5.26.2011

A GUERRA DO PARAGUAI

Francisco Solano Lopez que, em 1862, sucedera seu pai, Carlos Lopez, como ditador do Paraguai, tinha visitado a Europa, em missão diplomática, e viera deslumbrado com a magnificência das cortes, seduzido com idéias de grandeza e de preponderância na América do Sul. Havendo-se preparado durante muitos anos, desde os tempos do governo de seu pai, esperava apenas um momento propício para alarmar o continente com sua engendrada política. O Brasil lhe deu o pretexto, com a invasão do Estado Oriental. Imediatamente, o ditador iniciou suas hostilidades, sem prévia declaração de guerra, o que só se formalizou em dezembro de 1864, após o aprisionamento do vapor Marquês de Olinda, que passava por Assunção, em viagem a Mato Grosso, levando o presidente da Província, coronel Carneiro de Campos.

No dia seguinte à declaração de guerra, feita ao nosso ministro em Assunção, López mandava invadir Mato Grosso, por cerca de seis mil homens, destacados do acampamento central de Cerro Leon. Em dezembro de 1864, a infantaria paraguaia, que fora conduzida em navios de esquadrilha e se achava sob o comando do general Barrios, ataca o forte de Nova Coimbra, guarnecido apenas por cerca de 150 soldados. Durante dois dias, estes poucos heróis resistem aos ataques furiosos do inimigo, até que, vendo esgotados todos os recursos de ação, o comandante da praça, coronel Porto Carrero, resolve abandoná-la, retirando-se com o resto de seus comandados. No dia seguinte, o inimigo ocupa o forte abandonado, onde estabelece seu centro de operações. Dali, expediu os coronéis Resquin e Urvieta para investidas contra outras povoações, e estes, subindo o rio Paraguai, foram se apoderando de Albuquerque, Miranda, Dourados e Corumbá, bem como de vários outros pontos desguarnecidos.

Em janeiro de 1865, os paraguaios já se achavam senhores de todo o sul da nossa longínqua e desventurada província, onde estabeleceram logo uma administração provisória. Os mandatários de López, ao mesmo tempo que usavam largamente o seu direito de saque, tentaram inspirar simpatias aos míseros habitantes do território invadido e que o ditador, de imediato, considerou incorporados aos seus domínios. A tática dos invasores, porém, não produziu o efeito calculado e Barrios não pôde estender suas conquistas para o norte.

Lopez, no entanto, tinha dado provas de seu tino estratégico, embora não conseguisse o que fora planejado. Se, por um lado, aumentava as complicações com que já se via o governo imperial, empenhado na guerra contra os "blancos" no Uruguay, por outro lado, Lopez fazia esforços para conseguir alianças entre os vizinhos, especialmente com o governo de Buenos Aires. Apesar da violência desusada e do imprevisto da sua atitude (e, talvez, por causa disso mesmo), o tirano paraguaio viu frustrados seus intentos. Até que chegara a conseguir promessas de ajuda do general Urquiza, governador da província argentina de Entre Rios (limítrofe ao Paraguai), contra os invasores do Estado Oriental. Isso, no entanto, lhe custou a desvantagem de deixar em alerta o general Mitre, presidente da República Argentina, que se apressou em declarar a neutralidade desse país na guerra entre Paraguai e Brasil. Desse modo, privado de um concurso que lhe era tão necessário, o ambicioso ditador tinha de ficar desvairado. Não podendo competir com nossa esquadra, e precisando atravessar território estrangeiro para chegar ao seu alvo, López se viu na necessidade de apelar à força, insurgindo-se contra todos os vizinhos (Brasil, Uruguai e Argentina),

O governo imperial, mal contendo sua indignação ante o ataque inesperado de Mato Grosso, tratou de liquidar a situação de nossas armas no Uruguai. Tomada a praça de Paissandu, conforme narrado no capítulo anterior, os aliados marcham imediatamente contra Montevideu e, ao cabo de alguns dias de sítio, a 20 de fevereiro de 1865, a capital uruguaia se rende. O general Flores assume o governo provisório da República Oriental e, no dia seguinte, dá ao governo imperial, em nome de sua nação, todas as satisfações que haviam sido exigidas de Aguirre. Regulados os negócios que explicavam a ação do Império na república vizinha, nosso governo volveu toda a sua solicitude contra o ditador paraguaio.

O início da guerra com o Paraguai (1º de maio de 1865)

Desiludido do concurso dos argentinos ou, pelo menos, da simpatia com que contava entre os republicanos do Prata, Lopez entendeu que só a golpes de audácia e temeridade é que poderia abrir caminho entre as populações vizinhas. Como, da parte argentina, o presidente Mitre não lhe permitisse atravessar o território de Missões para invadir o Brasil, o ditador surpreende aquela nação, aprisionando-lhe dois navios no rio Paraná, e, em seguida, invadindo a província de Corrientes. Essa violência espantosa comove, fortemente, os argentinos. Até aqueles que haviam afagado as esperanças de Lopez, como o seu amigo Urquiza [o já citado governador de Entre Rios], são os primeiros a pedir guerra contra ele. Assim, Lópes conseguia levantar contra ele os três povos da América Oriental. Em Buenos Aires, a 1º de maio de 1865, Brasil, Uruguai e Argentina celebraram, pois, o tratado da Tríplice Aliança.

Segundo esse tratado, o comando geral dos exércitos, que ia entrar em operações contra o ditador agressivo (muito inferior, em número, que o exército paraguaio), era confiado ao general Mitre. O comando das forças navais, exclusivamente brasileiras, ficava com o almirante Tamandaré. Todavia, as três nações, que iam reprimir os instintos de López, achavam-se quase de todo desprevenidas para uma campanha em condições tão excepcionais. Os argentinos dispunham de cerca de seis mil homens, espalhados pelas fronteiras, empenhados em abafar motins e em conter os índios do Chaco. Os uruguaios tinham mil e poucos homens. O Exército Brasileiro, comandado pelo general Osório, compunha-se de vinte mil combatentes. No mar, só o Brasil tinha forças capazes de enfrentar as fortificações que Lopez levantara em diversos pontos, às margens do rio Paraguai.

Antes de tudo, portanto, cumpria aos aliados cuidar ativamente de preparar elementos suficientes para reprimir a sanha do inimigo. Felizmente, em tão grave conjuntura, os três governos contaram com o patriotismo inflamado dos respectivos povos, afrontados nos seus brios. No Brasil, por toda a parte, se levantavam legiões de voluntários. Em todas as províncias do sul, a guarda nacional foi chamada às armas, enquanto se fabricavam munições de guerra em nossos arsenais e até se construíam navios, para reforço da esquadra. Assim foi que, em pouco tempo, as forças aliadas tinham-se multiplicado, deixando pronto para a campanha, um exército de cerca de quarenta mil homens, concentrados em Concórdia, São Borja, Itaqui, Uruguaiana, Paissandu e em outros pontos do Rio Uruguai.

Com a invasão da República Argentina, Lopez deixava perceber todo o seu plano. Tendo-se assenhoreado de todo o norte da província de Corrientes, ali assentara a sua base de operações contra os seus três inimigos e, principalmente, contra o Brasil. Pisando em território da Confederação, o ditador levava, ainda, a esperança de chamar a si as simpatias das populações e o apoio dos caudilhos, alguns dos quais não lhe desmentiram, aliás, essas esperanças, atestando que ali, mais que o sentimento da pátria, alguns corações eram movidos pela paixão política. Porém, ao esperar, na província de Corrientes, pelo efeito calculado de seu golpe de força, o ditador comprometia todo o êxito de seus projetos. O primeiro pensamento dos aliados foi o de privar os paraguaios das vantagens que obtiveram com a ocupação de Corrientes.

As avançadas de Lopez haviam descido o rio Paraná até Bela Vista, estabelecendo centro de ação junto às bocas do Riachuelo. Então, o general Paunero, à frente de dois mil correntinos, vai atacar os paraguaios em Corrientes. Frustrando ardis tramados pelo inimigo, Paunero embarca as suas forças e, na manhã de 25 de maio de 1865, a esquadra brasileira estabelece o bloqueio de Corrientes, enquanto Paunero desembarca com cerca de mil homens, apoderando-se da praça. Mas os paraguaios, retrocedendo a Bela Vista, obrigaram o general argentino a abandonar a cidade. Aquela investida, que fora apenas um ato de hostilidade, sem vantagens para os aliados, serviu de aviso a López e o ditador compreendeu que era preciso mover-se.

A Batalha do Riachuelo - 11.6.1865 e o cerco a  Uruguaiana - 17.8.1865

Lopez empreende a invasão do Rio Grande, quase ao mesmo tempo em que tenta um golpe de força contra a nossa esquadra do rio Paraná. De Candelária, ele destaca uma divisão de doze mil homens contra a nossa fronteira e, ao cabo de alguma resistência, em 18 de junho, a cidade de São Borja cai em poder dos paraguaios. Dias antes, em 11 de junho de 1865, acabara de ferir-se a primeira batalha naval entre as forças brasileiras e as do Paraguai, a qual ficou conhecida como a Batalha do Riachuelo. Na manhã daquele dia, os navios inimigos desceram até o Riachuelo, perto de onde se achava a nossa esquadra. As forças paraguaias de terra já haviam, na noite anterior, levantado baterias nas barrancas, de onde deviam cooperar com as forças navais. Estas, descendo o rio, passaram pela nossa esquadra quase sem hostilidades e, chegando junto às baterias mascaradas, romperam fogo com violência terrível, tentando rechaçar nossos navios para cima. A tática dos paraguaios era, realmente, tremenda. Sem a bravura dos nossos, ela teria produzido, talvez, o desastre mais assombroso de toda a história militar da América. Além de seis formidáveis baterias flutuantes, os inimigos puseram em ação oito vapores e numerosas chalanas ou grandes canoas de guerra. Ao inesperado ataque e à surpresa das manobras, juntaram-se logo a desordem e a confusão produzidas pela estranha vozeria e pelos ímpetos de loucura com que os paraguaios fanáticos investiam as nossas embarcações. A batalha durou dez horas. Por fim, com coragem épica, o almirante Barroso manobrou rapidamente, chocando seu navio [Amazonas] contra as embarcações inimigas e pondo a pique três delas. Ficou, assim, assegurada a vitória de nossas armas nessa batalha, com o que se escreveu uma das páginas mais gloriosas da nossa história naval.

A vitória do Riachuelo aniquilara quase completamente o poder naval do inimigo. Os quatro vapores que os paraguaios  puderam salvar e que se recolheram a Humaitá, limitaram-se, dali em diante, a assaltos e abordagens a navios desgarrados da nossa esquadra. Lopez, então, voltou suas esperanças para o exército que marcha sobre o Rio Grande. Invadir o império por aquela província, onde se apresentaria o seu exército como numa cruzada pela emancipação dos escravos e, simultaneamente, ir ao Estado Oriental fazer com os "blancos" o que os brasileiros tinham feito com os "colorados" - tais foram os cálculos que dominaram o espírito do ditador. Para isso, ordenara que a divisão se separasse em duas colunas, e que seguissem pelas margens do rio Uruguai.

Esse movimento, atraiu a atenção convergente dos aliados. A coluna paraguaia, que marcha ao longo da margem direita do rio, é desbaratada em Jataí pelas forças de Flores e de Paunero, de tal sorte que o próprio comandante paraguaio, major Duarte, caiu em poder dos aliados, em 17 de agosto de 1865. Enquanto isso se passava, pela margem esquerda Estigarribia, a partir de São Borja, avançou sobre Uruguaiana, um excelente ponto estratégico, onde se fortificou com cerca de nove mil homens, esperando por reforços. Os aliados estabelecem, pois, o cerco à praça. No Rio de Janeiro, a ocupação de Uruguaiana pelos paraguaios produz um verdadeiro pânico e o próprio imperador, acompanhado de seu genro partiu para o Rio Grande, onde sua presença excitou o entusiasmo das populações. Ao cabo de um mês de sítio, Estigarríbia, exausto, rendeu-se.

A Batalha do Tuiuti - 24.5.1866

A esta altura, Lopez está convencido de que precisa reduzir-se à defensiva e ordena a retirada geral, concentrando nas fronteiras todas as forças de que pode dispor. Levanta fortificações em todos os pontos dos rios Paraná e Paraguai, expostos ao ataque e à invasão, cuidando principalmente de Itapura, Itapiru e Humaitá. Por toda a parte, nas repúblicas do Prata, e até nas do Pacífico, vozes se erguem clamando pela paz, o que não impediu que os aliados continuassem fiéis à aliança que tinham feito. Resolveu-se, pois, a imediata ofensiva contra o Paraguai. As forças aliadas incorporaram-se ao norte de Corrientes, tratando-se de invadir o território inimigo e atacar Humaitá, onde o ditador se encontra, pessoalmente, dirigindo as suas hostes. Este é um dos momentos mais solenes da campanha: os inimigos, um diante do outro, aparentando apreensão, hesitam em partir para o ataque.

Alguns meses ficaram assim, na inatividade, e somente em abril de 1866, os aliados decidiram tomar a iniciativa da guerra. Enquanto nossa esquadra ataca o forte de Itapiru, o marechal Osório, com duas divisões, transpõe o Passo da Pátria e desembarca em território inimigo, na manhã do dia 16 de abril. Apercebidos da extrema audácia, os paraguaios levantam-se de todos os lados e investem furiosamente contra as forças invasoras. Inútil é, porém, o desespero com que lutam os soldados de López e os aliados os rechaçam para o norte, com perdas enormes, ao mesmo tempo que nossa esquadra se apodera de Itapiru. A 2 de maio, dá-se o combate de Estero Belaco e, a 24 de maio de 1866, registra-se a mais notável batalha de toda a campanha, a Batalha do Tuiuti. Os aliados tiveram 650 mortos e 2.600 feridos; os paraguaios registraram 4.000 mortos e 370 feridos.

No entanto, mesmo esta grande vitória deixava os aliados em novas dúvidas, diante dos embaraços que estes iam tendo. Ao norte e ao oeste, tinham as linhas de Rojas, as temerosas fortificações que serviam de anteparo à formidável Humaitá, onde o ditador paraguaio se achava, a acender o ânimo de suas legiões. Osório insiste com o general em chefe dos aliados para que avance imediatamente mas este relutou, preferindo conservar as posições conquistadas até que chegassem reforços. Levantaram-se trincheiras em frente às linhas de Rojas e, para diversos pontos, expediram-se algumas tropas avançadas e piquetes de reconhecimento. O general Mitre, que formalmente se opusera à marcha para o norte, instava com o Almirante Tamandaré para que atacasse o forte Humaitá pelo rio, mas este achou que não devia fazê-lo, por considerar esse ato uma loucura, que poderia sacrificar a causa que estavam defendendo.

O inimigo não cessava de molestar os invasores, tanto por rio como por terra. O clima inóspito causava danos enormes aos aliados. Desgostoso daquela inação tão prolongada, Osório desaveio-se com o general Mitre, comandante em chefe. Então, a 15 de julho de 1866, passou o comando de seu exército para o general Polidoro e retirou-se de volta ao Brasil.

Assim que assumiu o comando, o general Polidoro cuidou de sair daquela situação. Naquela mesma noite, o general Xavier de Sousa, com a 4ª Divisão de Infantaria, ataca uma nova trincheira que os paraguaios levantavam e, não obstante a forte resistência, consegue tomá-la do inimigo. Nos três dias seguintes, as hostes inimigas, ainda que sob fogo contínuo, não descansaram de seu furor de extermínio. Por fim, os paraguaios recuaram um pouco, mas os aliados foram barrados, de novo, diante de Curupaiti.

Em fins de agosto [um mês e meio depois], o Barão de Porto Alegre chegava com os reforços que, tão ansiosamente, se esperava. Vencendo a obstinação de Mitre, o conselho de generais resolve avançar sobre Humaitá, combinando-se operações simultâneas da esquadra e das forças de terra. Era preciso atacar primeiro Curupaiti, forte bem guarnecido, ao sul de Humaitá, a formidável praça de guerra que era o alvo dos aliados. No dia 1º de setembro de 1866, o general Porto Alegre, com cerca de nove mil homens de diversas milícias, em navios da esquadra, segue rio acima, com destino a Curupaiti. Porém, antes de chegarem àquelas fortificações, os aliados se vem frente ao forte Curuçu e ali desembarcaram suas forças, travando em terra combates desesperados, enquanto a esquadra bombardeia o forte.

A derrota em Curupaiti - 22.9.1866

A luta em Curuçu foi tremenda e ali, os aliados anteviram as surpresas que lhes esperavam no rio Paraguai. De repente, no meio do combate, do troar dos canhões e da fuzilaria, ouve-se um estampido. Era a explosão de um torpedo que, em poucos minutos, pôs a pique um dos nossos vasos de guerra, o couraçado Rio de Janeiro, cuja tripulação foi, quase toda, sacrificada. Esta medonha catástrofe, no entanto, não diminui o vigor da investida. Em poucas horas, o forte é tomado de assalto, apesar dos prodígios de heroísmo com que foi defendido, até o último instante. Uma vez senhor do forte de Curuçu, o general Porto Alegre tratou de avançar, o mais rápido possível, sobre Curupaiti, esperando apenas a chegada de reforços do acampamento geral.

É nesta ocasião que, entre os chefes aliados, sobrevêm divergências tais que quase chegam a comprometer a sorte da Tríplice Aliança e o êxito da campanha, até aqui levada com tanto sacrifício. Mitre continuava parado em Tuiuti, quando recebe um emissário do ditador paraguaio Solano López, pedindo uma conferência com os generais aliados. O general Polidoro  recusa-se, terminantemente, a entrar em negociações com o ditador e insiste pela avançada imediata sobre os fortes de Curupaiti e Rojas. Entretanto, o general Flores e Mitre resolvem tratar com o chefe inimigo. Com efeito, celebra-se a conferência, na qual não toma parte o general brasileiro. O ditador teve uns lampejos de esperança e pretendeu entrar em acordo só com os dois generais, mas Flores protestou e Mitre impôs a Lopez que renunciasse ao poder e se retirasse do Paraguai, condição absoluta de paz, nos termos firmados pela Tríplice Aliança.

Ficou, assim, burlada aquela tentativa do tirano e os aliados deliberaram atacar, sem mais demora, Curupaiti, sendo que, desta vez, Mitre resolveu comandar pessoalmente o ataque que ocorreu em 22 de setembro de 1866. A fortaleza era considerada inexpugnável, não só pelos grandes recursos de combate de que dispunha, como pelas linhas de trincheiras que era preciso destruir para chegar até ela. Ao cabo de longas horas de fogo, o general Mitre manda tocar a retirada. Nesta altura da batalha, os aliados já haviam perdido 4.000 homens, entre mortos e feridos e, ante o recuo, os paraguaios já se consideravam vitoriosos. Grande desânimo invade os exércitos aliados e se agravam as divergências e os descontentamentos entre os chefes. O general Flores abandona seu posto e retira-se para o Uruguai. O almirante Tamandaré também se exonera do comando da esquadra, por divergências com Mitre. A situação se tornara embaraçosa.

Caxias assume o comando geral (novembro de 1866)

Enquanto os aliados sofrem esses reveses, López incendeia os ânimos dos seus, e aumenta suas obras de defesa. Nas duas repúblicas platinas, as condições da política interna eram muito precárias e dificultavam a  ação dos respectivos governos. Via-se bem que, doravante, o Brasil, sozinho, tinha de sustentar o peso da campanha. O governo imperial, alarmado ante o curso dos acontecimentos, tomou novas e enérgicas medidas. Então, o comando em chefe das forças brasileiras foi confiado ao marquês de Caxias, o qual partiu logo para o teatro da guerra, chegando a Tuiuti em meados de novembro de 1866. Para substituir o marquês de Tamandaré no comando da esquadra, foi nomeado o vice-almirante Joaquim José Inácio, Visconde de Inhaúma. As condições dos exércitos aliados eram penosas. Além das imensas dificuldades que tinham de vencer numa ofensiva, cujo êxito era cada vez mais custoso, pela morosidade das operações, a peste lavrava nos acampamentos com intensidade assustadora.

Enfim, ao cabo de mais de seis meses em que as tropas permaneceram estacionadas em Tuiuti, o marquês de Caxias, a quem Mitre passara o comando geral, estava preparado para avançar. Em princípios de julho de 1867, o general Osório, amigo de Caxias, era novamente incorporado  aos exércitos aliados. Com a divisão de Osório, composta de sete mil homens, o efetivo total subia para quarenta mil soldados. Vencendo obstáculos enormes, o exército se pôs em marcha sobre Humaitá, e foi fortificar-se em Tuiucué, em frente à temerosa praça de guerra. É neste momento que Mitre volta de Buenos Aires e reassume o comando das forças aliadas, encontrando-as em bem melhores condições. Durante todo este tempo, em que a capacidade de Caxias punha os aliados em condições de fazer uma avançada segura sobre Humaitá, em Mato Grosso os paraguaios sofriam grandes reveses e eram expulsos de quase todos os pontos que ocupavam naquela província.

A carnificina da guerra

Em agosto de 1867, os aliados vão rechaçando o inimigo até Pilar e fortificam-se em Tagi, vencendo incríveis embaraços. A esquadra devia operar, simultaneamente, com as forças de terra. Subindo o rio com os dez couraçados, o almirante Joaquim Inácio, não obstante a resistência desesperada que encontrou, conseguiu passar Curupaiti, mas teve de estacar logo acima, como bloqueado pelas fortificações daquele posto e de Curuçu, que os nossos tinham abandonado. Foi nessa ocasião que o acampamento de Tuiuti, onde se achava o general Porto Alegre, sofreu um ataque de surpresa, felizmente sem outras conseqüências além da perda de 800 homens, entre mortos e feridos. Até o fim de 1867, os aliados continuam diante de Humaitá, sem conseguir avançar.
Logo em princípios de 1868, o general Mitre, uma vez mais, deixa o comando geral, voltando para Buenos Aires, onde complicações da política interna reclamavam sua presença. De novo, o marquês de Caxias assume esse comando. Enfim, no dia 19 de fevereiro de 1868, a nossa esquadra, combinada com as forças de terra, investe sobre Humaitá e, à custa de prodígios de heroismo, força o passo e chega a Tagy. Este efeito épico entusiasma os aliados. No dia 23, alguns navios chegaram a subir o rio até Assunção, alarmando, com alguns tiros, a capital inimiga. Em fins de março de 1868, o general Argolo se apoderava das fortificações de Rojas e de Curupaiti e os paraguaios se concentravam no forte de Humaitá, onde Lopes, antes de se retirar para Tebiquari, deixara forças incumbidas de resistir até a morte.

Mas quatro meses se passaram, sem que mudasse a situação dos beligerantes, registrando-se somente escaramuças, assaltos e tentativas frustradas dos paraguaios contra a nossa esquadra, ancorada em Tagi. Seria grande imprudência, neste momento, prosseguir a caminho de Assunção, deixando Humaitá na retaguarda, fortificado como estava. Assím, Osório tenta tomar de assalto a fortaleza, sem resultados. Afinal, por fins de julho, é evacuada a tão famosa praça de guerra. Os seus últimos defensores atravessam o rio e refugiam-se na mata fronteira, onde, alguns dias depois, muitos se rendem. A nossa esquadra domina o rio até a capital inimiga mas acham imprudente ocupá-la, pelo menos enquanto Lopez estivesse fortalecido em Tebiquari, onde havia levantado poderosas fortificações em grande extensão do rio. Além do mais, a cidade de Assunção era uma presa inútil, porque tinha sido abandonada e estava quase deserta. Lopez, como chefe de legiões desmanteladas, agora obrigava seu povo a segui-lo, em verdadeira debandada, pelas florestas e montanhas do interior.

Em fins de agosto de 1868, os aliados avançam sobre Tebiquari e vão rechaçando os paraguaios. Lopez é obrigado a levantar acampamento de São Fernando. Ao chegarem nesse ponto, os aliados se deparam com o espetáculo mais horroroso, que repugna a nossa imaginação. Aos seus olhos, se desvenda os vestígios da ferocidade de um bárbaro: o campo abandonado achava-se coberto de cadáveres. Sob o pretexto de que estava havendo uma conspiração contra o seu poder, Lopez ordenara o sacrifício de 400 homens, entre os mais notáveis que o tinham servido com lealdade e dedicação. Entre os mortos estavam, por exemplo, Carrera, ex-ministro de estrangeiros no Estado Oriental e que se refugiara no Paraguai, quando Flores entrara em Montevideu; estavam o bispo de Assunção, o cônsul português, o irmão do ditador, Benigno López, seu cunhado Barrios, e até a velha mãe do coronel Martinez.

Lopez ordenara essas execuções na véspera de sua partida de São Francisco. E a carnificina continuou durante a marcha de retirada. Testemunhas irrecusáveis narram os horrores que presenciaram e asseguram que, sempre que o tirano se retirava, vencido, de um campo de batalha, fazia punir e martirizar todos os prisioneiros, "poupando apenas aqueles que preferia levar consigo para continuar o martírio!" Também os oficiais e soldados que perdiam um combate eram, inexoravelmente, sacrificados, por mais fiéis que tivessem sido à causa daquela sacrílega tirania.

"Quando as primeiras notícias de tais carnificinas chegaram à Europa - diz Thomas Fix - ninguém acreditou nelas: pareciam espantosas, absolutamente contrárias ao conceito até então formado acerca do caráter heróico de um homem que resistia, sozinho, a luta contra três nações.

Último capítulo de uma grande tragédia

Levantando acampamento geral de São Fernando (no Tebiquari), Lopez fora fortificar-se entre Angustura e Vileta, a cerca de quinze quilômetros de Assunção. Os aliados avançavam tanto por terra como pelo rio e, pelo caminho, iam encontrando enormes dificuldades. Tentam operar uma manobra diversionista pelo noroeste, fingindo ameaçar a capital inimiga. O ditador, porém, não se preocupa em defender Assunção [que está vazia] e cuida apenas de mostrar-se forte diante dos exércitos aliados.   Todavia, o próprio marquês de Caxias põe-se à frente de cerca de 10.000 homens, atravessa o rio Paraguai, sobe esse rio pela margem direita, atravessa de novo para o lado esquerdo e, então, ataca o inimigo pela retaguarda. Em toda aquela redondeza a luta é firme durante muitos dias, ficando reduzida a um único e vasto campo de batalha formado por Vileta, Angustura, Piquiciri e Itororó. Até que a vitória dos aliados obriga Lopez a fugir para Lomas Valentina..

Esta nova posição era ligada a Angustura e a outros pontos onde as guarnições paraguaias ainda resistiam. Estamos, já, em 27 de dezembro de 1868. Ao romper do dia, o general em chefe [Caxias] ordena o ataque a Lomas Valentina e o inimigo não resiste por muito tempo. Lopez foge para Cerro León. Três dias depois, Angustura capitulava. Pensou-se então que o tirano tinha recebido o golpe de morte e os aliados marcham sobre Assunção e, no dia 1 de janeiro de 1869, os aliados entram na capital inimiga. Agora era necessária uma nova suspensão de armas, para localizar a rota de fuga do ditador vencido, errante nas montanhas, arrastando consigo toda uma população, fiel e obediente até o martírio e a morte. O marquês de Caxias e o Visconde de Inhaúma adoecem e são obrigados a abandonar o campo de batalha. Inhaúma teve seu estado tão agravado que veio a falecer pouco depois da chegada ao Rio de Janeiro.

Para substituir o marquês de Caxias, o governo imperial nomeou  o príncipe Gaston de Orleans, conde D’Éu  o qual assume em 16 de abril de 1869, cuidando de reorganizar as forças para perseguir o inimigo nas cordilheiras do interior. Lopez aproveitou-se dessa pausa, dada involuntariamente pelos aliados, para construir fortificações e formar novo exército numa extensa planície ao leste de Assunção, afastando-se de Cerro León e, em seguida, de Vila Rica, seguindo para o norte até Ascurra e fazendo de Peribebui a sua nova capital.

Em fins de julho, começam as operações aliadas contra aquele reduto onde Lopez, desesperado, concentrara os seus últimos recursos. Enquanto as forças aliadas perseguiam, no interior, as legiões dizimadas de Lopez, em Assunção, tratava-se de organizar um governo provisório, sob as inspirações de nosso plenipotenciário, José Maria da Silva Paranhos, visconde do Rio Branco. A população de todos os pontos que já estavam livres da tirania elegeu Diaz de Bedoya, Cirilo Rivarola e Carlos Loixaga para constituirem a Junta de Governo do Paraguai, que foi solenemente instalada em 15 de agosto de 1869.

Enquanto esses acontecimentos se passavam em Assunção, no campo de guerra o Conde D'Eu atacava Peribebuí, tomando-a de assalto em 12 de agosto de 1869, após o que os aliados marcharam sobre Caacupê e, em seguida, sobre Ascurra. Uma divisão de 8.500 homens, incumbida de cortar a retirada de Lopez pelo norte chegara tarde para impedir a fuga do tirano.

 Lopez, destroçado e fugitivo, com o resto dos seus fiéis, vai fortificar-se em Caraguataí, pretendendo, por sua vez, tolher o passo dos aliados. Durante muitos dias, travou-se um combate contínuo junto ao rio Iagari. e diante do forte de Campo Grande, levando os paraguaios ao desespero. Então, Lopez procurou refúgio no sertão, entre os índios. De Estanislau, o tirano vai para S. Isidro, onde tenta defender-se. Para lá vai também, em sua perseguição, o conde D'Eu, enquanto o general  Câmara vai operar ao norte de Jejuí. De S. Isidro, o ditador acossado estaciona em Iguatemi, de onde tem de fugir logo para Panadero. E dali se internou, outra vez, pela serra do Maracaju, talvez com o intento de fugir para a Bolívia, passando por Mato Grosso. Teve, porém, de mudar de plano. Desceu de Maracaju para as margens do rio Paraguai e apoderou-se de Conceição. Dali, é perseguido, fugindo para Aquidabã, onde é alcançado pelo general Câmara e intimado a se entregar. Lopez, já ferido e completamente exausto, ainda assim resiste, e tem um gesto hostil contra o soldado que o quer prender. Foi, então, morto.

Terminara, assim, essa tremenda guerra, que durou cinco anos, conseqüência da loucura de um só homem, a cujas veleidades de mando e a cujo instinto sanguinário se sacrificou todo um povo, e se pôs em risco a paz entre as nações.

Extraido da obra 'História do Brasil' de José Francisco da Rocha Pombo (1857-1933) editado por Leopoldo Costa

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