3.18.2011

OS SUÍNOS: ORÍGEM, HISTÓRIA E MITOLOGIA

Leopoldo Costa




ORIGEM 


Os Suínos podem ter surgido na Europa ou na Ásia no início do período Oligocênio (entre 35 milhões e 23 milhões de anos atrás).


Nas Américas, a evolução dos pré-suídeos foi iniciada no período Eoceno (entre 53 e 35 milhões de anos atrás)  com o gênero Eohyus, seguido depois pelo Parayus, o Heloyus; no período Mioceno (entre 23 e 5 milhões de anos atrás) pelo Perchoerus e o Thinohyus.


A maioria dos estudiosos admite que a domesticação do S. scrofa, o atual porco doméstico, ocorreu na China à cerca de 4.900 anos antes de Cristo.

Outros argumentam que possa ter ocorrido na Tailândia ou no litoral mediterrâneo à cerca de 8.000 anos antes de Cristo.  Existem indícios do porco ter sido usado como alimento em pesquisas realizadas no parque da Sierra Cebollera em Rioja, na Espanha e em algumas regiões litorâneas italianas.


O arqueólogo da Universidade de Delaware M. Rosemberg, defende, baseado em suas pesquisas, que a domesticação pode ter ocorrido no leste da Turquia a 8.000 anos a.C. Escavações arqueológicas realizadas em Çayonu Tepesi reforçam esta possibilidade.


Nos montes de ossos do período Neolítico (‘kjokken moddings’), descobertos no sul da Europa, não foram encontrados ossos de porcos domésticos e sim, apenas ossos de javalis o que  nos deixa acreditar que a domesticação dos suínos pode mesmo ter acontecido na Ásia e foi trazida para a Europa Meridional durante a migração dos Arianos e depois espalhado pelo centro e norte europeu.


André Sanson (1826-1902) na sua obra ‘Traité de Zootechnie’ publicado em 1901, classificou os suínos em três grupos étnicos: tronco asiático, tronco céltico e tronco ibérico. Nestes três troncos ele distribuiu todas as raças conhecidas. 
  • O tronco asiático é mais presente na Ásia, os animais engordam facilmente e produzem muito toucinho. 
  • O tronco céltico é o porco da Europa Central, apresenta toucinho rijo, alimentava-se com tubérculos que arrancam do solo e com frutos das arvores, como as bolotas do carvalho. Está em extinção devido aos cruzamentos com raças melhoradas. 
  • O tronco ibérico são os porcos da Europa Meridional, com tendência a estender-se para o Norte.


HISTÓRIA


Os habitantes da Babilônia e da Assíria apreciavam bastante a carne de porco, a ponto de tornar o porco motivo de suas gravuras, esculturas e baixos-relevos.


Na ‘Odisséia’, Homero (século VIII a.C) relata que quando o herói Odisseu (Ulisses) retornava da Guerra de Tróia (1194 a 1184 a.C), em algum local da costa do mar Mediterrâneo, a feiticeira Circe transformou toda a tripulação do seu barco em porcos por um período de sete anos, o tempo que eles ficaram reféns da feiticeira.


Columela (4-?70) ensinava equivocadamente que o porco não poderia beber água no dia do seu abate, pois se o fizesse a carne seria prejudicada na sua qualidade.


Aristóteles (384-322 a.C) que foi preceptor de Alexandre, o Grande e deixou tantos ensinamentos filosóficos importantes para a Humanidade, escreveu equivocadamente  [1], que o porco era o único animal sujeito a contrair sarampo.


Plínio, o Velho (23-79) afirma que só da Etrúria, eram enviados para Roma cerca de 20.000 porcos por ano.


Na Gália antiga a figura do porco era estampado nas moedas.

No sul da Germânia, hoje Alemanha, havia o costume de enterrar com o defunto, um leitãozinho.


Os nativos de Pápua-Nova Guiné caçavam os porcos selvagens para servir de alimento. Usavam cães treinados que localizavam as manadas e com lanças e outras armas abatiam todos que podiam. Os filhotes destes porcos selvagens não eram abatidos e sim capturados para serem adotados como animais de estimação. Eram criados dentro das casas em convívio direto com as pessoas e os cães. Dormiam juntos com as crianças e eram considerados membros da família. Quando atingiam a idade adulta eram abatidos sem nenhum remorso para o consumo e os melhores reservados para a procriação.


Na Idade Média, o consumo da carne de porco era considerado símbolo da gula e da luxúria.

Alexandre, o Grande (356-323 a.C) oferecia como prato principal em seus lautos banquetes aos generais e seus soldados, leitões assados servidos em ricas bandejas de ouro.


Paládio, escritor romano do século IV, ensinava que no Império Romano, os pernis e o toucinho (bacon?) eram curados durante os dias mais frios do inverno, para serem servidos depois..


Pesquisas arqueológicas indicam que a maioria dos porcos eram abatidos no outono, quando completassem entre 15 e 18 meses e atingissem o seu peso máximo.


Carlos Magno (747-814) exigia que fosse servida carne de porco para seus soldados. Foi ele que editou as leis Sática e Bolonhesa que prescrevia severas punições para os ladrões de porcos. Foram encontrados em sítios arqueológicos datados desta época, no vale do rio Pó, no norte da Itália, ossadas de porcos que serviram de alimento. Eram animais pequenos que pesavam entre 30 kg a 35 kg.


Guilherme I, o Conquistador (1027-1087), rei da Inglaterra, decretou em 1066, que quem matasse um cachaço reprodutor seria punido com a perda dos seus olhos.


Em 17 de julho de 1408, uma porca foi condenada ao enforcamento na cidade francesa de Pont de L’Arche, condenada pelo crime de ‘assassinar uma criança’.


No final do século XV toda a Europa já conhecia os porcos, só que ainda não como o animal de hoje, que foi obtido apenas no século XVIII com o cruzamento do porco europeu com o chinês.


Na América, os suínos foram introduzidos na segunda viagem de Colombo em 1493, quando foram desembarcados oito animais na ilha de Santo Domingo. Hernan de Soto (1496/1497-1542) desembarcou 13 porcos na Flórida em 1539. Por volta de 1542 a descendência desses animais já era de 700 cabeças.


J.-L. Flandrin  afirmou no  seu documento ‘A distinção pelo gosto’,  na ‘História da Vida Privada’ organizado por Roger Chartier,  que a carne de porco foi perdendo prestígio ao longo da Idade Média, junto à nobreza. Primeiro as orelhas deixaram de ser consumidas pelos nobres (1659), depois as costelas (1660), a fressura e a banha (1667) e até a própria carne a partir de 1670.


NO BRASIL


No Brasil os primeiros animais chegaram em 1534 em São Vicente com Martim Afonso de Souza (1500-1571). Os rebanhos por aqui evoluíram bastante e já em 1580, viajantes e cronistas descreviam a quantidade de porcos que viam nas diversas regiões.


No final do século XVII e durante o século XVIII, Minas Gerais se destacava como o maior produtor de suínos da colônia.

A região de Formiga exportava bastante para o Rio de Janeiro, só um comerciante relatou a Saint-Hilaire (1779-1853) em 1818, que tinha exportado 20.000 cabeças.

Também eram importantes as exportações de São João del Rey, Oliveira e Tamanduá (hoje Itapecerica).

Saint-Hilaire informou que a raça de porco mais comum na região era a Canastra, ‘um animal preto, orelhas eretas que pesava quando cevado, mais de 8 arrobas (120 kg)’. Também acrescentou que os porcos eram levados a pé até a cidade do Rio de Janeiro, que dista 80 léguas de Formiga, recebendo o condutor 6.600 réis pela empreitada.[2]


A carne de porco era de consumo quotidiano na Bahia. A viajante e cronista inglesa Maria Graham (1785-1842), no seu diário de uma viagem que fez ao Brasil entre 1821 e 1822, conta que em Salvador um dos pratos mais populares era 'feijão com carne de porco'.


No Brasil, como em quase todo o mundo, até a década de 1950, o porco além da carne era o fornecedor da banha para a cozinha. Não era ainda suficientemente conhecido o uso dos óleos vegetais. Quando começou o uso de óleo vegetal, inicialmente a 'banha de coco' e logo depois o óleo de milho, muitas donas de casas não os recomendava pois segundo elas deixava as refeições 'fracas sem sustança'. 


A banha é conhecida desde a Antiguidade como alimento e como medicamento. Sobre o seu preparo  naqueles tempos, existe uma descrição pormenorizada feita por Dioscórides Anarzabeu, famoso médico que viveu no século XV.


Foi com a produção e a comercialização de banha suína que Francisco (Francesco) Matarazzo (1854-1937) começou a acumular a sua imensa fortuna. Os rivais da família Matarazzo, também italianos, contam que ele importava as barricas de madeira da Itália e elas vinham clandestinamente cheias de banha de porco. Parece mesmo uma intriga, pois para poupar espaço nos navios, as barricas vinham desmontadas.


Na década de 1950 também houve a introdução de raças europeias especializadas na produção de carne e começou a criação industrial sendo que os estados da região sul destacaram nesta atividade.


Antes o porco vivia solto nas fazendas fuçando os terrenos úmidos ou confinados num rústico chiqueiro. Comiam restos das refeições que ficassem nos pratos ou estragasse, a ‘lavagem’, alguns tubérculos e raízes e um pouco de milho em espiga. Levava-se até 9 meses para atingir o peso de abate de 100 kg, apresentando apenas 45% de carne na carcaça. Consumia cerca de 4 quilos de alimentos para produzir 1 quilo de carne. A espessura da camada de toucinho atingia de 5 a 6 centímetros.

Atualmente, com a criação industrial, os animais crescem confinados em condições higiênicas, alimentam-se com rações balanceadas à base de milho, farelo de trigo e soja. Atingem em 150 dias o peso de 100 kg e a taxa de conversão é de 2 kg de ração para 1 kg de carne. Podendo ser obtido entre 58% a 62% de carne por carcaça, sendo a camada de toucinho entre 1,5 cm e 1 cm. A carne suína tornou-se mais saudável, baixando o seu nível de colesterol. Apresenta um nível de gordura intramuscular entre 1,1% e 2,4%, semelhante ao da carne de aves sem pele e bem abaixo da taxa média de 2,5% da carne bovina e da taxa de 6,5% da carne ovina.
  
NA MITOLOGIA E RELIGIÕES

Os Gregos sacrificavam leitões nos altares dedicados aos deuses Ceres, Marte e Cibele. Entre os Cretenses, o porco era um animal sagrado, pois, pela lenda Júpiter quando recém nascido teria sido amamentado por uma porca.

Na mitologia do Nepal, a deusa Varahi ou Barahi é representada com a cara de porca. Ela é a protetora dos templos e  das construções em geral.

Na roda budista de reencarnação o porco representava a luxúria, a serpente a raiva e a aversão e o galo a ignorância e a confusão.

Na cultura chinesa o porco representava abundância, mas ele também suportava a nossa natureza animal.


Também, por uma coincidência desconcertante para os cristãos, quando os primeiros missionários portugueses chegaram a China o nome do animal serviu para criar um trocadilho com o nome de Cristo, pois na língua chinesa é bem semelhante.


No Budismo tibetano existe uma deusa Dorje Pakmo ou Dorje Phakmo e em sânscrito Vajravarahi que significa Porca Adamantina. Ela é também conhecida como Sera Kandro e acredita-se ser a reencarnação da esposa do deus Demchok (Heruka). É a mais alta encarnação do sexo feminino no Tibet e a terceira pessoa da mais alta posição na hierarquia após a Dalai Lama e Panchen Lama.


A deusa da mitologia indiana Durga é representada como uma porca selvagem. Um templo dedicado a deusa foi construído no bosque Chapagaon no Nepal. Ele foi construído por Sri Bas Malla sob encomenda do guru Viswanath em 786. A atividade (‘shakti’) de todos os deuses se manifestam como Durga, que foi muitas vezes vitoriosa sobre as forças do demônio. No grande terremoto ocorrido na região em 1990 milagrosamente o templo sobreviveu, enquanto todas as construções em torno dele foram destruídas.


No Egito a deusa Nuut é a protetora da noite, mãe das estrelas e muitas vezes é representada em amuletos, como uma porca amamentando os seus leitões.


Na Grécia os suínos eram considerados consagrados a Demeter, deusa da fertilidade do solo. Ela é a mãe de Perséfone, a deusa do submundo. No outono durante os rituais das Tesmoforias [3], seus devotos conduziam um grupo de suínos para uma gruta. Mais tarde eles retornavam para observar se a divindade tinha aceitado sua oferenda, examinando a carcaça de cada porco que tinha sobrado. Mais tarde o seu culto foi absorvido pelo da deusa Ceres, para quem continuava a oferenda de porco.


Os suínos eram também sacrificados para homenagear Hércules (Héracles), Vênus e Lares quando os devotos faziam promessas para a cura para as suas doenças.

Em Roma um porco era a oferenda predileta do deus Saturno. Foi por isso que Marcial escreveu: ‘Esse porco irá proporcionar uma grande Saturnália.


A deusa céltica Ceridwin, era associada com a lua é referida como a ‘antiga porca branca’. Os Celtas se incluíam entre os povos que consideravam a carne suína o melhor alimento para os deuses. Existe a lenda de que Manannan, o deus do mar, tinha um rebanho de porcos mágicos que eram abatidos e consumidos num dia e no dia seguinte renasciam e estavam prontos de novo para serem abatidos e consumidos.

A mesma lenda se repete na mitologia escandinava: as Valquirias serviam os guerreiros a carne de um porco chamado Saehrimmir, preparada pelo cozinheiro divino Andhrimir. Milagrosamente o animal voltava vivo para a próxima refeição.


Na Inglaterra, nas lendas do rei Artur (o da Távola Redonda), existe uma chamada ‘The Hunting of Twrch Trwyth’, que relata a história de uma porca selvagem mágica que tinha um pente, uma tesoura e uma navalha entre as orelhas.


A celebração do Yuletide foi adotada pelos Saxões, que ofereciam um porco como um sacrifício de solstício de Inverno como era hábito na Escandinávia. Um leitão com uma maçã na boca era uma iguaria servida nas comemorações de Natal na Grã Bretanha que invocavam também essa lembrança, pois a comemoração do Natal coincide com o solstício de inverno no Hemisfério Norte.


No Egito, enquanto o porco comum era consagrado a deusa Isis o porco preto era consagrado a seu irmão e rival o deus Seth. O aspecto do porco preto era considerado responsável pelo obscurecimento do sol durante o eclipse e por isso Hórus furou um dos seus olhos.

Na figura oriental de Artemis, que remete a Diana de Éfeso, ela é associada com o suíno.
Adônis, o deus grego que foi importado do Oriente Médio foi morto pelas presas de um porco selvagem. A propósito, o seu nome que é derivado de ‘adohn’ (senhor), provavelmente refere-se a Tammuz, esposo da deusa Ishtar.


Um porco que voa é associado com Clazomenae, a cidade da Ásia Menor onde nasceu Anaxagoras (499-428 a.C.)


No Bhagavad Gita, um dos livros santos da Índia, por falta de respeito pelos deuses o guru Brihaspati, o Sábio, foi transformado em porco por Indra, o rei dos deuses.

Hiranyaksha, o ‘Demônio de Olhos Verdes’, mereceu um presente do deus Brahma por ter sido muito respeitoso na sua devoção a ele. Modestamente pediu para ser o rei do mundo inteiro e que nenhum animal que ele mencionasse pudesse feri-lo. Mencionou todos os animais e esqueceu-se do porco. Tendo o seu desejo realizado Hiranyaksha saiu como um desvairado, saqueando tudo e roubou até os livros sagrados. Vishnu assumiu a forma de um porco selvagem, feriu-o com as suas presas e jogou-o nas profundezas do mar para salvar o Mundo. Ele demorou cem anos para matar Hiranyaksha. Vishnu pacificou tudo e adaptou a Terra para uso da humanidade moldando suas montanhas e recortando os continentes.


Como curiosidade listamos algumas palavras na língua inglesa que refere-se a suínos:

Português
Inglês
Suíno
Swine
Porco em geral (sem definir sexo)
Pig
Porco para abate
Hog
Porco macho (cachaço)
Boar
Porca para criar
Sow
Porca que nunca criou, marrã
Gilt
Leitões (filhotes)
Piglets, Shoats or Farrow
Carne suína
Pork











[1]  Também escreveu outras asneiras, por exemplo, que  as mulheres tinham o sangue mais escuro do que o dos homens e menor quantidade  de dentes; e se as pessoas casassem  precocemente os filhos gerados seriam todos do sexo feminino.
[2] Saint-Hilaire, Augusto de- Viagem às Nascentes do Rio São Francisco e pela Província de Goiás. (1937)
[3]  O festival grego da “Tesmoforias” era celebrado anualmente em outubro, em honra a Deméter e era exclusivo para mulheres. Se constituía de três dias de celebrações pelo retorno de Coré ao Submundo. Neste festival, os iniciados compartilhavam uma beberagem sagrada, feita de cevada e bolos. Uma das características da Tesmoforia era uma punição aos criminosos, que agiam contra as leis sagradas e contra as mulheres. Sacerdotisas liam a lista com os nomes dos criminosos diante das portas dos templos das Deusas, especialmente Deméter e Ártemis. Acreditava-se que aqueles desta forma amaldiçoados morreriam antes do término de um ano.


Não deixe de também  dar uma olhada:

OS SUÍDEOS

CRIAÇÃO DE SUÍNOS NO BRASIL- AS RAÇAS BRASILEIRAS

SUÍNOS - PRINCIPAIS RAÇAS DO MUNDO

SUÍNOS – IMPORTÂNCIA DO BRASIL NO CENÁRIO MUNDIAL

RENDIMENTO DE SUINOS USANDO ULTRA-SONOGRAFIA

CARNE DE SUÍNOS EM FASE DE CRESCIMENTO



2 comments:

  1. Todos os porcos que conhecemos atualmente está associada a três espécies de javalis:
    Sus scrofa scrofa - originária da Europa e do norte da África
    Sus scrofa vittatus - originária da Indonésia, Japão e China
    Sus scrofa cristatus - originária da Índia.

    ReplyDelete

Thanks for your comments...