3.28.2016

O CICLO DA BORRACHA

Produção de borracha no Amazonas em 1900
A exploração comercial do leite de seringueira, ou látex, confunde-se com a das chamadas drogas do sertão, ou drogas da Amazônia, tendo ido para a Europa as primeiras amostras em começos do século XVI. Contudo, só ao iniciar-se o século XVIII é que um religioso, Frei Manuel da Esperança, que tomara conhecimento da utilidade daquela goma quando vivera entre os índios Cambebas, deu, aos povoadores da Amazônia, informações pormenorizadas a respeito, passando o produto a ser aproveitado na impermeabilização de vasilhas, tecidos e sapatos.

Seu comércio ativo começou provavelmente em meados de 1730 e incrementou-se a partir de 1745, quando o francês Charles Marie de la Condamine mandou de Quito para Paris (fora ao Equador encarregado de medir o meridiano terrestre) uns "rolos de massa negra e resinosa" que os indígenas da região designavam por caoutchouc, palavra que se traduz por lágrimas de madeira.

Mas a exploração do látex era ainda atividade econômica rudimentar ao tempo da Independência do Brasil. "Atualmente, escrevia Von Martius em 1819, dedicam-se fazendeiros isolados, e sobretudo a gente mais pobre, de diversas origens, chamados por isso seringueiros, à extração e preparo dessa seiva, e a maior quantidade de borracha exportada de Belém procede das matas dos arredores da capital e da Ilha de Marajó."

Em 1823 o escocês Charles Mackintosh verificou que a borracha era solúvel na benzina, divulgando na Europa 6 que no Brasil era já largamente conhecido: o látex servia para impermeabilizar tecidos, embora os tornasse quebradiços no inverno e um tanto pastosos com a elevação da temperatura. Aumentando a procura, desenvolvendo-se rapidamente a colheita da selva, atingindo a produção brasileira o total de 30 toneladas em 1827, mais de 150 toneladas, mais de 394 toneladas em 1840 e um total superior a 1.400 toneladas em 1850, ano a partir do qual a exploração da borracha cresceu vertiginosamente, determinada por vários fatores, entre os quais a vulgarização do processo descoberto por Charles Goodyear em 1839, a vulcanização, que dava mais resistência ao produto, tornando-o pràticamente insensível às variações de temperatura.

Inaugurado em 1853 a navegação a vapor no Rio Amazonas, passou a coleta do produto a se constituir em atividade mais compensadora, iniciando-se, no Extremo-Norte do Brasil, um autêntico ciclo da borracha, a ponto de o presidente da então Província do Pará condenar "o emprego quase exclusivo dos braços na extrução e fabrico da borracha, tanto que precisamos atualmente receber de outras Províncias gêneros de primeira necessidade que dantes produzíamos até para fornecer-lhes".

Já então o processo primitivo da coleta, chamado arrocho (apertava-se o tronco da árvore com um cipó, fazendo-se, acima dele, cortes de machado, pelos quais escorria o látex), fôra substituído pelo uso de canecas de folha-de-flandres, postas na extremidade de pequenas incisões feitas no tronco; colhida a seiva, passa o seringueiro a defumá-la derramando-a lentamente num bastão roliço, que ele gira sôbre uma fogueira de lascas de maçaranduba e cascas de coquilho do ouricuri, cuja fumaça é rica em ácido pirolenhoso; desse processo resulta a coagulação do látex em forma de bola, a que os extratores dão o nome de péla, pesando, cada uma delas, de 50 a 70 quilos.

Ampliando-se a área de exploração, até 1850 limitada ao baixo Amazonas, a menos de cem milhas para O'este de Belém, chegou-se às fronteiras do Peru e da Bolívia. Aliás, deveu-se à exploração da borracha o alargamento e consolidação de grande parte das fronteiras do Brasil. "Os altos rios, afluentes do Amazonas, foram alcançados", diz o ensaísta Artur César Ferreira Reis. "Os seringueiros passaram, na sua expansão ousada, insensivelmente, as fronteiras fixadas nos tratados mais irreconhecíveis no deserto e no conjunto de água e floresta daquele mundo em estado de ser.

O Acre foi resultante, como espaço físico brasileiro, do esfôrço dessa penetração, realizada com ímpeto quase guerreiro. Ninguém sabia por onde corriam as linhas de limites, que não se haviam ainda fixado pelas demarcações. E quando as autoridades da Bolívia e do Peru procuraram, nos Vales dos Rios Purus, Acre e Juruá, executar os atos de soberania que lhes pareciam legais, encontraram tôda aquela imensa zona de trabalho produtivo ocupada pelas levas de sertanistas brasileiros, vindos pelas águas inequivocamente brasileiras de acesso fácil à região".

De 1853 a 1869 localizaram-se os primeiros estabelecimentos de seringueiros na região do Rio Purus; seguiram-se as regiões do Juruá, onde os extratores de goma se fixaram principalmente entre 1865 e 1869, e de outros afluentes do Amazonas, sobretudo depois de 1874, quando passaram a utilizar-se dos sistemas regulares de navegação a vapor dos Rios Xingu, Tapajós, Madeira, Jutaí, Javari e Negro; distinguiram-se nessa exploração, desde 1877, os nordestinos que fugiam de suas terras, então assoladas por terríveis períodos de seca, devendo-se-lhes, por isso, no desbravamento e aproveitamento economico de extensas áreas amazônicas até então desconhecidas e abandonadas.

Em ambos os Reinados do Império do Brasil e começos da República desenvolveu-se extraordinàriamente a indústria extrativa do látex, registrando-se, em 1860, o total de 2.673 toneladas; 6.561 toneladas em 1870 e 8.600 em 1880, no em que a borracha ocupava o terceiro lugar entre os produtos de exportação do Império, superada apenas pelo café e pelo açúcar; e em 1890, ainda estimulada pela difusão do pneumático, inventado por John Boyd Dunlop e que incrementou a vulgarização do automóvel, atingiu a produção brasileira o total de 16.300 toneladas; em 1901 registrou-se a som de 29.000 toneladas,e, em 1909, a de 39.200 toneladas para culminar em 1911 no total de 44.000 toneladas. Foi êsse o ano áureo do ciclo da borracha; a euforia mercantil estendeu-se por grande área do território nacional, deixando de ser, a Amazônia, "a região das lavouras e do pastoreio de tipo nordestino, para ser a região dos gomais, das héveas, o mundo do ouro negro, dos pioneiros, dos seringueiros, dos patrões, de um mecanismo novo na conjuntura nacional, distinto portanto na paisagem cultural brasileira", segundo ainda observa Artur César Ferreira Reis.

Mas, a partir de 1912 gradativamente se instalou a crise que acabou por desalojar o Brasil de sua posição no mercado mundial. Somas enormes se tinham gasto em obras suntuárias; sobretudo no Amazonas e Pará as classes mais abastadas desfrutavam de uma vida de fausto e luxo nunca visto até começos do século XX e propiciada pelo comércio internacional da borracha. Não se cuidara, entretanto, da implantação de uma economia estável em relação ao produto, e a êste descaso logo se juntou o volume da concorrência das possessões inglesas do Oriente, onde a seringueira passara a ser plantada a partir de 1905: em 1876, iludindo a vigilância das autoridades brasileiras, que proibiam a saída de sementes ou plantas da Amazônia, Henry Alexander Wickham, representante oficial da Inglaterra daqui levou alguns milhares de sementes da Hevea brasiliensis (a designação científica deriva do tupi hjévé, "árvore que chora").

Após experiências realizadas por cientistas inglêses nos jardins de Kew (Londres) e no Ceilão, iniciaram-se as plantações da Malásia Britânica e das índias Orientais Neerlandesas, que atingiriam cêrca de 1.800.0.00 toneladas de borracha bruta em 1961, quase a totalidade de produção mundial, de aproximadamente 2.100.000 toneladas naquele ano.

Passando da fase da borracha silvestre para a da borracha de plantação, suplantaram os seringalistas anglo-orientais aos brasileiros, não só em quantidade como em qualidade. Não dispondo de mão-de-obra tão barata quanto a dos seus concorrentes; nem das mesmas facilidades de colheita, dada a grande dispersão das seringueiras da Amazônia; nem da mesma experiência industrial e mercantil; impossibilitados de melhorar as condições de transporte da borracha; atacados de paludismo, disenteria e outras doenças tropicais, que dizimavam ou repeliam as levas de trabalhadores, gente humilde que, segundo assinalou um escritor contemporâneo, "à extração da borracha entrega a sua fome, a sua liberdade e a sua existência", de ano para ano sofreram os brasileiros a redução do seu produto.

Em 1913 a produção caír a para 36.000 toneladas; em 1918 fora de apenas 22.000 toneladas. Passada a Primeira Guerra Mundial, que chegou a paralisar completamente o comércio da borracha, registrou-se um pequeno aumento: 30.790 toneladas em 1920; mas, com oscilações diversas caiu, em 1932, para 8.681 toneladas! De nada adiantaram, então, as providências tomadas pelo govêrno para salvar essa indústria; nem tampouco a iniciativa do industrial americano Henry Ford, que a partir de 1928 aplicou somas consideráveis em seringais às margens do Tapajós, nas áreas denominadas Fordlândia e Belterra. Os resultados não foram compensadores, não só pelo volume da produção estrangeira, como ainda pelo aparecimento da borracha sintética.

Todavia, a Segunda Guerra Mundial, provocando a necessidade de consumo contribuiu para avolumar a produção brasileira, que atingiu em 1945 o total de 35.087 toneladas. Mas não se desenvolvera o mercado interno; finda a guerra e preparada a produção para 30 ou 40.000 toneladas anuais, verificou-se que o custo dos produtos de borracha aqui manufaturados excedia os preços internacionais ; desenvolveu-se outra vez a importação dêsses produtos e em consequência voltou a cair a produção dos seringais.

Recentemente, tendo em vista a conveniência de atender ao crescimento das necessidades industriais, determinado pela indústria automobilística, propôs o Conselho Nacional de Economia três medidas básicas para o grande sector da borracha: 1) Aumento da produtividade dos seringais, mediante a melhoria nos métodos de produção : preconizou-se, por exemplo, o sistema de coagulação espontânea em substituição ao sistema de defumação; 2) aumento da produção através de novas plantações, com ordenação racional e científica; 3) a implantação da indústria de borracha sintética, para diminuir as importações e concorrer para maior valorização do trabalho brasileiro.

Essa política tem dado os seus frutos; a partir de 1941 instalaram-se em São Paulo e no Rio de Janeiro, amparadas pelo capital estrangeiro, as primeiras grandes fábricas de pneus, às quais se seguiram as de fabricação de artigos de borracha em geral: o catálogo de uma recente exposição industrial realizada em São Paulo relacionava mais de 200 artigos de borracha macia e dura (ebonite e similares). Passando do simples extrativismo à heveicultura racional, segundo dados da Comissão Executiva da Defesa da Borracha, o consumo nacional atingiu em 1963 o total de 83.121 toneladas métricas (peso seco) de borracha natural e sintética, não obstante a alta percentagem de importação de ambas as formas do produto; e um cálculo menos otimista possível admitia para 1970 um consumo não inferior a 108.000 toneladas, das quais grande parte seria de borracha natural e sintética produzida no Brasil, esta última especialmente na fábrica instalada pela Petrobrás em Duque de Caxias (RJ), a qual trabalha com subprodutos do petróleo. Em 1965 fabricou 32.739 toneladas de borracha sintética; em 1966, 48.105 toneladas.

Até 1967 o butadieno, matéria-prima dessa fabricação, era importado dos Estados Unidos; atualmente é produzido pela Petrobrás. Em Pernambuco funciona outra fábrica de borracha sintética, que em vez do butadieno utiliza o álcool como matéria-prima, tendo fabricada, em 1966, 6.111 toneladas de borracha Ainda nesse ano (1966) o Brasil consumiu 94.593 toneladas de borracha em suas indústrias, assim distribuídas: borrachas nacionais, 84.003 toneladas; importadas, 10.590; eram borrachas nacionais: vegetais, 28.236 toneladas ; látices vegetais, 1.580; sintéticas, 41.864, e, regeneradas, 12.323 toneladas.

Extraido do "Novo Dicionário de História do Brasil", redação de Brasil Bandecchi, Leonardo Arroyo e Ubiratan Rosa, Edições Melhoramentos,São Paulo, 1970, excertos pp. 156-158. Adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

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