Toda sensação é acompanhada de dor, o que parece ser uma conseqüência da hipótese, pois todo dessemelhante proporciona dor pelo contato. E esta dor se manifesta pela longa duração do tempo e por um excesso de sensações.
A sensação nasce dos contrários, pois o semelhante não é afetado pelo semelhante. Ele tenta tratar de cada sensação em particular. Vemos pelo reflexo na pupila, mas não há reflexo ao que é da mesma cor mas ao diferente. Pois, para muitos durante o dia, para alguns durante a noite, existe o que é de cor diferente; por isso então vemos com acuidade. Em geral a noite é mais da mesma cor para os olhos. E há reflexo durante o dia porque a luz é concausa dele e a cor dominante reflete-se sempre mais sobre a outra. Da mesma maneira também o tato e o paladar discernem (seu objeto), pois o igualmente quente e frio nem aquece nem esfria aproximando-se, nem o doce e o amargo se percebem por si mesmos, mas o frio pelo quente, o potável pelo salgado, o doce pelo ácido, segundo a deficiência de cada um (termo contrário); pois todas (as coisas), afirma ele, são inerentes a nós.
E assim também sentimos cheiro e ouvimos, respectivamente, por meio da aspiração e pela penetração do ruído até o cérebro, pois o osso periférico em que penetra o ruído é oco. Toda sensação é acompanhada de dor, o que parece ser uma conseqüência da hipótese, pois todo dessemelhante proporciona dor pelo contato. E esta dor se manifesta pela longa duração do tempo e por um excesso de sensações. Pois as cores brilhantes e os ruídos excessivos produzem dor e não se pode permanecer durante muito tempo sob seu efeito. Mas são mais sensíveis os maiores seres vivos e sua sensação corresponde naturalmente ao tamanho (de seus órgãos dos sentidos). Pois os que têm os olhos grandes, limpos e brilhantes enxergam melhor e de longe, e para os que os têm pequenos o contrário acontece. E o mesmo se dá com o ouvido. Os animais grandes ouvem os ruídos grandes e de longe, e os ruídos menores lhes passam despercebidos, e os pequenos animais ouvem os ruídos pequenos e de perto. E da mesma maneira a respeito do olfato; (pois) o ar sutil tem mais odor, pois, ao se tornar quente e rarefeito, exala odor. Quando aspira, o animal grande, juntamente com o rarefeito, absorve o denso, mas o pequeno (absorve) o próprio rarefeito. Por isso os grandes percebem mais.
Pois também o odor, estando perto, é mais forte do que estando longe, pelo fato de ser mais denso, mas dispersando-se torna-se fraco. E quase, por assim dizer, não percebem os grandes o ar rarefeito, nem os pequenos, o denso. Anaxágoras, portanto, como foi dito, retoma esta opinião de certa forma comum e antiga. Salvo que, propriamente, discorre sobre todos os sentidos, principalmente sobre a vista, porque é o grande sentido, embora não esclareça as sensações mais corpóreas. Pois Anaxágoras falou naturalmente sobre elas (a saber, as cores).
Conforme escrito por Teofrasto, 27 ss (DK 59 A 92), tradução de Paulo Frederico Flor, publicado no livro da coleção "Pensadores"- "Pré-Socráticos", Nova Cultural, São Paulo, 1996, p.219-220. Digitado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.
Anaxágoras de Clazômenas - (Cerca de 500-428 a.C.)
Natural de Clazômenas, na Jônia (Ásia Menor), Anaxágoras passou uns trinta anos em Atenas, fundando a primeira escola filosófica dessa cidade, sob os auspícios de Péricles, seu protetor e discípulo. Em 431 foi acusado de impiedade por negar a divindade do Sol (para ele, uma pedra incandescente) e da Lua (para ele, era uma "terra"). Segundo parece, Anaxágoras foi encarcerado mas conseguiu fugir, refugiando-se em Lâmpsaco (Jônia), onde fundou outra escola. Mereceu alta estima dos lampsacenses, que cunharam moedas com sua efígie e puseram elogioso epitáfio em seu túmulo. Os tratados (um de perspectiva, outro sobre a quadratura do círculo, e um livro de problemas) atribuídos por autores tardios a Anaxágoras não parecem obras genuínas suas. Sobre a Natureza, de que nos restam uns vinte fragmentos, parece ter sido um tratado pequeno, dando-nos porém toda a base do sistema de Anaxágoras, que gozou de grande reputação como físico, matemático, astrônomo e meteorologista. Anaxágoras foi o filósofo pré-socrático que deu origem a maior número de discussões ou a interpretações as mais variadas.
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