Escravos que viraram senhores
No ano de 715 a.C., o rei negro Shabaka, do povo cush do sul do Nilo, invadiu o Egito, derrotou os inimigos e corou-se faraó (como eram chamados os soberanos egípcios) na capital, Tebas. Começava ali a 25ª dinastia dos faraós – a dinastia cushita –, que iria durar 52 anos. Nada mau para quem foi escravo durante dois milênios.
Os gregos chamavam os cush de ethiope, que quer dizer “rosto tisnado”. Eles eram negros africanos que absorveram a cultura egípcia, misturaram com a sua e retomaram, com estilo próprio, a construção de pirâmides, mil anos depois de elas terem sido abandonadas pelos egípcios. Napata, a capital cush no pé da montanha sagrada de Gebel Barkal, chegou a ter 94 pirâmides.
Os faraós negros governaram o Egito da cidade de Tebas, até o ano 663 a.C. Mas a cidade de Meroe, no sul do Nilo, o centro econômico do império cush, durou 900 anos. Foi tão influente que deu origem à cultura meroíta (de Meroe), como prolongamento da civilização cush. Só foi destruída no sé-culo III da nossa era, pelos vizinhos da Núbia. Os cush viraram núbios. No século III, os romanos incorporaram e cristianizaram todos os povos da região. Depois, no século XIV, os núbios foram convertidos ao islamismo.
Sabe-se pouquíssimo sobre essa cultura ancestral, que evoluiu paralelamente à egípcia. O inglês F. L. Griffith descobriu os hieróglifos cush em 1911. E as ruínas de Gebel Barkal só foram encontradas em 1923, pelo arqueólogo inglês G.A. Reisner. Mas há dois anos, pesquisadores espanhóis da Fundação Jordi Clos, de Barcelona, começaram a escavar no local e desenterraram vestígios sensacionais.
Novas descobertas
“Procuramos túmulos em toda a área perto da montanha”, diz a arqueóloga Francesca Berenger, “e não apenas nas pirâmides.” Em 1996, a equipe localizou o túmulo, magnificamente decorado, de um faraó desconhecido, Semesu Uhemu. Em janeiro passado, achou o de uma rainha. “É cedo para especular”, diz Francesca, “mas a área no pé da montanha tem dúzias de túmulos não descobertos que vão revelar muita coisa.”
Os computadores têm ajudado os arqueólogos na reconstrução das ruínas. Baseados em gravuras e desenhos antigos, ou cópias de estátuas, os pesquisadores produziram perfeitas “fotos do passado” em estúdios de computação gráfica. Os desenhos das pirâmides de Gebel Barkal, feitos pelo francês Fréderic Caillaud no século XIX, orientaram a reconstrução integral dos monumentos. Os computadores também ajudam a decifrar os hieróglifos cush comparando-os com as escrituras de outros mausoléus.
Uma outra arquitetura de pirâmides
Durante a dinastia cushita, os faraós reinaram em Mênfis e Tebas, mas construíram seus túmulos em Napata, a capital de origem. A cidade ganhou um Templo de Amon, além de monumentos e estátuas.
As pirâmides cush tinham, em média, 12 metros de largura por 15 de altura. Eram bem menores que as egípcias: Quéops, a maior de todas, tem 230 metros de largura por 147 de altura. Os mausoléus cushitas eram mais pontudos, com 68 graus de inclinacão (contra 51 graus de Quéops). Além disso, tinham uma capela, anexa, com porta de entrada.
Os cush cultuavam deuses egípcios e africanos, como Apedemek, o deus-leão. Napata foi sempre a capital religiosa, mas Meroe prosperou como pólo econômico. Eles eram fazendeiros, comerciantes e tinham uma avançada metalurgia alimentada a lenha.
No começo da era cristã, rainhas poderosas marcaram a cultura meroíta – as kandake. Em afrescos, elas são retratadas como mulheres grandes e agressivas, que arrastavam inimigos pelos cabelos. No ano 23 d.C., o prefeito romano no Egito invadiu Napata e recebeu uma delegação meroíta chefiada por uma kandake. Contou que ela tinha “seios maiores que bebês gordos”.
Muita coisa se desconhece. A começar pelos hieróglifos. “Pusemos mil inscrições no computador”, diz o lingüista Jean Leclant. “São nomes de reis e seus familiares. Mas não sabemos o que dizem. Para entender o alfabeto, precisaríamos comparar dois textos idênticos, um em egípcio e outro em meroíta”. Restam ainda muitos capítulos inéditos da história dos faraós negros.
A herança opulenta
Os cush absorveram a influência egípcia e renovaram a sua cultura.
Em 4 000 anos de história egípcia, de 4500 a.C. a 332 a.C, 31 dinastias se sucederam. Desde a primeira, os faraós já escravizavam os povos negros do sul. Os cushitas carregaram muita pedra para as pirâmides.
Em 1915 a.C., o faraó Sesostris dominou toda a região ao sul da segunda catarata do Nilo (veja mapa na página 62). Houve várias rebeliões. Em 1514 a.C., Amenhotep, de Tebas, sufocou os últimos revoltosos. A região virou uma colônia até que, com as guerras civis egípcias, em 1075 a.C, os cushitas reconquistaram a independência.
No ano 800 a.C., um poderoso reino cush começou a florescer. A partir de 730 a.C, os reis Kashta e, depois, Piankhi invadiram e conquistaram o Egito. Em 715 a.C., Shabaka completou a conquista e fundou a 25ª- dinastia.
Devotos do deus Amon, os cushitas identificavam-se com a opulência de Tebas e consideravam os egípcios do norte como degenerados. Uma invasão síria, em 663 a.C, acabou com o império dos faraós negros.
Publicado na revista "Super Interessante" da Editora Abril, edição 120 de setembro de 1997. Digitaliado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.
Mentira:A raça egípcia segundo os autores clássicos da Antigüidade
ReplyDeletePara os escritores gregos e latinos contemporâneos dos antigos egípcios, a classificação física desses últimos não colocava problemas: os egípcios eram negros, de lábios grossos, cabelo crespo e pernas finas; será difícil ignorar ou subestimar a concordância entre os testemunhos apresentados pelos autores em referência a um fato físico tão evidente quanto a raça de um povo. Alguns dos testemunhos que se seguem são contundentes.
(a) Heródoto, "o pai da História", - 480 (?) a - 425.
Com relação à origem dos Kolchu 25, ele escreve:
"E, de fato, evidente que os colquídios são de raça egípcia (...) muitos egípcios me disseram que, em sua opinião, os colquídios eram descendentes dos soldados de Sesóstris. Eu mesmo refleti muito a partir de dois indicadores: em primeiro lugar, eles têm pele negra e cabelo crespo (na verdade, isso nada prova, porque outros povos também os têm) e, em segundo lugar - e este é um indicador mais consistente - os egípcios e os etíopes foram os únicos povos, de toda a humanidade, a praticar a circuncisão desde tempos imemoriais. Os próprios fenícios e sírios da Palestina reconhecem que aprenderam essa prática com os egípcios, enquanto os sírios do rio Termodon e da região de Pathënios e seus vizinhos, os macrons, dizem tê-la aprendido, recentemente, com os colquídios. Essas são as únicas raças que praticam a circuncisão, e deve-se observar que a praticam da mesma maneira que os egípcios. Quanto aos próprios egípcios e aos etíopes, eu não poderia afirmar quem ensinou a quem essa prática, pois ela é, evidentemente, muito antiga entre eles. Quanto ao fato de o costume ter sido aprendido através dos egípcios, uma outra prova significativa para mim é o fato de que todos os fenícios que comerciam com a Grécia param de tratar suas partes pudendas conforme a maneira egípcia e não submetem seus filhos à circuncisão" 26
Heródoto retorna várias vezes ao caráter negróide dos egípcios, e a cada vez o utiliza como dado de observação para discutir teses mais ou menos complexas. Assim, para provar que o oráculo grego de Dodona, no Épiro, era de origem egípcia, um de seus argumentos é o seguinte: "e, quando eles acrescentam que a pomba era negra, dão a entender que a mulher era egípcia". 27 As pombas em questão - na verdade, eram duas, de acordo com o texto - simbolizam duas mulheres egípcias, que se dizia terem sido trazidas de Tebas, no Egito para fundar oráculos respectivamente na Grécia (Dodona) e na Líbia (oásis de Júpiter Amon). Heródoto não partilha da opinião de Anaxágoras segundo o qual as enchentes do Nilo seriam causadas pelo degelo nas montanhas da Etiópia 28. Apoiava-se no fato de que na Etiópia não chove nem neva, "e lá o calor torna os homens negros" 29.
ReplyDeleteb) Aristóteles, -384 a -322, cientista, filósofo e tutor de Alexandre, o Grande.
Num de seus trabalhos menores, Aristóteles tenta, com surpreendente ingenuidade, estabelecer uma correlação entre a natureza física e a natureza moral dos seres vivos, e nos fornece evidências sobre a raça egípcio-etíope que confirmam o testemunho de Heródoto. Segundo Aristóteles, "Aqueles que são muito negros são covardes como, por exemplo, os egípcios e os etíopes. Mas os excessivamente brancos também são covardes, como podemos ver pelo exemplo das mulheres; a coloração da coragem está entre o negro e o branco" 30.
(c) Luciano, escritor grego, + 125 (?) a + 190.
O testemunho de Luçiano é tão explícito quanto os de Heródoto e Aristóteles. Ele apresenta dois gregos, Licino e Timolaus, que iniciam um diálogo:
"Licino [descrevendo um jovem egípcio]: – Este rapaz não é simplesmente preto; ele tem lábios grossos e pernas muito finas (. . .) seu cabelo trançado atrás mostra que não é um homem livre.
Timolaus: – Mas no Egito esse é um sinal das pessoas muito bem-nascidas, Licino. Todas as crianças nascidas livres trançam o cabelo até atingirem a idade adulta. Esse é um costume exatamente oposto ao dos nossos ancestrais, que achavam conveniente, para os velhos, prender o cabelo com um broche de ouro, para mantê-lo em ordem” 31.