Desenho de Percy Lau |
Aqui já se tenta abandonar o rotineiro sistema de criação extensiva para enveredar pelo campo da pecuária racional. Os criadores preocupam-se com a seleção das raças, com os reprodutores, dando atenção também ao problema da forragem com a formação de pastagens artificiais.
O gado Zebu, com seu tipo mestiço, Indubrasil, resultante do cruzamento do Gir e Guzerate ou do Gir e Nelore domina incontestavelmente em todos os rebanhos do Triângulo, tendo já penetrado nos campos de criação de Goiás, Mato Grosso e norte de Minas Gerais. A importação em grande escala do boi indiano foi obra dos criadores de Uberaba, que, mediante repetidas "cruzas", conseguiram obter o tipo mestiço Indubrasil, que pela sua adaptação ao meio, resistência às pragas, uniformidade de linhas e alto rendimento comercial, tendo, portanto, aprovado bem como gado de corte, irradiou-se daí para o resto do país.
Diversas crises econômicas têm afetado a criação do Zebu mestiço, porém resistiu a todas elas, sendo hoje o gado de corte característico de todo o Brasil Central.
O boiadeiro aparece como figura típica desta região criadora. Ele nada mais é do que um comerciante de gado, servindo de intermediário entre os fazendeiros criadores e os invernistas. Constantemente viajando, penetram eles até as zonas pastoris mais afastadas do Triângulo Mineiro, de Goiás e de Mato Grosso, da zona de Paracatu, do sul e sudoeste de Minas Gerais para comprar o gado diretamente do criador. Montados nos seus cavalos, voltam tangendo enormes boiadas numa caminhada de centenas de quilômetros, em que levam semanas e meses.
Espetáculo comum no interior são as grandes boiadas descendo as estradas, no seu passo lento e vagaroso, para os mercados consumidores. Na frente, levando uma bandeira vermelha, para avisar da aproximação dos animais vai o boiadeiro. Mais dois ou três peões seguem atrás, vigiando com atenção o gado para evitar que alguma rês se tresmalhe. Neste mister é o homem sempre ajudado pelo cachorro, que invariavelmente acompanha a boiada. Muitas vezes, porém, o boiadeiro apenas efetua a compra dos bois, tendo homens especialmente contratados para a condução das boiadas. Este gado todo é destinado ao corte e é geralmente vendido pelos boiadeiros aos invernistas, pois, após tantos dias de longa e penosa caminhada, não se encontra em condições econômicas de ser abatido.
O comércio do gado se intensifica no fim da estação das águas, abril e maio, quando, pela abundância e excelência dos pastos, os bois se encontram bastante gordos. É, então, que se torna intenso o movimento nas "estradas boiadeiras". Geralmente, as reses compradas pelos boiadeiros não ultrapassam três anos. Vendidas aos invernistas, permanecem dez a doze meses na invernadas e terminado o tempo de engorda são revendidas aos matadores, frigoríficos e charqueadas.
Os pastos, em geral, artificiais são de capim gordura, jaraguá ou colonião. A técnica de conservação das invernadas limita-se à aplicação periódica da queimada para refazer as pastagens, garantido, assim, capim suculento e nutritivo ao gado. Uma boa invernada é capaz de receber para engorda, cerca de três ou quatro animais, por alqueire de terra.
Muitas vezes, o boiadeiro não é apenas o intermediário entre o criador e o invernista e sim um recriador de gado. Neste caso, ele compra as reses com um ano e nas suas invernadas cria-as até os três ou quatro, quando então são vendidas aos mercados consumidores.
Um outro aspecto interessante da atividade dos boiadeiros é a compra de reprodutores Zebus dos grandes criadores de gado fino do Triângulo Mineiro, principalmente de Uberaba, para vendê-los aos criadores mato-grossenses e goianos. Assim, vão eles para o interior levando reprodutores e voltam trazendo grandes boiadas para corte. As qualidades que ele exige do gado a introduzir como reprodutor são a grande resistência física para as prolongadas marchas do sertão e bastante corpulência, que garanta bom rendimento comercial. E estas condições são satisfatoriamente preenchidas pelo gado Zebu.
Numerosas são as fazendas de criação e invernada de gado com extensos campos nativos e pastagens artificiais nesta região. Em conseqüência, foi grande o número de entrepostos e charqueadas que aí se instalaram, além do frigorífico Anglo em Barretes, um dos maiores da América do Sul. Consumindo grande parte da produção pecuária da região, abate cerca de 250 mil bovinos por ano.
Barretos é o mais importante centro econômico de gado gordo do Brasil. Entretanto, uma parte do gado da zona vai abastecer São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, sendo seu transporte feito pelas estradas de ferro. O movimento do transporte do gado se intensifica nos meses de fevereiro a junho.
Geralmente o preço do gado gordo varia de acordo com o peso; quando magro o preço depende da "caixa", capacidade de peso, ou, então, os boiadeiros pagam determinada quantia por cabeça. Em 1945 foi geral em toda esta zona criadora o boom zebuísta. Boiadeiros enriqueceram da noite para o dia negociando com reprodutores de centenas de milhares de cruzeiros. O Zebu tornou-se o "bezerro de ouro". Como conseqüência disto generalizou-se o desinteresse pelo gado de corte, preferindo tanto os criadores quanto os boiadeiros e invernistas negociarem com gado fino, que lhes garantia maiores lucros. Dominava a "pecuária ornamental". No entanto, agora já se verifica interesse renovado pelo gado de corte. Constitui esta zona um dos mais importantes centros pastoris do Brasil e oferece, ainda, à pecuária enormes e promissoras possibilidades de desenvolvimento.
Texto de Elza Coelho de Souza em "Tipos e Aspectos do Brasil", publicado pelo Departamento de Documentação e Divulgação Geográfica e Cartográfica, Instituto Brasileiro de Geografia, Fundação IBGE, Rio de Janeiro, 1975, excertos pp.457-459. Digitalizado, editado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.
(Texto originalmente publicado na Revista Brasileira de Geografia. ano 8, n.3)
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