6.08.2017

A VIDA PROVINCIANA NO BRASIL NA METADE DO SÉCULO XIX

Ouro Preto por H. Burmeister
Durante a primeira metade do século XIX as cidades litorâneas do Brasil receberam um certo impulso de progresso. Privilegiadas em relação ao interior desde o período colonial, por elas era feita a exportação de produtos tropicais e a elas chegavam todo tipo de artigos manufaturados provenientes do exterior. Excetuando-se São Paulo e Ouro Preto, eram litorâneas as capitais das províncias mais importantes — com a expansão do café, aliás, São Paulo, ligada a Santos pela via férrea desde 1867, passaria a receber os mesmos benefícios que normalmente ficavam retidos nos centros urbanos do litoral.

A época das sedições paulista e mineira, essas cidades já estavam dotadas de teatros, jornais e representações de firmas europeias. As novas atividades urbanas propiciavam o desenvolvimento das camadas médias, chegando a criar condições para os primeiros ensaios de industrialização.

No entanto, bastava penetrar algumas dezenas de quilômetros interior adentro, e todo esse quadro se transformava, apresentando-se os núcleos urbanos ainda como simples extensões das áreas rurais. Submetidas ao poder político e ao poder econômico dos grandes fazendeiros, foram cidades como essas que, nas sedições “liberais” de 1842, se rebelaram contra as medidas centralizadoras.

As cidades mortas do interior

Paradas no tempo, a vida não mudara muito desde o período colonial nessas cidadezinhas de casas construídas de taipa de pilão. As residências das famílias mais importantes permaneciam fechadas durante a semana, pois a maioria dos fazendeiros preferia morar no campo. Vivendo comodamente em suas casas-grandes, só iam à cidade nos domingos e dias de festas, ou para algum acontecimento político importante. Nessas ocasiões, depois de assistir à missa, faziam suas compras nas lojas e feiras locais e discutiam política com os outros “homens bons”.

A preferência do fazendeiro pela casa-grande tinha sua razão de ser: na vila, sua liberdade era tolhida pelas conveniências sociais e ele devia dividir sua autoridade com outros mandões locais. Na fazenda, onde era o senhor absoluto, servido por uma legião de escravos, sua liberdade era total. Comodamente instalado em sua rede, onde passava a maior parte do tempo, abusava sexualmente das belas mucamas e mandava surrar os “negros fujões”. Na vila, ao contrário, era preciso guardar um certo decoro.

Com suas ruas poeirentas, onde eram lançados os detritos, as vilas não dispunham de serviços de esgotos e o abastecimento de água era precário como nos tempos coloniais. Seus edifícios principais eram sempre os mesmos: a igreja, a Câmara Municipal, a cadeia pública. Quando alguém caía doente, -o que acontecia com certa freqüência, ficava à mercê da própria sorte: assistência médica só existia nas grandes cidades, onde as Santas Casas socorriam os enfermos.

Quando chegavam tropeiros ou mascates, a população dessas cidadezinhas agitava-se, ávida de novidades, e disputava o privilégio de hospedar os viajantes — não porque estes fossem personalidades importantes, e sim porque,transitando por diversas localidades, eram portadores de muitas informações, sobre os mais variados assuntos.

A vida social ainda se resumia ao interior dos lares: a rua era para os escravos, rameiras, mascates e vagabundos. Uma “mulher direita” preenchia seu tempo com a administração dos escravos domésticos e algumas atividades manuais, saindo de casa apenas para ir à igreja, com seus familiares ou em companhia das criadas. Nessas ocasiões uma mantilha negra protegia-lhe o rosto dos olhares curiosos do “populacho”.

Os templos eram os únicos locais em que representantes de todas as camadas se reuniam. No entanto, mesmo nesse espaço “democrático” eram mantidas as distâncias sociais: reservavam-se os melhores lugares para os chefes políticos e as famílias mais importantes, ligadas à grande propriedade rural.

Apoiados em seus bandos de jagunços, controlando os juízes de paz, os delegados e subdelegados, esses fazendeiros e chefes políticos exerciam uma dominação indisfarçada sobre o conjunto da população. Únicos a frequentar com alguma assiduidade os grandes centros, controlavam até mesmo as fontes de informação sobre o que se passava “na política”.

Em toda cidade do interior havia fazendeiros “do governo” e “da oposição”. Embora muitas vezes pegassem em armas uns contra os outros, as diferenças entre eles não eram essenciais. Suas divergências tinham origem, quase sempre, em velhas rixas familiares, transplantadas para o terreno da política. No passado, essas rivalidades haviam explodido em longas guerras de famílias; em 1842, os grupos rivais digladiavam-se em São Paulo e Minas Gerais, em nome dos princípios “liberais” e “conservadores”.

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Sorocaba : A cidade dos tropeiros

“Capital" das sedições de 1842, Sorocaba repartia com Itu a hegemonia de uma extensa área produtora de açúcar e, posteriormente, de café. Elevada a vila por volta de 1840, deveu sua prosperidade a comercialização de tropas de burros: por essa época cerca de 100 000 cabeças desses animais eram vendidas em suas feiras. As maiores fortunas da região aliás, originaram-se de antigos tropeiros que inicialmente serviam à zona de mineração.

A seguir esses tropeiros investiram seus lucros na compra de terras, onde desenvolveram cultivos de exportação. No entanto a cidade conservou sua característica de encruzilhada de caminhos, frequentada por gente de todas as paragens do Sul e Sudeste.

Assim, graças às notícias trazidas pelos forasteiros e pelos sorocabanos que seguiam para as mais diversas áreas de São Pauto, e outras províncias, tornou-se um dos centros mais bem informados do interior.

A prosperidade agrícola e o acesso às notícias mais recentes fizeram de Sorocaba a capital política do quadrilátero do açúcar, influenciando diretamente a sua liderança no decorrer da sedição “liberal" de maio de 1842.

Texto publicado em "Saga - A Grande História do Brasil", Abril Cultural, São Paulo, 1981, editor Victor Civita, vol.4, Império (1840-1889) p.16-17. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

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