12.02.2018

FOME OCULTA - CARÊNCIA DE NUTRIENTES



Fome oculta, considerada problema de saúde pública, pode ser minimizada com dieta fortificada. Superarroz ganha o mundo e pode chegar à mesa de milhares de pessoas.

Mesmo em tempos de acesso fácil ao alimento e diante do avanço da epidemia de obesidade, o Brasil ainda convive com problemas relacionados à carência de micronutrientes. A chamada fome oculta é considerada uma questão de saúde pública e afeta milhões de crianças, causando sérios danos ao crescimento, desenvolvimento e saúde geral. Entre os adultos, suas maiores consequências são letargia, diminuição da capacidade física e reprodutiva, declínio da função cognitiva e debilidade imunológica.

Dietas pouco diversificadas, restrições alimentares e algumas patologias são as principais causas da fome oculta. Tradicionalmente, vitamina A, iodo e ferro estão associados às maiores deficiências, e, por seu grande impacto social, são priorizadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Contudo, a vitamina D, o zinco e o ácido fólico também merecem destaque, segundo a nutricionista Fabiane Portugal.

Segundo ela, no Brasil a ocorrência de anemia está em torno de 30% a 60% das crianças, principal grupo afetado, juntamente com as gestantes e lactantes. Nesse último grupo, estima-se que 25% delas estejam enquadradas como portadoras de anemia grave, causada pela deficiência de ferro e/ou ácido fólico.

Até mesmo uma dieta adequada em calorias, proteínas e carboidratos pode ter sérias deficiências em vitaminas e minerais. Países desenvolvidos têm combatido a fome oculta desde a década de 1940, erradicando com sucesso muitas doenças na América do Norte e na Europa.

A adição de vitaminas e minerais por meio da fortificação de alimentos básicos é considerada uma das mais baratas e efetivas estratégias para combater a desnutrição por micronutrientes. Europa e os Estados Unidos têm fortificado os alimentos básicos como trigo, farinha e sal por mais de sete décadas para assegurar que as pessoas recebam os micronutrientes necessários para uma boa saúde.

Comparada com pastilhas ou barras de suplemento vitamínico, a fortificação tem a vantagem de um custo baixo e ser de fácil aceitação, pois, geralmente, substitui um item normalmente consumido na dieta. Com tecnologia que vem sendo desenvolvida desde 1997 pela ONG Path (sigla em inglês para Programa de Tecnologia Apropriada em Saúde), está prevista para este mês a chegada às prateleiras brasileiras de um arroz fortificado, o Ultra Rice. O superarroz já foi testado sob a forma de um projeto piloto na rede pública de ensino de Sobral (CE) com bons resultados.

Segundo Peiman Milani, porta-voz da entidade, os índices de anemia nas crianças que receberam o produto recuou de 27% para 11%. Além disso, municípios de Mato Grosso do Sul e de São Paulo devem servir o arroz fortificado na merenda escolar. A iniciativa envolve 60 mil crianças, mas a meta é alcançar 10 milhões de brasileiros.

O superarroz nada tem a ver com engenharia genética. Peiman explica que ele é feito a partir de uma massa com farinha de arroz e micronutrientes (ácido fólico, ferro, tiamina e zinco) e ganha o formato de grãos de arroz. Para ser consumido, ele é misturado ao produto convencional na proporção de um para 100, mantendo-se a forma de preparo. Em termos de aroma, sabor e textura, o resultado final é semelhante ao do arroz comum.

PRODUÇÃO

Os benefícios do Ultra Rice estão relacionados à prevenção de doenças causadas pela falta de micronutrientes na dieta, a exemplo da deficiência de ferro, que pode resultar em dificuldades de aprendizado; de zinco, que causa diarreia; de tiamina e ácido fólico, que pode levar ao retardo no crescimento intrauterino e à deformação de bebês em mulheres grávidas, respectivamente.

Por ora, apenas a empresa de massas Adorella, de Indaiatuba (SP), fabrica o Ultra Rice no Brasil. Mas a Path está em conversações com moinhos e redes varejistas de alcance nacional e a expectativa é de que novos contratos sejam fechados em seis meses. A Universidade Federal de Viçosa (UFV), na Zona da Mata mineira, a 230 quilômetros de Belo Horizonte, é a única organização do mundo que tem a licença dessa inovadora tecnologia. A universidade, por meio do seu Centro de Estudos da Fome, facilitará transferências futuras de tecnologia para produtores locais e internacionais, incluindo produtores da África, com a estratégia de aproximação do desenvolvimento econômico e segurança alimentar, melhorando a nutrição das populações mundiais vulneráveis.

A tecnologia é engenhosa em sua capacidade de proteger os micronutrientes dentro do grão fabricado. Além de impedir que eles sejam retirados pela lavagem, os grãos Ultra Rice preservam os micronutrientes suscetíveis à degradação durante a armazenagem.

Como, a princípio, o Ultra Rice é fabricado em pequenas quantidades, o preço é 5% maior que o do arroz comum. Mas, com a entrada de novos produtores, a diferença pode cair para 1% ou 2%.

**********

O QUE É FOME OCULTA

Carência não explícita de um ou mais micronutrientes em que há alterações fisiológicas mínimas, não perceptíveis no exame clínico de rotina. Pode ocorrer com a deficiência de um único micronutriente ou combinada à deficiência de vitaminas e minerais.

GRUPOS DE RISCO PARA A FOME OCULTA

Gestantes, nutrizes (quem amamenta bebê de outros) e lactantes, pelo aumento das demandas nutricionais nesses momentos biológicos. O não atendimento dessas demandas acarreta consequências para as gestantes e para o desenvolvimento fetal, como o comprometimento da época de lactação num período em que as reservas dos recém-nascidos são baixas. Crianças menores de 6 anos também pertencem ao grupo de risco, pois suas necessidades nutricionais são proporcionalmente maiores em razão do rápido crescimento e da maior prevalência de doenças infecciosas nesse grupo etário.

COMO RESOLVER

A suplementação e a fortificação de alguns alimentos básicos são alternativas para combater a fome oculta. Essas medidas, somadas à promoção de mudanças de hábitos alimentares por meio da educação nutricional, são fundamentais. A fortificação apresenta uma série de vantagens, entre elas a alta cobertura populacional e o baixo risco de toxicidade. Segundo o Banco Mundial, nenhuma outra tecnologia oferece tão ampla oportunidade de melhorar o estado nutricional dos indivíduos a custo tão baixo e em tão pouco espaço de tempo.

PERSPECTIVAS

Atualmente, os alimentos fortificados no Brasil são o sal iodado, a água fluoretada e as farinhas de trigo e de milho com ferro e ácido fólico. Ainda que outros alimentos não tenham um consumo em larga escala e em grande quantidade, poderão contribuir para uma maior ingestão de micronutrientes em diferentes segmentos populacionais e em momentos biológicos de maior demanda nutricional. Entre os alimentos que são bons veículos para se fortificar uma dieta, o arroz é um dos principais.

DE QUE É FEITO O SUPERARROZ

Meia xícara do alimento contém quantidades bem maiores de zinco e ferro e até 100 vezes mais de vitamina B1. A ideia é que as pessoas supram um terço de suas necessidades diárias de nutrientes sem alterar as tradições culinárias. Vinte anos depois de testes e aperfeiçoamentos, o Ultra Rice começou a ser produzido e testado na Índia e no Brasil, e em breve deve ser exportado para Colômbia e Nicarágua.


Texto de Vanessa Jacinto publicado no "Jornal do Commercio",Rio de Janeiro, edição de final de semana 5,6 e 7 de outubro de 2012.Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.









No comments:

Post a Comment

Thanks for your comments...