Leopoldo Costa
Em 1525, a região do Mato Grosso já era visitada por portugueses, embora pelo Tratado de Tordesilhas, todas as terras pertencessem a Espanha. A primeira foi uma expedição comandada por Aleixo Garcia (m.1525).
Em 1526, outra expedição de conquista foi enviada, comandada por Sebastião Caboto (1484-1557). Nenhuma delas teve sucesso que só foi conseguido com a expedição do grande preador de índios, o bandeirante Antônio Raposo Tavares (1598-1658).
Os jesuítas espanhóis, provenientes do Paraguai, no século XVI aldearam índios no sul do Mato Grosso, estabelecendo em 1631 a ‘redução’ de Nuestra Señora de La Fe de Itatim, que foi destruída em 1659 pelos bandeirantes paulistas. Os índios aptos foram levados como escravos e o gado (bovinos e equinos) disperso. Com isto os índios Guaicurus do Mato Grosso ficaram conhecendo e usavam os cavalos.
José Inácio de Abreu e Lima (1794-1869), militar e escritor brasileiro, que ficou conhecido por ser um dos generais de Simon Bolívar (1783-1830), escreveu[1] ‘Na outra extremidade meridional do Brasil, perto de Matto Grosso, habitam os Guaycurús (ou Indios cavalleiros porque quando os Portuguezes chegaram áquella província já acharam estes selvagens com criações de gado cavallar, e combattendo a cavallo), que provavelmente são da mesma casta que os Guaycurús do Paraguay’.
Os primeiros bovinos foram introduzidos em Mato Grosso em 1727. Foram seis novilhas prenhas que vieram de São Paulo, por canoa pelo rio Tietê, numa monção.
‘Monções’ eram expedições que aproveitando a estação da cheia do rio Tietê, partiam rumo ao rio Paraná, descendo o curso do rio. Tudo era transportado por canoas inteiriças feita de um só tronco de arvore, medindo cerca de doze ou treze metros de comprimento por um metro e meio de diâmetro. As maiores canoas chegavam a transportar até quatrocentas arrobas de carga, além de 25 a 30 pessoas. Muitas vezes, por falta de navegabilidade em alguns trechos do rio, era necessário caminhar alguns quilômetros por terra carregando nos ombros as pesadas canoas e todos os equipamentos. Quando as bandeiras começaram a diminuir, a marcha para o oeste passou a ser assumida quase que exclusivamente pelo movimento das ‘monções’.
Escreveu Afonso de E. Taunay no livro ‘Relatos Monçoeiros’ sobre uma viagem de São Paulo até Cuiabá: ‘531 léguas ou 3.504 km de percurso a percorrer, sendo que se distribuem em 152 no Tietê, 29 no Paraná, 75 no Pardo, 17 no Camapuã, 40 no Coxim, 90 no Taquari, 39 no Paraguai, 25 no Porrudos e 64 no Cuiabá. Além disso tudo, era preciso adicionar os 11 quilômetros do varadouro de Camapuã e os 155 Km que medeiam São Paulo e Araritaguaba, perfazendo um total, entre água e terra, de 3.664 quilômetros.’
O primeiro povoado no Mato Grosso foi fundado por Manoel de Campos Bicudo (m.1722), na desembocadura do rio Coxipó no rio Cuiabá. Foi chamado de São Gonçalo Beira Rio e depois abandonado.
Em 1718, Pascoal Moreira Cabral (n.1654), um paulista de Sorocaba, liderando um movimento de ‘monções’ que tinha como objetivo a preação de índios veio a descobrir ouro as margens dos rios Coxipó e Cuiabá e fundou no dia 8 de abril de 1719, próximo ao povoado abandonado de São Gonçalo Beira Rio, o arraial de Bom Jesus de Cuiabá, que alcançou rápido progresso elevado à vila em 1727.
O primeiro caminho terrestre começou a ser aberto em 1736 e terminou em 1737, porém, só ganhou importância econômica a partir da paulatina decadência das ‘monções’, que começou por volta de 1818 e terminou vinte anos depois.
A abertura desse caminho foi de grande serventia para a população da Vila Real do Bom Jesus de Cuiabá. Robert Southey (1774-1843), na sua “História do Brasil” informa que a primeira estrada entre Cuiabá e Goiás foi aberta por dois paulistas: Teodoro Nobre e seu genro Ângelo Preto Nobre, auxiliados pelos índios Bororós.
Em 1748, com o desenvolvimento da mineração, foi criada pela Coroa portuguesa a capitania de Cuiabá, sendo nomeado como primeiro governador Antônio Rolim de Moura (1709-1782), que fundou o povoado de Vila Bela.
Entre 1719 e 1770, segundo o historiador Pandiá Calogeras (1870-1934), foram produzidas cerca de 60 toneladas de ouro na região. Em 1731 as explorações de ouro empregavam mais de 1.000 escravos negros.
Houve uma grande propaganda dos descobrimentos de ouro que passaram a atrair muitos aventureiros. Em 1727, desembarcou no porto de Cuiabá cerca de 3.000 pessoas, buscando a fortuna fácil na prospecção de ouro, como também algumas centenas de escravos para trabalhar nelas. A preação de índios foi incrementada, buscando mais braços para trabalhar nas minas. Com esta procura, e os embates, praticamente foram exterminadas as tribos dos Paiguás e Guatós e também grande numero dos Caiapós, que escravizados, não aguentavam o trabalho árduo que lhe eram impostos pelos mineradores. Adoeciam e morriam. Os escravos negros, mais resistentes do que os indígenas, rebelaram diversas vezes, pelo excesso de trabalho e fugindo criaram quilombos, sendo famoso o Quilombo do Piolho.
A prosperidade do Quilombo do Piolho perdurou alguns anos. Os quilombolas plantavam suas roças de milho, mandioca e feijão; criavam gado bovino e suíno, sendo autossuficientes nas suas necessidades do dia a dia. Cada dia o quilombo recebia mais foragidos, fazendo os fazendeiros, proprietários destes escravos fugitivos, solicitarem providências às autoridades. Vieram forças militares e o quilombo foi destruído em 1770. O gado foi abandonado e apropriado pelos fazendeiros que tinham contribuído monetariamente para a a destruição do quilombo. Com base neste plantel e por cabeças importadas da Bahia e de São Paulo, para abastecer as minas e a população que vivia em torno delas, prosperou-se uma rendosa atividade de criação de gado, exploradas pelos fazendeiros que ocupavam vastas sesmarias doadas pelo governo colonial.
Quando a atividade de extração de ouro deixou de ser interessante, a criação de gado e a agricultura começaram a ocupar a força de trabalho remanescente. A criação de gado foi a que mais desenvolveu, fazendo com que o eixo econômico da província fosse deslocado para o sul, onde a existência de terras mais férteis e boas pastagens possibilitava a melhor rentabilidade do negócio.
Apenas em 1750, pelo Tratado de Madrid, o Mato Grosso foi reconhecido pela Espanha como território brasileiro, o que foi ratificado pelo Tratado de Santo Ildefonso em 1777. A partir desta data, diversas povoações foram fundadas pelos portugueses, tais como, Vila Maria, Casalvasco e Salinas. Estas povoações não passaram de vilarejos, pois a economia continuava estagnada. Havia uma agricultura de subsistência e apenas a criação de gado, para carne e leite. Vila Maria, a margem esquerda do rio Paraguai, era um povoado até que próspero no final do século XVII, sendo habitado por índios que criavam gado. Havia um engenho de açúcar, construído defronte a uma fazenda da Coroa portuguesa, onde eram criados bois e cavalos.
Escreveu Aroldo de Azevedo no seu livro ‘O Brasil e suas Regiões’; ‘A primeira vila criada em terras do Centro-Oeste foi a Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabá (1727), a atual capital de Mato Grosso. Seguiu-se lhe a Vila Boa (1736), hoje Goiás, por longas décadas capital de Goiás. Ambas tornaram-se cidades em 1818. Surgiram depois: a Vila Bela da Santíssima Trindade do Mato Grosso (1752), atual Mato Grosso; a Vila Maria do Paraguai (1778), atual Cáceres; São Pedro Del Rei (1780), atual Poconé – todas em terras mato-grossenses –(...)’
Depois, da Guerra do Paraguai, a província de Mato Grosso, assolada pela invasão dos soldados paraguaios e pelas batalhas, teve que solicitar ao governo Imperial, auxílio para poder reiniciar a atividade de criação de gado.
Em 1869, a carne verde era vendida na capital da província do Mato Grosso (Cuiabá), a razão de 3$200 por arroba e no ano de 1885 a província de Mato Grosso, efetuou as seguintes exportações de produtos pecuários:
Caldo de Carne 43.200 contos de réis
Couros 41.290 contos de réis
Chifres 2.460 contos de réis
Bovinos 66.036 contos de réis
Em 1871, grassou uma epidemia que dizimou a maioria dos equinos da província. No final do século XIX começou o processo de abate industrial de bovinos para a produção de charque e a comercialização de couro in natura. Tudo como faziam os rio-grandenses.
Pequenas charqueadas foram construídas em Corumbá (da família Barros) e Porto Murtinho (do uruguaio Mozart Grosso).
Na década de 1920, fazendeiros como Laucídio de Souza Coelho, Etalívio Pereira Martins e Manoel Marques da Silva desenvolveram a qualidade e a quantidade dos seus rebanhos e se preocupavam com o domínio econômico dos frigoríficos de Araçatuba e Presidente Prudente na compra do gado. Naquela época a pecuária do estado era de cria e recria e eles conseguiram completar o ciclo (a engorda) e ter bois prontos para abate.
No início da década de 1930, os citados fazendeiros e outros como Laudelino Flores Barcelos, Dolor de Andrade, Leonardo Correa da Silva, Edmundo de Almeida e Clemente Pereira, para aumentar o poder de negociação da classe, fundaram o 'Centro dos Criadores', que depois, mudou o nome para 'Sindicato dos Criadores' e finalmente para 'Associação dos Criadores de Gado de Mato Grosso'.
Em 1948, Laucidio de Souza Coelho, reuniu os pecuaristas da região e constituiu a primeira unidade industrial de carne bovina no estado de Mato Grosso, o 'Matadouro Industrial de Campo Grande'. Mais tarde a empresa veio a ampliar suas atividades com a produção de charque. O matadouro transformou-se no 'Frigorífico Mato-Grossense' e conseguindo financiamento do governo melhorou a fábrica de Campo Grande e construiu na cidade de São Paulo um entreposto frigorífico para distribuir a carne na capital paulista. Em 1963, o frigorífico foi vendido ao grupo Bordon.
O rebanho teve a seguinte evolução:
1938
|
1950
|
1957
|
1964
| |
Bovinos
|
2.675.000
|
4.000.000
|
8.932.000
|
11.153.000
|
Equinos
|
212.000
|
400.000
|
466.000
|
610.000
|
Suinos
|
221.000
|
560.000
|
6.176.000
|
2.378.000
|
Ovinos
|
67.000
|
-
|
12.000
|
260.000
|
Caprinos
|
33.000
|
-
|
169.000
|
118.000
|
Em 1964, foram abatidos em estabelecimentos controlados pelo governo:
Bovinos
|
216.000 cabeças
|
Suinos
|
89.000 cabeças
|
Ovinos
|
3.000 cabeças
|
Caprinos
|
3.000 cabeças
|
Em 1965 o rebanho do Mato Grosso era de 12.468.000 cabeças de bovinos, 2.569.000 cabeças de suínos e 626.000 cabeças de equinos. O rebanho de bovinos na época era o segundo maior do Brasil, só superado pelo estado de Minas Gerais. A produção de carne bovina foi de 39.000 toneladas e a de carne suína de 2.550 toneladas.
Em 1° de janeiro de 1979 o Mato Grosso foi dividido em dois estados: o do Mato Grosso com capital em Cuiabá e o do Mato Grosso do Sul com capital em Campo Grande.
O IBGE no Censo Agropecuário constatou que no dia 31/12/2008 havia nos 141 municípios do estado do Mato Grosso 26.000.000 cabeças de bovinos. Possuía o maior rebanho do Brasil.
Os cinco maiores rebanhos de Mato Grosso, que representavam 15% do total, estavam nos seguintes municípios:
· Juara (4º do Brasil) 907.000 cabeças
· Alta Floresta (7º do Brasil) 808.000 cabeças
· Vila Bela (8º do Brasil) 802.000 cabeças
· Cáceres (9º do Brasil) 795.000 cabeças
· Vila Rica (14º do Brasil) 672.000 cabeças
Outros 2 municípios do Mato Grosso tinham rebanho superior a 500.000 cabeças (Juína, Pontes e Lacerda), 19 municípios tinham rebanho entre 500.000 e 300.000 cabeças, 18 tinham rebanho entre 300.000 e 200.000 cabeças e 36 tinham rebanho entre 200.000 e 100.000 cabeças.
No mesmo censo havia nos 78 municípios do estado do Mato Grosso do Sul 22.365.000 cabeças de bovinos. Possuía o terceiro maior rebanho do Brasil.
Os cinco maiores rebanhos de Mato Grosso do Sul, que representavam 25% do total, estavam nos seguintes municípios:
· Corumbá (1º do Brasil) 1.973.000 cabeças
· Ribas do Rio Pardo (3º do Brasil) 1.161.000 cabeças
· Porto Murtinho (5º do Brasil) 821.000 cabeças
· Aquidauana (6º do Brasil) 820.000 cabeças
· Três Lagoas (11º do Brasil) 754.000 cabeças
Outros cinco municípios do Mato Grosso do Sul tinham rebanho superior a 500.000 cabeças (Água Clara, Campo Grande, Camapuã, Rio Verde do Mato Grosso e Santa Rita do Rio Pardo), 11 municípios tinham rebanho entre 500.000 e 300.000 cabeças, 22 tinham rebanho entre 300.000 e 200.000 cabeças e 19 tinham rebanho entre 200.000 e 100.000 cabeças.
A soma dos cinco maiores rebanhos dos municípios de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, considerados separados, é maior do que o rebanho de 15 estados brasileiros.
A soma dos rebanhos dos dois estados (48.365.000 cabeças) é maior do que os rebanhos nacionais da França, Alemanha, Grã Bretanha e Itália somados.
bom dia. De onde tirou toda esta informação histórica? vc tem a bibliografia de tudo isso? estou desenvolvendo um projeto e necessito das bibliografias. Grato.
ReplyDeleteMárcio Patrocinio
marciopatrocinio@ymail.com
Campo Grande - MS
(67) 9205-9347
Márcio,
DeleteHá mais de 10 anos que venho estudando a história da criação de gado no Brasil. Seria para um livro, mas, depois decidi disponibilizar na Internet.
De fato, falta bibliografia especifica sobre o assunto e tive que coletar e cruzar dados de diversas fontes:
História do Brasil- Joaquim Silva
História do Brasil- Robert Southley
Compêndio de História do Brasil- José Inácio de Abreu e Lima
Formação Histórica do Brasil- Pandiá Calógeras
Scenas de Viagem: Exploração entre os rios Taquary e Aquidauana, no distrito de Miranda. Afonso de E.Taunay.
Relatos Monçoeiros- Afonso de E. Taunay.
Capítulos da História Colonial- Capistrano de Abreu
Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil- Capistrano de Abreu
Formação do Brasil Contemporâneo - Caio Prado jr.
História Econômica do Brasil - Caio Prado Jr.
O Gado e a Carne no Brasil- Roberto Simonsen
História Econômica do Brasil- Roberto Simonsen
O Brasil e suas Regiões- Aroldo de Azevedo
Dados primários extraídos do Provincial Presidential Reports 1830-1930 Matto Grosso- digitalizado e disponível pelo Center of Research Libraries, Global Resources Network, Chicago University U.S.A. (em português)
IBGE
FAO
Almanaque Abril diversos anos
Revistas DBO, Globo Rural, História Viva etc.
Jornais diários de Cuiabá
Espero ter ajudado.
Leopoldo
ajudou e muito, obrigada!!!! Eliane.
Delete