5.25.2017

A NOVA POLÍTICA ECONÔMICA NO BRASIL NO SÉCULO XVIII


Graças às riquezas do Brasil, muitos jovens da elite colonial puderam estudar na Europa e ali conhecer as novas idéias que estremeceriam as monarquias e acabariam por destruir o sistema colonial. Essas mesmas riquezas, contudo, levaram Portugal a estreitar a vigilância sobre sua mais valiosa possessão. Assim, após a queda de Pombal (1777), tomou-se a principal preocupação da Coroa evitar que seus súditos •de além-mar negociassem diretamente com outros países — pelo contrabando —, rompendo o precioso monopólio que ainda lhe permitia desfrutar de uma posição de prestígio entre as nações.

O contrabando era então praticado, às claras, sobretudo pelos ingleses, que, em Londres, anunciavam a saída de seus navios para o Brasil como se estivessem agindo dentro da lei. Nos portos brasileiros, sob as vistas de funcionários corruptos, desembarcavam calmamente sua mercadoria, lotavam os porões com produtos da terra e voltavam incólumes à Europa.

Em 1778, a Coroa procurou resolver a situação, orientando seus funcionários no sentido de bloquear as negociações ilegais. Medidas mais enérgicas foram tomadas em 1785, quando um alvará régio concedeu poderes aos governadores e juízes para prender contrabandistas em qualquer parte do território brasileiro, e mesmo fora de sua jurisdição.

A supressão dos monopólios

O contrabando não era o único obstáculo ao pleno desenvolvimento do programa comercial elaborado pela Metrópole em relação à sua rica Colônia. As companhias de comércio criadas por Pombal representavam também um sério entrave, pois detinham o monopólio do tráfico de escravos e dos produtos da região Norte e de boa parte do Nordeste. Em 1778, o prazo de vinte anos concedido à Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão chegava ao final; em 1780, expirava o contrato da Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba. Era o que a Coroa esperava para suprimi-las. Com o mesmo espírito, retirou também de particulares os monopólios do sal e da pesca da baleia. Teve início então uma época de certo liberalismo econômico, cujo objetivo era estimular a produção colonial. Na vanguarda dessas medidas colocavam-se os ilustrados luso- brasileiros, como D. Azeredo Coutinho, bispo de Olinda, fortemente influenciado pelas novas doutrinas econômicas. Para eles, tratava- se de promover o desenvolvimento das forças produtivas, libertando-as das limitações* impostas pelos monopólios.

Por trás dessa nova política econômica havia um fato concreto: o ouro do Brasil estava no fim e Portugal precisava estimular outros ramos da economia colonial.

A prosperidade da Colônia

A agricultura brasileira tinha vivido um período negro na primeira metade do século XVIII. Para isso haviam contribuído o ouro das Minas Gerais e o açúcar das Antilhas: o primeiro, recém-descoberto, atraía para a região Centro-Oeste quase todos os esforços da Colônia; o segundo, produzido em larga escala, forçara uma queda de preços no mercado internacional. Com o esgotamento do ouro, no final do século XVIII, houve uma corrida de volta à lavoura, favorecida pela abundante mão-de- obra escrava, que a decadência da mineração colocava em disponibilidade.

Tudo se planta, tudo se vende

A partir do marquês de Lavradio (1769-1779), o esforço dos vice-reis do Brasil orienta-se no sentido de diversificar a produção da Colônia, particularmente no setor agrícola. O programa revela a influência do pensamento fisiocrático, que via na agricultura a única fonte real de riqueza.

Para incrementar o cultivo do fumo, Lavradio chamou especialistas de várias regiões e en- carregou-os de ensinar aos lavradores locais “o modo de plantar, e colher, e de secar e enrolar” o produto. Paralelamente, o arroz, cultivado no Maranhão, Pará e Rio de Janeiro, recebia incentivo direto da Metrópole, que o isentou de impostos por dez anos. Estimulado pela Revolução Industrial européia, o algodão passou a ser plantado em áreas cada vez mais extensas, e o café, introduzido no Pará em 1727 pelo sargento Francisco de Melo Palheta, começou a dar os primeiros frutos.

O açúcar e as atividades extrativas

Quanto à produção açucareira, a conjuntura de fins do século era inteiramente favorável ao Brasil. Na ilha de São Domingos (Haiti), os negros rebelavam-se contra a dominação francesa e a agitação propagava-se rapidamente para as colônias inglesas do Caribe, desorganizando a agroindústria açucareira nas Antilhas. O produto brasileiro tornou-se, então, novamente decisivo para o abastecimento da Europa. Com a recuperação dos preços internacionais, Portugal voltou a estimular o cultivo da cana, principalmente no Recôncavo Baiano.

Ao mesmo tempo, a extração de cacau na floresta amazônica recebia grande impulso graças à difusão do consumo de chocolate, sob forma de bebida. A mesma floresta fornecia ainda cravo, pimenta e outras especiarias tropicais, que deliciavam o paladar dos europeus. No vasto litoral brasileiro, a pesca da baleia era intensivamente praticada no trecho compreendido entre Bahia e Santa Catarina, enquanto as salinas se desenvolviam em vários pontos entre Maranhão e Rio de Janeiro.

As exigências do mercado determinaram uma diversificação mais ampla da economia colonial. Particularmente beneficiados foram a madeira da mata atlântica, cada vez mais procurada pelos construtores de navios, e o couro da região Sul, usado na confecção de calçados e outros artigos. A indústria da pólvora, instalada pela Coroa em Vila Rica e no Rio de Janeiro, estimulou a exploração do salitre, na Bahia e em Minas Gerais.

O comércio brasileiro

O tema exportação, tantas vezes discutido por governantes e economistas brasileiros da atualidade, está profundamente enraizado na formação histórica do país. A, colonização do Brasil foi, antes de tudo, um empreendimento de exportadores, pois a razão de ser da Colônia era fornecer gêneros tropicais e metais preciosos para o mercado internacional. Por isso, falar do comércio brasileiro no fim do século XVIII é falar sobretudo de exportação.



Exportação e monopólio

Esse comércio, dirigido e canalizado pela Metrópole, abrangia um monopólio total de 125 produtos, 56 dos quais Portugal reexportava para outros países — o que representava 2/3 de suas vendas externas. O terço restante constituía-se basicamente de vinhos e azeites, produzidos em Portugal e exportados para outros países da Europa, e de tecidos, utensílios domésticos e ferramentas manufaturados no Reino e vendidos ao Brasil, principal mercado fornecedor e consumidor da Metrópole.

Foi em função disso que as grandes cidades brasileiras — excetuando-se as mineiras — desenvolveram-se a partir de portos de exportação: Rio de Janeiro, Salvador, Recife, São Luís, Belém. O intercâmbio entre essas cidades, através da navegação costeira, representava boa parte do inexpressivo comércio interno.



Transações com vizinhos

As atividades mercantis da Colônia não se limitavam, contudo, ao intercâmbio com a Metrópole. No Norte, servindo-se dos rios Amazonas e Negro, desenvolvia-se um pequeno comércio com o Peru e a Colômbia. No Sul, mercadores e contrabandistas transportavam suas cargas — geralmente mulas e burros da região platina —, navegando pelo rio da Prata, ou cruzando o vasto pampa. No Mato Grosso, os garimpeiros costumavam adquirir, nas antigas missões jesuíticas da Bolívia, os cavalos de que necessitavam.

As transações comerciais internas resumiam- se no fornecimento de alimentos — sobretudo de carne — aos grandes centros urbanos do litoral. As comunidades do interior — como São Paulo, por exemplo — eram, em geral, auto-suficientes, produzindo os gêneros necessários à sua sobrevivência. As únicas exceções correspondiam às áreas de mineração, onde a busca de ouro e diamante não deixava tempo para a agricultura ou pecuária. Suas necessidades básicas eram supridas pelo gado proveniente do Rio Grande do Sul e da região sertaneja do rio São Francisco. Principal produto do mercado interno, o gado foi responsável pela formação de todo um sistema de comunicações terrestres, ligando as mais remotas regiões.

A população colonial

Assim como haviam sido a pecuária no século XVII e a mineração na primeira metade do século XVIII, a agricultura foi um importante fator de crescimento da população brasileira no fim do período colonial.

Em meados do século XVII, havia na Colônia cerca de 150 000 habitantes, entre brancos (50 000), negros e mestiços (menos de 100 000). Por volta de 1770, esse número chegava a 1,5 milhão — ou seja, aumentava na proporção de aproximadamente 10% ao ano. No mesmo período, a população da América espanhola não chegou a duplicar-se, e a da América inglesa, que em 1620 era de menos de 1 milhão, alcançava 2 milhões. Assim, em termos relativos, a maior taxa de crescimento demográfico do continente era apresentada pelo Brasil. No entanto, convém não esquecer que mais da metade desse contingente era constituída por escravos, e grande parte se compunha de mestiços, sendo, portanto, relativamente reduzido o número de brancos.

A distribuição dessa gente no vasto território brasileiro era bastante irregular. Desde a foz do rio Amazonas até os confins do Rio Grande do Sul, havia, certamente, numerosos núcleos urbanos, de maior ou menor importância. A grande concentração demográfica, porém, encontrava-se no litoral, nos chamados pólos de ocupação econômica: Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro, Pará e Maranhão, onde se cultivavam os principais produtos de exportação da Colônia no final do século XVIII.

Para o interior, o povoamento era ainda mais irregular, ocasionando “manchas demográficas”, ou seja, núcleos isolados em grandes extensões do território. Na região Centro-Sul, algumas dessas “manchas” eram formadas pelas cidades de Goiás e Cuiabá, a oeste, São Paulo, a leste, e pelas estâncias do pampa gaúcho, ao sul. A única concentração significativa achava-se em Minas Gerais.

Grandes centros urbanos

Com seus 300 000 habitantes, a capitania de Minas Gerais era, na segunda metade do . século XVIII, a mais populosa da Colônia. Em sua principal cidade, Vila Rica, viviam então cerca de 30 000 pessoas; contudo, o número de forasteiros que a visitava era tão grande que alguns autores avaliam sua população em até 100 000 almas.

A Bahia era a segunda capitania da Colônia, com 289 000 habitantes; em seguida, vinham Pernambuco (240 000), Rio de Janeiro (216 000) e São Paulo (117 000). Essas capitanias, somadas a Minas Gerais, reuniam cerca de 75% do total da população brasileira.

Depois de Salvador, o Rio de Janeiro era a cidade mais importante do Brasil — e a terceira do Império Português. Em 1780, habitavam- na aproximadamente 51 000 pessoas, que para lá acorreram em função do ouro: era do porto do Rio de Janeiro que partiam para a Corte os navios carregados com as riquezas de Minas Gerais. Mesmo depois da decadência da mineração, a cidade continuou a crescer, transformando-se na capital dos vice-reis.

A gente das cidades

No início da colonização, a sociedade brasileira resumia-se a escravos e senhores. Com a urbanização, porém, as relações sociais tomaram-se mais complexas e variadas, tendo surgido grupos de homens livres não comprometidos com a propriedade escravista. Com a exploração do ouro e as atividades comerciais, muitas pessoas começaram a subir na vida rapidamente: era a burguesia urbana, para a qual a propriedade da terra já não era tão importante quanto havia sido para a aristocracia rural. Ao seu lado, surgiam grupos de classe média, compostos pelos funcionários administrativos e por pessoas que ganhavam a vida exercendo atividades ligadas ao comércio e às chamadas “profissões liberais”.

A vida tomava-se mais dinâmica, gerando profundas modificações na forma de pensar e no comportamento de cada um. Assim é que, na virada do século, a prosperidade da Colônia, o aumento da população e as transformações sociais já colocavam as bases para os futuros movimentos de emancipação política.

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A Revolução Industrial e o algodão brasileiro

A Revolução Industrial, que transformou radicalmente a Europa, teve seu ponto de partida nos grandes progressos técnicos alcançados na segunda metade do século XVIII. Quando, em 1769, James Watt inventou a máquina a vapor, a indústria têxtil britânica já havia começado a aperfeiçoar-se, com o surgimento da laçadeira volante e da máquina de fiar. Mas foi a força motriz da invenção de Watt que tomou possível o aparecimento do tear mecânico, em 1787, graças ao qual a produção fabril alcançou um ritmo até então desconhecido. Com o emprego dessas novas máquinas, os tecidos ingleses tomaram-se mais baratos e, produzidos em enorme quantidade, conquistaram o mundo. Antes disso os tecelões europeus utilizavam basicamente fibras de produção local, como o linho e a lã. Mas, com o advento da grande tecelagem, o algodão revelou-se inigualável como matéria-prima e sua procura passou a crescer vertiginosamente.

Planta nativa da América, o algodoeiro era cultivado em pequena escala, no Brasil, para a produção de panos grossos, destinados à sacaria e à vestimenta dos escravos; a partir do momento em que as tecelagens da Europa começaram a procurá-lo em grande quantidade, seu cultivo espalhou-se por todo o Brasil. O Maranhão saiu à frente, dedicando grandes extensões de terra à cultura algodoeira. Logo foi ultrapassado pela produção da Bahia e Pernambuco. O Pará chegou a produzi-lo e, no extremo sul, a planta adaptou-se bem ao solo do Paraná. Penetrando pelo interior, espalhou-se pelo sertão da Bahia, norte de Minas e chegou a Goiás. Na virada do século XVIII, o país inteiro plantava algodão, produto que só era superado pelo açúcar. No decorrer do século XIX, no entanto, a concorrência da produção norte-americana frearia esse impulso, restringindo a área de cultivo algodoeiro no Brasil.

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A indústria colonial

O renascimento econômico do Brasil no fim do período colonial não se baseou apenas na agricultura e nas atividades extrativas, mas também na pequena indústria. Sobte isso fala Caio Prado Jr., em sua Htstóna Econômica do BrasL “Pequenas indústrias indispensáveis, bem como outras que constituem especialidades locais, disseminam-se pela colônia. São, entre elas, as olanas para a fabricação de telhas e as oneras piara a preparação da cal.

(...) A cerâmica é largamente disseminada. (...) Os curtumes se disseminam nas regiões ou centros de grande comércio de gado: Rio Grande do Sul, Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro. Acrescentem-se a esta lista de indústrias algumas manufaturas de cordoaria, como as do alto Amazonas, onde se emprega na fabricação a fibra da piaçabeira, considerada mais resistente que o cânhamo; os cabos e cordas aí produzidos se empregavam nos arsenais de Belém, e se exportavam mesmo em pequena quantidade para o exterior.

A lista poderia ser alongada; mas o que aí está serve para dar uma idéia do caráter da indústria colonial em princípios do século passado. Destaquemos dois setores mais importantes: as manufaturas têxteis e do ferro. Em ambas a colônia contava com matéria-prima abundante e um mercado local relativamente grande. (...)

Mas seu progresso não será de longa duração. Temendo por motivos políticos o desenvolvimento da indústria colonial, e alarmada também com a concorrência que iria fazer ao comércio do Reino, a metrópole manda extinguir em 1785 todas as manufaturas têxteis da colônia com exceção apenas das de panos grossos de algodão que serviam para vestimenta dos escravos ou se empregavam em sacaria. (...) Quanto à indústria do ferro, (...) foi, entretanto, mais feliz que a manufatura de tecidos e beneficiou-se antes desta margem de liberalismo e maior clarividência nos assuntos coloniais, que começa a soprar na metrópole desde os últimos anos do séc. XVIII. Já em 1795 permite-se francamente o estabelecimento das manufaturas de ferro”.

Publicado em "Saga: Grande História do Brasil" vol.2, Colonia 1640/1808, editor Victor Civita, Abril Cultural,São Paulo, 1981, excertos pp.216-223. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

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