1.03.2019

A CIÊNCIA DA OMELETE



No frigir dos ovos é que se vê a omelete.

Omelete é território de pouco consenso. Começa pelo gênero: a omelete ou o omelete? Em francês, omelette,como cocotte,é fêmea. E ficou assim em português. Mas tanta gente diz o omelete que na última versão do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da  ABL, em 2009, virou substantivo de dois gêneros.

Estufada ou com recheio quase cru? Dobrada ao meio ou em três partes? Recheada? Alta? Há muitas versões de omelete e muitos modos de preparo. Tantos que Elizabeth David passou boa parte da vida procurando a omelete perfeita e, de tão vidrada no prato, batizou o livro que reúne artigos escritos ao longo de sua vida de "Uma Omelete e uma Taça de Vinho".Em outro livro,Cozinha Regional Francesa, antes de dar suas receitas preferidas, a escritora inglesa afirma sem rodeios: “Há apenas uma receita infalível para a omelete: a sua própria”.

Basta olhar para o mapa-múndi para ver que ela não está mentindo. O mundo todo faz omelete, cada um a sua maneira. Na China ela se chama egg fooyoung e é servida com molho agridoce; no Irã é a khagine, doce; no sul da Alemanha é recheada com batata e speck; na Índia leva masala. Na Espanha, ela é tortilla e leva batata e cebola.Na Itália, é frittata, alta e cheia de recheios. NoJapão,é tamagoyaki e, além de macia e úmida, é quadrada...

A omelette francesa – a mais célebre – parece a mais simples de preparar. Mas não é. Uma boa omelete tem de ter a superfície lisa, cor amarelo-clara uniforme, formato de charuto e deve ser 'baveuse', quer dizer, precisa escorrer.Não é prato para qualquer chef.

“Nós colocamos muita ênfase no ensino da omelete porque ela é uma das coisas mais difíceis de se fazer”, diz Candi Argondizza, chefe vice-presidente de culinária do International Culinary Center, escola em Nova York que tem em seu corpo docente craques no assunto como Jacques Pepin.

A omelete é tão difícil de acertar que já foi usada para testar a qualidade de aspirantes a cozinheiro. “Antigamente, preparar uma omelete na frente do chef fazia parte da entrevista de emprego”, lembra Argondizza. Mas a prática caiu em desuso.

Fosse seguido à risca, o teste não deixaria pedra sobre pedra nos fogões da cidade. “Em São Paulo, ninguém sabe fazer omelete”, provoca o chef francês Erick Jacquin.

Se você está feliz com seu método, fique com ele. Mas se quiser aperfeiçoar a omelete, a tortilla, a frittata ou o tamagoyaki,veja as dicas desta edição.Não vamos mentir: você só vai conseguir a omelete perfeita com a prática.A vantagem é que,até chegar lá,poderá fazer ovos mexidos notáveis. E antes de achar que isso é pouco, saiba que para o “rei dos chefs”, o francês Auguste Escoffier, ovos mexidos eram o melhor de todos os pratos preparados com ovos, “contanto que não estivessem demasiado cozidos, mantendo-se suaves e cremosos”.

O JOGO DE SETE ERROS

1. Ovos gelados fritam de modo desigual, o que pode resultar em borda quase queimada e interior muito cru. Use ovos em temperatura ambiente.

2. Bater com muita força liquefaz o ovo, o que prejudica a textura da omelete: o ovo não incha e a omelete fica pesada. Apenas misture bem os ovos com garfo.

3. Antecedência ao misturar os ovos deixa a omelete murcha. Os ovos devem ser batidos e temperados apenas momentos antes de irem para a panela.

4. Excesso de recheio destrói a omelete: o prato deve ser mais ovo que recheio – e este deve ser acomodado no centro não nas bordas.

5. Frigideira fria não deixa formar a casquinha. Ela deve estar quente e com a manteiga espumando.

6. Muita gordura deixa a omelete pesada e prejudica a textura. Uma colher de café bem cheia de azeite é suficiente.

7. Muito tempo no fogo torna a omelete dura e seca, bem longe da omelete perfeita.


E DO OVO NASCE A OMELETE 

“Partindo de um líquido pegajoso e viscoso, acrescenta-se calor e abracadabra: o líquido rapidamente enrijece e se torna um sólido que pode ser cortado com faca.” Até Harold McGee, bioquímico cientista absoluto da comida,vê mágica na omelete. Ele explica,no clássico 'Comida & Cozinha' alguns pontos básicos que podem ajudar muito na hora de fazer uma omelete.

Temperatura. Clara e gema misturados começam a coagular a 73˚C. O segredo para não ter uma omelete seca é não deixar fritar demais. Então fique de  olho no tempo:“Uma omelete de dois ou três ovos frita em menos de 1 minuto.”

Leite. Ele pode ajudar a evitar esse problema. “Quando diluímos ovos em outros líquidos, aumentamos a temperatura em que começa a coagulação.” Segundo McGee, o leite também amacia a omelete.

Sal. O sal diminui a temperatura de coagulação do ovo. Por outro lado, ele “produz, na verdade, uma textura mais tenra”.

QUEM BATEU PRIMEIRO?

O homem sempre comeu ovos, e a ideia de batê-los e fritar pode ter surgido em diferentes lugares na mesma época. Mas, conforme o pesquisador inglês Alan Davidson explica em "The Oxford Companion to Food", é provável que a omelete tenha origem na antiga Pérsia (Irã) ou na cozinha árabe antiga. E que a receita tenha sido espalhada pelo território do Império Persa, que, há 2.500 anos, era delimitado pelo que hoje é Rússia, Egito, Grécia e Índia. Os persas antigos tinham o hábito de carregar ingredientes de um lado para o outro e de disseminar suas técnicas culinárias por onde circulassem.

A omelete como se conhece hoje (e que já era preparada por franceses e ingleses no início da Idade Média) seria descendente do kuku, espécie de ‘panqueca’ de ovos com ervas e legumes, muito popular até hoje no Irã. Tortilla e frittata têm a genética do kuku (são altas, firmes, servidas em fatias). Mas, segundo o autor britânico, quem colocou as batatas na omelete, dando origem à tortilla, foram os judeus sefaraditas. No norte da África, a tortilla é chamada de omelete judia.

E foi na França que a omelete passou a ser fofa, aerada e com a superfície lisa e o interior quase escorrendo.

A palavra francesa "omelette" já era corrente no século XVI.

ESCOLHA UM MÉTODO PARA FAZER OMELETE

● Fica com forma de charuto ao ser dobrada em três partes.
● Tem superfície lisa, é amarelo-clara e ‘baveuse’, ou seja, escorre quando cortada.
● É feita em fogo alto. A versão clássica não pode dourar.
● O jeito mais simples de fazer é colocar os ovos na frigideira quente, onde já se derreteu a manteiga, e, com uma espátula, puxar ao centro as camadas de ovo aglutinado. Quando chegar ao ponto desejado, espere formar a capa externa e dobre.
● Ou use as costas de um garfo para agitar os ovos como se estivesse batendo-os. Assim que chegarem ao ponto, espere formar a capa e dobre a omelete.
● Há também o jeito Julia Child, em que só com movimentos de frigideira – que ela recomenda treinar antes – forma-se a omelete perfeita.
● O chef Eric Berland mistura com um garfo 3 ovos, sal, ciboulette (a gosto) e 1 colher (sopa) de queijo parmesão ralado. Despeja sobre a frigideira quente com 1 colher (sobremesa) de manteiga derretida e outra de óleo. E deixa fritar. Com a borda firme e o centro úmido, dobra as laterais ao centro.

TÉCNICA EM TRÊS PASSOS

● 1º passo
Agite a panela, puxando-a em direção ao corpo, para que os ovos se espalhem e cozinhem por igual.

● 2º passo
Conforme a omelete se formar, incline a frigideira e continue agitando levando os ovos para a borda.

● 3º passo
Com pancadinhas no cabo da frigideira, faça a omelete girar sobre si mesma até unir as bordas.

REDONDA? NÃO O TAMGOYAKI!

● Retangular, é feito em uma frigideira quadrada e de bordas com 3 cm de altura. Vai sendo moldado, empurrado para a extremidade, em camadas que se sobrepõem.
● Feito em fogo alto, com a frigideira quente.
● A textura deve ser aerada e esponjosa.
● Frio, vai no ‘obento’, a marmita japonesa ou quente, puro ou acompanhando sushis.
● A massa, mistura de ovos, dashi, saquê mirim, saquê, usukuchi shoyu, açúcar e sal, deve ser feita suavemente, sem espumar.
● A receita de Samuel Eijiro Yazaki, do Rangetsu, leva 10 ovos, 180 ml de dashi, 45 ml de saquê mirim, 30 ml de saquê, 1 colher (sopa) de usukuchi, shoyu, 50g de açúcar e 3g de sal. Ele aquece muito a frigideira, passa óleo usando um algodão, põe a primeira concha da mistura, formando uma camada fina e amarela. Vai virando a panela com a mão para moldar, levando a massa, com ajuda de um hashi. Depois de pronta, põe a omelete num lado da frigideira, limpa a panela, com o algodão com óleo e recomeça o processo. Uma nova concha da mistura é despejada, junto à camada anterior já enrolada.
● Repete-se o processo rapidamente até que a omelete tenha cinco ou seis camadas.
● “O segredo da textura é a agilidade no preparo. Caso contrário, ela fica seca”, explica Samuel Yazaki, sushiman do Rangetsu of Tokyo.

FRITTATA

● Redonda e alta, de acordo com o formato da panela.
● Consistente, tem a superfície de cor de avelã e interior cozido,mas úmido.
● Recheada com vegetais (cozidos), carnes, queijos – e até massa curta, como gostam os napolitanos. “Vale quase tudo – uma das poucas heresias é alface!”, diz Sauro Scarabotta, do Friccó.
● O recheio é misturado aos ovos antes de ir para o fogo.
● Cozida em fogo baixo.
● Fatiada antes de ser servida.
● Fria é antepasto. Quente é prato.
● Os truques de Salvatore Loi, do Girarrosto: “Não bata demais os ovos, vire com a ajuda da tampa da panela e não deixe dourar”.
● Massimo Ferrari bate dez ovos, um a um, com 3 colheres (sopa) de creme de leite. Junta 3 colheres (sopa) de parmesão, 3 de mussarela ralada; 3 tomates picados, 3 abobrinhas em cubos, 12 minimussarelas de búfala, manjericão, sal e pimenta. Passa alho numa frigideira antiaderente, põe 6 colheres (sopa) de azeite, deixa aquecer e despeja a mistura. Vai descolando as laterais até a massa ficar encorpada, cerca de 3 minutos. Leva a frigideira ao forno médio, por 15 minutos.

ALTA, "JUGOSA", FATIÁVEL: É A TORTILLA

● Alta e redonda.
● Firme a ponto de ser fatiada, com o interior úmido, que escorre, ‘jugosa’ como dizem os espanhóis.
● Recheio pode levar batatas cortadas em rodelas médias e fritas em azeite. Ou também cebolas, fritas só até ficarem transparentes. Recheios são misturados aos ovos antes de ir ao fogo.
● Feita em fogo alto, com a frigideira muito quente. Frita dos dois lados.
● Servida em fatias, em temperatura ambiente (jamais gelada!), como entrada ou prato principal.
● Em casa, o chef catalão Albert Adrià, conta que faz a tortilla com batatas ‘mal fritas e mal cortadas’: mistura 3 ovos, batata e uma cebola. Diz que as melhores tortillas são as galegas, mas indica suas preferidas em Barcelona: “A do Miguelito de la Diagonal e a do C’al Pep”. E adianta que no outono vai colocar tortillas no menu dos bares que mantém na cidade em parceria com o irmão Ferran, o 41˚C e o Ticket.
● Receita do chef Luís Granados, do Maripili, para uma tortilla para 8 pessoas: 6 ovos, 2,5 kg de batata em cubos e 1/2 cebola picada. Frite as batatas até começar a dourar e em outra panela, a cebola. Misture os ovos, tempere com sal, junte o recheio e leve ao fogo alto, em frigideira bem quente, sem mexer. Frite por 5 minutos. Quando firmar, vire com a ajuda de um prato e frite o outro lado por mais 1 ou 2 minutos.

Texto de Heloísa Lupinacci e Patrícia Ferraz, com a colaboração de Daniel Telles Marques e Lucinéia Nunes; publicado no caderno "Paladar" de "O Estado de S. Paulo", de 23 a 29 de agosto de 2012. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

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