8.08.2012

CACAUAÇU OU CUPUACAU?


O que cupuaçu tem a ver com cacau? A pele de um não é o pelo do outro.A polpa do cacau é pouca e doce, a do cupuaçu, farta e cremosa. Os dois são do mesmo gênero, Theobroma, e de fora parecem parentes distantes. Mas por dentro a coisa muda. E é para aí que vamos olhar: debaixo da polpa, sob a pele, estão as sementes.E ao provar uma semente de cupuaçu eu me lembrei da primeira vez que comi chocolate 100% cacau trazido da Venezuela. Era amargo,mas não de travar a garganta. Era um sabor primordial que instiga papilas adormecidas. E as mesmas papilas acordaram quando mordi a semente de cupuaçu.
Não qualquer semente de cupuaçu. Fresca, crua ou cozida, ela é ruim. Depois de fermentada e seca, ela fica crocante,amarga, perfumada.E eu fiquei encantada. Comprei um bocado da cooperativa Projeto Reca  e levei as amêndoas para a cozinha. O amargo combina com a própria polpa do cupuaçu e de outras frutas, pode perfumar o leite quente e permite uma infinidade de molhos à moda mexicana.
Além de apontar um ao repertório de receitas para chocolate sem açúcar. Falando em chocolate, a maior prova de semelhança entre cacau e cupuaçu é que um vira chocolate; e o outro, cupulate. E isso já foi tema de disputa internacional.
Há quase dez anos, ONGs brasileiras empreendera muma batalha contra uma empresa japonesa que registrou como seu o nome cupuaçu e patenteou o cupulate. No primeiro caso, o Brasil ganhou porque não  se pode registrar nome de matéria-prima de um país como marca comercial. E em relação ao cupulate,a Embrapa havia patenteado nome e processo em 1990.
Mas de volta ao cerne: não é fácil cravar os dentes na semente de cupuaçu. Primeiro é preciso descascá-la. A película que a envolve é firme.Ouse faz isso na unha ou na ponta da faca. De um jeito ou outro é trabalhoso. A parte da polpa adere firmemente à semente. Em casa, só se consegue separá-la na tesoura. Na cooperativa do Projeto Reca, as ementes são despolpadas mecanicamente e fermentadas em caixas de madeira por mais ou menos sete dias.
Depois,espalhadas sobre um estrado de madeira, secam ao sol por quatro dias. A secagem continua em secador a lenha, por 15 horas. Para comê-las, é bom esperar esfriar: a gordura solidifica deixando cotilédones crocantes e quebradiços, com textura de migalha de massa filo ou biscoito amanteigado.
É difícil retirar a película sem quebrar as amêndoas e esses pedacinhos são conhecidos internacionalmente, tanto do cacau como do cupuaçu, como nibs – matéria prima para o cupulate e outros subprodutos. Enquanto os nibs de cupuaçu não são vendidos no mercado, e tudo é uma questão de demanda, vamos nos divertindo com as amêndoas inteiras que despelamos na faca.
Elas podem ser encomendadas no Projeto Reca ou com Eduardo Guimarães, professor de antropologia na Universidade do Estado da Bahia que mantém um pequeno negócio que envolve o cultivo orgânico e processamento das sementes.

No chão do quintal, um produto gourmet.

Hoje, as sementes são usadas apenas para extração de manteiga, que é fornecida à indústria de cosméticos.

Minha experiência mais profunda com o cupuaçu começou em Acrelândia,no Acre.A vizinha da casa onde fiquei tinha um pé de cupuaçu o quintal.E diariamente podiam ser recolhidos mais de dez frutos sob a árvore. Geralmente, eles icavam no chão,apodrecendo até as sementes germinarem. Outras árvores podiam ser vistas pela cidade na mesma situação, em terrenos baldios.
Saindo de Acrelândia,um pouco depois da divisa de Rondônia no vilarejo de Nova Califórnia, que pertence a Porto Velho, fica a sede da cooperativa do Projeto Reca, que processa palmito pupunha e cupuaçu, entre outros produtos.O interessante é que a cooperativa começou com um grupo de migrantes do Sul que foram perdendo o interesse em cultivar produtos de sua cultura de roça, como feijão e soja.
Chegaram à conclusão de que seria produtivo e sustentável lidar com as plantas da floresta amazônica com forte potencial econômico, como cupuaçu, pupunha, açaí e castanha.
Hoje, centenas de associados trabalham em sistemas agroflorestais e o cupuaçu tem o maior destaque. A cooperativa processa oda fruta recebida dos cooperados. A fruta é transformada em polpa congelada ou sementes secas para extração de manteiga, como é chamada a gordura branca,de consistência firme como manteiga de cacau.  Infelizmente, nem as amêndoas nem a gordura são destinadas à alimentação. A manteiga vai para a indústria de cosméticos e o que sobra das sementes vira adubo ou ração animal.

Solução artesanal. 

Mas as amêndoas talvez pudessem ser trabalhadas artesanalmente para que usássemos em pequenas quantidades.Duzentos,300 gramas bastam para decorar um doce, aromatizar uns biscoitos, dar uma graça ao sorvete. Já que os cooperados podem fazer geleias, biscoitos, bombons e outros produtos artesanais para vender em consignação na loja do projeto, umas amêndoas de cupuaçu já descascadas ou em pó seriam um produto gourmet da melhor espécie.

Excerto do texto de Neide Rigo, publicado no suplemento "Paladar" anexo ao jornal "O Estadp de São Paulo" de 2 de agosto de 2012. Adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

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