4.29.2011

CONSUMO ALIMENTAR: ESTUDOS EPIDEMIOLÓGICOS

Introdução

Dados sobre consumo de alimentos em um país têm importância não apenas para a definição do risco de morbidade, mas também são necessários para o estabelecimento de políticas de produção e distribuição. Sob este aspecto, tais informações são essenciais para a garantia da Segurança Alimentar, condição em que está garantido o direito à alimentação de qualidade para todos1, 2.
As dificuldades operacionais relacionadas a aplicação de técnicas de inquérito dietético são inúmeras3, e talvez por isto, as informações sobre consumo alimentar da população são escassas. A mais importante fonte de dados nacionais data de 1974/75, proveniente do Estudo Nacional sobre Despesa Familiar - ENDEF4, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Pesquisas posteriores não trataram o consumo alimentar com prioridade: foram elas a Pesquisa de Orçamento Familiar - POF5, realizada também pelo IBGE em 1987/88 e repetida na década de 90, com enfoque econômico, e a Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição - PNSN de 1989, realizada em parceria entre o Ministério da Saúde, o IBGE e o IPEA -  Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas, com abordagem dirigida a indicadores antropométricos. Em 1996, o Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição, extinto em 1997, propôs a realização de um Estudo Multicêntrico sobre Consumo Alimentar - EMCA6, inicialmente concebido para levantar dados em 10 áreas metropolitanas. Dificuldades logísticas, especialmente relacionadas a infra-estrutura regional e custos, determinaram que apenas 5 municípios fossem inseridos no Estudo. Em cada um deles, identificou-se um grupo de pesquisa capaz de garantir as condições locais de execução dos trabalhos: Goiânia (Departamento de Nutrição da Universidade Federal de Goiás), Rio de Janeiro (Departamento de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro), Ouro Preto (Departamento de Nutrição da Universidade Federal de Ouro Preto), São Paulo (Universidade de São Paulo), Curitiba (Departamento de Nutrição da Universidade Federal do Paraná) e Campinas (Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação, Universidade Estadual de Campinas). Outros trabalhos foram produzidos a partir dos dados destes estudos, e trazem contribuições importantes sobre o tema consumo de alimentos7, 8, 9.
Dadas as diferenças metodológicas de cada um dos estudos, não é possível estabelecer uma comparação linear dos resultados; contudo serão comentados os principais achados quanto ao consumo de alimentos, bem como as tendências que podem ser percebidas quanto ao perfil de consumo de alimentos.


ENDEF, POF e Multicêntrico: o que mudou?

O Estudo Nacional da Despesa Familiar - ENDEF, realizado nos anos de 74 e 75 e publicado em 1977, envolveu a maior logística já empregada para um estudo desta natureza no país. Os entrevistadores frequentaram, por 7 dias, o domicílio das famílias amostradas, e mediram o consumo de alimentos por meio da pesagem direta de tudo o que era produzido e rejeitado. Os levantamentos feitos pela Pesquisa de Orçamento Familiar empregam o registro em uma caderneta, feito pela própria família, de todos os ítens alimentares consumidos em um mês; para o cômputo do consumo, são também registrados os itens já existentes no domicílio (estoque inicial) e o que restou (estoque final). Já o Estudo Multicêntrico sobre Consumo Familiar entrevista o responsável pela compra de alimentos, e o entrevistador registra tudo o que é adquirido ou recebido por doação no período de trinta dias.
Excetuando-se Curitiba, onde o dado de renda não foi disponibilizado, as outras quatro cidades integrantes do EMCA mostram variações negativas de consumo para alguns gêneros básicos, como o arroz (entre 15 e 30 % de 1974 a 1996) e o feijão (entre 16 e 38% no mesmo período), de maneira mais expressiva em relação ao ENDEF do que em relação à POF/87. Outro alimento com variação negativa entre 1974 e 1996 para três dos quatro municípios foi o ovo, mais sensível no período 1987 a 1996 para Campinas e Ouro Preto.
Entre os alimentos origem animal que apresentaram variação positiva destacam-se o queijo, cujo consumo aumentou até 222% como observado para o Rio de Janeiro no período de 1974 a 1996 e o frango, com  variações entre 92 e 163% no mesmo período, e entre 84 e 185% para o período de 1987 a 1996. O consumo de carne foi menor no período de 1974 a 1996, tendo aumentado cerca  30% em Goiânia, Ouro Preto e Rio de Janeiro, e entre 150 a 270%  de 1987 a 1996 nos mesmos municípios. Contudo, o consumo de carne não aumentou em Campinas, que chegou a registrar variação negativa no período  de 1974 a 19966.
Outros alimentos com variação positiva de consumo foram as farinhas de trigo, de mandioca e fubá para os quatro municípios e o refrigerante, que aparece com variação positiva para os quatro municípios em qualquer dos dois períodos, chegando a mais de 500% em Campinas e Goiânia, e para a salsicha em Campinas e Ouro Preto no período 1987-1996, com aumento de 324 e 550%, respectivamente. Detalhes sobre outros alimentos podem ser vistos no relatório técnico do EMCA6, que também informa sobre alimentos de consumo regional, com frequência diferenciada nos cinco municípios estudados.
O estudo de outros determinantes de consumo, como a composição familiar e a renda, podem também fornecer subsídios para a compreensão das alterações observadas no período compreendido por estes levantamentos.

Referências bibliográficas

1. VALENTE, F.L.S. Do combate à fome à segurança alimentar e nutricional: o direito à alimentação adequada. Revista de Nutrição, 10(1):20-36, 1997.
2. Conselho Nacional de Segurança Alimentar. I Conferência Nacional de Segurança Alimentar. Brasília, 1995.
3. Domene, S.M.A. Metodologia de inquérito alimentar. Ciência e a Nutrição do Brasileiro. 48a. Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Anais, São Paulo, julho de 1996.
4. Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estudo Nacional da despesa familiar. Publicações Especiais, Rio de Janeiro, 1977.
5. Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Departamento de Índice de Preços. Pesquisa de Orçamentos Familiares. Série de relatórios metodológicos, v. 10. Rio de Janeiro, 1992. 218 p.
6. Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição. Estudo Multicêntrico sobre consumo alimentar. NEPA - UNICAMP, MS. Cadernos de Debate, Campinas, suplemento especial, 1997.
7. GARCIA, R.W.D. A comida, a dieta, o gosto. Mudanças na cultura alimentar urbana. Tese de Doutorado. Insituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, 1999. 315 p.
8. MONTEIRO, C.A.; MONDINI, L. SOUZA, A.L.M.; POPKIN, B.M. Da desnutrição para a obesidade: a transição nutricional no Brasil. In: Velhos e novos males da saúde no Brasil: a evolução do país e de suas doenças (Monteiro, C.A., org.), pp.247-55, São Paulo: Hucitec-Nupens/USP, 1995b.
9. VALENTE, F.L.S. Repensando a área dentro da perspectiva da Conferência Nacional de Alimentação e Nutrição. A problemática alimentar e nutricional no Brasil. Saúde em Debate, n. 23:50-57, 1988.

Autoria de Semíramis Martins Álvares Domene, professora titular do Curso de Nutrição da Faculdade de Ciências Médicas, PUC-Campinas-SP, como 'Consumo alimentar: evolução dos resultados de levantamentos epidemiológicos no Brasil'
in: ANAIS DA IX JORNADA DA FACULDADE DE NUTRIÇÃO DA UFF- 19 a 21 de setembro de 2000- Niterói – Rio de Janeiro- Editado para ser postado por Leopoldo Costa.

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