6.01.2017

A ARTE CULINÁRIA NA BAHIA (ESCRITO EM 1922)


DOS ALIMENTOS PURAMENTE AFRICANOS

São estes os principais alimentos de que o africano fazia abundantemente uso, entre nós, e são, hoje em dia, preparados pelos seus descendentes, com a mesma perfeição.

Acaçá

Deita-se o milho com água em vaso bem limpo, isento de quaisquer resíduos, até que se lhe altere a consistência. Nestas condições, rala-se na pedra, passa-se numa peneira ou urupema e, ao cabo de algum tempo, a massa fina adere ao fundo do vaso, pois, nesse processo, se faz uso de água para facilitar a operação.

Escoa-se a água, deita-se a massa no fogo com outra água, até cozinhar em ponto grosso.

Depois, com uma colher de madeira, com que é revolvida no fogo, retiram-se pequenas porções que são envolvidas em folhas de bananeira, depois de ligeiramente aquecidas ao fogo.

Acarajé

A principal substância empregada é o feijão fradinho, depositado em água fria até que facilite a retirada do envoltório exterior, sendo o fruto ralado na pedra.

Isto posto, revolve-se a massa com uma colher de madeira, e, quando a massa toma a forma de pasta, adicionam-se-lhe, como temperos, a cebola e o sal ralados.

Depois de bem aquecida uma frigideira de barro, aí se derrama certa quantidade de azeite de cheiro, (azeite de dendê), e, com a colher de madeira vão-se deitando pequenos nacos da massa, e com um ponteiro ou garfo são rolados na frigideira até cozer a massa. O azeite é renovado todas as vezes que é absorvido pela massa, a qual toma exteriormente a cor do azeite. Ao acarajé acompanha um molho, preparado com pimenta malagueta seca, cebola e camarões, moído tudo isso na pedra e frigido em azeite de cheiro, em outro vaso de barro.

Arroz de Aussá

Cozido o arroz n'água sem sal, mexe-se com a colher de madeira até que se torne delido, formando um só corpo e, em seguida, adiciona-se um pouco de pó de arroz para assegurar a consistência.

Prepara-se, depois, o molho em que entram como substâncias a pimenta malagueta seca, cebola e camarões, tudo ralado na pedra.

Leva-se o molho ao fogo com azeite de cheiro e um pouco d'água, até que esta se evapore.

Como complemento ao arroz d'aussá, o africano frigia pequenos pedaços de carne de charque que eram espalhados sobre o arroz juntamente com o molho.

Efó

Corta-se a folha conhecida vulgarmente por língua de vaca ou a mostarda e deita-se ao fogo a ferver com pouca água. Isto feito, escoa-se a água, espreme-se a massa daí resultante e coloca-se de novo na mesma vasilha com cebola, sal, camarões, pimenta malagueta seca, tudo ralado conjuntamente na pedra e, finalmente, o azeite de cheiro.

Prepara-se também o efó com peixe assado, ou com garoupa, caso em que esta é cozida à parte.

Ainda mais : como o peixe é assado sem sal, ralam-se os respectivos temperos, em quantidade suficiente e leva-se tudo ao fogo. O africano empregava ainda a folha de taioba no preparo do efó.

Caruru

Em seu preparo observa-se o mesmo processo do efó, podendo ser feito de quiabos, mostarda ou de taioba, ou de oió, ou de outras gramíneas que a isso se prestem, como sejam as folhas dos arbustos conhecidos nesta Capital, por unha de gato, bertália, bredo de Santo Antônio, Capeba, etc. às quais se adicionam a garoupa, o peixe assado ou a carne de charque e um pouco d'água que se não deixa secar ao fogo. O caruru é ingerido com  acaçá ou farinha de mandioca.

Ecuru

Preparado o feijão fradinho, como se fez com o acarajé, coloca-se pequena quantidade em folha de bananeira, à maneira do acaçá, e cozinha-se em banho-maria, isto é, sobre gravetos colocados no interior de uma panela com água.

Depois de pronta, a massa é diluída em mel de abelhas ou num pouco de azeite de cheiro com sal.

É uma verdadeira farófia.

Xim-xim

Morta a galinha, depena-se, lava-se bem, depois de retirados os intestinos e corta-se em pequenos pedaços.

Deitam-se na vasilha ou panela para cozinhar com sal, alho e cebola ralados.

Logo que a galinha estiver cozida, adicionam-se camarões secos em quantidade, sal, se for preciso, cebola, sementes ou pevidés de abóbora ou melancia, tudo ralado na pedra, e o azeite de dendê.

Bolas de Inhame

Despido da casca, lava-se o inhame com limão e coze-se com pouco sal. Em seguida é pisado em pilão e da massa se formam bolas grandes que são servidas com caruru ou efó.

Bobó de Inhame

Corta-se o inhame em pequenos pedaços, leva-se ao fogo com água e finalmente tempera-se como o efó.

Feijão de azeite (humulucu)

Cozido o feijão fradinho, tempera-se com cebola, sal, alguns camarões, sendo todas estas substâncias raladas na pedra, adicionando-se, ao mesmo tempo, o azeite de cheiro.

A iguaria só é retirada do fogo depois de cozidos os temperos.

Aluá

O milho demorado n'água, depois de três dias, dá a esta um sabor acre, de azedume, pela fermentação. Coa-se a água, adicionam-se pedaços de rapadura e, diluída esta, tem-se bebida agradável e refrigerante.

Pelo mesmo processo se prepara o alua ou aruá da casca do abacaxi.

Dengué

É o milho branco cozido, ao qual se junta um pouco de açúcar.

Ebó

É preparado com milho branco pilado. Depois de cozido, certas tribos africanas adicionavam-lhe azeite de cheiro e outras o ouri.

Outro processo: misturam-se o milho e o feijão fradinho torrado e, com um pouco d'água, deitam-se a ferver ; depois, juntam-se sal e azeite de cheiro.

Latipá ou amori

Era feito com folhas inteiras da mostardeira, as quais, depois de fervidas, temperavam como o efó e deitavam a frigir no azeite de cheiro.

Abará

Põe-se o feijão fradinho em vaso com água até que permita desprendê-lo da casca, e depois de ralado na pedra com cebola e sal, junta-se um pouco de azeite de cheiro, revolvendo-se tudo com uma colher de madeira.

Finalmente, envolvem-se pequenas quantidades em folhas de bananeira, como se faz com o acaçá, e coze-se a banho-maria.

Aberém

Prepara-se o milho como se fora para o acaçá e dele se fazem umas bolas semelhantes às de bilhar, que são envolvidas em folhas secas de bananeira, aproveitando-se a fibra que se retira do tronco para atar o aberém.

É servido com caruru e também com mel de abelhas. Dissolvido n'água com açúcar, é excelente refrigerante.

Havia ainda o aberém preparado com açúcar, cujas bolas, do tamanho de um limão, eram ingeridas sem outro qualquer elemento adocicado.

Massa

Rala-se o arroz, cozinha-se, e formam-se pequenas bolas que se envolvem em polvilho de arroz. São também refrigerantes, dissolvidas em água com açúcar.

O preto muçulmano, porém, frigia essas bolas de arroz no azeite de cheiro, ou no mel de abelhas, constituindo essa iguaria verdadeira preciosidade, em suas cerimônias religiosas.

Ipetê

O inhame descascado, cortado miúdo, fervido até perder a consistência, é temperado com azeite de cheiro, camarões, cebola e pimenta, estes últimos ralados na pedra.

Ado

É o milho torrado reduzido a pó e temperado com azeite de cheiro, podendo-se-lhe juntar o mel de abelhas.

Olubó

Descascada e cortada a raiz da mandioca, em fatias muito delgadas, são estas postas a secar ao sol.

Na ocasião precisa, são essas fatias levadas ao pilão, e aí trituradas e passadas em peneira ou urupema. A água a ferver, derramada sobre o pó, produz o olubó, que é uma espécie de pirão.

Eguedé

E' a banana denominada da terra frita no azeite de cheiro.

Efún-oguedê

Prepara-se com a banana de São Tomé, não amadurecida de todo, descascada, cortada em fatias e deitada ao sol para secar.

Dias depois pisa-se, no pilão, passi-se na peneira e obtém-se a farinha chamada — efun--oguedé.

Eran-paterê

É um naco de carne verde, bem fresca, salgada e frita no azeite de cheiro.

Os africanos ainda condimentavam as suas refeições com o ataré (pimenta da Costa), em quantidade muito reduzida: com o iru, fava de um centímetro de diâmetro, usada em quantidade diminuta; com o pejerecum ou bejerecum, outra fava de quatro centímetros de comprimento por dez milímetros de espessura, empregada no tempero do caruru; com o ierê, semente semelhante à do coentro e usada como tempero do caruru, do peixe e da galinha.

Faziam ainda os africanos largo emprego do egussi (pevide de abóbora ou melancia) no condimento de certas iguarias.

O africano, em geral, era sóbrio no uso de bebidas alcoólicas; não se davam ao vício da embriaguez, mas do dendezeiro extraíam generoso vinho.

Para esse fim, na parte superior do tronco dessa palmeira, faziam uma incisão e colocavam um pedaço de bambu para servir de escoadouro da seiva. Ao líquido que caía em uma cabaça aí amarrada, davam o nome de vinho de dendê.

Posteriormente, na Bahia, foi o vinho posto a fermentar e filtrado antes de engarrafado, e isso lhe imprimia certa potência alcoólica e característica, sem embargo do paladar agradável e saboroso.

DE ALGUMAS NOÇÕES DO SISTEMA ALIMENTAR DA BAHIA

Como deixei entrever acima, proveio a cozinha baiana do regime alimentar português, alterado e melhorado pelo africano.

Somente o cozinheiro baiano possui o segredo de tornar uma refeição saborosa e, por isto, de fácil ingestão.

Nesta resenha, me referirei a alguns dos principais alimentos, propriamente baianos, e que, noutros Estados, são barbaramente adulterados

Feijão de leite

Coze-se o feijão mulatinho ou o feijão preto, pisa-se ou mói-se no pilão para desprender o fruto da película que o envolve. Neste processo preliminar, caso se queira desprezar a película ou casca, é preciso passar o feijão pisado na urupema como se usa em certas cozinhas, principalmente pela indigestibilidade da película do feijão. Os hepáticos não devem ingerir o feijão de outra forma.

Em seguida, adicionam-se quantidade suficiente de leite de coco para dissolver a massa, um pouco de sal e açúcar e, finalmente, leva-se ao fogo até tomar ponto. O feijão de leite misturado com farinha é servido, na Bahia, com bacalhau (cozido, assado ou ensopado), garoupa ou outra qualquer espécie de peixe.

Moqueca de peixe fresco

Escama-se o peixe, retiram-se os intestinos e depois de bem lavado com bastante limão e água vão-se depositando as postas em frigideira. Prepara-se depois o molho, composto de sal, pimenta malagueta, coentro, limão (de preferência ao vinagrei tomate e cebola, moído tudo em um prato, molho este derramado sobre as postas do peixe.

Antes de levar a frigideira ao fogo para cozer o peixe, deita-se o azeite de oliveira ou o azeite de cheiro, conforme o paladar ou o gosto de cada domicílio, sendo preferido o emprego de ambos estes óleos.

Moqueca de xaréu

Escamado o peixe e bem lavado com limão e água, tem-se o cuidado de tirar os vermes brancos que se criam no lombo e na cabeça, principalmente se o xaréu está gordo.

Estes vermes variam de extensão e espessura e, se não forem extraídos, imprimem à moqueca sabor adocicado.

Concluído este processo preliminar, são as postas conservadas na água, com limão espremido, até perder todo o sangue.

Durante esta infusão prepara-se o mesmo molho da moqueca de peixe fresco, sendo que o azeite de oliveira deverá ser preferido ao de cheiro ou de dendê.

Finalmente, são as postas de xaréu depositadas na frigideira com o molho e levadas ao fogo.

O xaréu de escaldado obedece ao mesmo sistema dos outros peixes simplesmente cozidos.

Variada é a coleção de peixes que são colhidos em redes, anzóis, munzuás e camboas na baía de Todos os Santos, fora da barra do porto e no mar alto, caso em que os pescadores se utilizam de jangadas e grandes saveiros.

Entre os peixes mais saborosos destacam-se pampo da espinha mole, cioba gorda, cavala, curimã, pescada, olho de boi, bicuda, tainha, corvina, taoca, vermelho e outros de preço inferior.

Entre os mariscos contam-se o camarão, ostra, lagostim, polvo, caranguejo, siri e outros.

Moqueca de ovos

Prepara-se primeiramente o molho como se fora para a moqueca de peixe fresco, e junta-se pouca quantidade de água, a fim de que sejam fervidos os temperos na frigideira.

Manifestada a ebulição partem-se os ovos sobre o molho e cobre-se a frigideira para apressar o cozimento da moqueca.

Escaldado de peixe fresco

Escamado e tratado o peixe fresco, pelo processo já exposto acima, passam-se sal e alho. Prepara-se então o caldo, deitando água no fogo, com azeite doce, tomate, cebola, coentro, mais um pouco de sal, jilós, quiabos e ovos inteiros, se quiser. Quando o caldo estiver a ferver então, e só então, deita-se o peixe.

Existem ainda os escaldados do peixe assado e do peixe frigido em azeite de oliveira, forma esta mais apreciada pelos pala dares exigentes.

O processo ou preparo é o mesmo do escaldado de peixe fresco.

— Já o escaldado de garoupa, peixe que abunda nos Abrolhos, ao sul do Estado da Bahia, exige maior cuidado do cozinheiro. Coloca-se, de véspera, o peixe em água fria para diminuir a quantidade de sal que o conserva.

No dia seguinte, imerge-se-o em água fervente, ocasião em que é escamado e tratado, retirando-se do lombo uns vermes que aí se localizam embora não comprometam eles o paladar de quem os ingere. E' questão de limpeza.

Lava-se depois a garoupa com limão e em água fria, despindo-a de quaisquer apêndices desnecessários.

Em seguida, prepara-se o mesmo caldo do escaldado de peixe fresco, adicionando-se leite de coco, para tornar a garoupa mais saborosa, isto se quiserem.

— Não menos meticuloso é o escaldado de caranguejos vivos. Antes de tudo são lavados em água fria, com pequena vassoura de piaçava, para limpá-los da lama de mangue em que viveram. Isto posto, com uma faca afiada se retiram os pelos dos tentáculos e finalmente são lavados em nova água. Depois, deita-se água no fogo, com sal, e quando surgir a ebulição desprendem-se os caranguejos da corda que os amarra e se os deitam, ainda vivos, na panela. Cozidos que estejam, são retirados do vaso e em seguida preparado o caldo, como ficou dito acima, relativamente ao escaldado de peixe fresco.

Do caldo se faz então o angu ou pirão de farinha de mandioca. Nem todos sabem ingerir o caranguejo de escaldado pela dificuldade em separar o marisco dos diversos ossos que o compõem.

Frigideira de camarões

Coloca-se o camarão seco num vaso com água quente para facilitar o desprendimento das escamas, e põe-se o bacalhau a ferver. Retirado este do fogo, cata-se, isto é, tiram-se as espinhas, pele, e pisa-se no pilão, como se pratica depois com os camarões.

Isto posto, misturam-se as duas substâncias assim trituradas com os seguintes temperos: cebola, pimenta do reino em pó, alho, tomate, coentro, vinagre, leite grosso de coco e azeite doce. Os temperos são machucados num prato, à parte, e depois é que são adicionados e revolvidos com a massa do camarão e bacalhau.

Leva-se tudo ao fogo numa frigideira para ferver até secar a parte líquida.

Batem-se os ovos, cuja quantidade depende da grandeza da frigideira, e a eles se acrescenta uma colher de farinha de trigo, depois de batidos.

Parte dos ovos assim batidos é misturada com a massa da frigideira, já temperada e esta é nivelada com uma colher grande para receber, em seguida, rodas de cebola, com uma azeitona no centro de cada uma, e finalmente despeja-se a outra parte dos ovos batidos, e leva-se ao forno, para corar. Em falta de forno, deitam-se brasas em uma bandeja de folha-de-flandres e com ela cobre-se a frigideira para tomar cor e, para que o calor sobre a parte superior não diminua a espessura da frigideira, convém que seja ela colocada sobre fogo muito brando, enquanto mantém a temperatura na parte inferior No caso de ser o bacalhau substituído pelo lagostim, passa este pelo mesmo processo daquele.

Na frigideira da castanha verde do caju, esta substitui o bacalhau. Para esse fim, retira-se a amêndoa da castanha, ferve-se para desprendê-la da película que a envolve e machuca-se para misturá-la com o camarão pisado. Em tudo o mais se observa o processo da frigideira de camarões.

Outra frigideira, muito apreciada, é a do palmito do dendezeiro, cortado em pedaços miúdos e levados ao fogo até se tornar de fácil diluição e cuja massa é misturada com o camarão pisado.

Peixe sem espinha

Depois de tratado como ficou exposto acima, com uma faca afiada, abre-se o ventre do peixe e retira-se a espinha dorsal; depois disso enche-se o espaço vazio com os mesmos temperos da frigideira de camarões. Isto feito, cose-se o ventre do peixe com alguns pontos de linha fina e coloca-se-o numa assadeira com azeite doce e leva-se ao forno para cozinhar.

Empadas de camarões

Prepara-se a massa de farinha de trigo em um pouco d'água, sal, azeite doce e açafrão (urucu) para dar cor. Depois de bem batida a massa, deita-se numa tábua bem limpa, e é estendida com um rolo até torná-la bem delgada.

Isto feito, corta-se a massa de acordo com o tamanho da forma, na qual é estendida e enche-se de camarões ensopados ou peixe do mesmo modo, com cebola e azeitonas. Corta-se uma parte da massa em forma de círculo, que é a tampa; fazem-se uns bicões em redor e fecha-se a empada.

No centro da tampa coloca-se uma azeitona para enfeite.

Deita-se finalmente na forma para assar.

Arroz de forno

O arroz é bem lavado e despejado em caldo de carne gorda, e este, ao ferver, é temperado com cebola, tomate ou melhor, massa de tomates, vinagre, pimenta do reino e cominho, tudo isso moído ou ralado em prato fundo comum, juntando-se também manteiga de vaca e banha de porco. Cozido o arroz é despejado em um prato grande, redondo, e depois de bem acertado com uma colher, para torná-lo bem alto, e dar-lhe a forma de semicírculo, deitam-se rodas do chouriço português e azeitonas, indo, afinal, ao forno para corar.

Mocotó

É uma das refeições mais apreciadas pelo povo baiano e ainda pela classe abastada.

Para isso aproveitam-se a unha, o beiço, o fato ou intestinos do boi, exceto o rim, o fígado e o coração. Os intestinos são lavados cuidadosamente com limão e água, e depois, partidos em pedaços. Com uma faca afiada limpa-se, ou melhor, descasca-se o beiço e o mesmo se faz à unha, mas de modo que se não retire toda a pele que cobre os ossos. Abre-se a unha ao meio para a lavagem com limão e finalmente é tudo lavado em água pura.

Isto posto, vai o mocotó ao fogo com água, sem nenhum tempero. Depois de bem cozido a fogo forte, moem-se o sal, tomate, cebola, alho, cominho, pimenta do reino e um pouco de vinagre, adicionando-se a isso hortelã e uma folha de louro.

Antes desses temperos, deita-se o toucinho bem lavado e também, se se quiser, a linguiça da terra, ou melhor, o chouriço português.

Convém advertir que o mocotó deverá ser cozido de véspera, pois é sempre servido ao almoço do dia seguinte, quando se lhe deitam os temperos.

Sarapatel

Morto o suíno, é recolhido o sangue que jorra da incisão feita com faca pontiaguda, em um vaso com vinagre ou sal.

Os intestinos são bem lavados com limão e água e depois de aferventados é escorrida a água. O mesmo processo se aplica ao bofe, coração, fígado, rins e língua, conservando-se, porém, o caldo já temperado com sal.

Isto feito corta-se tudo pelo miúdo, mistura-se com o caldo que fica de reserva e leva-se ao fogo, e logo que o sarapatel estiver cozido, despeja-se o sangue. Se o sarapatel for consumido no mesmo dia juntam-se, após o sangue, os temperos, que são os mesmos do mocotó. Em qualquer circunstância, tempera-se o sarapatel pouco entes de ser ingerido.

Peru cheio

Depois de morta a ave é despojada do pescoço, cabeça e pés. Imerge-se n'água a ferver, depena-se. e trata-se à maneira da galinha, sem abri-la: na parte posterior faz-se larga abertura por onde se retiram os intestinos e procede-se à limpeza interior, com limão e água.

Com um garfo é a ave inteiramente pisada e metida depois em salmoura, ou vinho de alhos, composto de vinagre, alho, cominho, pimenta do reino em pó, sal e hortelã. Estas substâncias bem moídas, em prato fundo, são untadas interna e externamente, ficando o peru de infusão, nos temperos, por algumas horas.

Prendem-se as pernas, na parte posterior, frige-se um pouco de farinha de mandioca na manteiga, adicionam-se azeitonas e rodas de chouriço e, depois, enche-se o papo da ave com estas substâncias.

Dão-se pontos cem linha branca no tronco do pescoço e coloca-se o peru em frigideira grande com um pouco de manteiga. Leva-se ao forno, mudando-o sempre de posição até cozer.

Galinha de molho pardo

Antes de dar o golpe no pescoço da ave, deita-se um pouco de vinagre na vasilha que tiver de recolhei o sangue. Depois de imergida em água fervente e depenada é passada em labaredas para despi-la de qualquer penugem, e em seguida é lavada com limão e água e cortada aos pedaços. Tempera-se com sal, vinagre, alho, manteiga, cominho o pimenta do reino em pó, hortelã, cebola, tomate, toucinho e chouriço e leva-se ao fogo para cozer. Isto feito, deita-se o vinagre com sangue, que é o que constitui o molho pardo, e, à proporção que este é despejado, revolve-se a panela com a colher de madeira para que-o sangue não talhe.

Galinha de molho branco

A ave é preparada da mesma forma que a galinha de molho pardo, sendo dispensado o sangue. Os temperos são ainda os mesmos, mas a hortelã é substituída pelo coentro e a manteiga pelo azeite doce. Cozida a galinha e antes de retirá-la do fogo adiciona-se quantidade suficiente de ervilhas.

Feijoada

É condição essencial que o feijão seja novo para que a feijoada se torne apetitosa, preferindo-se o denominado — mulatinho, se bem que outros deem mais valor ao feijão preto.

Isto posto, separam-se os grãos de todos os resíduos estranhos ou danificados pelo gorgulho ou caruncho e finalmente são lavados em água fria.

Enquanto isto se faz, leva-se ao fogo a carne de charque para escaldar e por fim lavada com água e assim limpá-la de qualquer impureza, com o auxílio dá faca de cozinha ou instrumento cortante.

O feijão, a carne de charque, a carne verde ou moqueada e o toucinho são postos ao fogo e depois de tudo bem fervido, adicionam-se linguiça, carne de porco salpresada, que é lavada para retirar o sal, e finalmente moem-se a cebola, pimenta do reino, tomate e alho em um pouco de vinagre e com essa mistura tempera-se a panelada.

Além desses temperos costumam adicionar uma ou meia folha de louro, conforme a quantidade da feijoada. Para torná-la mais agradável ao paladar, ainda se junta a chouriça portuguesa e no ato de retirar a panela do fogo deita-se um pouco do azeite ou graxa que envolve a chouriça do Reino. Se a feijoada é de feijão preto, neste caso, depois de catado, é aferventado, escorrido, e lavado ainda depois com água quente. O mais como ficou explicado acima, em relação ao feijão mulatinho. Pode-se finalmente deitar o feijão em um vaso com água, de véspera, depois de catado, e levá-lo ao forno no dia seguinte. As pessoas que padecem do estômago ou do fígado costumam mandar pisar o feijão, depois de aferventado, e passá-lo na urupema para retirar a casca ou película exterior.

O mesmo regime deverá ser seguido pelas pessoas idosas.

Leitoa assada

Deverá ser nova, isto é, de dois a três meses.

Morto o suíno, trata-se de retirar o pelo com água a ferver, limpando a pele com uma faca. Lavada a leitoa, retiram-se-lhes os intestinos, o ventre do animal com limão e água. Isto posto, cose-se o ventre da leitoa com linha branca e se a deita de infusão em vinha d'alho ou vinho de alhos, constituído dos seguintes temperos: alho, pimenta do reino, cominho, cebola, sal, tudo ralado e quantidade suficiente de vinagre.

Essa operação se faz de véspera, e até o dia seguinte é a leitoa voltada de posição, dentro da vinha d'alho, e nesse ínterim costumam picar o corpo do suíno com um garfo para absorção dos temperos. No dia imediato, é a leitoa levada ao forno para assar, untando-a com um pouco de manteiga de vaca, também chamada de tempero ou manteiga salgada.

Uma vez retirada do forno, duas azeitonas substituirão os olhos do animal, em torno do focinho enrolar-se-á um frocado de papel branco, recortado, para encobrir os dentes. Cumpre reparar que é conveniente aferventar a leitoa em uma concha grande de barro ou outro vaso adequado, isso depois da infusão e antes de ir ao forno, pois acontece muitas vezes que o suíno é assado apenas exteriormente.

Em época anterior, eram os intestinos da leitoa bem lavados com limão e água, cortados em pequenos pedaços, aferventados e novamente introduzidos no ventre do animal, ocasião em que se fazia a costura a linha.

Era a leitoa cheia.

Vatapá de galinha

Morta a galinha, depenada, lavada com limão e água, é partida em pequenos pedaços que são depositados na panela e temperados logo com vinagre, alho, cebola, e sal, tudo moído com o machucador de madeira, em prato fundo. Põe-se a panela ao fogo e quando o conteúdo estiver seco adiciona-se pouca água, a fim de continuar o cozimento.

Enquanto a galinha está a cozer, rala-se o coco, retira-se o leite grosso com muito pouca água e reserva-se. Novamente, deita-se mais água no coco para se ter o leite mais delgado, que é bem misturado com o pó do arroz, principalmente, e derramada essa mistura na panela, revolve-se ou mexe-se constantemente com uma colher grande, de madeira.

Ato contínuo, moem-se os camarões em porção, cebola, pimenta malagueta em pequeno pilão, ou por outro qualquer processo, junta-se diminuta quantidade de água, enquanto se dissolvem essas substâncias e despejam-se na panela, continuando a mexê-la com a colher. Quando a panela estiver a ferver deitam-se o azeite de cheiro e o leite grosso, que ficou de reserva. Tem-se pronto o vatapá de galinha, privativo das mesas elegantes.

O vatapá de garoupa é o mais comum, pois é considerado de maior sabor que o de galinha.

Bem lavada a garoupa com limão é levada ao fogo com pouca água. O mais como ficou exposto acima. A quantidade de garoupa não deverá exceder de meio quilo.

Outras formas há de vatapá : de carne verde, bacalhau, peixe assado ou salgado, ele.

Este último é levado ao fogo juntamente com todos os temperos do vatapá de galinha, exceto o leite grosso e o azeite de cheiro que são deitados na panela, em último lugar.

Maniçoba

Colhe-se certa porção das folhas tenras de aipim; convenientemente lavadas e livres dos talos, trituram-se no pilão, ou em máquinas comuns, usadas para moer milho, coco, carne, etc.

Espreme-se o sumo que é desprezado ou deitado fora. As folhas assim pisadas vão ao fogo com pouca água até ferver de modo que fiquem delidas. A carne de charque, cabeça e porco partida, mocotó moqueado de gado bovino, toucinho em quantidade suficiente, sal, alho, folha de louro e de hortelã, pimenta e tudo isso quando estiver a ferver recebe as folhas pisadas do aipim, e deixa-se cozinhar bem.

Fica subentendido que não se pode determinar a quantidade de cada tempero nas comidas. Depende do paladar de quem as prepara; o princípio geral é — tudo demais é sobra.

Texto de Manuel Querino em "A Arte Culinária na Bahia", Livraria Progresso Editora, Salvador, 1957, excertos pp. 29-65. (escrito em 1922) .Ortograficamente atualizado, digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

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