Açúcar? Esqueça. Inspirados em livro de Ducasse, chefs criam sobremesas com caldas de frutas, adoçantes caseiros, chá floral...
Guerin |
Imagine um livro com 85 sobremesas criadas por Alain Ducasse. Pensou em um mergulho de cabeça no mundo de merengues e açúcares em profusão? Pode esquecer. Em “Natural, simples, saudável e saboroso”, um dos mais aclamados chefs franceses, autor de doces mirabolantes, propõe uma mudança de hábito: a elaboração de doces menos doces, nos quais frutas, caldas naturais e adoçantes como agave substituem o açúcar branco. “Podemos satisfazer nossa gulodice tomando cuidados com a saúde, sem nos privarmos desses prazeres”, sugere Ducasse.
Pois, inspirados no livro, que acaba de ser editado no Brasil pelo Senac, pedimos a quatro mestres da pâtisserie — Dominique Guerin (Guerin Boulangerie), Ariel Lettieri (Le Pré Catelan), Frédéric Monnier (Brasserie Rosário) e Lomanto Oliveira (Quadrifoglio) — que criassem, com exclusividade, sobremesas feitas com ingredientes alternativos, coisas como caldas de frutas, mel, xaropes como o de bordo, árvore cuja seiva produz o que os americanos e ingleses chamam de maple syrup (aquele que usam em panquecas, lembra?).
O franco-argentino Ariel Lettiere, que, no começo do ano, assumiu a pâtisserie do Le Pré Catelan, nos brinda com um doce cuja base é formada por néctar/essência de framboesa (extraído diretamente da fruta, quando ela chega a 60° C) e pedaços de morangos frescos. Em seguida, um pequeno suporte apoia pedaços de genoise (uma massa de farinha, xarope de bordo e ovos) e uma musse de mascarpone, feita com favas de baunilha do Taiti. E pensa que acabou? Ainda rola um granité de maçã assada com mel e Calvados, coroado com folha de prata para decorar.
Frédéric Monnier, da Brasserie Rosário, lançou mão do próprio açúcar das frutas e criou a brunoise aux fruits, sobremesa sob medida para o verão. São pedacinhos de manga e morango, cortados à brunoise, com aroma de hortelã. O chantilly que coroa a sobremesa traz raspas de morango. E, por cima, castanhas de caju que se encarregam deixar a coisa crocante (R$ 11). — Com a fartura de frutas que temos no Brasil, dá para ser mais comedido no uso do açúcar comum. Basta extrair naturalmente o açúcar da jabuticaba, da laranja... — sugere Monnier.— As compotas são uma prova disso!
Lomanto Oliveira, que assina todas as sobremesas do Quadrifoglio do Jardim Botânico, optou por trocar o açúcar branco convencional pelo mel (”sabia que o mel tem poder adoçante maior que o do açúcar?”, ensina Ducasse). A pedido do RioShow, criou um canolli de limão-siciliano servido com um semifredo de mel e pistache (R$ 26), que hoje entra em cartaz na casa.
O francês Dominique Guerin nunca foi chegado a doces muito doces. Acha desagradáveis e enjoativos, além de encobrir os sabores reais. — Uso o mínimo de açúcar branco possível e não me canso de procurar outros recursos para adoçar minhas sobremesas — conta Guerin, à frente da Guerin Boulangerie, sucesso em Copacabana que, a partir de hoje, passa a exibir nas vitrines mais essa versão elaboradíssima de sobremesa. São três camadas ao todo. A primeira traz uma gelatina de flores de hibisco (que leva xarope de agave) com raspas de frutas cítricas (laranja e limão-siciliano) e frutas frescas da época (como manga ou frutas vermelhas, por exemplo). Acima, uma pannacotta de limão (adoçada com mel silvestre) e, no fim, um coulis de framboesa (R$ 9,10), que Guerin prepara a partir de frutas desidratadas. — O poder adoçante do néctar de agave é impressionante. Esse xarope de origem vegetal, que tem poucas calorias e baixo índice glicêmico, substitui o açúcar sem alterar o paladar dos ingredientes. Ah, e tem as flores de hibisco, que aceleram o metabolismo e têm poder antioxidante — exalta o chef pâtissier.
No livro, Ducasse conta que os astecas chamavam o xarope de agave (o mesmo tipo de cacto que os mexicanos usam para fazer a tequila) de “água de mel”. Adoça, de fato, mais do que o mel! E do que o açúcar, obviamente. O único natural que não passa pelo crivo do chef francês é a estévia. Segundo ele, tem cheiro forte de alcaçuz e não pode ser cozida. “Essa deixemos de lado”, sentencia. Com tantas outras opções disponíveis, quem há de descordar.
Texto de Luciana Fróes publicado em "O Globo" de 9 de novembro de 2012 no suplemento "Rio Show". Adaptado e ilustrado (fotos de Leo Martins) para ser postado por Leopoldo Costa.
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