6.08.2017

CAPITAIS INGLESES NO BRASIL NO SEGUNDO REINADO

Porto de Santos em meados do século XIX
Apesar do prolongado desgaste da “questão escrava” e da ruptura diplomática de 1863-1865, foi no Segundo Reinado que a presença inglesa na economia brasileira alcançou sua plenitude. Não só a Inglaterra continuava a ser o maior fornecedor de manufaturas, como os capitais e firmas britânicos se haviam integrado ao mecanismo do comércio exterior, controlando o essencial das exportações e importações brasileiras.

Presentes no transporte ferroviário, esses capitais penetravam também, sob a forma de empréstimos, no processo de produção e comercialização interna. Tudo isso tomava a dependência para com a Inglaterra muito mais abrangente do que a resultante de um desequilíbrio provocado pela desigualdade nas trocas internacionais efetuadas entre um país exportador de matérias-primas e gêneros tropicais e outro, produtor de artigos manufaturados.

Na verdade, o “exército de manufaturas” servira de ponta de lança à penetração inglesa na economia desde a vinda dos Bragança para o Brasil e a assinatura, em 1810, dos tratados de livre comércio. Quarenta anos depois, esses bens de consumo conservavam suas posições: entre 1845 e 1849 a média anual das exportações brasileiras era de 56 721 contos de réis; 27 540 contos (quase 50%, portanto) cabiam à Inglaterra. Até 1870, os tecidos, especialmente de algodão, correspondiam a mais de 65% das exportações inglesas para o Brasil; os 35% restantes eram compostos pelos mais diversos artigos: da manteiga, do queijo, da cerveja, aos caixões de defunto e às garrafas vazias.

Exportação de capitais

Aos bens de consumo, seguiram-se os bens de produção — máquinas e ferramentas — e matérias-primas como carvão, ferro e metais não-ferrosos, requeridos para a construção de ferrovias e instalação dos serviços de utilidade pública (iluminação, rede de água e esgotos etc.) nas maiores cidades brasileiras. Mas, se as exportações inglesas se diversificavam, a presença brasileira nos mercados ingleses, em contrapartida, reduzia-se. As primeiras décadas do século XIX assistiram à crise do açúcar de cana, face à concorrência do açúcar de beterraba, e o café jamais chegou a penetrar num mercado onde o chá era senhor absoluto. Somente com o surto da borracha, no final do século XIX, as exportações brasileiras dariam um novo salto.

Conhecedores do mercado e dispondo de capitais resultantes do desequilíbrio nas trocas, os ingleses estenderam sua presença ao conjunto das atividades brasileiras de exportação e importação. Em 1840, metade das exportações de açúcar e café e mais da metade das de algodão eram feitas por firmas britânicas.

Casas bancárias como o 'London and Brazilian Bank', o 'Anglo-Portuguese Bank' e o 'English Bank' forneciam  crédito ao comércio e aos grandes fazendeiros, exigindo destes, como garantia, colheitas futuras.

Ferrovias e serviços públicos

Na segunda metade do século XIX, a maioria dos investimentos ingleses no Brasil estava ligada às ferrovias. Além de capitais, a Inglaterra fornecia trabalhadores especializados, máquinas e carvão, participando na construção e exploração de numerosas vias férreas, como a que ligava São Paulo ao Rio de Janeiro, a Sapucahy-Oeste de Minas Gerais, a Mojiana, a Sorocabana e a Paulista.

Várias outras eram de propriedade exclusivamente britânica, como a Leopoldina Railway Co., no Rio de Janeiro, a Recife and S. Francisco Railway Co. e a Great Western of Brazil, em Pernambuco, e a Estrada de Ferro Nova Cruz, no Rio Grande do Norte.

Os demais investimentos eram destinados principalmente ao setor de serviços urbanos, como o abastecimento de água e a rede de esgotos da capital do Império — a cargo das empresas Rio de Janeiro City Improvement Co. Ltd. e Cia. Cantareira de Aguas e Esgotos — ou o serviço de iluminação a gás de cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Niterói, Santos, Salvador, Fortaleza e Belém. Mas houve também investimentos no setor industrial, dirigidos, por exemplo, à fabricação de máquinas para moer cana ou para descascar grãos de café.

As dívidas do Estado para com a Inglaterra, fornecedora exclusiva de empréstimos de governo para governo durante todo o período imperial, aumentavam sem parar. A partir de 1855 a Casa Bancária Rothschild tomou-se a única agente para as transações financeiras do Brasil em Londres: seria a responsável, dez anos depois, pelos urgentes empréstimos que o agravamento da crise no Prata e o início da Guerra do Paraguai requeriam. Em 1889, quando a República foi proclamada, o Brasil devia a seus credores ingleses a “bagatela” de 60 milhões de libras esterlinas.

Texto publicado em "Saga - A Grande História do Brasil", Abril Cultural, São Paulo, 1981, editor Victor Civita, vol.4, Império (1840-1889) p.38-39. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

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