4.20.2018

TIRADENTES - UMA VILA AO PÉ DA SERRA



A região onde nasceu o principal nome da Inconfidência Mineira já foi rica em ouro e preserva seus costumes e tradições de mais de 300 anos.

Foi pela suntuosa serra de São losé que os bandeirantes chegaram às Vertentes, em 1702. Pelo topo das montanhas, puderam analisar a nova região a ser conquistada. O ouro foi logo encontrado ao pé da serra e ao longo do rio das Mortes. O vilarejo foi batizado de arraial de Santo Antônio e uma pequena capela foi erguida e dedicada ao santo. Ao atravessar o rio, outro lugarejo se descortinou, ficando conhecido como Arraial Novo, e o outro, o Arraial Velho. Ambos foram elevados mais tarde à categoria de vila e passaram a se chamar, respectivamente, São João del-Rei e São José del-Rei (atual Tiradentes).

O ouro promoveu o desenvolvimento da região. Nas duas vilas foram construídos ricos templos, com altares e santos banhados pelo metal precioso. A primitiva capela foi substituída por uma imponente igreja - a matriz de Santo Antônio. Uma obra primorosa, trabalhada em talha dourada, que passou a abrigar valiosos objetos em ouro e prata. A história da igreja pode ser conhecida em detalhes e fotografias no livro 'A Matriz de Santo Antônio, em Tiradentes'. de Olinto Rodrigues dos Santos Filho. "Na matriz, pode ser obsedada a expressiva arte barroca do século XVIII", afirma Olinto, que é também pesquisador do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Ele destaca que outras igrejas também foram sendo erguidas, revelando os estilos barroco e rococó que predominam na cidade.

O comércio fixou-se na rua Direita, e os escravos ocuparam a cidade, ultrapassando o número de brancos. Eram tempos de crescimento. O poder do ouro na vila de São José trouxe junto a beleza da arquitetura colonial, a força nos movimentos culturais, com os saraus poéticos e a orquestra de música, mas trouxe também derramamento de sangue. Começava a era de batalhas entre os bandeirantes paulistas e aqueles que vinham de fora em busca do metal precioso, os chamados forasteiros ou embo- abas. A disputa pelo ouro daria início à Guerra dos Emboabas, em 1707, que teve como um dos palcos 0 então arraial de São José.

O ouro também despertou o desejo de libertação da colônia do domínio da Coroa portuguesa, que dali levava grande parte das riquezas que brotavam da terra. O movimento da Inconfidência Mineira ganhou força e se espalhou pelas vilas dominadas pela Coroa. Foi no distrito de Pombal, território disputado entre as vilas de São José e São João del-Rei, que nasceu o principal nome do movimento libertário, Joaquim )osé da Silva Xavier, conhecido como Tiradentes.

Tendo Tiradentes levado suas ideias a outras terras, como Rio de Janeiro e a antiga Vila Rica (Ouro Preto), outros nomes encabeçaram a conjuração na vila de São José, como o líder dos inconfidentes, padre Carlos Toledo. Ele organizava reuniões entre os revolucionários para traçar estratégias contra 0 domínio português. Mais tarde, padre Toledo receberia a mesma sentença dada a Tiradentes e aos líderes da conspiração, após a delação de Joaquim Silvério dos Reis: a forca. Ele não chegou a ser executado, e sua pena foi convertida ao exílio, sendo deportado para Lisboa, onde ficou enclausurado até a morte, em 1803.

O fim do ciclo do ouro foi bastante precoce na região. Já nos primeiros anos do século XIX, os mineradores e os fazendeiros migraram para outras regiões e deixaram a cidade praticamente abandonada. Olinto Rodrigues atribui ao curto ciclo do ouro a preservação das construções de Tiradentes: "Apesar de terem sido tempos difíceis, de muita pobreza e miséria, foi graças ao fim da exploração mineral que o cenário arquitetónico do século XVIII se manteve praticamente intacto em Tiradentes", explica. Hoje, ao andar pelas ruas de pedras de Tiradentes, observam-se diversos casarios seculares que estão preservados e deram lugar a diversos coméercios.

Em um deles, uma construção de 1722, funciona o restaurante Padre Toledo. O fundador, Luiz José da Fonseca, de 86 anos, mais conhecido como sr. Cota, foi prefeito da cidade entre 1970 e 1976 e tem muitas histórias para contar: "Quando governei a cidade, a prefeitura não tinha carros. Só havia uma carroça e dois burros". Mas ele acreditou no futuro da cidade, incentivou o asfaltamento da estrada, foi responsável pela criação do Departamento de Turismo na prefeitura e ainda investiu em novos negócios: abriu uma pousada e uma padaria. O restaurante, um dos mais antigos da cidade, fundado em 1970, é referência na gastronomia local: "Muita gente vem de fora para provar nosso frango ao molho pardo", diz Luiz Francisco da Fonseca, primogênito que administra os negócios, junto aos irmãos.

Quem também leva adiante um negócio de família é Maria José Ramalho, de 66 anos, dona do bar da Zezé, que fica bem ao lado da matriz. O ambiente é inusitado e o freguês pode degustar uma boa cachaça mineira ou uma cerveja gelada em um salão, onde há dezenas de imagens de santos à venda. "Até o padre toma vinho na missa, qual o problema de tomar uma bebida e comprar um santo no mesmo lugar? ', diz. Da esquina do bar, ela acompanha o movimento: "Por aqui passam todas as procissões, festas e casamentos", conta.

As tradiconais festas religiosas, que remontam aos tempos do arraial, aliás, são marcas importantes na cidade. Segundo o padre Ademir Longatti, rituais como procissões e festas religiosas como a Semana Santa atraem turistas de todo o Brasil. O padre conta ainda que. apesar de algumas mudanças com o passar dos anos, costumes tradicionais ainda são preservados na cidade: "Temos os grupos de oração.

Todo dia tem reza na casa de um morador. Aqui não se veem casamentos em agosto, por exemplo, e na Quaresma as pessoas fazem o sacrifício de não comer carne", enumera. Crenças, costumes e tradições que contribuem para que Tiradentes seja um lugar mágico. que guarda belezas e riquezas de sua história.

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O FILHO ILUSTRE

Nascido em 1746, em um sítio no distrito de Pombal, próximo ao arraial de Santa Rita do Rio Abaixo, território disputado à época entre as vilas de São João del-Rei e São José, Joaquim José da Silva Xavier era filho de Domingos da Silva Santos, proprietário rural, e de Maria Antonia da Encarnação Xavier. Em 1755, com apenas 9 anos, após a morte da mãe, seguiu com o pai e os irmãos para a sede da vila de São José. Dois anos depois, aos 11, perdeu também o pai. Com a morte prematura dos pais, sua família perdeu as propriedades por dívidas. O pequeno Joaquim ficou sob a tutela de um padrinho, que era cirurgião e com quem aprendeu a profissão de dentista, o que lhe valeu a alcunha Tiradentes.

Em 1780, alistou-se na tropa da capitania de Minas Gerais, tendo sido nomeado comandante do destacamento dos Dragões na patrulha do Caminho Novo, estrada que servia como rota de escoamento da produção mineradora da capitania mineira ao porto do Rio de Janeiro e que é um dos caminhos da Estrada Real. A partir daí, Tiradentes se aproximou de grupos contrários à exploração do Brasil pela metrópole e, por conta disso, não conseguiu promoção na carreira militar, tendo alcançando apenas o posto de alferes, patente inicial do oficialato à época. Em 1787, pediu licença da cavalaria.

Ele morou menos de um ano no Rio de laneiro. De volta às Minas Gerais, liderou 0 movimento a favor da independência da colônia em Vila Rica e arredores, junto com integrantes do clero e da elite mineira, como Cláudio Manuel da Costa, antigo secretário de governo, Tomás Antônio Gonzaga, ex- -ouvidor da comarca, e Inácio José de Alvarenga Peixoto, minerador.

Em 1792, o movimento foi delatado pelo integrante Joaquim Silvério dos Reis. Os líderes da conjuração foram condenados à morte. Tiradentes teve seu corpo esquartajado e sua cabeça exibida em praça pública da antiga Vila Rica, e entrou para a história como mártir e herói da Inconfidência Mineira.

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O ARRAIAL, A VILA E A CIDADE

Conheça um pouco da história da região, com alguns de seus fatos mais significativos.

1702 - 0 bandeirante paulista João de Siqueira Afonso chega à serra de São José e encontra metais preciosos na região do rio das Mortes. Ele logo funda o Arraial Velho de Santo Antônio e constrói a primeira capela em homenagem ao santo.

1718 - O arraial é elevado à condição de vila de São José del-Rei. Segundo relatos históricos, o nome São José seria uma homenagem ao príncipe português dom José.

1776 - Padre Carlos Correia de Toledo é nomeado vigário colado da freguesia de Santo Antônio, da vila de São José.

1788 - Acontece a primeira reunião dos inconfidentes na comarca do Rio das Mortes, tendo como pretexto o batizado de dois filhos de Bárbara Heliodora e Alvarenga Peixoto, amigos de padre Toledo.

1789 - Inconfidência Mineira. Liderado por Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, grupo de intelectuais revolta-se contra o domínio português e prega liberdade da colônia em Vila Rica. O movimento se espalha pelas outras vilas, como São José, onde padre Toledo lidera os inconfidentes.

1792 - Em 21 de abril, em Vila Rica, Tiradentes é enforcado e esquartejado em praça pública, após ser delatado por Joaquim Silvério do Reis.

1803 - Morre padre Toledo, aos 72 anos, em Lisboa, após ter sido enviado ao exílio, como pena pela participação nos movimentos libertários.

1860 - A vila de São José del-Rei é elevada à categoria de cidade.

1889 - Após a proclamação da República, Tiradentes, antes considerado um inimigo do Império,  foi transformado em herói nacional e homenageado dando nome à cidade.

1938 - O charmoso conjunto arquitetônico da cidade é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

1967 - Chega a estrada asfaltada.

1977 - Fundação Roberto Marinho inicia projeto de conservação da casa do Padre Toledo. Surge o Museu de Tiradentes, na casa onde morou o vigário.

1998 - É fundado o Centro Cultural Yves Alves, importante espaço que reúne a história da cidade e dá lugar a exposições de artistas da região. Acontece a primeira Mostra de Cinema de Tiradentes, uma das mais importantes do Brasil. É realizado o primeiro  Festival Cultura e Gastronomia da cidade, uma referência na área.

2008 - É aprovado um pacote de investimentos junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDS), que prevê uma série de medidas para restauração e preservação do patrimônio da cidade.

2011 - Começam as obras de restauração das igrejas Nossa Senhora das Mercês e Nossa Senhora do Pilar, São Francisco de Paula e São João Evangelista.

2012 - É inaugurado o Museu da Liturgia, que abriga acervo de mais de 420 peças sacras do século XVIII ao XX.

2014 - Inaugurado o Museu de Sant'Ana, único no mundo dedicado à santa protetora dos lares, da família e dos mineradores, com cerca de 300 imagens da santa.

2015 - Começa o trabalho de retirada de pedras do centro histórico de Tiradentes para nivelamento do piso. As pedras serão restauradas e recolocadas.

Texto de Nayara Menezes em "Encontro", edição especial integrante da edição 173, ano XIV, outubro de 2015 do "Estado de Minas", Belo Horizonte, MG, excertos pp. 6-9. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

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