4.06.2016

AS COZINHAS DE CUBA


Poucas lembranças ficaram dos hábitos culinários anteriores à chegada dos espanhóis a Cuba. Talvez somente os tamales - presentes em grande parte das culturas indígenas desta parte do continente americano - guardem traços daquele período: as folhas de bananeira, de milho ou do inhame, o fubá No entanto, costumam vir acompanhados da carne de porco, que chegou à ilha com os primeiros espanhóis.

Daqueles tempos, manteve-se também a importância dada à iúca, que produz flores e uma parte comestível muito apreciada, e chega a relegar o milho a um segundo plano. Já as carnes de porco, cabra, vaca, cordeiro ou galinha só apareceram em terras cubanas há cerca de 400 anos. Foram trazidas pelas cozinheiras espanholas e escravas árabes que descortinaram novas formas de se entender e praticar a arte da culinária.

Ao longo de 400 anos, a cozinha cubana experimentou sabores que combinavam produtos e costumes de diferentes culturas. Não há como negar a importância da influência espanhola na culinária desta parte do Caribe, assim como o peso das sucessivas levas de escravos africanos que, até o início do século XIX, povoaram, com sua mão-de-obra gratuita, as zonas agrárias da ilha. Com eles, vieram o quiabo e pratos característicos de todas as regiões da África. Merecem ainda destaque os chineses que, após a abolição do tráfico de escravos, também chegaram à ilha oferecendo sua mão-de-obra barata. Ao todo, quase 200 mil indivíduos perpetuaram ali seus hábitos culinários, acelerando o processo de mestiçagem.

A cozinha crioula

Chama-se cozinha crioula à combinação da cozinha espanhola com os produtos mais característicos de Cuba. O ajiaco - ou uma de suas vers es, como o cozido crioulo - é um bom exemplo disso: o tradicional cozido espanhol com um colorido cubano. Neste caso, cozinham - se as carnes com produtos da terra- como a batata, a iúca, o inham , a batata-doce, a banana, a abóbora, o milho -, trazendo ao prato o apelo ele sabores sugestivamente exóticos.

No entanto, seria mais apropriado falarmos ela influência das cozinhas espanholas em toda a sua diversidade. Assim, observa-se uma estreita relação, o entre a culinária das Canárias e a de Cuba, traduzida, por exemplo, na presença dos mojos como molho e tempero. Embora o molho crioulo seja o mais conhecido, vale ainda destacar o molho insular (os cubanos chamam os habitantes das Canárias de insulares) e o molho de tomate. A ligação entre as duas cozinhas também se evidencia na adaptação do gofio, que tem a farinha de milho como base, em pratos como o cozido canário, que sofre umas tantas transformações pela ilha antes de voltar às Canárias, ou em doces como o farangollo, que s deixa influenciar pela paisagem cubana a ponto de mudar todos os seus ingredientes.

Merece também destaque a influência castelhanos nos grelhados e leitões assados, recheados ou não, assim como da cozinha andaluza, em pratos inspirados no tradicional caldo de perro de Cádiz. Há também quem aponte estreita relação entre o cozido levantino e os ajiacos.

A cozinha africana

Os africanos perpetuaram o gosto dos aborígines pela iúca, trouxeram seus próprios ingredientes, criaram seus guisados. Alguns deles se tornaram emblemáticos, como o Mouros e cristãos. Com este nome, dificilmente alguém desconfiaria de sua origem africana. Já com a denominação cubana, arroz congrí- uma variante das provindas orientais -, a situação muda de figura. Feijão-preto ou feijão-vermelho guisados com arroz, pimentão, cebola e um pedaço de carne de porco compõem este sugestivo prato.

A influência africana também se faz presente nos tostones -banana-verde cortada em rodelas, prensada e frita - ou no fufú - espécie de purê feito também com bananas-verdes. Melhor seria dizer que a África se revela nas muitas receitas que têm a banana como ingrediente - das mais simples às mais originais, como a sopa de banana-verde.

A cozinha africana é o destaque de muitas das cerimônias que giram em torno da santería (candomblé) , nas oferendas de guisados e outros produtos.

Ainda que aparentemente a influência da China não seja tanta, não se pode menosprezá-la. Com os milhares de restaurantes que se abrem na ilha, cresce seu papel no processo de mestiçagem culinária, com a adoção de técnicas e ingredientes próprios do continente asiático.

A culinária

Apesar de a cozinha cubana acolher tantas influências, como se viu até agora, ela também tem suas preferências. Para começar, percebe-se uma absoluta devoção pela carne de porco. Vem sempre acompanhada de arroz, feijões e uma longa lista de produtos "imprescindíveis", sem os quais o porco, o arroz e os feijões perderiam a graça.

Se lançarmos um olhar atento à cozinha cubana, logo perceberemos que seus grandes destaques são as guarnições - elas cumprem o papel de acompanhamentos de luxo para os pratos. Encontramos, assim, a rusticidade das bananas-verdes, a doçura das batatas-doces, a surpresa que guarda cada grão de milho, o sabor original da iúca, a textura tenra e delicada da batata. Sem esquecer a carne de porco, complemento imprescindível de todos os pratos, bem como o arroz e os feijões, companheiros de viagem de metade da culinária desta terra.

Há quem vá ainda mais longe, afirmando que a culinária cubana é como um grande refogado feito com cebola, alho, pimentão e tomate. E não deixam de ter razão. Conforme se verá nas páginas seguintes, estes quatro ingredientes, com uma aura quase mágica, estão presentes em praticamente todas as receitas.

As frutas completam o cardápio do mundo vegetal. Além daquelas próprias dos climas tropicais, como o coco, o abacaxi, a goiaba, a papaia, a graviola, o maracujá ou o abacate, encontram-se também a laranja, a toranja, os figos, as uvas-passas. Com seu frescor e sabores diferentes, dão um toque todo especial a pratos de carne e peixe, mas, principalmente, revolucionam os sabores da confeitaria recém-chegada do utro lado do Atlântico. O coquimol, o farangollo, os ossos de santo, os doces de ovos, leite e açúcar, os pudins transformam-se. Outros, como o boniatillo (doce de batata-doce ), o manjar cubano e a torta de abóbora, surgem sob a inspiração de produtos da região.

Na terra da cana-de-açúcar, percebe-se uma verdadeira paixão pela confeitaria. Isto se revela na valorização de produtos nascidos da própria cana, como o a caldo-de-cana ou o melaço.

Falta ainda falar do mar. Rodeada por águas de extraordinária riqueza, esta ilha conta com várias espécies. Oferece da lagosta, verdadeira rainha dos mares do Caribe - ainda que menor que a das águas frias do outro lado do Atlântico - ,aos crustáceos de peso, como o camarão e o camarão-tigre. Destacam-se ainda o cherne, a carne branca delicada do pargo; o sabor mais intenso da corvina; a carne gelatinosa da gigantesca e temida moréia; ãtuns, cavalas e outras espécies que encantam alguns pratos da culinária cubana. Se não são muitas, são o bastante para uma cozinha que sempre manteve certa distância em relação aos peixes.

Texto de Ignacio Medina extraido do livro "Cuba" volume 15 da coleção Cozinha País a País publicado pela Folha de S. Paulo, 2007, excertos pp.07-11. Digitado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

No comments:

Post a Comment

Thanks for your comments...