3.31.2011

HISTÓRIA DA CRIAÇÃO DE GADO EM TOCANTINS

Leopoldo Costa

A colonização das Terras Altas (da barra do Palma à serra do Ouro), no Alto do Tocantins, aconteceu no século XVII, através da expansão da pecuária do Médio São Francisco. Somente com o início da mineração de ouro na terceira década do século XVIII é que foram instaladas as primeiras povoações, como Arraias, Chapada e Natividade do Alto Tocantins.
O norte do estado de Goiás sempre ficou atrasado em relação ao sul do estado, pela distância de Goiânia e a falta de apoio do governo para o seu desenvolvimento.

A predominância da pecuária em confronto com o sul, onde a agricultura era mais intensa, identificava a região mais com o norte de Minas Gerais (através dos caminhos com a Bahia) e com o oeste baiano. A comunicação por via fluvial a ligava ao Pará. Para reforçar as diferenças, todo o norte da capitania estivera, por quase um século, vinculado às administrações diocesanas do Pará e Pernambuco, enquanto que o sul da capitania de Goiás ficava vinculada a São Paulo e Minas Gerais.
O extremo norte de Goiás se encontra mais próximo de Belém (PA) e do sul do Pará, com os quais mantém intercâmbio mercantil, que de Goiânia, capital do estado.

Ainda no século XVII, os padres da Companhia de Jesus subiram o rio Tocantins e fundaram as aldeias missionárias da Palma (hoje cidade de Paranã) e do Duro (hoje Dianópolis). No ano de 1740, os índios destruíram o arraial da Palma, sendo que depois, em 1814 o ouvidor Joaquim Teotônio Segurado (1775-1831) reconstruiu-a, tornando-a sede da comarca de S. João das Duas Barras, depois conhecida como comarca da Palma.
Em 1821, Joaquim Teotônio Segurado chegou a proclamar um governo autônomo, mas o movimento foi reprimido. Joaquim Segurado sonhava numa expansão geoeconômica, em um comércio intensivo com o porto de Belém, via de acesso para a Europa, com navios carregados de matérias-primas do Tocantins, como algodão, fumo, carne seca, toucinho, banha, espichado (couro de boi), sola, couro silvestre, e com as canoas retornando de Belém carregadas de mercadorias do Reino. Povoar e fazer brotar produtos da lavoura e currais nas ribeiras do Tocantins. Era um sonhador.

Escreveu Martius (1794-1868) e Spix (1781-1826), in ‘Viagem pelo Brasil’      
"No Tocantins, há matas baixas sem folhas na estiagem. De gado bovino, cavalo e porcos dispõe a região tocantina para consumo. Açúcar bruto, cachaça, fumo, são produzidos em alguns distritos. Algodão e tecido muito grosso, couros de boi e de veado constituem francos artigos de exportação para Belém, daí seguindo pelo Oceano Atlântico. Entre as mais notáveis árvores, destaco a paru, cujas sementes são conhecidas pelo nome de fava-de-tonca, com sabor de baunilha. O sal, extraído nos margens do rio São Francisco, nas províncias de Pernambuco e Bahia, é importado em sacos de couro, os surrões, por tropas de burros. A tarefa mais arriscada é a do fazendeiro criador. Este precisa acudir depressa as boiadas e manadas de cavalos, cujos bandos aglomerados nas ilhas do rio ficam expostos a morrer de fome ou ao assalto das onças e dos jacarés. Centenas de animais domésticos são sacrificados pelas enchentes anuais. Criação de gado é quase o única ocupação dos sertanejos do Norte de Goiás. Eles despacham anualmente para a Bahia um considerável número de gado vacum e cavalos sendo estes últimos os melhores de Goiás. Somente o comércio de trânsito livre entre Pernambuco, Bahia e o interior do Tocantins traz as novidades da Coroa. Ou, então, usando o transporte fluvial pelo Tocantins: partindo de Porto Real, junto ao extinto arraial do Pontal, chega-se à cidade de Belém, em 15 a 18 dias de canoa".
Quem também retratou a terra e o povo do Tocantins no século XIX foi o cientista George Gardner (1812-1849), naturalista escocês. Viajando pelo interior do Rio de Janeiro. Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Ceará e Piauí, Gardner empreendeu viagem de Oeiras, então capital do Piauí demorando-se em Natividade, Duro (Dianópolis) e Arraias, fazendo pesquisas e descobertas de espécies animais e vegetais, além de estudos botânicos, zoológicos e sociológicos.
Sobre a propriedade rural, diz George Gardner. "Não há cercas entre as diversas propriedades, mas cada fazendeiro tem sua marca com que assinala todos os seus cavalos e bois antes de soltá-los a vaguear livremente".
A região erma do sudeste do Tocantins era chamada "pelos habitantes da terra, os Gerais. Raro a atravessam outros que não boiadeiros que levam seu gado para a Bahia. O Rio Preto separa a província de Pernambuco da de Goiás. O sal é um artigo de grande procura. Ao longo das margens da lagoa o solo é em muitos lugares. altamente impregnado de uma substância salina que, embora misturada a salitre, é, na falta de melhor, bem aceitável pela população. O sal não é muito limpo, mas uma porção que comprei preservou a carne muito bem. (...) A missão do Duro (Dianópolis) situa-se na serra do mesmo nome. A aldeia tem cerca de vinte casas. A maior parte é feita com armação de estacas cobertas de palmas. São dispostos de modo o formar um quadrado. A maior parte dos habitantes e de puro sangue índio, há alguns mestiços de pretos, geralmente escravos fugidos, que de tempos em tempos ali vieram estabelecer-se entre os primeiros. A vestimenta do homem é calça curta de algodão, feita de um pano grosseiro, tecido pelas mulheres. As meninas andam inteiramente nuas ate os nove ou dez anos e os rapazes até os quatorze. (...) A parte principal do alimento desta gente é de natureza vegetal: frutas silvestres, tais como cocos de palmeiras, pequi, puçá, mangaba, jatobá, pitomba, goiaba, araçá e outros. O pouco de sua alimentação animal é obtida pela caça. Não há escola. Fui informado de que a missão se estabeleceu no ano de 1730, com tropas trazidas de Pernambuco pelo tenente coronel Wenceslau Gomes, que conquistou a tribo dos índios Coroas (...) Alguns negociantes de Natividade descem anualmente o Rio Tocantins para ir a Belém vender couros e comprar artigos europeus. Aqui estendem o couro de boi em um canto e nele se deitam para dormir, sem tirar as roupas. A vila dos almas tem poucas ruas, com casas baixas, feitas de grandes tijolos crus. O juiz de paz, um preto crioulo, não sabia ler nem escrever. Era o principal comerciante da vila e fazia anualmente uma viagem a Bahia para comprar mercadorias. Todos se queixavam da carência de provisão e falta de dinheiro. Têm sido os portugueses perseguidos (desde os tempos da junta Provisória do Governo do Tocantins, de 1821-1824) e muitos reinóis são assassinados e esbulhados do quanto possuem: não há simpatia entre os brasileiiros e os portugueses". (George Gardner, in ‘Viagem ao interior do Brasil’)
Lysias Augusto Rodrigues (1896-1957), um dos criadores do Correio Aéreo Militar, redigiu um memorial ao presidente da República sugerindo a criação do território do Tocantins, tendo o mesmo recebido apoio de Pedro Ludovico (1891-1979), interventor federal em Goiás.
Somente 135 anos depois desta sugestão é que se repetiu a tentativa separatista malograda de Segurado.
Em 13 de maio de 1956, Feliciano Machado Braga, Fabrício César Freire, Osvaldo Cruz da Silva, João Matos Quinaud, Francisco Mascarenhas e Severo Gomes, lançaram o 'Movimento Pró-Criação do Estado do Tocantins', consolidando a expressão do desejo emancipacionista do norte de Goiás.

Feliciano Machado Braga enviou o seguinte documento ao presidente Getúlio Vargas (1882-1954):Manifesto ao Povo do Vale do Tocantins - Atendendo a um grande sentimento que desde ha muito viceja no setentrião goiano, nós, os habitantes do vale promissor do Tocantins, precisamos, nesta hora solene e decisiva dos destinos nacionais, conjugar todo o nosso esforço, a fim de conseguirmos a concretização deste nobre ideal: alcançar do Exmo. Dr. Getúlio Vargas, D.D. Presidente da República, a criação, urgente, do Território do Tocantins. O Norte de Goyaz, como todos sabemos marcha, morosamente até, na velha estrada da rotina, embargados, assim, os nossos passos, quebrantadas, destarte, nossas atividade, enfim, sufocadas nossas mais caras aspirações de bem estar e progresso. O sentido longitudinal de Goyaz, contando quatrocentas léguas de Sul a Norte, constitue obstáculo quase insuperável aos seus governos, no setor administrativo, de vez que este imenso território não se acha provido de vias de comunicação e transporte, indispensáveis à boa marcha dos negócios públicos’.
Feliciano Machado Braga, que era juiz de direito de Porto Nacional passou a despachar documentos oficiais como: "Porto Nacional, Estado do Tocantins". Em represália, o governo goiano o transferiu da cidade e o movimento esvaziou-se.

Na década de 1960 a ocorrência de conflitos agrários na região denominada 'Bico do Papagaio' na divisa entre o norte de Goiás, o Pará e o Maranhão reacendeu a causa dos que defendiam a emancipação da região.
Em 1972, foi apresentado pelo presidente da comissão da Amazônia, da Câmara dos Deputados, o projeto de redivisão da Amazônia Legal, do qual constava a criação do estado de Tocantins.

Em 1985 o deputado federal José Wilson Siqueira Campos (n.1928)  apresentou ao Congresso Nacional um projeto de lei criando o estado do Tocantins. Aprovado pelos parlamentares em março, foi encaminhado ao presidente José Sarney (n.1930) que o vetou em 3 de abril de 1985.

Uma possibilidade de se conseguir a emancipação ocorreu durante a ‘Assembleia Nacional Constituinte’ que estabeleceu no artigo 13 do "Ato das Disposições Constitucionais Transitórias" as condições para a criação do novo estado, no bojo de uma reforma que extinguia os territórios federais existentes e concedia autonomia política ao Distrito Federal.

Em 5 de outubro de 1988 o norte de Goiás finalmente foi emancipado passando a se chamar Tocantins. Em 1º de janeiro de 1989 o estado de Tocantins foi oficialmente instalado.
Em 20 de maio de 1989 foi fundada, as margens do rio Tocantins, a cidade de Palmas para ser a capital do estado a partir de 1 de janeiro de 1990.

O IBGE no Censo Agropecuário constatou que no dia 31/12/2008 havia no estado do Tocantins 7.392.000 cabeças de bovinos. Os cinco maiores rebanhos, que representavam 14% do total estavam nos seguintes municípios:
·        Araguaçu                    284.000 cabeças
·        Araguaina                   225.000 cabeças
·        Formoso do Araguaia   202.000 cabeças
·        Peixe                         160.000 cabeças
·        Sandolândia                150.000 cabeças
Outros 13 municípios tinham rebanho acima de 100.000 cabeças e 11 municípios com rebanhos irrisórios abaixo de 10.000 cabeças. Tocantins tem 139 municípios.

Uma das empresas pioneiras de abate e desossa de bovinos do estado, que na época ainda pertencia ao estado de Goiás, foi o Grupo Vestey que instalou em 1988 uma indústria em Gurupi. Mais tarde com o programa do grupo em retirar-se da indústria de carne no Brasil, foi vendido para empresários brasileiros.

Mais tarde foram instalados frigoríficos-abatedouros em Araguaína, Palmeiras de Tocantins e em Colinas do Tocantins. Atualmente o estado tem 16 frigoríficos instalados e projetos de no mínimo mais três.

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