8.16.2012
MISTO-QUENTE OU O FIM DO MUNDO
Ele pediu um misto-quente. Ela se impacientou.
– Você vai comer só isso?
– Vou.
O sanduíche dela era enorme. A alface saía pelos lados. Um molho amarelo pingava no prato. Pontas de tomate, bacon e cebola também apareciam nas bordas. O pão era com sementes de gergelim. O misto-quente dele era só presunto e queijo entre duas torradas.
– O que você vai beber?
– Água.
– Toma uma coca.Eu estou pagando.
– Água.
– Olha, se você vai ficar assim, é melhor nem ter esta conversa.
– Assim como?
– Assim, emburrado. Se fazendo de coitadinho.
– Só porque eu pedi um misto-quente?
– Escuta. Nós não estamos brigando. Entendeu? Nós vamos só dar um tempo. Aliás, eu vou tentar aquela bolsa no Canadá. É possível até que eu viaje.
– Tá certo.
– Pelo menos põe ketchup nesse misto-quente!
– Eu gosto assim. Simples.Sem adornos.
Você sabe que existe uma ordem religiosa que se alimenta exclusivamente de mistos-quentes? Acho que é no Tibete. Isto que você olha com tanto desdém pode ser um dos caminhos para Deus.
– Escuta...
– O misto-quente é uma lição de vida. Quem precisa de mais do que isto, presunto, queijo e duas torradas? O misto-quente é a vida reduzida ao essencial. Todo o resto é supérfluo. Vou passar a comer só misto-quente com água. Quando você voltar do Canadá, eu talvez esteja levitando. Dizem que os monges do Tibete não andam mais no chão. Cada um é o seu próprio helicóptero. Tudo devido ao misto-quente.
– Eu vou pegar uma cerveja. Você quer que eu lhe traga alguma coisa?
– Água.
– Com gás?
– Sem gás. Bolhinha já é afetação.
– Você quer ou não quer ter esta conversa?
– O que há para conversar? Nós vamos dar um tempo, você vai para o Canadá, eu talvez me dedique a um tratado sobre o misto-quente.Origem,antecedentes, morfologia, simbolismo... Não há mais nada para conversar.
– Você, também, faz um drama. Não é o fim do mundo.
– Como, não é o fim do mundo? É o fim do mundo, sim. Você acaba de me dar a notícia de que um meteoro vai se chocar com a Terra.
– Que exagero.Nós vamos só dar um tempo...
– Que tempo?! Você não entendeu? É o fim do mundo. Maremoto. Nova York que arrasada. O Japão sob as águas.
– Já vi que não podemos conversar. Eu queria acabar tudo de uma maneira civilizada, mas...
– Não existe maneira civilizada de um amor acabar. É como pedir para você comer esse sanduíche de uma maneira civilizada.Não dá, vai espirrar o molho, o bacon vai cair no seu colo... Vai ser um cataclismo. Amor que não acaba em cataclismo, não era amor.
– Tá bom, tá bom. Coma o seu misto-quente, vá.
Crônica de Luis Fernando Veríssimo publicada no jornal "O Estado de São Paulo" do dia 12 de agosto de 2012, Adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.
No comments:
Post a Comment
Thanks for your comments...