5.06.2011

O GIR NO BRASIL

A ORIGEM

Talvez seja a raça zebuina mais antiga do planeta, segundo sugestões da literatura sagrada hinduista. Na rota das migrações humanas que iriam formar o futuro povo ariano e que povoavam o norte da África, temporariamente, estava o bovino ancestral da raça Gir, o qual teria permanecido na região de Kathiavar desde aqueles remotos tempos. Recentes estudos antropológicos reforçam essa teoria, mostrando que os povos migravam, a pé, do norte africano para o subcontinente indiano. Aquelas tribos seguiram viagem, mais tarde, até o interior asiático, fixando uma civilização na região de Gobi, enquanto o território indiano mergulharia no esquecimento por mais de 80 mil anos. Nesse período de esquecimento, teria sido aperfeiçoado o gado Gir, principalmente na região de Gir, famosa pelas florestas, no Kath lavar, onde abundavam leões e outras feras. O Gir ficou famoso como 'boi-de-luta" e alguns autores mencionam que os chifres voltaram-se para baixo e para trás devido as intensas e constantes batalhas na região. Mais tarde, por volta de 20.000 a.C. ou, segundo outros autores, por volta de 5.000 a.C., as tribos de arianos remanescentes no deserto de Gobi, migra ram para a India, entrando pelo estreito de Khebyr, trazendo consigo o gado de giba. Estes povos arianos teriam trazido apenas o gado branco-cinza do norte da India, nao havendo menção sobre o Gir, ou o Guzerá. Estas duas raças, pelo que tudo indica, já estavam na India naqueles tempos.Morfologicamente, sua antiguidade também se manifesta pela conformação craniana: é a única raça bovina com chifres voltados para baixo e para trás, e de crânio ultraconvexo, no mundo. Uma vez que ainda existem bubalinos e ovinos de chifres voltados para baixo e para trás - no próprio Kathiavar - conclui-se que o Gir é o único bovino que deve ter tido um ancestral comum com essas subespécies, há milhões de anos atrás. Na Índia, existem rebanhos com história de 300 anos, ou mais, tendo sido uma raça multo utilizada para melhorar as demais em termos de produtividade leiteira e trabalho pesado. O Gir, modernamente, goza de grande popularidade na Índia,principalmente pela sua notável mansidão e aptidão leiteira. E comum encontrar vacas Gir produzindo leite nos templos e nos centros de pesquisas, bem como nos asilos e organismos sociais. E uma raça muito estudada, havendo relativa fartura de dados técnicos sobre famílias leiteiras, na Índia.Recentemente, tem sido incrementado o intercâmbio com criadores da Índia e alguns brasileiros já utilizam material genético importado, tentando incorporar ao patrimônio brasileiro novas linhagens de boa caracterização o racial e boa produção leiteira. A abertura de relacionamento comercial com a Índia permitirá o ingresso de material genético (sêmen e embriões) de centenas de bons animais da raça Gir.


A CONSOLIDAÇÃO DO GIR NO BRASIL


A raça chegou ao Brasil desde 1911 mas foi no final da primeira Guerra Mundial que, de fato, tornou-se figura comum. Ao chegar ao mesmo recebendo a alcunha de "boi de pagode", a raca Gir por um formidável progresso, a de se perceber, hoje, sua influência na grande maioria das propriedades pecuárias do País. Inicialmente, o sucesso do Gir ficou patenteado pela consolidacão da raça Indubrasil. Assim meados da década de 1930, pecuaristas sentiram a necessidade de tornar as raças puras indianas e o Gir iniciou um "período de ouro",com animais atingindo valores astronômicos.O Herd-Book foi implantado em 1938 no Brasil, e os registros genealógicos demonstram que o Gir era a principal entre todas as raças as, mantendo essa posição privilegiada até 1967. Era a "raça dos cafezais onde produzia leite e carne e ajudava na tração. Também fora dos cafezais o Gir foi destaque durante décadas seguidas, garantindo o sucesso da pecuária de Goiás e a consolidação da pecuária do Pantanal matogrossense. Durante a Segunda Guerra mundial, os mestiços de Gir chegaram até a receber um preço especial, pela conformação frigorífica e pelo rendimento de carcaça, em Barretos (SP). Nessa época o Gir espalhou-se, de norte a sul, permitindo a ocupação de territórios nunca antes explorados.Na década de 1950, os altos preços já desestimulavam o ingresso de selecionadores, bem como o seu para as longínquas regiões que exigiam, antes de tudo, um gado barato. Ao mesmo tempo, os pequenos criadores dedicados á exploração leiteira passaram a utilizar, maciçamente, o Gir para melhorar suas vacas mestiças e, tal, dispensavam os animais de elite. Então, em meados da década de 1960 para atender o enorme mercado propriedades leiteiras, diversos selecionadores passaram a segregar as fêmeas de Gir de aptidão leiteira. Dividiu-se assim o horizonte da raça em dois: linhagens para leite e linhagem para corte – ao mesmo tempo que os selecionadores tradicionais atingiam o ponto alto no aperfeiçoamento racial.As importações do inicio da década de 1960 permitiram consolidar a beleza racial e introduziu novas linhagens leiteiras, embora com menor influência na seleção para carne. Enquanto isso, o Nelore, com essas importações, disparou na preferência dos selecionadores de gado de corte. Assim, abruptamente, o Gir viu-se numa encruzilhada, sem um melhoramento acelerado para corte, levando outra boa parte dos criadores a se dedicar apenas ao atendimento dos pequenos produtores de leite. Devido ao acelerado melhoramento na produtividade leiteira, rapidamente, o sangue Gir chegou a 82,4% das propriedades brasileiras que, de alguma forma, exploravam o leite. Perdeu o trono na pecuária de corte mas ganhou um novo trono, nas propriedades leiteiras.O Gir foi a raça mais analisada do Brasil, tendo vivido a turbulência da década de 1920, depois o período final da "época dos coronéis", depois a expansão durante a Segunda Guerra Mundial e, finalmente, a mudança de rumo a partir da década de 1960. Por conta de tantas modificações, a raça formou "escolas" diferentes, criou ou introduziu modismos, ganhou experiências" diferentes e chegou até a ostentar quatro variedades ou tipos, ao mesmo tempo:chifrudo (tradicional), mocho, leiteiro e branco. Cada modalidade tinha suas características, suas exigências e sua permissividade, cada qual com seu rol de adeptos. Na década de 1980 firmaram-se apenas duas orientações: leite e padrão, sendo que a seleção para carne foi drasticamente reduzida. Na década de 1990 buscou-se a homogeneização de um gado com dupla aptidão. Assim, na virada do milênio, o Gir volta a ser um gado selecionado para leite e para carne, admitindo todas as "escolas" que surgiram no correr de sua história no Brasil. O resultado dessa soma estará manifesto até o ano 2010.Atendendo o mercado, foi produzido o Gir Mocho, na década de 1940, com influência original do gado Mocho Nacional e do Red Poll. Esta variedade continua em expansão, apresentando as mesmas características e funções que o Gir tradicional. O Registro Genealógico do Gir Mocho teve inicio em 1976. Muitos pecuaristas tem utilizado o Gir Mocho com sucesso em cruzamentos, deixando claro que o horizonte desse gado está em expansão. Dentro da variedade mocha existem linhagens leiteiras e linhagens de corte, a disposição do mercado.


O GIR NA MODERNIDADE


A região Norte tem 4% da raça; a região Nordeste tem 14%; o Sudeste tem 55%; o Sul tem 1% e o Centro-Oeste tem 26%. Existem 750 associados praticando o registro genealógico. Desde 1938 já foram registrados 531.755 animais, sendo que 34.894 são Gir Mocho. Do total, 25.572 foram registrados entre 1995 a 1999 (10 semestre), sendo que 4.042 eram Gir Mocho. No Gir, o ano recente de maior número de registros foi 1998, com 6.085 animais. No Gir Mocho, foi o ano de 1995, com 1.215 registros. Foram vendidas 103.297 doses de sêmen entre 1995 a 1999; sendo que apenas em 1998 foram vendidas 28.734. O Gir conta com dois programas de melhoramento genético para as linhagens leiteiras, enfocando o animal de aptidão mista. Trata-se de testes de progênie de touros, cujas mães e filhas são submetidas a controle leiteiro; e os filhos são submetidos a testes de desempenho em ganho-de-peso. O primeiro programa foi fundado em 1985, por um grupo de criadores, e tem procurado sempre o aperfeiçoamento da aptidão leiteira, destacando recordista das melhores raças leiteiras do planeta. São recordes acima de 12.000 kg em lactações de 365 dias Na busca incisiva do melhoramento leiteiro, este programa dedicou pouca atenção ao enquadramento dos animais ao padrão milenar do Gir tão estimado pelos tradicionais criadores.Surgiu, então, em 1997, o PMGRG -Programa de Melhoramento Genético da Raça Gir, que exige exame de DNA (mitocondrial) para garantir que todos os participantes tenham animais perfeitamente enquadrados dentro do padrão milenar racial - sob comando da Assogirl ABCZ/Ministério da Agricultura. Este novo programa é bastante abrangente, pesquisando leite, carne e outras aptidões do Gir. Afinal, a raça apresenta características alvissareiras para produção de carne de qualidade. Assim, o PMGRG - Programa de MeIhoramento Genético da Raça Gir já começou uma retomada das provas zootécnicas de desempenho para corte, com objetivo de restaurar o brilhantismo das décadas de 1940/50. No mundo moderno não se pode desperdiçar nenhuma potencialidade das raças em exploração, pois qualquer desperdício é sinal claro de prejuizo. Até a Zootecnia Clássica (Biotipologia) afirma que o Gir pode ser um admirável produtor de carne, se convenientemente orientado nessa direção.


O GIR NOS CRUZAMENTOS LEITEIROS


Assim como o Nelore é a raça preferida nos cruzamentos de corte, o Gir é a preferida nos cruzamentos leiteiros. Enquanto o sangue de Nelore predomina em 13% das propriedades brasileiras, o sangue do Gir exerce influência em 82,4%. Ou seja, o Gir conta com multo mais usuários, embora com multo menos animais. A opção pelo Gir foi lenta, começando na década de 1920, nos cafezais. A vaca Gir sempre foi boa leiteira, tendo estabelecido um núcleo de seleção na região de Franca (SP) que ficou famoso pelo esmero na caracterização racial e na produção leiteira. Depois, ocupou os imensos cafezais e, finalmente, o país inteiro, por ocasião da Segunda Guerra Mundial. Os cruzamentos tiveram início, de forma sistemática, no final da década de 1950 e, principalmente, no correr da década de 1960. O Controle Leiteiro Oficial da raça Gir começou em 1964, impulsionando os poucos criadores de então. Além da família do Ten. Jacintho, em Franca (SP), pioneiro da seleção leiteira privada, coube a Evaristo de Paula, de Curvelo (MG) o papel de consolidar a seletividade leiteira do Gir. Evaristo levou seu gado de norte a sul do país, exibindo mansidão e muito leite, aliada a uma evidente expressão racial... Em seqüência, dezenas de outros criadores aperfeiçoaram a exploração leiteira, ao mesmo tempo que milhares começavam a cruzar o Gir com o Holandês. Devido ás sucessivas crises nos negócios do café, os pequenos e médios proprietários de terras, viram-se obrigados a buscar na produção do leite a viabilização de suas propriedades. Adquiriam um touro Gire o cruzavam com vacas mestiças ou mesmo européias. Já os antigos produtores de leite cruzavam fêmeas Gir de baixo valor com touros europeus. Nascia, assim, o Girolando que - em menos de 30 anos - iria se tornar o gado mais utilizado, de norte a sul do país, para produção de leite. Pode-se afirmar que, na virada do milênio, 95% do gado produtor de leite, no Brasil, é Girolando! Por que o Girolando? Porque, além do leite produzido por um gado manso, ainda os machos são rentáveis no abate, garantindo uma renda extra para a fazenda. Aritmeticamente, o Girolando garante a subsistência das pequenas e médias fazendas, com carne e leite. Por decreto governamental, a maioria das pequenas e médias propriedades estará proibida de comercializar o leite produzido, e as restantes preferirão utilizar raças mais rentáveis, mesmo enfrentando maiores custos. A Lei determina que o leite somente será recolhido em propriedades com mais de 100-200 litros/dia, resfriados na fazenda. Restará ás pequenas e médias propriedades criar um gado manso, que produza, também e apenas, o leite do dia-a-dia. Esse gado é o Gir. Nas propriedades leiteiras que permanecerem, as fêmeas européias serão acasaladas com Gir, para garantir que os machos possam ter bom peso no abate - e também para formar gerações excelentes de Girolandas. Esse parece ser o melhor caminho para o Gir, no leite. Em 1996 foi aprovado o padrão racial do Girolando. Os dados do Controle Leiteiro de 1990 mostram que a diferença na produtividade leiteira diária entre o Holandês brasileiro e o Girolando era de apenas 35,2% e a diferença na produção média da lactação era de 34,84%. Quando a média nacional por vacaera de apenas 0,79 kg/dia a média do Girolando já era de 10,85 kg/dia.


O GIR NOS CRUZAMENTOS DE CORTE


Em termos de corte, o Gir foi a raça estimuladora do melhoramento das carcaças nas décadas de 1940-1950. Alguns frigoríficos, como o de Barretos (Frigorífico Anglo) pagava até um valor extra pelas carcaças de novilhos Gir, ou agirados. Na modernidade, muitos pecuaristas praticantes de cruzamentos industriais já procuram infundir o sangue Gir na vacada F-2 ou F-3, para garantir mansidão, aptidão maternal, rusticidade e bom rendimento de carne de primeira.
Em vários testes, o Gir mostrou ser excelente em rendimento de carne-de-primeira e apresentando uma ossatura fina. O livro do professor Miguel Cione Pardi, "A Epopé¡a do Zebu" de 1944 a 1994, mostra urna nova luz sobre esse período, analisando 6,602 milhões de novilhos abatidos, em um total de 7,686 milhões!
O peso médio da carcaça pesava 245,4 kg em 1944 e passou para 268,9 em 1994. Um pequeno aumento de apenas 23,5kg em 50 anos, mesmo depois que o Gir já havia saído do cenário (fato ocorrido por volta de meados da década de 1970). Estes números mostram que o Gir não era o vilão do baixo desfrute e o baixo peso das carcaças!
Mostra também que o Nelore ocupou as terras de capim Colonião enquanto que o Gir ficou nas terras de capim Jaraguá - levando a um menor desempenho. Obviamente, o Gir vivia em terras piores e, como conseqüência, acabou sendo punido pelo mercado.Esta constatação permite aos criadores de Gir reorientar a seleção, buscando também as características de carcaça e de rendimento de carne-de-primeira.
Afinal, o futuro do Brasil para produção de carne é garantido, pois as nações ricas precisam comprar carne, tanto quanto precisam vender leite. Ou seja, as nações pobres poderão comprar leite do Brasil mas as ricas somente comprarão carne, cada vez mais.
O Gir tem um grande papel nas duas direções, ora produzindo carne, ora leite, ora os dois produtos ao mesmo tempo.


 O GIR BRASILEIRO PARA O MUNDO


Felius (1985) afirma que o Gir continua em uso no melhoramento do Brahman, nos Estados Unidos.
O diretório dos criadores de Brahman dos EUA do ano de 1998 mostra que mais de 50% dos criadores dedicam-se ao "Red Brahman", cuja origem remonta a importação de 1945, com animais brasileiros e, mais remotamente, á importação de 1923/24. 0 "avermelhamento" do Gir garante mais lucros no corte, na aptidão maternal e na docilidade.
Praticamente, o gado Brahman australiano é vermelho, bem como o da África do Sul e o Swazy. A influência do Gir, portanto, no Brahman tem sido muito expressiva.
A maior parte dos países tropicais são pobres ou em desenvolvimento, exigindo cruzamentos pecuários rústicos. Em todos esses países o tamanho das propriedades exige um gado leiteiro, rústico, que também possibilite um bom rendimento no momento do abate. Assim, o Gir pode gerar produtos cruzados com diversas raças, nesses países, sempre com excelentes resultados.
Tomando como critério o tamanho das propriedades e a evolução econômica dos países, é fácil concluir que o Gir é a raça brasileira de maior utilidade para exportação, tendo chance de atender um maior número de clientes - tanto para produção de leite como para carne, tanto em regiões de sol inclemente como em regiões de elevada umidade.
Já diversos países manifestaram a intenção de adquirir animais Gir puro-sangue, tanto quanto Girolando. Afinal, a produção de leite via animais rústicos tem muito a ver com o bem-estar da sociedade, talvez muito mais do que com a própria economia da nação.

Extraido do livro 'Os Cruzamentos na Pecuária Tropical', R. dos Santos,  Editora Agropecuária Tropical, 1999, 672 p.  Texto editado por Leopoldo Costa para ser postado 

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