional de Geografia, ano I, n. 1, pág. 33). Tem-se a impressão de que suas palavras foram endereçadas diretamente ao legislador mineiro. Na atual divisão administrativa do Estado de Minas Gerais, encontramos as cidades de Alpinópolis, Alvinópolis, Bertópolis, Bonfinópolis de Minas, Brasópolis, Buenópolis, Caetanópolis, Capinópolis, Carmópolis de Minas, Carvalhópolis, Delfinópolis, Divinópolis, Eugenópolis, Marmelópolis, Paraisópolis, Pedrinópolis, Ritápolis, Sabinópolis, Silvianópolis, Virginópolis, e as vilas de Divisópolis, Ferreirópolis, Franciscópolis, Honorópolis, Josenópolis, Justinópolis, Levinópolis, Palmópolis.
Quanto à segunda parte da crítica do sr. Antônio Osmar Gomes, cabe perfeitamente a Minas. Depois de terem nossos antepassados massacrado e dizimado os indígenas, depois de terem os governos sucessivos procurado destruir o. que restava de sua influência em nossa toponímia, surgiu a tendência idiota de criar vocábulos indígenas para substituir nomes vernáculos. Para justificar a primeira das asserções acima, uma citação , apenas: "Há 13 anos que grito aos sucessivos governos, contra os matadores, opressores e invasores das terras dos índios, nunca obtive senão respostas evasivas" (Carta de Guido Tomás Marlierie ao deputado João José Lopes Mendes Ribeiro, Rev. A.P.M. X, 609). Quanto à segunda asserção, a de terem nossos governos procurado eliminar as denominações de origem indígenas de nossas localidades, vão aqui alguns exemplos:
Andrequicé é hoje Vera Cruz de Minas;
Baguari é hoje Governador Valadares;
Caiçara é hoje Caçaratiba;
Camapuã é hoje Jeceaba;
Capituba é hoje Pedralva;
Capivara é hoje Palma;
Garapa é hoje Garapuava;
Itapiraçaba é hoje Januária;
Itapiru é hoje Fernandes Tourinho;
Jatobá é hoje Porteirinha;
Morubau é hoje São Sebastião do Maranhão;
Mumbuca é hoje Santana  da Vargem;
Patusca é hoje Dores dos Campos;
Pinduca é hoje Serra Bonita;
Pirapetinga é hoje Manhumirim;
Pissarrão é hoje Senhora da Glória;
Sapé é hoje Guidoval;
Samambaia é hoje Dores da Vitória;
Tapera é hoje Santo Antônio do Norte;
Urucu é hoje Urucânia;
Tamanduá é hoje Itapecerica.
Como na Bahia, surgiu também a mania de transladar para o tupi nomes vernáculos; assim, apareceram os nomes: Angaí, Araçuaí, Caçaratiba, Carandaí, Cuparaque, Guiricema, Iapu, Ibiá, Inhaúma, Inimutaba, Ipuiuna, Itaipé, Itamarati, Itamarandiba, Itamirim, Iraí, Itaobim, Itaúna, Itumirim, Jaboticatubas, Maripá, Miraí, Quatituba, Taruaçu etc.
O pior é que os legisladores nem sempre traduzem bem; é o caso de Volta Grande, que a lei n. 843, de 7 de setembro de 1923, mudou para Careaçu, vocábulo que, segundo Mons. Lefort traduz imperfeitamente o sentido do topônimo "Volta Grande", que resultou de uma volta realmente grande que o rio Sapucaí faz, perto da localidade (24º. Anuário Eclesiástico da Diocese de Campanha, pág. 10). Encerrando estas despretensiosas observações, seja-me lícito manifestar a aspiração de que elas possam servir como um grito de protesto e como tentativa de preservar o que ainda resta de nossa toponímia tradicional.

Por Waldemar de Almeida Barbosa republicado no livro 'Dicionário Histórico-Geográfico de Minas Gerais', Editora Saterb, Belo Horizonte, 1971, p. 11 a 19. Publicado  originalmente  nos 'Anais do Arquivo Nacional' vol. XX. Digitado, ilustrado e adaptado para ser postado por Leopoldo Costa.

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