6.07.2017

MINERVA ADQUIRE UNIDADES DA JBS NO MERCOSUL


As fissuras provocadas pela delação premiada dos irmãos Batista mudaram os comportamentos tradicionais de JBS e Minerva Foods. Reconhecida pela estratégia expansionista de aquisições, a JBS se vê agora no papel inverso. Do outro lado, a Minerva, que não recusa o epíteto de "chatamente previsível", acertou a aquisição de nove frigoríficos da JBS de uma vez só, pagando cerca de US$ 300 milhões à rival na maior transação da indústria de carne bovina desde 2009.

Se surpreendeu o mercado especialmente pela rapidez nas tratativas, a compra das operações de carne bovina da JBS na Argentina, Paraguai e no Uruguai agradou. "Foi bom para as duas partes", disse um importante executivo da indústria.

Do ponto de vista estratégico, a Minerva abocanhou uma posição relevante na América do Sul, assumindo definitivamente a liderança no Paraguai - onde disputava com a JBS - e estreando na Argentina como a líder do país. Com o negócio, a receita líquida anual da Minerva deve saltar de RS 10,5 bilhões para RS 13,7 bilhões. A capacidade de abate de companhia, por sua vez, aumenta em mais de 50%

Sob pressão desde a delação e necessidade de fazer caixa, a JBS consegue rapidamente uma injeção de liquidez que, se não resolve todos os problemas, dá à empresa poder de barganha perante bancos e fornecedores. "Certamente, ajuda na relação com a comunidade bancária", afirmou uma do fonte do setor. "A alienação de alguns ativos não estratégicos ajudará a empresa a se concentrar no crescimento em mercados maiores e mais lucrativos e a reduzir sua posição de alavancagem", disse Tarek Farahat, presidente do Conselho de Administração da JBS, em comunicado.

A declaração confirmou avaliação de que a JBS ganhou fôlego sem se desfazer de seu "diamante": as operações de carne processada e com marca. Mais 'commoditizadas', as operações no Mercosul representam só 2% do faturamento da JBS em todo o mundo e pouco mais de mais de 10% da operação de bovinos na América do Sul - o Brasil é a maior operação nessa frente e seguirá sob o comando dos Batista.

A sensação de que as duas companhias saíram ganhando se refletiu na bolsa paulista. As ações da JBS subiram 8,4% no pregão de ontem, a maior alta do Ibovespa. Já os papéis da Minerva subiram 4,8%. Com isso, a empresa dos Batista ganhou RS 1,6 bilhão em valor de mercado, e a concorrente, RS 127 milhões.

Ontem, em teleconferência com analistas, o presidente da Minerva, Fernando Galletti de Queiroz, enfatizou o caráter "ímpar" do negócio. Em condições normais de temperatura e pressão, a companhia fundada em 1992 em Barretos (SP) dificilmente conseguiria a posição de liderança no Mercosul, mesmo porque a JBS não abriria mão da operação em tempos de calmaria.

Embora o negócio na Argentina, a primeira incursão da JBS no exterior, fosse visto como a pior aquisição da empresa - o CEO global da JBS, Wesley Batista, já admitiu em eventos que empatar na Argentina já seria um bom resultado -, a aposta no Mercosul era clara. No ano passado, a JBS investiu USS 80 milhões no Paraguai, inaugurando o primeiro frigorífico construído do zero de sua história.

"Ao invés de termos aquisições pequenas e pontuais, fechamos um pacote que de acordo com o nosso plano de negócios", afirmou Galletti. Com esse pacote, destacou, a companhia controlada pela família Vilela de Queiroz e pelo fundo saudita Salic "praticamente encerrou o ciclo de expansão de negócios"

Sendo assim, a Minerva já não busca mais aquisições. "Não há no radar novas aquisições, mesmo em situações oportunísticas", respondeu Galletti a um analista. Em termos de produção, o único país em que a Minerva poderá fazer novos movimentos é a Colômbia, mas isso só ocorrerá no longo prazo, a depender do desenvolvimento da pecuária e das exportação de carne do país andino. Atualmente, a Colômbia ainda é "iniciante" nesse setor.

Além de considerar concluída a expansão na América do Sul, novas aquisições estão fora dos planos porque a Minerva tem diante de si o desafio de integrar os frigoríficos e de melhorar o desempenho dos negócios da JBS no Mercosul, cujas margens estão distantes dos níveis que a Minerva costuma alcançar.

Na teleconferência, o diretor financeiro da Minerva, Edison Ticle, afirmou que a margem de lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda, na sigla em inglês) dos frigoríficos adquiridos da JBS está entre 4,5% e 5,5%, abaixo da margem de 9,2% da Minerva Foods no primeiro trimestre de 2017.

A despeito disso, a Minerva vislumbra ganhos de sinergias que podem aumentar a margem Ebitda dos negócios em 2,5 pontos- base. Na visão de um analista ouvido pelo Valor, obter essas sinergias é fundamental para que o preço pago pelos ativos da JBS seja baixo. Caso contrário, o valor terá sido muito alto, acrescentou.

Pelas projeções da Minerva, os USS 300 milhões que serão pagos embutem um múltiplo (relação entre valor empresarial e Ebitda em dose meses) 5 vezes a 6 vezes. Com as sinergias, esses múltiplos seriam reduzidos para algo entre 3,5 vezes e 4 vezes. "Só um múltiplo abaixo de 4 vezes seria barato", avaliou o analista de um banco, citando a frustrada compra do frigorífico capixaba Frisa, que sairia por um múltiplo de 3,9 vezes.

Quando anunciou a compra do Frisa, no fim de 2016, a Minerva vislumbrava um negócio moldado ao perfil financeiro conservador. "Fazemos aquisições que desalavancam", era um mantra na empresa. Com isso, queriam dizer que o Ebitda dos ativos adquiridos seria maior que a parcela anual a ser amortizada.

Desta vez, grande parte dos recursos já será pago à vista. Do total de USS 300 milhões, 90% será desembolsado pela Minerva à vista, assim que sair o aval dos órgãos antitruste. A expectativa da empresa é que isso ocorra em julho. Os 10% restantes, porém, ficarão retidos por seis meses para o processo de "due diligence", explicou Ticle.

Na teleconferência, a ausência de uma diligência prévia chamou a atenção dos analistas, que indagaram os executivos da empresa. No início de 2016, lembrou um analista, a Minerva cancelou a aquisição do Frisa justamente devido ao não cumprimento da "due diligence".

Desta vez, porém, esse risco está descartado, indicou o diretor financeiro. "Agente sabe que os processos de diligência no Brasil costumam ser mais extensos e mais enrolados. [Mas] Nossa experiência com Paraguai e Uruguai é de praticamente zero contingências trabalhistas e tributárias", argumentou.

Ainda sobre a questão, Galletti lembrou que as operações da JBS no Uruguai, Paraguai e Argentina são auditadas pela KPMG, o que torna o processo "muito mais simples", disse. No caso do Frisa, a situação era mais complexa porque a empresa capixaba não era auditada por uma das "big four" - as auditorias KPMG, Deloitte, EYe PwC.

Texto de Luiz Henrique Mendes e Fernanda Pressinott (com colaboração de Kauamia Navarro) publicado em "Valor Econômico", São Paulo, de 7 de junho de 2017. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

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