2.18.2011

O BOI E A VACA NA MITOLOGIA

Leopoldo Costa

Na mitologia indiana, a divindade Purusha podia ao mesmo tempo transformar-se em duas personagens um macho e outra fêmea. Certo dia a fêmea estava sendo assediada pelo personagem macho e para se proteger do assédio, ganhou o corpo de uma vaca e fugiu. O macho libidinoso por sua vez, para continuar o assédio, se transformou num touro e seguiu a vaca. A vaca foi então transformada em uma égua e assim se livrou do assédio.
Nandikeshvara, o deus da alegria, era representado por um homem com cabeça de touro.
O touro também era o símbolo de Adinath, primeiro profeta (‘tirthankara’) do Jainismo.
Existia a lenda da deusa Durga que matou o demônio Mahisha que havia se transformado num búfalo aquático. O touro sagrado Nandi assumiu que foi ele que tinha matado o búfalo e a partir deste episódio todos os touros foram adorados como animais sagrados para Shiva e Maheshvara, o esposo de Durga.

A figura de um touro nos céus é uma crença muito antiga e conhecida em quase todos os povos do hemisfério norte. A constelação de Touro (Taurus), na primavera, é a segunda que aparece nos céus. Várias e diferentes culturas acreditaram que pudessem ver a figura de um touro de olhos vermelhos, no arranjo das estrelas da constelação.

À entrada dos palácios dos Persas havia costumeiramente, duas estátuas de touros alados com cabeça humana, que eram chamados ‘kirubu’. A palavra transformou-se em ‘kerub/kerubim’ em hebreu, de onde nos veio a palavra ‘querubim’, para designar os anjos da primeira hierarquia.

Hércules ou Héracles, seu nome grego, conhecido pelos doze ‘trabalhos’ que tinha que fazer, três estão relacionados com bovinos.
Um dos ‘trabalhos’ era limpar, num único dia, os estábulos e currais do rei Augeias da Élida, onde existiam 3.000 bois. Hércules para realizar a tarefa, desviou as águas dos rios Alfeu e Peneu para os currais e estábulos, que levou embora todo o estrume do gado, deixando-os limpos.
O segundo ‘trabalho’ foi o de capturar o touro branco de Creta, muito violento, que destruía as lavouras da região, e levá-lo vivo até Euristeu, para que este o oferecesse em sacrifício a Juno. O touro tinha sido um presente de Poseidon a Minos para ser sacrificado, mas, Minos, não teve coragem de matar este touro tão bonito e forte. Hércules capturou o touro e montado no próprio animal, levou-o até Euristeu para o sacrifício.
O terceiro ‘trabalho’ foi o de capturar os bois do gigante Gerião. Para fazer isto, primeiro matou o gigantesco monstro Gerião que tinha três corpos, seis braços e seis asas, e capturou os bois que eram vigiados por um cão de duas cabeças e também um dragão de sete cabeças.

Outra lenda, conta que Hércules e Aquelôo disputavam o amor de Dejanira, bonita filha de Eneus, rei da Etólia. Houve uma violenta briga e Aquelôo perdeu, mas usando o seu poder de transformação, inerente das divindades aquáticas, transformou-se em uma serpente e atacou o seu rival. A serpente foi estrangulada por Hércules. Em nova tentativa transformou-se num touro que enfrentou Hércules. O touro sofreu uma forte bordoada na cabeça perdendo um dos chifres, que segundo a lenda foi a origem da Cornucópia- o ‘corno da abundância’.
Aquelôo era mitologicamente representado, entre outras formas, como um touro com cabeça de homem ou como um homem de barbas com chifres de touro.

Hades, o deus absoluto do mundo subterrâneo, era invocado num ritual que consistia em bater na terra com as mãos ou com varas para não deixá-lo adormecer, pois seria o fim do mundo. Como sacrifício para agradá-lo deveria ser imolado touros pretos e ovelhas pretas sempre durante a noite.

Dirce, outra personagem da mitologia da Grécia, enamorou-se de Licus, que apaixonado desprezou Antíope, com quem era casado. Dirce, além de roubar seu marido, tratava Antíope com grande crueldade o que deixou os filhos dela com Zeus (Anfião e Zetus) bastante indignados. Os dois irmãos decidiram conquistar Tebas, onde morava Dirce e a primeira coisa que fizeram foi vingar o que sua mãe tinha sofrido. Depois de presa Dirce foi amarrada com uma corda no pescoço de um touro selvagem que foi instigado a correr arrastando o o seu corpo até que ela falecesse e ficasse toda desfigurada. Depois seu corpo foi atirado numa fonte próxima de Tebas que a partir daí ficou conhecida como "Fonte de Dirce", o seu nome até hoje.

Uma lenda da mitologia romana conta que Ilo, um dos fundadores de Tróia (por isso Tróia era denominada Ilion pelos Romanos), tendo recebido 25 escravos e 25 escravas como prêmio de sua vitória nos jogos da Frígia, resolveu que tinha de fundar uma cidade para acomodá-los. Consultou um oráculo que o orientou para fazer o seguinte: soltar uma vaca e deixá-la caminhar à sua própria vontade. Onde ela parasse e defecasse seria o local  adequado para fundar esta cidade. Isto foi feito e a vaca depois de andar por um longo tempo, parou no vale do rio Escamandro, bem próximo onde o bisavô de Ilo já tinha antes construído uma cidade.

Outra lenda, recontada por Virgilio, na ‘Geórgicas’, é a de Aristeu, filho de Apolo, criador do queijo e protetor das colméias e das árvores frutíferas. Sendo casado com Autonoe, filha de Cadmus, apaixonou-se e fugiu com Eurídice, esposa do seu meio irmão Orfeu. Conta-se que por acidente provocou a morte de Eurídice, que foi picada por uma serpente. As Ninfas, amigas de Eurídice, como vingança, fizeram morrer todas as abelhas de Aristeu. Desolado, Aristeu consultou o oráculo Proteu, que o orientou a imolar em sacrifício quatro touros e quatro bezerros, para apaziguar a ira do espírito de Eurídice. Ele providenciou os animais, levando-os ao templo para serem sacrificados. Depois da cerimônia, e quando os animais estavam sendo evisceradas, das suas entranhas saíram vários enxames de abelhas que foram aprisionados e reconstituiram as colméias de Aristeu.

Temus, a deusa da terra dos romanos e correspondente à Geia dos Gregos, era representada sentada em um trono rodeada de flores e tendo submisso aos seus pés, um touro e uma ovelha. Horácio escreveu que Temus era a ‘mãe fecundante da terra e do gado’.

Saturno, o Cronos dos Romanos, era homenageado com sacrifícios humanos até 27 a.C. quando Roma tornou-se Império. A partir de então, os sacrifícios humanos foram definitivamente abolidos e substituídos por libações e sacrifícios de bois e bezerros. Sábado era o dia consagrado a Saturno, sendo a origem da palavra 'Saturday' dos ingleses.

Sabázio, divindade solar da Frígia, era representado como um homem dotado de chifres. Era atribuída a ele a domesticação dos bovinos.

Na Irlanda, a deusa guerreira Medb (Maeve) representava a sexualidade feminina. Ela teria raptado um touro mágico para satisfazer a sua vontade de ter um relacionamento sexual.
Entre as lendas irlandesas temos a de Boand, a dama das vacas brancas, que trazia fertilidade para a terra, irrigando-a com a água do rio Boyne, que é uma corruptela do seu nome.
Para os irlandeses, a vaca não era apenas um animal, mas também uma figura celestial. Acreditavam que a Via Láctea foi criada quando um semideus ordenhou o leite da deusa vaca Glas Ghaibhleann numa peneira.

Os Gregos davam como origem da Via Láctea quando a deusa Hera, derramou o seu leite pelos céus, enquanto amamentava seu guloso filho Héracles (Hércules). Em algumas narrativas medievais dos seguidores do Cristianismo, a Via Láctea foi criada pelo derramamento do leite da Virgem Maria enquanto amamentava Jesus.

Os Egípcios percebiam os céus como um grande ventre da vaca representando a divindade Hathor, com o sol despontado entre seus chifres.

A deusa ugarítica Anat, tomou a forma de uma vaca para poder cometer incesto com o seu irmão deus Ba’al que era um touro.

Na Escandinávia existe a lenda que foi  uma vaca quem livrou os seres primitivos do gelo, pois estavam todos congelados.

Na civilização cretense, o touro era o símbolo supremo. Ele era representado em murais e esculturas em diversos palácios, principalmente em Cnosos. Por um destas pinturas podemos ver uma tourada. Especulasse que a tourada era um entretenimento preferido pelos cretenses.Numa moeda de estáter de prata, pesando 11,5g, cunhada em Creta em 360 a.C, é mostrada no seu reverso a figura majestosa de um boi, simbolizando Júpiter (Zeus).

Zeus personificado em um touro raptou a princesa Europa e nadou com ela até a ilha de Creta. Lá Europa pariu três filhos, o primogênito foi Minos que logo exigiu o seu direito divino de reinar sobre a ilha. Para celebrar, pediu ao deus do mar, Poseidon (Mercúrio), que fizesse surgir das águas um touro para ser oferecido em sacrifício. Quando seu pedido foi satisfeito, achou o touro muito bonito, escondeu-o não deixando ser sacrificado e ofereceu outro touro em seu lugar. Poseidon descobriu que tinha sido enganado e como castigo fez com que a esposa de Minos se apaixonasse e ficasse com desejo de copular com o touro. Ela muito envolvida e libidinosa, pediu a Dédalo para fazer um molde em forma de vaca onde se escondeu nua e expondo apenas sua genitália  teve realizado o seu desejo. Da relação nasceu um monstro com corpo de homem e cabeça de touro, o Minotauro. Foi construído um palácio em forma de labirinto para que ele ficasse confinado. Era impossível alguém entrar e sair do palácio todo cheio de meandros e corredores sem saída. Várias tentativas terminaram com a morte do aventureiro por fome e sede. Minotauro era exigente.
Cada ano sete rapazes e sete donzelas virgens atenienses tinham que ser enviados a Creta como tributo de Atenas ao rei, e eram devorados pelo monstro. Esta situação perdurou durante muitos anos. Esta exigência do monstro só terminou com a chegada do rei Teseu de Atenas com o objetivo de abatê-lo. Primeiro ele conseguiu enamorar-se de Ariadne, a bonita filha do rei Minos, que apaixonada ajudou-lhe dando um novelo de lã para guiá-lo nos meandros do labirinto. Ele entrou, matou o monstro e conseguiu sair tranquilamente.

No antigo Egito, para se preservarem dos malefícios do feiticeiro Thyphon, eram sacrificados bois vermelhos.

‘Aleph’ a letra A, primeira dos alfabetos fenício, cretense, grego e latino, teve a sua origem na reprodução pictórica de uma cabeça de boi.
O boi como representação importante só tem rival principalmente nos países desérticos, pelo símbolo do camelo, que deu origem a letra ‘gama’, o nosso G.

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