1.18.2012

PORTUGAL - ESTATÍSTICA E PRODUÇÃO AGRÍCOLA 1848-1914


1 - Introdução

A informação estatística de base para o estudo da evolução da agricultura portuguesa no século XIX é claramente insuficiente. Apesar dos primeiros dados para a produção nacional datarem da década de 1840, só existem séries em publicação regular a partir de 1915. Perante a escassez de números oficiais, é necessário utilizar a informação estatística repartida por monografias, relatórios de organismos oficiais, opúsculos e uns poucos periódicos da especialidade.
A produção e publicação de estatísticas para a agricultura portuguesa decorreu da criação de um sistema de recolha e tratamento de informação quantitativa que teve um desenvolvimento lento e desigual ao longo do século XIX. Este sistema implicava a coordenação entre as autoridades locais e distritais, e as autoridades centrais em Lisboa. O seu desenvolvimento esteve, por isso, dependente da construção do Estado liberal e dos seus aparelhos administrativos. O código administrativo de Costa Cabral, em 1842, e a criação do ministério das Obras Públicas Comércio e Indústria e, em particular da repartição de agricultura, em 1852, são dois exemplos importantes na consolidação desse processo. Quer o esforço desigual na recolha e tratamento de dados, quer o actual mau estado de muitos arquivos reflectem-se nas séries para a produção agrícola nacional que chegaram aos nossos dias.
Assim, por exemplo, existe uma boa cobertura estatística para os anos de 1845 a 1862, período que é seguido por duas décadas de cobertura muito deficiente. A partir da viragem do século, as séries voltam a melhorar, para entrarem num período de publicação regular a partir de 1915.
A maior parte da estatística agrícola produzida entre a década de 1840 e a Primeira Guerra Mundial foi compilada por David Justino. A partir dos dados aí reunidos foi estimado um primeiro índice de produção agrícola em Portugal, todavia sem base anual. Entretanto, Conceição Martins compilou dados adicionais relativos à produção de vinho. Alguns trabalhos de âmbito regional trouxeram à luz novas séries que, no entanto, pouca informação acrescentam para o trabalho de avaliação do produto agrícola nacional, mostrando, todavia, que a pesquisa nos arquivos regionais pode ser frutuosa na busca de informação quantitativa sobre este sector. Face aos vários hiatos existentes quer os dados relativos à produção agrícola portuguesa publicados por estes historiadores, quer aqueles por nós acrescentados incluirão avaliações produzidas por organismos oficiais e algumas estimativas de carácter oficioso, recolhidas em monografias de autores do século XIX e princípios do século XX.
O presente artigo tem como primeiro objectivo contribuir para preencher as lacunas das séries nacionais para a produção da agricultura portuguesa no período entre 1845, data das primeiras estatísticas oficiais de âmbito nacional conhecidas, e 1915, ano em que se iniciou a sua publicação numa base regular. Como segundo objectivo, pretende estimar um índice da evolução do produto agrícola português, a partir das novas séries disponíveis. Neste caso o período em análise será um pouco mais curto iniciando-se em 1848, ano em que conseguimos compor um conjunto alargado de estatísticas oficiais, terminando em 1914 de modo a poder ser articulado com outros trabalhos recentemente publicados.
Com o fim de encontrar novos dados começámos por estudar a evolução da organização da produção de estatística agrícola em Portugal. Esse estudo é apresentado na parte 2. Apesar da recolha de novos elementos estatísticos ter sido relativamente limitada, foi possível acrescentar dados para as principais produções da agricultura relativos às décadas de 1860, 1870 e 1900. Os números aqui reunidos passaram, assim, a cobrir grande parte dos períodos entre 1845 e 1862, entre 1882 e 1885 e entre 1897 e 1915, havendo ainda, para outros anos das décadas de 1860 e 1870, dados dispersos para parte das produções. Estas séries mais completas possibilitaram a construção de um novo índice para a evolução do produto agrícola, pela primeira vez com base anual, e com uma boa cobertura na maior parte do período entre 1848 e 1914. Esse índice é apresentado e discutido na parte 3 do presente trabalho.

2 - A estatística agrícola em Portugal

Na estrutura de governo criada pela Constituição de 1822 e que viria a manter-se com poucas alterações até à Regeneração, cabia ao ministério do Reino coordenar a máquina burocrática e administrativa do País. A partir de meados da década de 1830, a administração pública aumentou os esforços para recolher de forma sistemática informação estatística sobre a população, a agricultura, o comércio e a indústria do País. Apesar dos fracos resultados esse esforço está bem patente na série de portarias, regulamentos e pedidos oficiais publicados nos Diários do Governo.
Em 1836, foi criado no ministério do Reino o primeiro serviço oficial de estatística, a denominada Comissão Permanente de Estatística e Cadastro do Reino. No mesmo ano, o novo código administrativo de Passos Manuel obrigava as autoridades distritais a recolher informação, a qual deveria ser remetida para Lisboa, onde uma secção do ministério do Reino se ocuparia do tratamento adequado. Este modelo de organização foi sendo acompanhado pela institucionalização de outros organismos paralelos que, ao nível distrital e central, zelavam pela recolha e circulação da informação. Mesmo tendo em conta que muito material se terá perdido, aquele que chegou aos nossos dias permite concluir que foi fraco o resultado deste primeiro esforço nos anos anteriores à Regeneração e à estabilização da máquina estatal.
O código administrativo de Costa Cabral, que vigorou entre 1842 e 1878, estipulava obrigações semelhantes às do anterior código civil. Aos governadores civis competia organizar a estatística e o cadastro, realizar visitas aos respectivos distritos e escrever um relatório anual. Num esforço a que não deve ser alheio o novo código, a partir de 1845 a recolha de informação estatística e o seu tratamento a nível central melhoraram substancialmente. Em consequência, chegou aos nossos dias uma maior quantidade de elementos sobre a agricultura portuguesa os quais foram publicados no Diário do Governo, nos Relatórios do ministério dos Negócios do Reino (1845-1854) e, mais tarde, nos Relatórios Sobre o Estado da Administração Pública nos Distritos Administrativos do Continente e Ilhas Adjacentes (1856-1866). Este conjunto de publicações fornecem os primeiros dados para a produção agrícola portuguesa, a nível distrital e nacional.
A criação, em 1852, do ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria (MOPCI), principal mudança introduzida pela orgânica ministerial do primeiro governo da Regeneração, deu um novo enquadramento à produção da estatística agrícola em Portugal. A repartição da Agricultura, então criada na direcção-geral do Comércio e Indústria, constituiu a primeira estrutura da administração pública portuguesa no período do Estado liberal exclusivamente dedicada ao sector. A essa repartição cabia, entre outras funções, a recolha de estatística.
Apesar das dificuldades na criação de uma rede nacional de estatística, sempre dependente das secretarias dos governos civis, a repartição de Agricultura recolheu e coligiu dados sobre as principais produções do sector entre 1852 e 1862. Estes dados chegaram até aos nossos dias, sendo, por isso, esta década uma das melhor documentadas de todo o século. Para os anos seguintes, a informação volta a ser escassa. Todavia, Rodrigo de Morais Soares, que durante longos anos dirigiu a repartição de Agricultura, publicou um trabalho em que apresenta médias decenais para o período até 1870, podendo-se concluir que boa parte da recolha de dados realizada se perdeu, ou se encontra por catalogar. Em 1857, foi criada a Comissão Central de Estatística, que tinha como objectivo dirigir os vários níveis institucionais e centralizar a publicação de dados. Pouco anos depois, em 1859, foi criada a repartição de Estatística do ministério das Obras Públicas, cuja direcção foi entregue a José de Torres.
Os processos estatísticos foram evoluindo dos manifestos de colheita e das memórias sobre esta ou aquela região, sobre as principais actividades económicas, e sobre a quantificação distrital das populações feitas com base nas autoridades locais, para aparelhos de quantificação e de controle tendencialmente mais rigorosos. As operações de observação e quantificação distrital eram feitas e controladas ao nível de cada governo civil, sendo posteriormente aprovadas pelo conselho de distrito e enviadas e centralizadas no MOPCI.
Contudo, há que ter presente as diferenças existentes entre estas estatísticas e as que hoje entendemos como tal. As queixas em relação à subavaliação dos dados são recorrentes em muitos relatórios e trabalhos de comentadores. Do mesmo modo, é hoje difícil estabelecer até que ponto os elementos enviados pelos governos civis e mesmo os números finais apresentados pelas repartições centrais não sofriam graus variáveis de manipulação por parte dos funcionários. Ainda hoje permanece por realizar um estudo profundo sobre a história da estatística e do cadastro em Portugal que envolva uma análise dos métodos utilizados e da sua evolução. Porém, mesmo reconhecendo a subavaliação e a probabilidade de correcções realizadas com base no consumo, a existência de séries relativamente completas permite ter uma imagem aproximada da evolução e das flutuações da produção.
No que diz respeito à avaliação da ocupação dos solos agrícolas a marcha foi igualmente lenta. Em 1865, sob a orientação de Filipe Folque, foi publicada uma carta corográfica que constituiu o primeiro mapa moderno do País. Posteriormente foram produzidas algumas descrições do território nacional a partir das quais podemos hoje ter uma impressão, porventura rudimentar, da evolução da superfície agrícola útil. Trata-se do relatório sobre incultos de Carlos Ribeiro e Nery Delgado (1868), do Recenseamento Geral dos Gados de 1870, e das estimativas de Luís Augusto Rebelo da Silva (1868) e de João Inácio Ferreira Lapa (1871). Em 1875, Gerardo Pery publicou a Geografia e Estatística de Portugal e Colónias, que contém, juntamente com estimativas da produção dos principais géneros agrícolas, cálculos da distribuição da terra agrícola. Em 1878, Barros Gomes editou as suas Cartas Elementares de Portugal que, todavia, se limitavam a cartas pluviométricas e de relevo.
Seria preciso esperar até 1902 para encontrar publicada uma verdadeira carta agrícola nacional. Quanto aos efectivos pecuários, existe informação sobre o número de cabeças de gado e respectivo valor, para os distritos de Beja, Évora e Portalegre, relativa a 1849 e, apenas para para estes dois últimos distritos, relativa a 1851. Para este mesmo ano existem também dados recolhidos pelos governos civis e publicados no Relatório do Ministério dos Negócios do Reino do ano seguinte. Em 1852, a repartição de Agricultura do ministério das Obras Públicas publicou um primeiro recenseamento parcial de gados do País. O esforço continuou e, em 1859, foi criado o quadro nacional de intendentes de pecuária, com sede nas capitais distritais, que eram obrigados por lei a enviar um relatório anual sobre a situação pecuária dos respectivos distritos. Alguns desses relatórios estão no Arquivo Histórico do Ministério das Obras Públicas, enquanto outros se encontram em publicações oficiais.
Porém, são de pouca utilidade uma vez que se debruçam essencialmente sobre aspectos veterinários e sanitários, não dando muitas informações sobre os efectivos de gado das respectivas circunscrições. Com frequência limitam-se a reproduzir os números dos recenseamentos pecuários oficiais de 1852 e 1870. O recenseamento pecuário de 1870 é o mais exaustivo e mais completo, tendo o trabalho sido coordenado por Silvestre Bernardo Lima, lente do Instituto Geral de Agricultura.
Para além do arrolamento das cabeças de gado, dá-nos as relações entre o efectivo pecuário, a superfície e a população do País, assim como com o valor médio por cabeça. Contém ainda alguns relatórios distritais e uma secção sobre a metodologia utilizada, que alerta para a possível subavaliação dos dados. Posteriormente a recolha do número de efectivos pecuários continuou a ser feita a nível distrital, surgindo com frequência nos Relatórios Apresentados à Junta Geral pelos Governadores Civis. Mas a dispersão quer dos anos, quer das informações, distribuídas arbitrariamente ao longo do tempo e dos 17 distritos que dividiam o continente, torna o seu uso muito difícil no quadro desta pesquisa. As sociedades distritais de agricultura eram outras instituições que em cada distrito deveriam coligir informação. Instituídas em 1844 mas só regulamentadas em 1854, elas agregavam os maiores contribuintes prediais e os principais funcionários do distrito, e tinham a obrigação de realizar relatórios anuais.
Alguns desses relatórios foram publicados no Boletim do Ministério das Obras Publicas, Comércio e Indústria, ou no Arquivo Rural mas revelam-se de fraca utilidade, uma que vez que são essencialmente descritivos. Neles a informação estatística é muito limitada ou reproduz aquela publicada nos relatórios dos governadores civis.
A informação contida nos relatórios, nas actas e nas consultas das juntas gerais e de outros organismos diminui à medida que nos aproximamos do final do século. Na década de 1870 e 1880 são já escassos os dados quantitativos contidos nestas publicações. Elas passam a cingir-se, quase exclusivamente, à contabilidade e aos orçamentos distritais e municipais, à construção de estradas, aos expostos, ao recenseamento militar, contendo ocasionalmente números para a população e para a emigração. No entanto, o código administrativo de 1878 era claro e continuava a obrigar os governadores civis a recolher informação estatística a nível distrital. Se assim ocorreu a informação não foi, contudo, compilada e publicada. No que diz respeito à década de 1870, são apenas conhecidas referências para dados distritais incompletos e os números nacionais adiantados por Gerardo Pery para 1873, que são ndicados como oficiais20. Até ao início da década de 1880, não se encontram estatísticas oficiais para a agricultura. Tendo permanecido em vigor o mesmo código administrativo até 1878, tendo ainda sido reforçadas as circunscrições distritais, ao nível de funcionários (intendentes de pecuária e agrónomos), e existindo uma Repartição de Agricultura e uma Comissão Central de Estatística, não se percebe bem porque é que não se conhece o paradeiro do volume anual das principais produções do país. Mesmo o primeiro Anuário Estatístico, datado de 1875, é omisso nessa matéria.
Somente os Anuários Estatísticos seguintes, datados de 1884-1887, acrescentam novas informações sobre a agricultura que continuavam a provir de mapas fornecidos pelas repartições distritais e tratados pela repartição de estatística geral do ministério das Obras Públicas. Se bem que possamos pensar que nem sempre os governadores civis enviavam regularmente os mapas para Lisboa, é certo que a máquina de recolha estava a trabalhar.
Os esforços dos serviços da administração pública encarregues do sector agrícola também chegaram até nós através das revistas de alguns departamentos oficiais. Entre elas destacam-se o Boletim do Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria, publicado entre 1852 e 1866, o Arquivo Rural, dado à estampa pelos serviços daquele ministério, entre 1858 e 1877, e o Jornal Oficial de Agricultura, publicado entre 1877 e 1883. O Arquivo Rural trata essencialmente da publicação de relatórios de actividades de sociedades agrícolas, sobre o estado pecuário de alguns distritos, ou descrições de exposições agrícolas ou de gados. O Boletim do Ministério das Obras Públicas contém igualmente informação sobre agricultura, sobrepondo-se por vezes ao Arquivo Rural. Embora contenham algumas estatísticas parcelares para concelhos ou distritos, baseadas nas informações enviadas pelos governos civis e autoridades concelhias, estes periódicos são escassos em dados quantitativos sobre a produção agrícola ou animal.
O desenvolvimento da agronomia e a crescente representação dos interesses agrários, aumentará o número de publicações periódicas especializadas, num movimento que se tendo iniciado na década de 1860 se acentuará a partir de 1880. Entre as publicações mais importantes temos o Boletim da Real Associação Central da Agricultura Portuguesa. A análise que fizemos a um conjunto destas publicações teve igualmente poucos resultados do ponto de vista da recolha de elementos quantitativos. O seu conteúdo é fundamentalmente constituído por artigos de carácter técnico ou de opinião e de discussão sobre as políticas levadas a cabo no sector. Apenas em alguns números da Vinha Portuguesa se encontraram dados relevantes, havendo ainda outros retirados da Agricultura Contemporânea.
As memórias de dissertação do Instituto Geral de Agricultura, publicadas sobretudo a partir da reforma daquela instituição, em 1864, também pouco acrescentam à informação quantitativa sobre a agricultura portuguesa. Estes trabalhos raramente se centram sobre a produção a nível regional ou nacional, abrangendo normalmente a área de um concelho, por vezes, adiantando dados para um ou outro distrito, retirados dos dados oficiais já conhecidos. Estas monografias reportam-se aos vários aspectos da realidade local, dando particular ênfase às técnicas culturais, recorrendo, na maior parte dos casos, a informação qualitativa. Mais uma vez, a escala e a dispersão dos dados quantitativos torna-os de pouca utilidade para este estudo, que pretende analisar a produção a nível nacional.
Embora os resultados não sejam ideais, a verdade é que houve um grande esforço de quantificação, hoje em dia sobretudo visível para os anos da década de 1850 e para os primeiros anos da década seguinte. Um longo hiato se forma depois destes período e somente no Anuário Estatístico de 1885, bem mais completo do que o seu antecedente imediato, de 1875, foram publicados, números para as principais culturas, remontando alguns a 1881.
Até à década de 1880, a elaboração de relatórios e a recolha de estatísticas estava entre as competências dos governos civis, espalhando-se ainda por vários outros funcionários e instituições como as sociedades agrícolas (e mais tarde os conselhos distritais de agricultura), os intendentes de pecuária e os agrónomos da circunscrição. Estas tentativas para criar uma rede de recolha e elaboração de informação sobre a agricultura nacional serão profundamente em 1885 alteradas, com a criação sob a dependência do ministério das Obras Públicas, das comissões distritais de Estatística, compostas pelos governadores civis e outros funcionários locais. Tendo-se mantido activas até depois de 1910, elas produziram informação detalhada sobre vários aspectos da economia dos distritos. No entanto, o estado dos arquivos centrais e distritais não tem facilitado o tratamento destas fontes, hoje difíceis de localizar.
A formação do governo do Partido Progressista de Luciano de Castro, em 1886, trouxe uma vaga de reformas que atingiu vários sectores da administração pública portuguesa. Nessa altura foi ainda contemplada a criação de um ministério da Agricultura, cuja pasta seria entregue a Oliveira Martins, o que não se concretizou. As transformações atingiram o ministério das Obras Públicas e os seus serviços agrícolas e estatísticos, abalando o incipiente estado de desenvolvimento em que se encontravam. O ministério passou a ser formado por quatro direcções-gerais, a saber: das Obras Públicas e Minas; do Comércio e Indústria; dos Correios, Telégrafos e Faróis; e a direcção-geral de Agricultura.
Esta última ficava dotada com duas repartições: a repartição dos Serviços Agrícolas e a repartição da Instrução Agrícola e Matas. Assim, na dependência da repartição dos Serviços Agrícolas ficava uma primeira secção que se ocupava das questões relativas às subsistências públicas, à produção, comércio e circulação dos produtos da terra e ainda à organização de exposições, de concursos e de inquéritos agrícolas, ficando igualmente sob a sua alçada o pessoal técnico dos serviços agronómicos. A uma segunda secção estava destinado o estudo das questões vitícolas, assim como a elaboração dos boletins agrícolas. Uma terceira e última secção tinha sob a sua alçada os serviços pecuários. Apesar de não se ter criado um ministério, o facto é que foi dada uma dimensão à direcção-geral de Agricultura que a distinguia dos outros departamentos da administração pública portuguesa.
A nova direcção-geral de Agricultura publicou entre o ano imediato à sua fundação e a sua extinção, em 1915, o Boletim da Direcção-Geral de Agricultura, que incluí vários relatórios oficiais de funcionários ou de comissões. Contudo, não são apresentados de forma sistemática dados para a produção nacional ou distrital. As informações mais interessantes ficam-se pelas detalhadas monografias sobre alguns concelhos do distrito de Beja, realizadas entre outros por Gerado Pery, por relatórios relacionados com o sector vinícola ou com a produção e comércio de cereais da autoria de altos funcionários como Elvino de Brito.
Em 1886, foi nomeada uma comissão encarregue de efectuar um inquérito agrícola ao país, tendo sido regulamentada em Fevereiro do ano seguinte, por altura da formação de um novo Conselho Superior de Estatística. Como em ocasiões anteriores, a realização deste inquérito provocou reacções violentas em diferentes localidades, chegando o confronto entre a força militar e os camponeses a produzir vários mortos. Tais distúrbios estiveram na origem da suspensão do inquérito que, assim, se limitou à publicação de resultados parciais.
No ano de 1892, sendo ministro Pedro Vítor da Costa Sequeira, o antigo governador civil de Beja que promovera os trabalhos de Gerardo Pery no Baixo Alentejo, foi elaborada, sob inspiração de Elvino de Brito, legislação com vista a uma reorganização dos serviços de estatística. Com esta legislação os serviços ficavam integrados numa estrutura que tinha no topo um Conselho Superior de Estatística e uma repartição de Estatística Geral que coordenavam as direcções-gerais e as repartições independentes de cada ministério, tendo na base as comissões distritais de estatística, num edifício aparentemente equilibrado, mas que na prática se revelava pouco operacional.
Com vista a proteger a produção nacional e a estimular a sua adequação aos mercados externos, em 1892, foi igualmente aprovada a organização do Mercado Central dos Produtos Agrícolas, sendo regulamentada em 1893 a Comissão Promotora do Comércio de Vinhos e Azeite. Estes organismos promoveram também várias avaliações da produção que nos permitiram contornar a ausência de números oficiais.
Em 1898, Elvino de Brito, um antigo director-geral da Agricultura, subiu à cadeira do ministério das Obras Públicas e a direcção-geral sofreu novamente mexidas, ficando dividida em quatro repartições, uma delas especialmente dedicada à estatística. Simultaneamente, no Ministério da Fazenda, Eduardo Vilaça, criou uma direcção-geral de Estatística, situação que se manterá até à Primeira República em 1910. O resultado foi a publicação de uma nova série de estatísticas agrícolas, publicada no Anuário Estatístico de 1903 e mais tarde em 1914-15 na série Estatística Agrícola, Resumos Estatísticos, que tornam este período especialmente bem representado. Durante os anos da República e da Ditadura Militar, a estatística portuguesa continuou sem uma casa própria, mantendo-se na orla de vários ministérios, até que, finalmente, em 1935, o Estado Novo criou o Instituto Nacional de Estatística.
Como as estatísticas agrícolas nacionais não eram publicadas periodicamente e muito material de arquivo continua por tratar, apenas conhecemos parte delas porque foram impressas como oficiais em opúsculos e relatórios de antigos funcionários que tinham um acesso mais directo à informação, como Rodrigo de Morais Soares, Gerardo Pery ou Elvino de Brito. Mesmo mais tarde, outros como Mário de Azevedo Gomes apresentaram estimativas sem referir sequer as fontes. Este conjunto de trabalhos foram sendo recorrentemente citados por outros autores ao longo de todo este período e até posteriormente sem que novos dados viessem a lume. Mais do que em opúsculos, relatórios oficiais e periódicos os números da produção agrícola portuguesa ainda em falta para o período de 1845 a 1915 deverão ser procurados nos vastos fundos dos actuais arquivos centrais, em particular no do Ministério da Agricultura ou no das Obras Públicas.
À falta de catalogação e inventariação destes materiais a hipótese que resta é avançar por estudos parcelares tomando por unidade de análise os 17 distritos então existentes no continente do Reino.

3 - A evolução da agricultura portuguesa, 1845-1915

Segundo autores coevos como Rodrigues de Freitas, Alphonse de Figueiredo e Gerardo Pery, a agricultura portuguesa teve um longo período de expansão que atravessou o cabralismo e as primeiras décadas da Regeneração, associando-se aos melhoramentos materiais das políticas de fomento e às sucessivas e incertas vagas de modernização das estruturas institucionais e jurídicas a que o país assistiu desde o início da década de 1840.
Esta ideia é relativamente pacífica e é seguida por historiadores como Miriam Halpern Pereira, M. Villaverde Cabral e David Justino. Para os anos posteriores ao início da década de 1880, é mais corrente na literatura especializada a ideia de decadência da agricultura portuguesa. Como vimos, este período tem uma cobertura estatística mais fraca e as interpretações sobre o estado da agricultura do país decorrem de métodos de avaliação indirectos. Por exemplo, Halpern Pereira conclui pela estagnação agrícola a partir de um modelo segundo o qual a evolução da agricultura portuguesa dependia da evolução das exportações do sector, as quais entraram em fase de recessão depois de 1886. A tese que defende uma recessão da agricultura portuguesa neste período está também associada à ideia de recessão generalizada da agricultura na Europa ocidental, que seria uma consequência da crescente concorrência das importações agrícolas do Novo Mundo.
Quanto à evolução da produção dos principais sectores da agricultura portuguesa, também não há acordo entre os autores que se debruçaram sobre o assunto. Para autores como Rodrigo de Morais Soares, Rebelo da Silva e Gerardo Pery, que escreviam na segunda metade da década de 1860 ou no início da década seguinte, o progresso da agricultura portuguesa verificava-se nas duas principais produções vegetais, nomeadamente, nos cereais e no vinho. Quanto aos anos 1880, outro autor coevo, António Pereira Coutinho, defendia que a produção de cereais registava uma quebra, sobretudo no que diz respeito ao trigo. A regressão da produção de trigo, segundo o mesmo autor, afectou sobretudo a economia do sul do país e manifestou-se pela diminuição da área cultivada.
De facto, no seu trabalho sobre o Alentejo, Helder Fonseca refere um decréscimo nas décadas de 1870 e 1880 na produção e na área ocupada pelo trigo. Esta contracção seria seguida, uma década mais tarde, por uma recuperação. Para Miriam Halpern Pereira, a diminuição da área ocupada e da produção de cereais foi parcialmente compensada pelo aumento da área dedicada às pastagens e pelo aumento dos efectivos pecuários. No quadro 1 apresentam-se as avaliações da distribuição dos solos em Portugal realizadas por Pery em 1875 e segundo a Carta Agrícola de 1902. Aí se pode ver que houve um alargamento considerável da área cultivada, que passou de 52% para 79% da área total do País. O quadro 2 resume as estimativas mais importantes sobre a distribuição da superfície cultivada. Embora os valores do quadro não sejam totalmente comparáveis, eles indicam um crescimento da área cultivada total substancialmente inferior ao do quadro 1.
Isso deve-se porventura ao facto de o quadro não contabilizar todas as formas de uso agrícola do solo, uma vez que não inclui pastagens, pomares e hortas. Todavia, os valores no quadro 2 indicam um crescimento da área dedicada ao trigo, sobretudo na primeira década do século XX, ao passo que a área dedicada ao milho e ao centeio terá decrescido ao longo dos anos até 1920. As áreas de vinha, olivais e arroz também aumentaram ligeiramente. Estes dados sobre a ocupação do solo agrícola confirmam a ideia de progresso nos principais sectores da agricultura portuguesa durante o período em análise.
No quadro 3 apresentam-se os dados existentes para os principais sectores da agricultura portuguesa. Relativamente às compilações realizadas por trabalhos anteriores, como o de David Justino que nos serviu de base de apoio, o quadro 3 introduz um número apreciável de novos dados. Para o conjunto dos três principais cereais (trigo, milho e centeio) acrescentámos dados respeitantes aos anos de 1865, 1867, 1869, 1873, 1887, 1893, 1898, 1904, 1909, 1910, 1914 (apenas trigo e centeio), e 1915; para o trigo, publicam-se ainda novos dados para 1894 e 1911 a 1913. Quanto à série para a produção de vinho, ela é quase completa, estando cobertos os anos de 1848 a 1862, de 1866, de 1868-1869, de 1871 a 1873, de 1880 a 1885, de 1887, e de 1892 a 1915. Para o azeite, temos novos dados para 1868- 1873, 1881-1885, 1908-1911 e 1915; para o arroz temos agora uma primeira série, embora ainda incompleta; e, finalmente, para a batata publicam-se dados para 1856, 1862, 1867, 1869, 1873 e 1909-1910.
Apesar da maior cobertura estatística das produções da agricultura portuguesa acima mencionadas, continua a haver falhas consideráveis em algumas séries, sendo os hiatos mais importantes relativos à década de 1870 e à década de 1888 a 1897. Por forma a cobrir os anos para que não existem estatísticas de produção, fizeram-se interpolações lineares a partir dos valores dos anos que delimitam os períodos em causa. Essas interpolações lineares escondem, como é evidente, as flutuações da produção agrícola para os dois períodos em causa, sendo essa provavelmente a maior falha do índice que aqui se apresenta. Essa falha está patente nos gráficos 1 a 7 em que se mostram os índices relativos à evolução da produção de trigo, milho, centeio, arroz e batata, e onde se distinguem os anos com estatísticas dos anos em que a produção é dada por interpolação linear. Segundo se pode concluir pela observação dos mesmos gráficos, o recurso à interpolação linear foi mais generalizado para a décadas de 1870 e de 1888-97.
Todavia, a evolução dos principais sectores da agricultura portuguesa está bem documentada, com excepção dos sectores do arroz e da batata. No caso do sector da produção de azeite, não é legítimo recorrer à interpolação linear para obter valores para os anos em que a estatística falha, uma vez que o sector está sujeito a fortes flutuações, decorrente da sensibilidade das colheitas de azeitona a variações climatéricas e aos anos de safra e contra safra. Essas flutuações são bem documentadas no período para que há dados contínuos, entre 1848 e 1862. Assim, optámos por reproduzir o ciclo relativo a este período nos anos subsequentes, recorrendo a hipóteses quanto à posição de cada ano para que há dados no ciclo da produção. Por exemplo, presumimos que o ano de 1884 era um ano de produção máxima e, assim, que, entre 1877 e 1891 as flutuações na produção de azeite reproduziam, de forma proporcional, as flutuações de 1848-1862.
Esta opção implicou acima de tudo que o índice para o produto agrícola total contemplasse as fortes flutuações na produção de azeite.
Para além dos sectores acima mencionados, dispomos ainda de estimativas para a evolução do sector da cortiça e da produção de carne. Quanto à cortiça, a estimativa da produção é dada pela evolução das exportações, uma vez que a maior parte da produção se destinava aos mercados externos. A evolução da produção de carne é dada por um índice estimado a partir dos níveis de produção dados pelos recenseamentos pecuários de 1852 e 1870 pela evolução do abate de reses nos matadouros de Lisboa e Porto, a partir de 1860, deduzida a importação de líquida de carne sob a forma de gado ou de carne limpa. Apesar de o abate nos matadouros daquelas cidades corresponder apenas entre 6 e 11 por cento da produção total de carne deduzida dos censos pecuários, o facto é que a evolução da quantidade de carne saída dos dois matadouros foi bastante semelhante, como está patente no gráfico 9. Esse facto levou-nos a presumir que essas séries reflectem a evolução da oferta de carne no País.
A partir dos índices para a produção bruta dos nove sectores da agricultura portuguesa acima mencionados construímos um índice para o produto agrícola português, entre 1848 e 1914. O facto de se utilizarem índices para a produção bruta e não para o valor acrescentado não deverá influenciar grandemente as estimativas de crescimento do produto agrícola, uma vez que a utilização de produtos de sectores não agrícolas não terá aumentando consideravelmente.
Por forma a agregar as séries sectoriais, utilizámos estimativas para a composição do valor da produção agrícola em Portugal. Como se depreende da leitura do quadro 9, a estrutura da produção agrícola não se alterou substancialmente entre as décadas de 1850 e de 1900. A maior excepção a esta regra foi a diminuição do peso do sector vinícola entre as décadas de 1850 e de 1860, o que se deveu aos efeitos da doença do oidium nas videiras portuguesas.
Pode também notar-se alguma flutuação nos pesos dos três cereais, nomeadamente, o crescimento, se bem que irregular, do peso do trigo e a diminuição do peso do milho, fenómeno aliás compatível com as nossas estimativas para a produção destes cereais. Nota-se também um ligeiro aumento do peso de sectores como o do azeite, da batata, da carne e da cortiça. Todavia, os sectores mais importantes da produção agrícola portuguesa, cereais e vinho, representavam 55,6% do valor total da produção agrícola em 1861-70 e 53,5% em 1900-9. Por outro lado, o conjunto dos produtos que não estão incluídos no nosso índice, nomeadamente, as frutas e legumes, os lacticínios e a lã, representavam 17,5% da produção total da agricultura portuguesa, em 1861-70, e 13,4%, em 1900-9. Tal significa que a cobertura do índice aumentou ligeiramente e, portanto, que a evolução do produto agrícola poderá estar ligeiramente sobreavaliada.
Segundo o quadro 4, a produção de trigo oscilou até 1884, subindo ligeiramente até 1898 e depois substancialmente até 1900-9. A produção de milho também aumentou, com oscilações, enquanto a de centeio cresceu de forma relativamente regular. As estimativas contemporâneas apontam também para o aumento do valor da produção dos sectores ligados à produção animal (carne, lacticínios e lã), o que é demonstrativo de uma agricultura progressiva. As produções de batatas, de azeite e de frutas e legumes, também associadas a uma agricultura mais rica, cresceram, mas sobretudo nas últimas décadas representadas no mesmo quadro. Finalmente, os valores totais do quadro 4 dão-nos também uma primeira indicação do crescimento do valor do produto agrícola português, que é de 1,3% ao ano entre as décadas de 1850 e de 1900.
Uma vez que a estrutura da produção da agricultura não se alterou substancialmente, a escolha do ano de base para os ponderadores não é crucial. Por forma a exemplificar a influência da escolha de ponderadores no índice para o produto total, optámos por estimar dois índices com base nos ponderadores para 1884 e para 1900-9, os quais estão resumidos no quadro 5 para os 9 sectores incluídos no nosso índice. No gráfico 11 estão patentes dois índices para o produto agrícola português, calculados respectivamente com base nos ponderadores para 1884 e 1900-9. Como se verifica aí, as diferenças não são muito significativas.
O quadro 6 apresenta as taxas de crescimento do produto agrícola estimadas a partir da variação entre anos em que os índices atingiram pontos de máximo. Com a excepção dos máximos na década de 1880, todos os outros pontos de inflexão coincidiram nos dois índices. Todavia, as taxas de crescimento referentes a cada um dos períodos definidos por esses máximos e apresentadas no quadro 6 diferem substancialmente. Fundamentalmente, a diferença decorre do maior peso atribuído ao valor da produção de azeite, a qual sofre oscilações consideráveis, no índice com base em 1900-9. A taxa de crescimento da produção agrícola portuguesa ao longo do período 1855-1911 ou 1848-1914 não é todavia afectada pela mudança de ponderador. Optámos por escolher os ponderadores relativos à média de 1900/09 para a análise que se segue.
Relativamente à periodização do crescimento da agricultura portuguesa, o maior problema decorre do facto de não ser possível detectar as flutuações da produção total durante a década de 1870 e nos anos entre 1888 e 1897, por insuficiente cobertura estatística. Assim, a detecção dos anos de valor máximo naqueles período, relevantes para o cálculo das taxas de crescimento apresentadas no quadro 6, não é suficientemente fidedigna. É possível que entre 1865 e 1887 tenha havido uma flutuação mais forte do que aquela que se detecta na observação do gráfico 11. Apesar das limitações do índice que aqui se apresenta, o facto é que ele avança consideravelmente relativamente ao de Lains (1990) quanto à detecção das principais flutuações da agricultura portuguesa.
A comparação das duas versões do índice para a evolução do produto da agricultura portuguesa, patente no quadro 7 e no gráfico 12 revela algumas semelhanças, nomeadamente no que diz respeito à configuração dos ciclos de médio prazo, de duração de 10 a 15 anos. Todavia, também revela algumas diferenças notáveis. Em primeiro lugar, ao contrário do anterior, o novo índice mostra um declínio do produto nos anos a seguir a 1848. Em segundo lugar, o crescimento do produto agrícola até 1887 mostra-se mais acentuado na nova versão. Finalmente, a tendência de crescimento do índice PAB09 é ligeiramente superior à do índice de Lains (1990).
No quadro 8 mostram-se as taxas de crescimento do produto dos vários sectores da agricultura portuguesa incluídos no nosso índice. Para todo o período de 1850 a 1910, verifica-se algum equilíbrio do crescimento da agricultura portuguesa, consistente, aliás, com aquilo que já se tinha observado a partir da análise das estimativas da composição do produto, patentes no quadro 4. Apesar de as taxas de crescimento do quadro 8 terem sido calculadas a partir de médias de três anos, a verdade é que a evolução tendencial de cada sector é melhor dada pelo valor dos coeficiente de regressões lineares estimadas a partir dos respectivos índices.
Esses valores estão patentes na última linha do mesmo quadro. Aí se pode ver que o crescimento sectorial da agricultura portuguesa foi relativamente equilibrado, com excepção dos sectores do vinho e da cortiça, que tiveram um crescimento mais rápido que os demais, atingindo taxas de crescimento de respectivamente 2,2% e 3,6% ao ano. Nos cereais, o crescimento da produção de trigo foi superior à de milho e centeio, mas apenas marginalmente, a saber, 0,6% ao ano para o trigo, contra 0,4% ao ano para os outros dois cereais.
O quadro 9 mostra a contribuição de cada sector para o crescimento do produto total da agricultura portuguesa. Essa contribuição é medida em função da variação percentual da produção de cada sector, na década em causa, ponderada pelo peso de cada sector no produto agrícola, no ano base do índice (1900/09). No quadro pode ver-se que a diminuição do produto agrícola português na década de 1850 se deveu sobretudo à diminuição da produção de vinho e também de carne. Relativamente a esta última deve acrescentar-se que tomámos como verdadeira a avaliação do censo pecuário de 1852, o qual dá um total de efectivos superior ao de 1870.
No índice de Lains (1990), baseado em hipóteses quanto à evolução do consumo da população portuguesa, havíamos suposto que o consumo por habitante de carne não tinha diminuído entre as datas dos recenseamentos. Assim, o novo índice mostra um cenário mais pessimista e, por isso, representa a avaliação mínima do crescimento da agricultura portuguesa nesta primeira década do período em análise.
Entre 1860 e 1900, a agricultura portuguesa teve um crescimento continuado e as contribuições sectoriais variaram de década para década. Assim, como se pode ver ainda no quadro 9, na década de 1860-70, as maiores contribuições para tal crescimento foram do vinho, carne e cortiça, estando os dois primeiros sectores em recuperação da queda de produção ocorrida nos anos 1850. Na década de 1870, verificou-se uma contribuição negativa da produção de milho, que não foi compensada pela contribuição positiva de trigo e centeio. De todos os outros sectores, o único que também teve um efeito negativo no crescimento do produto total foi a produção de arroz. Na década de 1880, verifica-se uma contribuição negativa da produção de trigo, aliás isolada.
Entre 1870 e 1900 ou, mais precisamente, entre 1865 e 1902, o crescimento do produto agrícola português atingiu taxas relativamente elevadas, atingindo 1,7% ao ano. Foi um longo período de crescimento que se ficou a dever a todos os sectores documentados no quadro 9, com excepção do milho e do arroz. Por exemplo, o sector do trigo contribuiu com 133,4%, entre 1870 e 1880, e com 22,9% entre 1890 e 1900, e com uma ligeira contribuição negativa de -3,8%, em 1880-90. Na década de 1900-10 houve uma contracção generalizada no produto da agricultura portuguesa, com a notável excepção do trigo e também do arroz.

4 - Conclusão

Neste artigo procurámos reunir o máximo de informação disponível sobre a produção agrícola nacional para a segunda metade do século XIX e a primeira década do século XX. Grande parte da informação estatística aqui apresentada já era conhecida, e a ela acrescentámos informação adicional, resultante de uma pesquisa tão exaustiva quanto possível das publicações sobre a agricultura portuguesa produzidas por entidades oficiais e por economistas preocupados com as questões agrícolas.
A informação assim reunida está longe de cobrir a evolução anual da produção dos principais sectores da agricultura portuguesa. Todavia, através de estimativas que envolveram interpolações lineares, interpolações de ciclos, interpolações a partir de dados para o consumo, ou da exportação, foi possível construir índices para nove sectores da agricultura portuguesa. A partir de avaliações contemporâneas do produto agrícola, pudemos também agregar esses índices num índice para a evolução do produto total da agricultura portuguesa. O índice para a agricultura portuguesa que aqui se apresentou está longe da perfeição. Todavia, se usado com as devidas cautelas, ele permite interpretar a informação quantitativa sobre a agricultura do século passado de uma forma mais consistente.
A avaliação da evolução da agricultura portuguesa aqui apresentada, revelou um sector produtivo de crescimento lento e sem alterações estruturais significativas. Segundo se mostrou, a agricultura portuguesa foi severamente afectada por crises na produção de dois dos seus mais importantes sectores, o do vinho e da carne, ocorridas nas décadas de 1850 e de 1860. Essas crises levaram a uma queda no produto agrícola que só foi recuperada nos anos 1880. Entre esta última década e o fim do século, a agricultura portuguesa conheceu um período de crescimento mais rápido e que se deveu essencialmente à recuperação da produção vinícola, auxiliada pelas exportações, e ao crescimento da produção do trigo, sob protecção alfandegária. Este período de maior crescimento terminou no início do século XX, porventura em virtude de maus anos agrícolas.
Os dados reunidos neste artigo, associados a outros sobre a evolução do emprego na agricultura, e sobre a evolução de algumas formas de investimento, poderão ser utilizados para uma melhor interpretação dos problemas associados ao crescimento da agricultura portuguesa no período em causa.







Por Pedro Lains (Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa) e Paulo Silveira e Sousa (Instituto Universitário Europeu, Florença), disponível no sítio http://www.vetbiblios.pt/NO_PASSADO/Apontamentos_Historicos/Estatistica_Producao_Agricola_Portugal_1848_1914.pdf. Adaptado e convertido para html para ser postado por Leopoldo Costa. 

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