9.13.2018

O BRASIL NA ROTA DO ORIENTE



Ano de 1500: debruçada sobre as águas do Tejo, estendia-se a ensolarada Lisboa. Ruas estreitas e tortuosas serpenteavam em meio ao casario branco e baixo que cobria as colinas, em cujas dobras aninhavam-se igrejas e pequenas construções coladas umas às outras. Sobressaindo-se a todas elas, erguia-se o Castelo: sólido bloco de pedras a lembrar os tempos em que os mouros ameaçavam os muros da capital do Reino. Um labirinto de ruelas, becos, fontes e pequenos quintais marcava o perfil da cidade. Reformas sobrepunham telheiros na frente das casas para protegê-las da chuva. Também proliferavam balcões e sacadas. Sucessivas ampliações sobre antigos alicerces tornavam as ruas cada vez mais apertadas.

Junto ao rio erguia-se a imponente torre do Paço da Ribeira, edifício irregular, de várias dependências subordinadas às instalações do rei, que ali passou a residir em 1503. Encontravam-se, nesse palácio, desde aposentos familiares a salas da administração do Império, como o Tribunal do Desembargo do Paço e, posteriormente, o Conselho da Fazenda e o Conselho de Estado. Quase parte do mesmo conjunto, nos armazéns do arsenal, se amontoavam armamentos de toda espécie. Comerciantes de variada proveniência cruzavam apressados o Terreiro do Paço, arena retangular na qual se fechavam os negócios e contavam-se as novidades do tempo. Nas ruas, como a da Ourivesaria da Prata, da Correaria ou a rua Nova dos Ferros, os artesãos especializados se reuniam, conforme a tradição medieval. Sob os arcos do Rossio, outra praça importante, ponto de transição entre a cidade e o campo, há muito se vendiam alimentos sobre tabuleiros. Os gritos dos vendilhões de ovos, peixe fresco, água ou pão, enchiam o ar. Mulheres, brancas e negras, saíam da Ribeira com panelões cheios de arroz-doce – introduzido na península Ibérica pelos árabes, com a denominação de “ar-ruzz com mel” – e de cuscuz marroquino, oferecendo as iguarias de porta em porta.

Um pouco mais abaixo, na praia ribeirinha, estendia-se a Ribeira das Naus, com suas oficinas e seus barcos prestes a ser lançados ao Tejo. Ao longo dela, instalavam-se os malcozinhados, pequenas tabernas fumacentas nas quais se reuniam marinheiros, prostitutas, escravos e trabalhadores braçais pobres para consumir sardinhas fritas e vinho barato. Nas águas turvas e calmas do rio desfilavam tanto embarcações transportando alimentos dos arredores, quanto barcos enfeitados, nos quais músicos embalavam a conversa dos bem-vestidos membros da Corte de d. Manuel I. No porto, tremulavam naus mercantes vindas de Gênova, Veneza, Normandia, Bristol ou de Flandres. Em terra, prontos para embarcar nas caravelas que fariam a Carreira das Índias, aglomeravam-se marujos acostumados àquele tipo de vida, além de “vadios e desobrigados” recrutados pelas ruas de outras cidades.

Quem era essa gente que mudaria o mundo? As tripulações apresentavam, desde o século XV, um leque de marinheiros de idiomas e origens diferentes. Entre os portugueses, era comum a presença de escravos negros. Quando estenderam suas campanhas ao Norte da África, os lusos procuravam quem falasse árabe ou recrutavam intérpretes capazes de se comunicar com os mouros. No imaginário da época, esses marinheiros eram vistos como “criminosos da pior espécie”, cujas penas por decapitação ou enforcamento podiam ser comutadas pelo serviço marítimo. Os testemunhos eram de que quase todos os tripulantes dos navios eram “adúlteros, malsins, alcoviteiros, ladrões, homens que acutilam e matam por dinheiro e outros de semelhante raça”.

Muitas prostitutas subiam a bordo de forma clandestina, enganadas pela marujada, embarcadas por magistrados portugueses ou soldados. Quando uma dessas passageiras era encontrada, deixavam-na no porto seguinte ou a isolavam da tripulação. Os pobres embarcados dependiam da generosidade de um capelão para arranjar-lhes roupas com as quais pudessem se cobrir. Outros procuravam um capitão rico, capaz de provê-los de “vestidos e camisas bastantes” para os meses que ficavam longe da terra natal. Esses marinheiros, geralmente, portavam calções compridos e volumosos a fim de não atrapalhar os movimentos exigidos pelas manobras de navegação. Os calções eram amarrados à cintura por cordões e complementavam-se com o schaube, um sobretudo em forma de batina, sem mangas.

Pequenas – cerca de vinte metros de comprimento –, ágeis, capazes de avançar em zigue-zague contra o vento e dotadas de artilharia pesada, as caravelas eram consideradas os melhores veleiros a navegar em alto-mar. Mas, apesar de a embarcação ser boa, o cotidiano das viagens ultramarinas não era fácil. A precária higiene a bordo começava pelo espaço restrito que era utilizado pelos passageiros. Inicialmente de apenas um convés, as caravelas tendem a crescer. Em uma nau de três
conveses ou pavimentos, dois eram utilizados para a carga da Coroa, dos mercadores e dos passageiros. O terceiro era ocupado em sua maior parte pelo armazenamento de água, vinho, madeira e outros objetos úteis. Nos “castelos” das embarcações encontravam-se as câmaras dos oficiais – capitão, mestre, piloto, feitor, escrivão – e dos marinheiros, armazenando-se, no mesmo local, pólvora, biscoitos, velas, panos, etc.

O banho a bordo era impossível. Além de não existir este hábito de higiene, a água potável era destinada ao consumo e ao preparo de alimentos. Nas pessoas e na comida, proliferavam todos os tipos de parasitas: piolhos, pulgas e percevejos. Confinados em cubículos, passageiros satisfaziam as necessidades fisiológicas, vomitavam ou escarravam próximos de quem comia. Por isso mesmo, costumava-se embarcar alguns litros de água-de-flor, destinada a disfarçar os odores nauseantes, além de ervas aromáticas, queimadas com a mesma finalidade. Em meio ao constante mau cheiro e associado ao balanço natural, o enjoamento era constante. A má higiene a bordo costumava contaminar os alimentos e a água embarcada. Os fluxos de ventre, para os quais não havia cura, ceifavam rapidamente indivíduos já desidratados e desnutridos.

A alimentação durante as longas viagens sempre foi um problema para a Coroa. A falta habitual de víveres em Portugal impedia que os navios fossem abastecidos com a quantidade suficiente de alimentos. O Armazém Real, encarregado do fornecimento, com certa frequência simplesmente deixava de fazê-lo. A fome crônica e a debilidade física colaboravam para a morte de uma parcela importante dos marinheiros. Em 'Memórias de um Soldado na Índia', Francisco Rodrigues Silveira relatava, queixoso, que eram raros os “soldados que escapam das corrupções das gengivas [o temido escorbuto, doença causada pela falta de vitamina C], febres, fluxos do ventre e outra grande cópia de enfermidades...”. Além de escassos, os alimentos muitas vezes estragavam antes mesmo de começar a viagem. Armazenados em porões úmidos, se sobreviviam ao embarque, apodreciam rapidamente ao longo da jornada.

O rol dos mantimentos costumava incluir biscoitos, carne salgada, peixe seco (principalmente bacalhau salgado), banha, lentilhas, arroz, favas, cebolas, alho, sal, azeite, vinagre, mel, passas, trigo, vinho e água. Nem todos os presentes tinham acesso aos víveres, controlados rigorosamente por um despenseiro ou pelo próprio capitão. Oficiais mais graduados ficavam com os produtos que estivessem em melhores condições, muitas vezes vendendo-os numa espécie de mercado negro a outros viajantes famintos. Grumetes e marinheiros pobres eram obrigados a consumir “biscoito todo podre de baratas, e com bolor mui fedorento e fétido”, entre outros alimentos em adiantado estado de decomposição. Mel e passas eram oferecidos aos doentes da tripulação nobre. Febres altas e delírios, que costumavam atingir muitos dos tripulantes, decorriam da ingestão de carnes excessivamente salgadas e podres regadas a vinho avinagrado. Nas calmarias, quando a nau poderia ficar horas ou dias sem se mover, sob o calor tórrido dos trópicos, os marinheiros famintos ingeriam de tudo: sola de sapatos, couro dos baús,papéis, biscoitos repletos de larvas de insetos, ratos, animais mortos e mesmo carne humana. Muitos matavam a sede com a própria urina. Outros preferiam o suicídio a morrer de sede.

Na realidade, a dramática situação dos navegadores não diferia muito da enfrentada pelos camponeses em terra firme. Um trabalhador que cavasse de sol a sol, sete dias por semana, não ganhava mais do que dois tostões por dia. A quantia mal lhe permitia comprar alguns pedaços de pão. O que dizer do sustento de famílias inteiras, sem alimentos ou vestimentas? Um grande número de camponeses pobres preferia fugir da fome enfrentando os riscos do mar, mesmo conhecendo as privações a que seriam submetidos na Carreira das Índias. O sonho com o império das especiarias era um alento e uma possibilidade num quadro de miséria e desesperança.

Mas que sonho seria esse? No dia 29 de agosto de 1499 – data usualmente aceita –, depois de dois anos e dois meses de viagem, Vasco da Gama chegava a Lisboa. Voltava da expedição às Índias, em que comandara uma pequena frota composta por quatro embarcações e cerca de 150 homens. Ao longo da viagem tomara contato com o mundo muçulmano da costa oriental da África, onde hábeis mercadores controlavam inteiramente o comércio. Comércio, diga-se, de escravos capturados no interior da África e conduzidos aos portos de Sofala e Zanzibar – o Zenji-Bar, ou seja, “país dos escravos” – e de tecidos de algodão e especiarias, notadamente o gengibre e o cravo. O encontro entre o mundo europeu e o indiano deu-se, contudo, em Calicute, mercado dos produtos desejados pelos portugueses: gengibre do Dekan, canela do Ceilão, pimenta da Malásia, cravo das ilhas Molucas e todas as demais especiarias levadas por árabes para Istambul e margens do Mediterrâneo. Durante três meses, Vasco da Gama contabilizou algo em torno de 1.500 embarcações árabes nos portos da Índia. Decidiu, então, encontrar-se com o rei de Calicute, o “Senhor dos Mares”, o Samorim.

No dia 28 de agosto de 1498, transportado em palanque decorado e escoltado por dois mil guerreiros, o navegador foi aclamado por músicos e homens e mulheres de pele morena, vestidos com finos e coloridos algodões. Se os portugueses não escondiam seu espanto diante dos indianos e mouros que, desordenados, os seguiam pelas ruas, os últimos estranhavam, igualmente, as barbas cerradas e vestes pesadas dos recém-chegados. O cerimonial desenrolou-se com luxo até os portugueses serem introduzidos ao Samorim: recostado a um divã de veludo verde, ele tinha o torso envolto em enormes colares de pérolas, os cabelos, os punhos e as mãos cobertas de joias. Segundo o costume do país, Gama elevou as mãos juntas ao céu e leu uma mensagem de d. Manoel I, monarca “rico de todas as coisas, mais do que qualquer rei dessas regiões”, feliz possuidor de um tesouro em metais preciosos e ouro. O português informou ainda que o rei sabia da existência de cristãos no além-mar, no fabuloso reino de Preste João, os quais os navegadores estavam encarregados de encontrar. Cordial e espetacular, a entrevista encerrou-se com um convite para que uma delegação de embaixadores o acompanhasse em seu retorno a Portugal.

Dois dias depois, num segundo encontro, o cenário começou a mudar. Vasco da Gama teve de esperar quatro horas para ser atendido, enquanto imaginava que, muito provavelmente, o Samorim achara seus presentes medíocres. Mal sabia que as licenças de comércio que solicitara haviam sido alvo de violentas críticas por parte dos descendentes de árabes, instalados na costa do Malabar desde o século VIII, zelosos quanto ao mercado que dominavam e orgulhosos de sua fidelidade ao Corão. O Samorim, todavia, aceitou embarcar especiarias em troca de metais preciosos, coral e púrpura. Sem a assinatura de qualquer tratado comercial consistente, a data de partida foi acordada para o dia 5 de outubro, antes que soprassem os chuvosos ventos de monção. O retorno foi marcado por dificuldades decorrentes do desconhecimento que os portugueses tinham das correntes e ventos do Pacífico, além de pequenos conflitos com pesqueiros e embarcações leves. Chegaram à costa africana em janeiro de 1499, passando por Mogadíscio, Melinde, Zanzibar e erguendo em São Jorge, perto de Moçambique, um último “padrão”, monumento de pedra deixado pelos portugueses em terras que “descobriam”. Enxotada de muitos portos onde buscava água e descanso, a exausta expedição estava desfalcada. Atacada pelo escorbuto, a tripulação se reduzira a cerca de vinte homens em cada nau. A São Rafael foi destruída, “porquanto era coisa impossível navegar em três navios com tão pouca gente como éramos”, confessa um exausto Gama. Seu irmão, Paulo, veio a falecer na ilha Terceira, no caminho de volta para casa. Dos 150 marinheiros que partiram, cerca de 80 regressaram.

Dois anos e 7.500 léguas percorridas separavam o início da expedição da data de chegada à beira do Tejo. D. Manuel ofereceu a Vasco da Gama uma recepção grandiosa. Nessa época, enfeitavam-se as janelas com colchas bordadas, panos coloridos e tapetes. Ervas aromáticas juncavam o chão das ruas enquanto hastes, tendo à ponta ardentes novelos embebidos em graxa e sebo – os faróis de fogo, como eram chamados –, clareavam o ambiente. Procissões com centenas de fiéis, candeias e velas à mão, cruzavam com aristocratas vestidos com o que tinham de melhor: espadas guarnecidas, joias, adornos de ouro e prata. Caixas de marmelada e doces de casca de cidra – o diacidrão – eram distribuídos entre os pobres. Vasco da Gama, Nicolau Coelho e alguns dos pilotos que escaparam da viagem foram regiamente premiados. O primeiro recebeu em doação os impostos da vila de Sines, até então pertencente à Ordem de Santiago, além de pensões anuais. Antecipando-se a informações indiscretas, d. Manuel apressou-se a dar notícia dos fatos ao papa Alexandre VI e aos seus vizinhos, os reis católicos – Isabel e Fernando. A intenção de colocá-los a par das notícias escondia seu interesse em acelerar os fatos. Apoiado na desculpa de que havia uma suposta população católica na Índia, que se deveria integrar à cristandade ocidental a fim de lutar contra o Islã, o monarca português ambicionava o controle do comércio de especiarias e pedras preciosas. Doravante, em vez de passar por Meca, pelo Cairo ou Alexandria, a nova rota conduziria ao cabo da Boa Esperança.

Simultaneamente, o monarca pressionava o papa, através de seu embaixador em Roma, d. Jorge da Cunha, e de várias doações, para que o Vaticano permitisse a Portugal exercer o controle sobre todos os domínios marítimos, dando aos lusos o direito de descobrir novas terras. A corte papal era a incomparável encruzilhada por onde passavam as informações sobre a chegada e partida de embarcações, as rotas de viagens e transações frutuosas. Até uma nova moeda foi cunhada, preparando uma nova viagem. Seu nome? Índios. Ela deveria concorrer com o marco de prata veneziano em seu próprio terreno comercial, Calicute.

Uma segunda expedição era preparada às pressas. D. Manuel, noivo de d. Maria, filha dos reis católicos, parecia querer apresentar Portugal ao mundo como a nova potência da cristandade ocidental. Essa expedição tanto tinha que impressionar pela quantidade de mercadorias suscetíveis de dobrar o Samorim e o mercado indiano ao comércio com Portugal, quanto mostrar-se poderosa o bastante para intimidar, até pela força das armas, os que se interpusessem a esse comércio. A meta era instalar entrepostos em Sofala, para adquirir ouro e especiarias em Calicute, além de enviar missionários, um teólogo e freis capuchinhos para catequese dos moradores locais. Depois de receber as bênçãos da Igreja, a armada, comandada por Pedro Álvares Cabral e composta de doze naus e uma caravela, zarpou com destino à Índia a 9 de março de 1500. Entre outros capitães que seguiam sob seu comando, figurava Bartolomeu Dias, que cruzara o cabo da Boa Esperança – e onde, meses depois, desapareceria num naufrágio –, e Nicolau Coelho, companheiro de Gama na sua viagem ulterior. Com 32 anos, nono filho de Fernão Cabral e d. Isabel de Gouveia, senhor de Belmonte e donatário de Azurara, o “homem que inventou o Brasil” – no dito espirituoso de Afrânio Peixoto – pertencia a uma família nobre que servira a d. Afonso V em suas cruzadas africanas e aventuras militares na península Ibérica. Era muito mais um homem de guerra, um chefe de armas, do que um navegador. A escolha de d. Manuel não fora inocente. O monarca pretendia avaliar os riscos militares de estabelecer relações comerciais e religiosas com o Oriente. O estabelecimento da Carreira das Índias exigia certa estratégia. Afinal, tratava-se do futuro do negócio das especiarias e das demais riquezas indianas.

A armada percorreu em cinco rápidos dias o caminho até as ilhas Canárias. A essa altura, uma das naus já havia desaparecido: “comeu-a o mar”, dizia-se então. No tom que marcou tantas dessas trágicas viagens, registrou o escrivão Pero Vaz de Caminha: “Fez o capitão suas diligências para a achar, a uma e outra parte, mas não apareceu mais”. Segundo o mesmo cronista, a armada seguiu o “mar de longo”, ou seja, navegando direto numa grande extensão até os mares que banhavam a que seria chamada Terra de Santa Cruz. O afastamento para oeste, hoje sabemos, foi intencional, pois, desde as viagens de Diogo de Teive ao Norte da África, em cerca de 1452, sabia-se da existência de terras a noroeste dos Açores e da Madeira. Desbravava-se, então, uma região do Atlântico de difícil navegação que incluía o Mar dos Sargaços – região mítica que corresponderia a áreas não muito distantes do atual Caribe.

Uma carta veneziana de 1424 representou, por sua vez, um conjunto de ilhas atlânticas, ao sul e ao norte das Canárias – Antilia, Satanases e Saya, Imana e Brazil –, que passaram a figurar em outros mapas cada vez mais a ocidente da Europa. Datada de 1474, a célebre carta de Toscanelli, endereçada ao príncipe d. João, ou a algum membro de sua futura Corte, o incentivava a buscar um caminho para as Índias em viagem transatlântica, tomando rumo ocidental e baseando-se na existência de algumas das ilhas acima mencionadas. A região, aparentemente desconhecida pelos portugueses, era, tudo indica, conhecida de marinheiros franceses, como o negociante e marinheiro Jean Cousin, provável visitante da embocadura do Amazonas em 1488, assim como dos espanhóis, Diogo de Lepe e Alonso de Hojeda, que teriam passado por trechos da costa norte brasileira antes de 1500.

Tendo em vista a pressa de se retornar a Calicute, é de se estranhar que a frota de Cabral pudesse perder tempo “explorando” zonas desconhecidas e já chanceladas, há seis anos, pelo Tratado de Tordesilhas. Tomar posse das terras demarcadas devia fazer parte dos planos da expedição. Por que outra razão uma das treze embarcações, a conduzida por Gaspar de Lemos, teria voltado a Lisboa, anunciando a “descoberta”, quando os olhos da cristandade ocidental estavam bem abertos sobre a primeira expedição a abrir oficialmente a Carreira das Índias?

No dia 22 de abril de 1500, chegando ao sul do atual estado da Bahia, os portugueses jogaram âncora na embocadura de um pequeno rio. Depois de navegar por dez léguas ao longo da costa, fundearam numa baía a que se deu o nome de Porto Seguro. A vastidão da selva, invadindo a praia, impressionou: “as árvores são muitas e grandes”, anotava um atônito Caminha. No dia 26 de abril, uma missa celebrada pelo franciscano Henrique Soares de Coimbra marcou os festejos do Domingo de Páscoa. Em 1º de maio, uma cruz foi plantada. No ar, o som de araras, maritacas, tuins e pica-paus; era “a terra dos papagaios”, terra ruidosa que, em cor de incontáveis “prumagens”, irá figurar em vários mapas. No dia seguinte, Cabral zarpava para Calicute. O Brasil havia sido “oficialmente descoberto”.

Texto de Mary Del Priore & Renato Venâncio em "Uma Breve História do Brasil", Editora Planeta, São Paulo, 2010, excertos pp.5-13. Digitalizado, editado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

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