6.30.2012

BRASIL, O PAÍS DOS COWBOYS

Brasileiros copiam modelo americano e fazem do mundo country um negócio bilionário.
Festa do Peão de Boiadeiro de Barretos
O Barretão, chique no 'úrtimo', vai reunir uma 'murtidão' de 1,3 milhão de 'abeia' e uma pá de 'duro de boi traiado'. É o 'mió' da galáxia de nosso mundo cowboy, que movimenta todo ano uma 'pamonha' de responsabilidade. Os que enxergam o Brasil poderoso apenas pela ótica das indústrias espremidas nas regiões metropolitanas terão duas dificuldades diante das frases acima, escritas com repertório de gírias do mundo cowboy brasileiro. 
A primeira será entendê-la. A segunda, acreditar em seus números. Em português urbano, elas informam que o Parque do Peão de Boiadeiro, em Barretos (SP), vai atrair, até o próximo dia 31 de agosto, 1,3 milhão de jovens da cidade fantasiados de cowboy e muitos peões de elite bem vestidos. O rodeio, o maior do mundo, é a estrela de um negócio que movimenta cifras (pamonha) monumentais. O recado do início não traz nenhum exagero além dos erres carregados. O 42º Barretão, o mais antigo do País, montado em uma gleba de 1,2 milhão de metros quadrados (mesma área do Parque do Ibirapuera) que inclui uma arena de 45 mil lugares projetada por Oscar Niemeyer, é o mais reluzente templo da "nação country" brasileira, uma profusão de negócios e investimentos capaz de movimentar impressionantes R$ 1,5 milhão a cada ano em negócios com rodeios, alimentação, shows, moda, carros, caminhonetes e indústria fonografica, entre outros filões.
São números que transformaram o Brasil no segundo mercado country mundial, atrás apenas dos criadores do modelo original, os Estados Unidos, "O interesse pelo ambiente cowboy cresce enquanto as pessoas procuram os grandes centros. Isso pode parecer contraditório, mas tem sua explicação. Apesar da migração, o Brasil, em termos de formação cultural, é no fundo uma grande fazenda", teoriza o jornalista e publicitário Marcelo Murta, coordenador editorial da Rodeo Life, a primeira revista brasileira voltada para o universo country. Editada pelo Grupo Três, a revista com apenas um ano, é um enorme sucesso. Além da consolidação editorial, a "Rodeo Life" acaba de se tomar uma griffe especializada em roupas, CDs e outros artigos para o mundo cowboy.
Os saltos dessa indústria, altos como os de um touro esporado ou um cavalo xucro, podem ser medidos em várias frentes. Até o final do ano, 24 milhões de pessoas deverão assistir a 1.200 rodeios, 80% deles espalhados pelos Estados de São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Minas Gerais e Goiás. As festas, sozinhas, geram 240 mil empregos diretos e indiretos, o dobro que o oferecido pelas montadoras brasileiras. Entre negócios diretos e indiretos, elas deverão movimentar R$ 530 milhões. Para uma comparação ligeira, o Carnaval carioca deste ano produziu receita de R$ 45 milhões com patrocínios, bilheteria e direitos de transmissão. O grupo Os Vaqueiros, responsável pela festa de Presidente Prudente, montou em maio de 1996 a sua griffe.
"Nossas festas reúnem 40 mil pessoas em quatro dias", orgulha-se Carlos Dias, presidente dos Vaqueiros Valdomiro Poliselli Jr., 38 anos, responsável pelo rodeio de Jaguariúna, cidade distante 30 quilômetros de Campinas, quer transformar a região, com população de quatro milhões de habitantes e renda per capita de US$ 6,5 mil, no principal pólo country do País. Os primeiros passos foram dados. Poliselli montou em Jaguariúna a Red, misto de casa de espetáculo e arena de leilão de gado com capacidade para sete mil pessoas. Além disso, controla uma importadora de artigos country e as lojas especializadas VPJ Westem, com sede em Jaguariúna e filial em Barretos. O estilo country ocupa uma fatia cada vez maior no bolo da indústria fonográfica.

Dos 90 milhões de discos e CDs vendidos por aqui no ano passado, 12,6 milhões, ou 14%, foram desse segmento. Feitas as contas com o custo médio de R$ 15 por CD, descobre-se que a turma liderada pelas duplas Xitãozinho e Xororó, Leandro e Leonardo, Zezé di Camargo e Luciano e o cantor americano Garth Brooks proporcionaram um faturamento de R$ 189 milhões às gravadoras. O rodeio de Barretos deverá consumir 350 mil quilowatt de energia nos dez dias de festa. Dois milhões de latas de cerveja, 32 mil garrafas de cachaça e 14 mil cigarros serão consumidos. A rede de telefonia celular instalada no parque é capaz de suportar até 6,6 mil ligações simultâneas - o sistema da cidade tem apenas um terço dessa capacidade.
"O rodeio não é modismo. Trata-se de um caminho irreversível", afirma o advogado Flávio Silva, presidente do clube Os Independentes. "Investimos R$ 8 milhões neste ano e esperamos lucrar R$ 3 milhões", contabiliza. A profusão de rodeios também dá uma  dimensão da invasão do estilo. Ex-presidente do clube Os Independentes, o engenheiro Emílio Carlos dos Santos, o Cacá, montou a Chão Preto, empresa especializada em organização de festas. Em 1995, a agência organizou seis eventos. No ano seguinte, o total pulou para 13. A agência deverá fechar 1997 com 30 festas realizadas.
Na sexta-feira 15, os organizadores do "Barretão" lotaram o clube B.A.S.E., reduto de mauricinhos paulistanos, para o lançamento da festa. Às terças e quintas feiras, 600 agroboys e filhos de fazendeiros com chapéus, cintos e fivelas imensas lotam a também paulistana Hollywood Project, que fatura R$ 120 mil por mês. "Eles só não chegam de cavalo porque não tem onde deixar", conta o advogado Antônio Carlos Florêncio, um dos sócios da casa.
Essa transformação alterou a vida de pessoas como o casal Arthur e Cleide Vaz de Almeida e o produtor rural e peão Henrique Prata, todos de Barretos. Os cinco filhos de Vaz de Almeida e Cleide foram criados no mundo sofisticado das partidas de pólo, mas, aos poucos, direcionaram suas vidas para as etapas de rodeio. Arthur, 38 anos, segtmdo filho da família, dono de uma fazenda de 680 alqueires em Goiás, reuniu 42 cavalos para a prática do esporte. "O presidente Fernando Henrique Cardoso declarou que os brasileiros são caipiras. "É verdade e nós temos orgulho disso. Mas aquele estereótipo do personagem jacu, ignorante e mal vestido está sendo modificado", analisa seu Arthur  Prata, filho de médicos, é diretor financeiro em Barretos, de um hospital especializado em câncer com o segundo movimento da Previdência Social no Estado, atrás apenas do Hospital das Clínicas, da USP.
A exuberância continua no Triângulo Mineiro. A região foi invadida nos últimos anos por cowboys que, não fosse pelo idioma e os costumes, poderiam perfeitamente ser confundidos com os legítimos americanos. Mascam fumo e usam as mesmas camisas xadrez, botas texanas, cintos de crina de cavalo e calças Wrangler made in USA. Bem-nascidos em sua maioria, nem sempre têm ligação com o meio rural. O meio de locomoção preferido são possantes caminhonetes importadas e a principal diversão é encher a cara com uísque sem gelo, o bom e velho uísque "caubói".
O fortalecimento do movimento coincide com a organização do circuito universitário de rodeios, realizado desde 1991. Voltado apenas para estudantes universitários, como já diz o próprio nome, começou na forma de uma brincadeira isolada de estudantes dos cursos de Zootecnia e Agronomia de algumas faculdades do interior paulista e mineiro. A coisa cresceu e este ano participam representantes de 23 escolas de São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Mato Grosso e Bahia.
Os Inconsequentes de Uberaba
A etapa de Uberaba é realizada em maio e invariavelmente abre o circuito. Organizado por um grupo de alunos da Faculdade de Agronomia e Zootecnia intitulado Os Inconsequentes, uma gozação ao tradicional Os Independentes, de Barretos, o rodeio uberabense é concorrido. No ano passado, com presença de 23 mil pagantes, bateu o recorde de público. Este ano, atraiu 35 mil pessoas. "Nosso rodeio imita o que o americano tem de bom. Areia de primeira, arquibàncadas sólidas, esquema de patrocínio profissional. Mas tem a vantagem de ser mais animado. É esse o lado bom de ser brasileiro." afirma Marcos Fernandes Júnior, 27 anos, presidente dos Inconsequentes. Os cowboys brasileiros têm suas peculiaridades e chegam a ser radicais em certos pontos.Abominam, por exemplo, os "abeia", como são chamados os jovens urbanos que se vestem de vaqueiros em época de exposições. Na tentativa de não se sentirem peixes fora d'água, eles compram todas as peças e acessonos que julgam adequados' para ficar country.
Por falta de informação, acabam cometendo pecados mortais, como usar adereços de couro em excesso, lenços amarrados nos pescoços e levar garrafinhas de uísque a tiracolo. "Bordado de couro é coisa de peão sertanejo. Lenço foi feito  pra mulher. Agora, se a garrafinha estiver no bolso de trás,não tem problema", explica o Inconsequente Calixto Rosa Filho, 26 anos.
A história do Triângulo Mineiro está diretamente, associada à criação de boi zebu, No final  do século passado desembarcou lá o primeiro exemplar da raça originária da Índia?  As boas pastagens e o clima quente e úmido caíram como luva para as reses indianas. A partir de então  comerciantes da cidade de Araguari começaram a atravessar o mundo para buscar esses bovinos. Os 42 municipios da região respondem hoje por cinco milhões de cabeças, ou 3% de todo o rebanho brasileiro, o maior comercial do mundo com 165 milhões de reses. 
Com produção de leite de um bilhão de litros por ano, é responsável por um de cada três copos consumidos em Minas Gerais. Em todo o Brasil, a produção é de 19 bilhões de litros.
Uma boa parcela dos jovens que não se consideram country costuma aderir ao estilo em exposições e rodeios. É o caso da estudante de Administração Sabrina Cotian, 19 anos, filha de um fazendeiro de soja de Uberlândia. "Só não me visto direto dessa maneira porque minha área não tem a ver. Mas ao menos uma vez por semana saio a caráter", diz Sabrina.
De olho nesse filão, Meire Resende, 40 anos, promoveu na quarta-feira 20 a primeira "noite do cowboy" em sua danceteria, a Wing's,em Uberaba. A experiência atraiu cerca de 180 pessoas, que foram conferir o conjunto country Gustavo Lopes e Banda e a apresentação do locutor de rodeios Dário Neto. "Normalmente, o dia é muito fraco. Consegui uma frequência bem maior do que o habitual", afirma Meire, que promete manter a noite daqui por diante. Modismo ou não, o fato é que muitos faturam hoje emcima dessa cultura. Das cinco rádios FMs de Uberaba, duas só tocam sertanejo e country. Na Center Discos, a loja mais tradicional da cidade, com quatro décadas de existência, metade dos quatro mil CDs vendidos mensalmente é de música country ou sertaneja.
Botina Zebu
Sediada também em Uberaba, a Zebu, maior fabricante de botinas da América Latina, com produção anual de um milhão de pares, resolveu investir pesado no mercado urbano. A partir de outubro, a fábrica reeditará uma antiga parceria com a apresentadora Angélica e lançará uma linha como nome da loirinha. Mais coloridas, as botas pretendem atingir o filão infantil e juvenil das grandes metrópoles, destino hoje de 40% da produção da Zebu "Além de resistente para o campo, nossa botina tem design. Pode ser usada até em uma festa", afirma Luís Antonio Costa, 40 anos, presidente da Zebu.
A expansão das vendas de botinas para as cidades, em 1988, quando apareceu em comerciais veiculados no horário nobre nas principais emissoras de televisão e em outdoors espalhados por todo o Brasil. Por gastar mais de três mil salários mínimos da época com uma campanha para botas usadas por capiaus da roça, Costa foi tachado de insano. E não foi a primeira vez. Logo quando fundou a fábrica de botinas e inovou seu design, em 1985, Costa causou estardalhaço ao inaugurar uma linha de produção de 400 pares mensais. "Antes a botina era grosseira, tinha a sola pregada e não oferecia conforto. Só se vendia na roça mesmo. Desenvolvi um produto muito melhor e mais bonito", explica. Até hoje, saíram da fábrica mais de dez milhões de calçados. A Zebu já exporta cerca de 150 mil pares. Mais um motivo de orgulho para uma gente que tem como um dos refrões de maior sucesso nos rodeios, uma ode ao caipirismo: "Tenho carro pra 'andá', uísque pra 'bebê', uma loira de manhã, uma morena no 'entardecê'. Se isso é ser caipira, quero ser caipira até 'morrê'." Ouvindo isso, poucos resistem ao País dos cowboys.

DALLAS BRASILEIRO
Na capital goiana, o estilo sertanejo está na moda, na música, nos rodeios e encontra adeptos apaixonados.
Goiânia disputa com Barretos o título de capital country do País. Espécie de Dallas brasileira, tudo na cidade lembra o jeitinho caipira de ser. Situada no centro de uma região onde circula grande parte da riqueza agropecuária do País, a capital de Goiás é rica e próspera. Dona da maior frota per capita de caminhonetes, a cidade tem 57 mil pick-ups para cada um milhão de habitantes. Ostenta ainda a maior proporção de veículos por habitante no País - há um carro para cada duas pessoas em Goiânia.
Nessas pick-ups circulam jovens uniformizados com camisas xadrez, botas e cintos com enormes fivelas prateadas. Com aquele típico sotaque caipira que enrola no "r", são esses jovens que levam ao pico a audiência das rádios sempre atentas às novas duplas sertanejas e que engrossam as filas das festas de peão de boiadeiro. Na semana passada, de 13 a 17, a festa do Cowboy do Asfalto, reuniu mais de 60 mil pessoas.
Cada vez mais, os espetáculos countries conquistam os adolescentes da cidade. As disputas em cima de cavalos e touros bravos oferecem prêmios que somam R$ 70 mil. E o gosto pelas sacudidelas nos lombos dos touros não tem classe social. Filhos de ricos fazendeiros do Estado dividem as baias com outros jovens de famílias de trabalhadores rurais. Nilton Rodrigues, 22 anos, por exemplo, é competidor de rodeios. Tem pais humildes, mas encontrou nas provas a possibilidade de ganhar dinheiro.
Érika dos Santos Cardoso
Só este ano levou mais de R$ 50 mil em prêmios. Seu colega Antônio Gabriel Caetano, 22, chega às competições dirigindo sua caminhonete de luxo. Quando não está nas disputas,administra a empresa de ônibus da família. A paixão pelos rodeios não tem sexo. A estudante Érika dos Santos Cardoso, 20 anos, começou a treinar em maio e já se tomou uma estrela no ranking das melhores cowgirls. "Eu me realizo aqui. Gosto de cavalos desde pequena", diz. Erika compete na única prova exclusiva para meninas: a corrida dos tambores, onde as amazonas têm que contornar três obstáculos em menor tempo possível.
Érika vira quase uma pop-star quando entra na arena e a platéia delira com o espetáculo. Esse entusiasmo pelo universo country não vem de hoje. Faz parte da herança recebida pelos primeiros fazendeiros que ajudaram a erguer a cidade há 64 anos, sobre um terreno de três fazendas desapropriadas. É raro encontrar na cidade quem não tenha fazenda, chácara ou sítio e que não seja filho de proprietário rural ou camponês. "Meu pai sempre teve terras. Nasci aqui e fui criado mexendo com boi. É disso que eu gosto. O caipirismo não sai mais do meu sangue", afirma o fazendeiro Sidney Parina, 31 anos.

Texto de Eduardo Marini (de Barretos), Ivan Padilha (de Uberaba) e Rachel Melo (de Goiânia), publicado na revista "Isto É" n. 1456 de 27 de agosto de 1997. Digitado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

2 comments:

  1. Congratulações pela postagem. Você usou vocábulo muito boa para mostrar seu conhecimento.
    Assim você se dirige bem ao lente.

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