1.04.2019

LUA DE MEL DE D. PEDRO I


O interesse da arquiduquesa Leopoldina pela botânica e pela mineralogia emprestava à viagem à América portuguesa o ar de uma aventura fascinante. Leopoldina chegou ao Rio de Janeiro, em novembro de 1817, cheia de boas expectativas. Quanto às belezas naturais do lugar, estas não foram contrariadas. Em carta para a tia Amélia, esposa de Luís Filipe, ainda a bordo no navio Dom João, no qual viajara, escreveu: “A entrada do porto é sem par, e acho que a primeira impressão que o paradisíaco Brasil faz a todo estrangeiro é impossível de descrever com qualquer pena ou pincel”. Os festejos em homenagem à princesa foram barulhentos e animados. Houve salvas de artilharia no porto quando seu navio atracou; bandas tocavam, e ela viu de longe uma onda de pessoas que se movimentava ao sabor da música e dos vivas.

Leopoldina já chegara ao Rio de Janeiro perdidamente apaixonada pelo marido. O primeiro encontro que tiveram contribuiu ainda mais para aumentar essa paixão. Quando a galeota que conduzia a família real ao navio Dom João se aproximava, ela viu d. Pedro no tombadilho “com seu uniforme azul-claro e vermelho. Os cabelos pretos brilhando ao sol”. Ao contrário do que dizem alguns biógrafos, o primeiro encontro dos noivos foi dos mais agradáveis para Leopoldina. Segundo ela, na recepção a bordo, ele permanecera a distância, observando-a enquanto ela era cumprimentada pelas pessoas, e foi o último a se aproximar. Ele disse seu nome, pegou a sua mão e não largou mais.

Conduziu-me ao salão de jantar, puxou a cadeira e, enquanto comíamos, piscou-me o olho e enlaçou a perna dele na minha debaixo da mesa. Sua audácia foi além. Quando fiz o meu discurso à mesa […] Pedro sussurrou-me: “É pena que não tenhamos permissão para dançar senão amanhã”.

Segundo a princesa registrou em seu diário, d. Pedro lhe parecera, além de exuberante, dono de excelente senso de humor: “Quando Pedro está perto de mim, sinto-me protegida e segura”. Apesar de d. Pedro não ter deixado registro pessoal escrito dessa fase de sua vida, nas cartas de d. Leopoldina para a família o que ressalta é a boa harmonia em que vivia com o marido. Para a irmã Maria Luísa ela escreveu no dia 8 de novembro de 1817: “Estou unida já há dois dias com meu marido, o qual não somente é belo, mas bom e sensato […] Sinto-me bastante feliz. […] Sou bem feliz com o meu marido”. Escrevendo ao pai, conta que estava muito cansada das tantas festas e que “além disto o meu querido esposo não me deixou dormir”. Quatro dias depois, desculpando-se pela má letra, diz que “o meu pueril senhor consorte empurra a minha mão”. Para a tia Amélia escreveu em 24 de janeiro de 1818: “A senhora bem sabe como é doce gozar, com uma pessoa que se ama com tanta ternura, da tranqüila felicidade campestre de que estou gozando, pois encontrei em meu esposo um amigo que adoro”. E ainda em 28 de fevereiro de 1820, dizia ao pai: “Posso garantir-lhe, caríssimo pai, que graças a Deus tenho um marido de caráter bom, justo, franco e direito e que possui um bom coração”.

A condessa de Künsburg, uma das damas que acompanharam d. Leopoldina ao Brasil, também dá testemunho, em carta datada de 9 de novembro de 1817, de que “o príncipe está encantado com sua esposa, e ela com ele”, e relata que ambos passeiam diariamente, sempre sozinhos, como dois amantes. Leopoldina rapidamente se adaptara aos hábitos esportivos de d. Pedro. Os dois eram sempre vistos passeando a cavalo nos arredores do Rio de Janeiro. Maria Graham — a viajante inglesa que esteve na corte durante o Fico e que serviu como aia de d. Maria da Glória por um curto período em 1824 — conta que eles davam dois longos passeios durante o dia. Um deles pela manhã, se havia alguma coisa relativa ao governo a ser feita, tal como armar navios ou equipar as tropas.

Os passeios eram dirigidos ao cais, ou ao arsenal, e eles passavam freqüentemente horas em barcos ou em navios, antes de voltar; nesse caso dignavam-se comer um rápido almoço de galinha frita com ovos, de qualquer dos oficiais em cujo departamento estivessem interessados. O passeio favorito era ao Jardim Botânico.

Mas também gostavam de subir até o Alto da Boa Vista, cujo clima ameno atraía os estrangeiros, muitos dos quais tinham ali chácaras. Foi durante um desses passeios que d. Leopoldina foi parar por acaso na casa do conde de Hogendorp. Hogendorp fora governador holandês em Java e, com a anexação da Holanda à França, entrara para o Exército francês no posto de coronel, tornando-se um dos mais valiosos generais de Napoleão. Foi governador francês em Koninsberg, Breslau e Hamburgo. Não lhe foi permitido acompanhar Bonaparte no exílio, como desejava, e por isso veio para o Brasil, onde vivia retirado em seu sítio na encosta do Corcovado. Conhecera d. Leopoldina em Viena, em 1807, e, depois desse reencontro, ela e d. Pedro visitavam-no sempre, ouvindo-o falar incessantemente sobre os grandes feitos de Napoleão. D. Carlota Joaquina não via com bons olhos a influência do general bonapartista sobre o filho e a nora.

As excursões matinais da princesa possibilitavam a colheita de muitas plantas e flores, das quais Leopoldina, que também se dedicava aos estudos de história natural, mandava cópias ao pai e à irmã, Maria Luísa. Conta Debret que foi encarregado de executar alguns desses desenhos, “o que ela ousava pedir, afirmava, unicamente em nome de sua irmã, ex-imperatriz dos franceses”. Escrevendo para o irmão, Francisco, em 1º de janeiro de 1818, d. Leopoldina dava detalhes do seu cotidiano no Brasil.

Levanto-me todos os dias às seis horas, pois já às oito e meia costumo ir dormir; é como apraz ao meu marido; aqui não é costume freqüentar o teatro exceto nos dias em que há grande gala. Depois, das sete horas até as dez horas, ando de coche, a cavalo ou a pé; então volto a casa, visito o rei para o beija-mão, e em seguida vem o meu mestre de gramática portuguesa e de latim. À uma hora estudo violão e, com o meu esposo, piano; ele toca viola e violoncelo, pois toca todos os instrumentos, tanto os de corda como os de sopro; talento igual para música e todos os estudos, como ele possui, ainda não tenho visto. Às três jantamos. […] Às seis horas vou passear outra vez e em seguida lemos algo e ceamos sozinhos. É este todos os dias o meu modo de viver.

Gostava desses estudos musicais que fazia junto com o marido, pois, como escreveu em carta de 24 de janeiro de 1818, assim “tenho a satisfação de estar perto de sua querida pessoa”. Leopoldina tinha verdadeira admiração pelo talento musical de d. Pedro, que costumava elogiar nas cartas para a família. Ao pai enviaria algumas das composições do marido, fazendo, no entanto, uma ressalva: “Falando sinceramente, é um tanto teatral”, mas a culpa era, completava, do professor de música de d. Pedro, Marcos Portugal.

A convivência com d. Leopoldina também contribuiu para melhorar as maneiras e a cultura geral do príncipe. Segundo ela mesma diria em carta para a irmã, datada de 10 de dezembro de 1817, ele demonstrava “a melhor vontade de progredir nos seus estudos”. Carlos Oberacker, biógrafo da imperatriz e muito rigoroso na avaliação de d. Pedro, reconhece que os pendores intelectuais de d. Leopoldina nunca foram obstáculo para as inicialmente boas relações do casal. O fato é, de acordo com o mesmo autor, que d. Pedro nunca desprezou instrução e cultura. Ao contrário, tal como se deixaria depois fascinar por José Bonifácio, também admirava a cultura da mulher e se deixaria influenciar por ela em muitos assuntos. Leopoldina era a primeira pessoa com uma boa bagagem cultural com quem d. Pedro entrava em contato íntimo.

Texto de Isabel Lustosa em "D. Pedro I, Um Herói Sem Nenhum Caráter", Companhia das Letras/Editora Schwarcz, São Paulo, 2006, capítulo 7. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

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