5.24.2012

O PRIMEIRO AÇOUGUE CULTURAL DO MUNDO

Leopoldo Costa

Luiz Amorim
Luiz Amorim é o fundador do Açougue Cultural T-Bone em Brasília. Luiz trabalhou como vigia e engraxate antes de ser contratado aos 12 anos, por um pequeno açougue na 312 Norte. Durante o tempo em que morou nos fundos da loja, lia para passar o tempo e acabou apaixonado pelos livros.

“Cheguei em Brasília com minha mãe e meus irmãos aos 12 anos, vindo de Salvador. Nos estabelecemos no Gama. Ela trabalhava em casa de família, e nós, filhos, ajudávamos fazendo bicos: já fui engraxate e pedreiro. Até que surgiu a oportunidade de trabalhar como empregado num açougue.” 

Em 1994, conseguiu comprar a loja e instalou uma estante com dez livros para emprestar e arrecadar doações e transformou-a no primeiro AÇOUGUE CULTURAL DO MUNDO. Ele conta que no começo foi difícil porque as pessoas ironizavam a idéia de um “açougue cultural”. Teve também, uma dificuldade com próprio Estado, quando a Vigilância Sanitária fechou o T-Bone por causa dos livros, que chegou a ter er um acervo de mais de 10 mil livros.

O fiscal tinha dois modos de analisar a questão dos livros num açougue: ou achar bacana e orientar o que poderia ser feito para nos adequarmos às normas – e não há normas que sequer façam menção à presença ou não de livros num açougue; ou de autoritarismo, proibindo por não ter argumentação. O fiscal optou pelo autoritarismo, tínhamos que desmontar a estante que ficava no açougue e desativar o projeto. A imprensa ficou sabendo da situação e a notícia gerou polêmica. Aluguei um espaço para colocar o que seria retirado do açougue, o que fez nascer a biblioteca comunitária. A solução definitiva veio através da Câmara Legislativa, que regulamentou as atividades culturais em diversos estabelecimentos comerciais. Corremos atrás de parcerias e hoje temos bons parceiros. Alguns deles sugeriram a criação da Ong para facilitar e organizar as questões jurídicas. Hoje estou à frente do açougue, da Ong e dos projetos.”

Alfabetizado aos 16 anos, Luiz leu seu primeiro livro ao completar 18. Morava então nos fundos do açougue onde trabalhava. Economizava o salário, fechava a loja e passava a noite lendo.  Apaixonou-se pela filosofia. “O mundo se abriu para mim através da leitura. Tive oportunidade de ler muitos pensadores, gosto de ler sociólogos, antropólogos, filósofos, livros que levem ao questionamento.” Quando os donos do açougue anunciaram que venderiam o negócio, Luiz decidiu comprá-lo.

Uma das primeiras providências que tomou foi colocar uma estante com livros para empréstimo no açougue. “Era uma prateleira e uns 10 livros. Depois começamos as campanhas de doações. No começo eu ouvia muita ironia, ‘açougue cultural, esse cara é meio maluco’. Nosso país ainda é cheio de preconceitos, no geral, não se espera de um trabalhador que suja as mãos alguma sofisticação intelectual ou cultural.” A pequena prateleira foi logo substituída por uma estante, abastecida com livros doados por freqüentadores do açougue e amigos de Luiz.

No final de 2002, abriu a biblioteca comunitária na SQN 712/13, uma casa com mais atividades culturais e 45 mil livros à disposição da comunidade.

No período em que eu morava no açougue, durante 15 anos, dedicou-se  à leitura. Luiz foi alfabetizado aos 16 anos, leu seu meu primeiro livro aos 18 e depois começou a ler muita filosofia. “Tinha a leitura geral, mas filosofia era o que mais me atraia e foi o que me fez entrar nesse mundo da literatura”, diz.

Em 1998, ano da primeira edição do projeto “Noite Cultural T-Bone” realizou um evento dentro do açougue e contou com trinta pessoas. Desde então já passaram mais de 150 mil pessoas e mais de 500 artistas para participar desta celebração à arte na entrequadra 312/13 da Asa Norte.  Artistas de renome nacional já se apresentaram no projeto, entre eles: Moraes Moreira, Chico César, Guilherme Arantes, Célia Porto, Tom Zé, Manassés, João Donato, Affonso Romano de Sant’Anna, Flávio Venturine, Geraldo Azevedo, Jorge Mautner, Nelson Jacobina, Fernando e Osmair, Geraldo Azevedo, Belchior, Erasmo Carlos e outros.

O ano de 2008 é especial para o Açougue Cultural T-Bone que comemora dez anos de da Noite Cultural T-Bone, um projeto que é  referência cultural de Brasília, inclusive, faz parte do Calendário Cultural Oficial do Distrito Federal (LEI Nº 3.193 /2003) e tem público de aproximadamente oito mil pessoas. Com duas apresentações por ano, uma em cada semestre, é uma noite única que integra pessoas de todas as classes sociais e de todas as idades numa celebração à arte.


O T-Bone Açougue Cultural caiu na boca do povo em Brasília. A programação da “Noite Cultural”, às quintas-feiras, completou 10 anos e é bem ampla: lançamentos de livros, shows musicais, apresentações teatrais. “Eu poderia fazer esses eventos em qualquer outro lugar, mas no açougue gera discussão, é surrealismo: o músico e aquela vitrine de carne. Gera debate. Algumas pessoas já comentaram comigo que estão sentindo uma mobilização na cidade, um interesse pela cultura diferente do que era antes. Eu não me deixo levar por isso, mas acho bom que as pessoas se sintam assim.” 
Luiz não se define como produtor cultural, nem mesmo como visionário. “Eu sou um observador, e claro que ler os pensadores me ajudou muito. Para mim não teria sentido ter uma formação acadêmica e viver apenas para desenvolver meu micro-universo pessoal, meu mundo. Temos um potencial de intervenção na sociedade muito grande, seja açougueiro, sapateiro, padeiro, todos podem fazer de tudo.” Ele também faz questão de manter a simplicidade em sua vida profissional e pessoal. “Não vivo só para o trabalho, me planejo para ter lazer, vida familiar com qualidade e trabalhar com satisfação.”

Os objetivos que Luiz Amorim pretende alcançar com os projetos culturais que pratica - e disponibiliza sem qualquer empecilho para serem replicados - são despretensiosos, porém ousados. “Não tenho interesse nem a pretensão de resolver a vida literária das pessoas. O mais legal de tudo é o debate que gera não os eventos em si, nem a biblioteca. Gosto de provocar o debate, e acredito que o papel da arte é levar ao questionamento. Não estou preocupado em ter um acervo com essa ou aquela opção, com essa ou aquela estrutura. Isso é papel do estado e eu não quero ser o estado. A biblioteca nas paradas tem foco principal na cidadania, mais do que propriamente na leitura e na qualidade da leitura. Quando as pessoas discutem entre elas se os livros serão rasgados ou não, essa discussão é cidadania. Olhar o título, ainda que não leve o livro, leva o sujeito a pensar ao menos ‘o que esse livro está fazendo aqui?’ E se questionar sobre as coisas é um jeito muito importante de participar da sociedade e de exercer a cidadania.”


O Açougue Cultural T-Bone promove também o projeto “Parada Cultural – Biblioteca Popular 24 horas”, biblioteca popular nos pontos de ônibus da Asa Norte, “Encontro com Escritores”, bate-papo com escritores de renome nacional e apresentação musical todas as quintas-feiras, no Açougue T-Bone.

“O projeto da biblioteca na parada de ônibus é simples. Mas dá trabalho. Passei dois anos pesquisando, estudando uma maneira de viabilizá-lo. A idéia veio de um estudo de filosofia, da sociedade conscienciosa, da anarquia - que é mal interpretada. As pessoas associam anarquia à baderna, e não era esse o sentido da proposta. O sentido era de que o estado seria ausente porque não seria necessária a sua regulação social. O cidadão seria tão consciente de seu papel, de seus deveres, que aqueles que não se adequassem ao comportamento da sociedade se retirariam dela por vontade própria. Segundo estudos da sociologia, seria um comportamento por constrangimento. O exemplo mais famoso é o do sujeito que usa o banheiro da rodoviária deixando-o imundo e, quando chega a um shopping, esse mesmo sujeito muda o jeito de usar o banheiro, sendo mais cuidadoso, não deixando papel no chão, zelando pelo ambiente. As pessoas precisam ver que sempre alguém passa, arruma, organiza, cuida, e isso muda a postura das próprias pessoas.”

No início, de onde vinha o dinheiro para manter a biblioteca?

"Esse projeto o açougue é que custeia há quase 11 anos. Tem muita dificuldade porque somos uma empresa pequena, sem um grande faturamento. Pra ajudar, vieram as parcerias. No início, quando abriu a ONG, eram apoios pequenos: pequenas empresas faziam doação de R$100. Mas isso não era suficiente porque o projeto tem um custo alto. Isso não deu muito certo e precisamos recorrer aos grandes patrocínios, o projeto passou a exigir isso: ou nós parávamos ou conseguíamos um patrocínio. Era inviável manter sozinho o projeto todo. Hoje nós temos a Petrobrás como nosso maior parceiro, temos também o BRB, o Sesi, a Tecnolta, o Ministério da Cultura e a Caesb".

Como os clientes que vêm aqui pela primeira vez reagem ao ver os livros?

"Quando a pessoa nunca ouviu falar, ela estranha. É criada uma provocação com todo mundo. Dificilmente alguém entra aqui e não ouve umas das brincadeiras que a gente faz e que acabam funcionando. Eu tenho já um contato muito forte com o livro e pra mim é tranqüilo vender a idéia de a pessoa levar um livro.
Nossa idéia é sempre provocar: você entrar em um açougue e ver livros, ao mesmo tempo em que é uma alegria, gera um incomodo: um açougue não é um espaço adequado para livros! Mas tem que ver que o gosto pela leitura vem do contato. Se você vai à esquina e tem uma biblioteca ou uma livraria com livros e livros, você lê. É igual ao que acontece na Europa: quando vêem as pessoas lendo no metrô, as que não têm o hábito também começam a ler. Tanto que a média anual de leitura nos países civilizados é de 15 livros por adulto e aqui no Brasil é de menos de um livro por ano. Eu acho que, se toda vez que você entrar no açougue o açougueiro estiver falando de livros, você acaba pegando um."

O AÇOUGUE

Em 1978 um casal de mineiros inauguram o açougue Triângulo. Em 1985 dois irmãos sírios compram o açougue do casal passa-se a chamar Damasco, Luiz Amorim trabalhou para os dois proprietários com muita dedicação e em 1994 os irmãos mudas de atividade e vendem o açougue que passa a se chamar Açougue Cultural T-bone. Hoje é considerada a melhor empresa no ramo de carnes em Brasília.
A empresa tem como especialidade a venda de carnes bovinas, suínas, aves e a cozinha gastronômica que organiza o serviço de buffet (almoço, jantar, churrasco, casamento, feijoada, coffee break, etc) além de preparar produtos prontos e congelados, sugerem novos serviços.
Alimentar o corpo e o espírito. Por que não fazer do seu comércio um local de cultura? O jovem empresário Luiz Amorim inquietava-se com essa pergunta e decidiu agir. Uma atitude aparentemente simples, colocar uma pequena estante de livros em seu açougue, adquiriu proporções inimagináveis e tem levado cultura a locais inusitados em Brasília.


Baseado em informações obtidas nos endereços: http://www.escritoriodehistorias.com.br/modules/news/article.php?storyid=106 e http://www.t-bone.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=33&Itemid=71.  Adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

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