6.02.2011

TECNOLOGIA DA SALSICHARIA EM PORTUGAL

1 - INTRODUÇÃO

Portugal possui um rico património de produtos agrícolas e agro-alimentares, cujas características qualitativas são provenientes da sua origem geográfica e do modo particular de produção, baseado em hábitos ancestrais e em métodos locais, leais e constantes. Este património representa um dos traços fundamentais da nossa identidade cultural como povo e como nação, sendo importante salvaguardá-lo para futuras gerações (Soeiro, 1998).

A sua origem teve como base as necessidades alimentares das populações rurais, que ao longo dos tempos foram desenvolvendo tecnologias próprias de acordo com os meios disponíveis, resultando uma grande diversidade de produtos com características regionais. De região para região estas características divergem, traduzindo uma cultura regional específica.

Para ser possível consumir carne de porco durante todo o ano, a população aprendeu a conservá-la, e este conhecimento foi transmitido de geração em geração (Alves, 1998). Surgindo assim a arte da salsicharia.

O termo salsicharia engloba genericamente produtos de transformação cárnea, cuja predominância em Portugal é quase exclusivamente de carne de porco, englobando não só os enchidos, mas também todas as carnes curadas (presuntos, pás e outros) (Patarata et al., 1998).

Diferentes raças de suínos, diversamente alimentadas, originam inevitáveis diferenças de paladar nos enchidos, que se fabricam nas diferentes regiões (Anónimo, 1992).

Durante anos o porco da raça Alentejana manteve-se em plano secundário. Nos últimos tempos, a situação inverteu-se devido à revalorização das raças autóctones,  e consequentemente  a um maior consumo dos produtos do porco alentejano e também ao reconhecimento das virtudes da designada “dieta mediterrânica” onde se inserem estes produtos (Elias, 1998).

Nos últimos anos a indústria salsicheira tem vindo a assumir entre nós um apreciável incremento, expresso no elevado número de estabelecimentos fabris instalados e na variedade de produtos, dando origem a produtos de certa forma normalizados e que não apresentam as características do produto genuíno, apesar de ainda subsistirem, principalmente nos meios rurais, as salsicharias tradicionais.

Os produtos tradicionais são produtos únicos que têm origem na região que lhes dá o nome e que têm uma forte ligação com essa mesma região, de tal forma que é possível demonstrar que a qualidade do produto é influenciada pelas raças animais, solo, vegetação, clima e tecnologia de fabrico.

Ao longo do tempo, a produção caseira foi sendo substituída pela industrial. Encontramos as mais variadas situações e, nem todas são as mais adequadas do ponto de vista higiénico-sanitário. É necessário enquadrar estes produtos com as novas exigências de higiene/salubridade, numa perspectiva de protecção do consumidor, pois encontramo-nos numa época em que segmentos do consumo se dirigem progressivamente para produtos do tipo tradicional com sabor e aroma característicos. Contudo, deve manter-se a sua originalidade.

O consumidor dá cada vez mais importância à qualidade dos alimentos. Surgiu assim a necessidade de adoptar estratégias para valorizar os produtos tradicionais, o que se tem conseguido através da criação das Denominações de Origem Protegida, das Indicações Geográficas Protegidas e dos Nomes Específicos.

Este processo constitui um importante passo na defesa destes produtos, uma vez que assegura as condições de higiene com que estes são produzidos, bem como o respeito pelos métodos de fabrico tradicionais, garantindo assim a autenticidade e a origem do produto.

Actualmente, existem no Alentejo dois produtos de salsicharia com “denominação de origem”: o “Presunto de Barrancos” e a carne de “Porco alentejano”. Existem ainda dez produtos com “indicação geográfica”: “Lombo Branco de Portalegre”, “Lombo Enguitado de Portalegre”, “Painho de Portalegre”, “Cacholeira Branca de Portalegre”, “Chouriço Mouro de Portalegre”, “Linguiça de Portalegre”, “Morcela de Assar de Portalegre”, “Morcela de Cozer de Portalegre”, “Farinheira de Portalegre” e “Chouriço de Portalegre”.

O enchido tradicional tem que passar a ser um produto uniforme e de elevada qualidade, assegurado através da respectiva normalização e controlo. Portanto, é importante o estudo dos enchidos tradicionais portugueses, de forma a contribuir para o domínio da sua tecnologia e controlo de qualidade. Desta forma, preserva-se uma parcela do património cultural do país e valoriza-se a sua economia, através do autoabastecimento e da exportação de produtos de qualidade.

  2 - OBJECTIVOS

Este trabalho visa a contribuição para o estudo e tipificação de enchidos, do concelho de Serpa.

Por outras palavras, o objectivo do estudo consiste em inventariar e caracterizar a salsicharia do concelho referido, tendo em vista a criação de uma protecção comunitária.

É ainda objectivo deste trabalho, contribuir para a caracterização de dois enchidos, a linguiça e o paio, quanto ao formato, dimensões, aspecto ao corte, teor de humidade, teor de  proteína total, teor de  gordura total, pH e cloretos.
  
3.1 - APONTAMENTO HISTÓRICO
  
3.1.1 -  ORIGEM DA SALSICHARIA

 Na história da Humanidade, são inúmeras as descobertas feitas pelo Homem, na luta pela sobrevivência e na procura da perfeição.

Desde sempre confrontado com o problema da conservação da carne, o Homem desenvolveu processos como a salga e a fumagem deste tipo de alimento. Para facilitar a aplicação daqueles processos, picou a carne e utilizou os intestinos de animais para a acondicionar. Apareceram assim os enchidos, os mais antigos alimentos conservados de que há conhecimento.

Segundo Janeiro (1948), foram os Romanos e os Gregos os responsáveis pela introdução da arte de fabricar enchidos no nosso país. Por outro lado, Anónimo (1992) refere que a salsicharia tradicional portuguesa provém de saberes deixados entre nós por povos invasores, nomeadamente, Celtas e, posteriormente Visigodos, Godos, Ostrogodos, Vândalos e outros povos que viveram na região.

Sendo Portugal um país de grande expressão agrícola e extensa costa, num passado recente as suas populações asseguravam a sua subsistência através da agricultura, da pastorícia, dos lacticínios e da pesca. No entanto, a alimentação das famílias, especialmente no Inverno, era tradicionalmente assegurada com base no porco (Anónimo, 1992).

Pelas suas características, a carne de porco pode sofrer tratamentos que permitem a sua conservação durante longos períodos invernais. A carne era conservada na salgadeira (arca de madeira onde se conservava envolvida em sal) sem se deteriorar. Esta carne era utilizada nos cozinhados e no fabrico de vários enchidos, que eram fumados na lareira e assim preservados para serem consumidos na Primavera e no Verão (Anónimo, 1992).

Os enchidos iriam ser a base da alimentação nas jornadas de trabalho primaveris e estivais, uma vez que a merenda de mondas e ceifas incluía obrigatoriamente o “naco” de chouriço, a morcela assada nas brasas ou cozida no caldo das couves (Anónimo, 1992).

Após a nossa Expansão, o aparecimento do pimentão e da pimenta nas nossas cozinhas, levou a uma grande modificação nos enchidos. Estes condimentos permitiram, não só melhorar o sabor das carnes cheias, como também alargar  o período de conservação (Saramago e Fialho, 1998).

A indústria de salsicharia no Alentejo parece ter nascido em Castelo-de-Vide, espalhando-se depois pelos concelhos vizinhos e daí por todo o Alto e Baixo Alentejo (Paiva, 1944).
Segundo Saramago e Fialho (1998), o Alentejo, coberto de florestas densas, de azinheiras e sobreiros, com um porco especialmente alimentado a bolota, tornou-se um lugar privilegiado para o desenvolvimento e prática dos enchidos.

3.2 - MATÉRIA-PRIMA PRINCIPAL

 A carne constituí a matéria-prima principal da maioria dos produtos cárneos transformados. Define-se como a parte consumível da carcaça, constituída por tecido muscular, conjuntivo  e adiposo (Grau, 1965).

É essencial assegurar a boa qualidade da matéria-prima (e dos condimentos), para que, após adequado controlo da tecnologia, o produto final seja de qualidade. Deve haver uma preocupação na  obtenção de carne de qualidade, que deve começar no animal em vida. No caso dos enchidos crus, é importante  a idade de abate dos animais e a alimentação a que foram submetidos, principalmente na fase de acabamento (Coretti, 1971, referido por Martins, 1992).

A qualidade da carne é influenciada, igualmente, pela raça, nomeadamente a composição lípidica, apresentando diferentes níveis de ácidos gordos insaturados (Torre e Garcia, 1991).

As características da espécie, em conjunto com outros factores (transporte para abate, jejum antes do abate, etc.), resultam por vezes em duas situações anormais básicas da qualidade da carne, que são designadas na literatura inglesa por carnes PSE (pale,soft, exudative) e DFD (dark, firm, dry) (Prändl et al., 1994).

As carnes PSE apresentam alterações das características organolépticas e aptidões tecnológicas diferentes. A capacidade de retenção de água é menor (Aw superior), devido à proximidade do pH do ponto isoeléctrico.  A  dessecação é muito rápida, dando origem a um produto final demasiado seco, com pouca cor e mais salgado do que um produto fabricado com carne normal que levou a mesma quantidade de sal (Girard et al., 1986). Apresentam menor poder emulsificante e de conservação (Prändl et al., 1994).

Em relação às carnes DFD, caracterizam-se por elevada capacidade de retenção de água, cor muito escura, textura firme e superfície seca. O pH final é elevado, o que se traduz numa estrutura fechada e, quando se utiliza esta carne para transformação, é dificultada a penetração dos temperos, o que leva a maior possibilidade de problemas microbiológicos e de heterogeneidade (Prändl et al., 1994).

A carne normal apresenta cor, consistência e humidade superficial normais. A queda de pH é equilibrada. Nesta carne, os sais minerais são facilmente absorvidos e a dessecação do produto é regular, devendo ser este o tipo de carne que se deve utilizar na indústria de salsicharia (Girard et al., 1986).

3.2.1 - ESTRUTURA DO MÚSCULO

 Os músculos são os principais constituintes da parte nobre da carne. Estão organizados de forma muito semelhante, embora apresentem diferenças quanto ao tamanho e função. São constituídos pelas fibras musculares, dispostas de forma característica  e por tecido conjuntivo como elemento de separação. Uma fibra, por sua vez, está formada por muitas miofibrilhas, que estão formadas por dois tipos de filamentos, grossos e finos, que são os responsáveis pelo seu aspecto (Torre e Garcia, 1991).
   
3.2.2 - COMPOSIÇÃO QUÍMICA DO MÚSCULO

 A composição química do músculo varia segundo a espécie animal, idade e zona muscular em causa. Em termos gerais, contém 75% de água, 18% de proteínas, 3,5% de substâncias não proteicas solúveis e 3% de gordura (Lawrie, 1977).
   
3.2.2.1 - ÁGUA

 O teor em água  tem influência  na qualidade da carne, afectando a suculência, a cor, a textura e o sabor. A água é o meio universal das reacções biológicas, portanto, a sua presença influi nas mudanças que ocorrem na refrigeração, armazenamento e processamento da carne (Pedersen 1976, referido por Martins, 1992). Só uma pequena fracção de água total, cerca de 4%, se encontra fortemente unida às proteínas, designada por “água ligada”. A restante, “água livre”, compreende ainda duas fracções: uma grande parte sob a forma de água imobilizada fisicamente pela estrutura micelar das proteínas; outra pela água facilmente extraível  por compressão (Torre e Garcia, 1991).

A actividade da água de um alimento aproxima-se do valor máximo sempre que o seu conteúdo neste é superior a 50%, constituindo a maioria da água disponível. A capacidade de retenção desta é  fortemente influenciada pelo pH e forças iónicas, saindo dos tecidos por alterações provocadas por agentes físicos, químicos ou bioquímicos  (Cheftel et al., 1976). A capacidade mínima de retenção da água coincide com o pH 5 (ponto isoeléctrico da maioria das proteínas) aumentando à medida que se afasta deste (Girard, 1991). A redução do teor em água disponível necessária ao crescimento dos microrganismos e à actividade das enzimas, leva à estabilidade dos produtos. Estes aspectos são muito importantes no tipo de processamento tecnológico dos produtos cárneos.
  
3.2.2.2 - PROTEÍNAS
  
As proteínas do músculo para além de desempenharem uma função plástica, intervêm nos fenómenos de contracção (Prändl et al., 1994).

A carne apresenta diferentes tipos de proteínas que são compostos por diversas quantidades e tipos de aminoácidos. Existe uma marcada diferença biológica entre as proteínas musculares e as proteínas do tecido conjuntivo (colagénio), dado que estas últimas têm um conteúdo muito menor em aminoácidos essenciais (Prändl et al., 1994).

A  composição e a estrutura do colagénio dependem da espécie, raça, sexo, idade, período de crescimento, deficiência em vitaminas, etc. As fibras do colagénio diminuem o seu comprimento inicial quando submetidas a temperaturas de 60ºC e, com aquecimento superior a 60ºC estas transformam-se em gelatina (Torre e Garcia, 1991).

Do ponto de vista tecnológico a mais importante é a mioglobina. É a principal responsável pela cor da carne, e é constituída por uma proteína, a globina e um grupo prostético heme que tem um átomo de ferro, e um anel de porfirina. O grupo heme é o responsável pela capacidade de captação de oxigénio. A hemoglobina é a responsável pelo transporte do oxigénio e pela cor do sangue (Torre e Garcia, 1991).

Também fazem parte dos componentes proteicos sarcoplásmicos, enzimas, que desempenham um papel importante nos fenómenos da maturação da carne.
   
3.2.2.3 - LÍPIDOS

 A gordura representa um papel importante nas características organolépticas da carne, conferindo-lhe características especiais. O sabor e aroma específicos resultam da complexa interacção dos lípidos com outros compostos do músculo, e o seu teor tem influência na suculência, na dureza e no aspecto da carne (Wood, 1984 referido por Martins, 1992).

Na carne, os lípidos, encontram-se localizados no tecido adiposo (subcutâneo e intermuscular) e no tecido muscular (Torre e Garcia, 1991).

A gordura extraída do tecido adiposo é constituída por 99% dos esteres de glicerol e ácidos gordos, que, como lípidos de reserva, serão catabolizados, em caso de necessidade, para a produção de energia (Dias Correia, 1977).

O tecido adiposo localiza-se diferencialmente segundo a espécie, sendo notória e característica a localização da gordura subcutânea no porco. Apresenta diferente constituição em ácidos gordos e colagénio, conforme a sua localização anatómica. Este facto, repercute-se na sua consistência e aptidão tecnológica. O toucinho, para além de possuir ácidos gordos insaturados, tem um elevado teor de colagénio, constituindo uma armadura de suporte, sendo considerado uma gordura firme e, portanto, adequada para o fabrico de enchidos crus (Bucharles e Girard,1987 referido por Martins, 1992).
Os lípidos do tecido muscular são constituídos por triglicéridos, fosfolípidos e por matérias insaponificáveis, como o colesterol (Lawrie, 1977). Estes dividem-se em: lípidos intramusculares e intracelulares. Os lípidos intramusculares fazem parte das fibras musculares e os intracelulares fazem parte das mitocôndrias, membranas, etc. São compostos principalmente de fosfoglicéridos e lipoproteínas (Torre e Garcia, 1991).

A composição em ácidos gordos é variável com a espécie, e, dentro desta, com os factores ambientais e alimentação (Torre e Garcia, 1991).

A composição em ácidos gordos, para além de ser importante para a consistência, influencia na qualidade organoléptica. Quanto mais elevada for a presença de ácidos gordos insaturados, maior é a probabilidade de oxidação (Torre e Garcia, 1991).
   
3.2.2.4 - SUBSTÂNCIAS NÃO PROTEICAS SOLÚVEIS
  
As substâncias não proteicas solúveis incluem as substâncias azotadas (creatina, nucleótidos e aminoácidos); glúcidos (acido láctico, glucose e glicogénio); substâncias inorgânicas e vitaminas.
   
3.3 - CONDIMENTOS E EXCIPIENTES
  
Estas matérias-primas embora sejam consideradas secundárias, desempenham funções muito importantes, não só organolepticamente, mas também na transformação e conservação do produto final.

Os condimentos são substâncias de extrema importância. Para além de conferirem ao enchido qualidades organolépticas agradáveis e que lhe são próprias, desempenham um papel importante na maturação, uma vez que retardam a alteração por acção dos microrganismos, devido ao efeito inibidor exercido sobre alguns destes. Para além do referido, favorecem a fermentação láctica, dado que estimulam o crescimento das bactérias ácido-lácticas. A inibição é devida à sua constituição em magnésio (Ribeiro, 1978).

Os condimentos utilizados devem ser  puros, limpos e não alterados, caso contrário, podem dar origem a produtos cujo sabor e aroma são diferentes daqueles que o salsicheiro pretende obter com a sua aplicação. A condimentação permite também mascarar certos defeitos ou alterações dos enchidos (Abreu et al., 1962).

O sal, a massa de pimentão salgada e o alho são os  condimentos que se utilizam tradicionalmente.

Para difundir os condimentos utiliza-se como excipiente a água, que  facilita assim a absorção destes pela carne e a homogeneização da mistura. A água utilizada deve ser potável (Paiva, 1944).
Se o salsicheiro adicionar água em excesso à massa, esta liga mal. Como parte da água adicionada é eliminada durante a cura, se esta se encontrar em excesso, a maior eliminação levará a uma perda dos próprios condimentos (Paiva, 1944).

Também se podem utilizar como excipientes o vinho (especialmente o branco), o vinagre e vinhos doces. Estes, para além de actuarem como excipientes, actuam também como condimentos (Janeiro, 1948).

 3.3.1 - SAL

 Entre os vários condimentos utilizados, o sal, destaca-se pela sua importância.
 O cloreto de sódio, vulgarmente conhecido por sal comum, constitui o saborizante mais importante utilizado na transformação de carnes. É obtido a partir do sal gema ou do sal marinho. Os grãos podem apresentar variadas dimensões e pode conter aditivos com o objectivo de lhe conferir determinadas propriedades. Assim, para evitar a sua higroscopia, quando está contaminado com cloreto de magnésio, a adição de fosfato de sódio evita o humedecimento pela fixação do magnésio. O ferrocianeto de potássio evita a aglutinação dos cristais, tornando-os dendríticos e de rápida solubilidade. A adição de carbonato de magnésio, silicato ou fosfato de cálcio utilizados no sal de mesa, conserva a capacidade de dispersão. Nos produtos cárneos pode usar-se sal incorporado  de nitrito e/ou nitrato, estando a junção destes aditivos aos alimentos devidamente regulamentada. O nitrato de sódio ou potássio e o nitrito de sódio, juntamente com o cloreto de sódio na forma de sais de cura e com certos aditivos como o ácido ascórbico e glúcidos, visam melhorar a cor, o sabor, o aroma e o poder de conservação dos produtos curados (Dias Correia, 1977).

O sal desempenha várias funções: gustativa, bacteriostática e promotora de modificações físico-químicas profundas no tecido muscular ou adiposo da carne (Girard, 1991).

Possui um gosto a salgado devido à presença do anião Cl-, porém o catião Na+ tem a capacidade de estimular os receptores gustativos (Girard, 1991). Confere aos produtos um sabor característico, muito apreciado pelo consumidor.

Este condimento, à temperatura ambiente, apresenta um fraco poder bactericida em meio aquoso, sendo um fraco anti-séptico nas concentrações em que habitualmente se encontra na parte magra dos produtos salgados, com cerca de 70% de humidade. No entanto, a baixa temperatura, considera-se um óptimo regulador da flora microbiana. Embora não possua uma acção destruidora perante as bactérias, concentrações próximas de 10 % inibem o crescimento de vários microrganismos, em concentrações de 7 a 8 %  actua apenas sobre os anaeróbios. O sal utilizado no fabrico de enchidos secos curados em concentrações entre 2,5 e 3 %, inibe o crescimento de microrganismos prejudiciais, mas não afecta o desenvolvimento microbiano responsável pela acidificação, que só é influenciado  em concentrações superiores a 3 % (Flores e Bermell, 1996). A acção bacteriostática do sal nas concentrações usadas  nos produtos cárneos é parcial, sendo reforçada pela fumagem, desidratação e outros processos (Girard, 1991).

A adição de sal aumenta o poder de retenção de água e diminui a água disponível, uma vez que se liga a esta, dependendo, no entanto, este poder do pH.  Assim, ao permitir fixar grandes quantidades de água nos tecidos, reduz a actividade da água, exercendo poder bacteriostático (Girard, 1991).
  
Em relação às modificações físico-químicas, o sal pode provocar ruptura das ligações entre os vários aminoácidos ou alterar as suas estruturas primárias. No início, a sua adição dá origem a um aumento da capacidade de retenção de água das carnes, originada pela repulsão electrostática das cadeias peptídicas adjacentes devido à ligação dos iões salinos (Dias Correia, 1977). À medida que o sal se difunde para o interior do músculo, forma-se um complexo com as proteínas, promovendo-se deste modo, melhor consistência e ligação do produto.

A velocidade de penetração depende do pH da carne, se este for relativamente elevado (6,6), as fibrilhas embebidas em água livre dificultam a difusão do sal. Pelo contrário, no músculo com um pH mais baixo, a embebição das fibrilhas diminui, a água móvel passa aos espaços intersticiais, sendo a difusão salina rápida (Dias Correia, 1977).

O sal tem acção sobre as enzimas. Apresenta consequências negativas ao activar a lipoxidase, acelerando a rancificação oxidativa; e positivas ao promover o aumento de aminoácidos livres, que se traduz numa melhoria organoléptica dos produtos salgados crus ou cozidos (Dias Correia, 1977).

 3.3.2 - ESPECIARIAS

 As especiarias são utilizadas nas indústrias transformadoras de carnes como condimento, para caracterizar e acentuar as qualidades organolépticas dos produtos finais. Estas provocam excitação das mucosas, provocando um aumento da actividade glandular, com maior produção de saliva e suco gástrico, contribuindo para uma melhor digestão. Têm influência a nível do cheiro e do sabor, que se traduz por uma maior palatabilidade e consequente aceitabilidade dos alimentos. São consideradas agentes camufladores de outros sabores,  conservantes e anti-sépticos gastrointestinais.

A massa de pimentão constitui uma das especiarias mais utilizada nos enchidos produzidos no Alentejo. É também designada por massa de pimento, que segundo a NP 566, consiste num produto pastoso obtido de frutos frescos, em estado de maturação industrial conveniente, sãos e limpos do pimenteiro Capsicum annuum, L., por moenda e peneiração, salgados após fermentação láctica e isentos de substâncias estranhas. Organolepticamente, caracteriza-se por uma coloração vermelha viva ou ligeiramente escurecida. O aroma e sabor são “Sui generis” e originados por uma fermentação bem conduzida.

O alho, com sabor típico, encontra-se sempre presente nos enchidos, variando a quantidade adicionada com o tipo de produto e a região de produção. Este consiste nos bolbos da planta Allium Sativum L. Estes bolbos ou cabeças, no estado adulto, são formados por dentes branco marfim, por vezes com tons amarelo claros e envoltos numa fina película. Quando utilizado, retiram-se todas as camadas de peles e películas, ficando somente o dente. Este apresenta um odor e sabor forte, intenso e pungente. Pode ser utilizado em estado fresco ou desidratado, em pó ou granulado. O alho desidratado embora apresente maior estabilidade e consequente maior facilidade de conservação e uso, apresenta quebras de intensidade das características organolépticas, pelas quais o alho é conhecido e usado.

Segundo Mcwhirter e Clasen (1997), o alho tem  poder antiviral e antibacteriano. É considerado importante no processo de acidificação bacteriano, devido à presença de manganésio (Zaika e Kissinger, 1984).

Para além  destas especiarias,  utilizam-se também, a pimenta preta, o cravinho, os cominhos, o louro e outras, dependendo o seu uso, da região e do tipo de produto, apresentando ainda diferenças individuais com os salsicheiros.
  
3.4 - INVÓLUCROS

 As tripas utilizadas podem ser naturais de carneiro, porco ou vaca, frescas, salgadas ou secas e artificiais comestíveis. As tripas naturais constituem um factor importante na obtenção de boas linguiças artesanais na pequena e média indústria (Ingram e Simonsen, 1985 referido por Jorne, 1997). Estas vão servir de invólucro à massa, definindo o formato e constituindo assim a parte exterior do enchido.

Frequentemente utiliza-se a tripa do intestino delgado para enchidos de calibre menor, como por exemplo as  linguiças. Enquanto que, a tripa do intestino grosso (recto) é utilizada para a produção de enchidos de calibre  médio/grosso como por exemplo, os salpicões, os paios, etc.

Devem utilizar-se sempre tripas naturais para garantir a tradição e genuinidade do produto (Patarata et al., 1998).

Antes do enchimento, as tripas devem ser passadas por água quente, de modo a retirar o sal e restituir a flexibilidade, elasticidade e permeabilidade iniciais. Quando se trata de tripas secas é conveniente remolha-las numa mistura de vinagre, sal, rodelas de laranja e alho pisado, para recuperarem a sua elasticidade normal e para que se mascare o seu sabor «sui generis»; o remolho não deve ser prolongado, para não se prejudicar a resistência e a elasticidade das tripas. No caso das tripas artificiais, deve atender-se às indicações do fabricante (Janeiro, 1948).

 3.5 - TECNOLOGIA DE FABRICO

 3.5.1 - SELECÇÃO OU ESCOLHA DA CARNE

 Esta operação consiste em seleccionar as diferentes carnes e gorduras que constituem os vários tipos de enchidos, eliminando as partes que não devem fazer parte da constituição destes (tendões, aponevroses, nervos, gânglios, etc.). É importante, uma vez que se removem da carne as partes que não são apropriadas para utilizar em salsicharia, por afectarem a boa qualidade dos produtos finais (Janeiro, 1948).

A relação músculo/gordura da carne é muito importante, uma vez que a quantidade de gordura afecta a qualidade dos produtos curados, sendo responsável por lhes conferir tenrura, suculência e sabor. Para além disso, também mantém a humidade da fibra muscular, facilitando assim as fermentações que ocorrem durante a cura (Janeiro, 1948).

Para que se possa obter um enchido com uma composição equilibrada, deve fazer-se a escolha da carne com cuidado. Quando se utilizam, em excesso, peças muito ricas em gordura, pode-se obter um produto final com uma percentagem de matéria gorda que ultrapassará os limites aceitáveis, com inconvenientes tecnológicos como, baixo poder de retenção da água; difícil ligação da massa; mau aspecto; etc. Por outro lado, uma percentagem muito baixa de gordura levará a demasiada dessecação do produto e consequente exagero de quebras, o produto ficará seco e quebradiço, prejudicando a sua aparência, textura e “flavour”. Assim, quando se escolhe a carne, deve ter-se em conta que, a massa resultante deverá ser de composição equilibrada em carne magra e gordura rija (Abreu et al., 1962).
  
3.5.2 - MIGA DA CARNE

 Esta operação tem como objectivo reduzir a carne e a gordura a fragmentos mais pequenos, obtendo-se uma massa composta por pedaços relativamente homogéneos. O tamanho dos fragmentos está directamente relacionado com o tipo de enchido (Janeiro, 1948).

A miga pode ser manual ou mecânica. A miga manual, usada na salsicharia caseira,  é feita com facas adequadas e em cima de mesas ou bancas de fabrico. Em relação à mecânica, apresenta a vantagem de dividir a carne nos tamanhos desejados e conservar a firmeza desta. No entanto, é mais  demorada, portanto, mais dispendiosa (Paiva, 1944). A contaminação da matéria-prima é elevada, por germes patogénicos ou não, devido ao contacto com as mãos dos operários e com instrumentos de higiene duvidosa (Abreu et al., 1962). Na miga mecânica o processo é mais rápido e há ausência de contaminação da matéria-prima, por ausência de contacto com as mãos e outros  utensílios de uso manual (Abreu et al., 1962). No entanto, apresenta alguns inconvenientes, tais como: deficiências de corte e esmagamento da carne; contaminação microbiana se a máquina não for convenientemente limpa e aquecimento da carne devido ao calor produzido por atrito, podendo assim contribuir para a proliferação de algumas espécies prejudiciais de microrganismos (Janeiro, 1948).
Existem actualmente equipamentos que realizam esta operação e, quando são adequados ao tipo de corte que se pretende obter, não levando ao esmagamento da carne, proporcionam uma massa de corte grosseiro. Apresentam a vantagem adicional de reduzir a manipulação do produto, com consequências positivas ao nível de contaminação microbiológica (Patarata et al., 1998).
   
3.5.3 - PREPARAÇÃO DA MASSA

 Após a miga das carnes,  procede-se à sua mistura com os temperos e excipientes. Esta operação exige muita experiência, uma vez que por um lado é necessário que ocorra a mistura completa de todos os condimentos, e por outro lado, esta movimentação não pode ser excessiva, para não introduzir muito O2 na massa, que vai facilitar as oxidações e dificultar a acidificação por fermentação.

Os condimentos podem  deitar-se directamente sobre a massa, adicionando-se em seguida a água ou diluírem-se na água, formando uma calda. Pode também fazer-se a calda do tempero no recipiente destinado ao repouso da massa, adicionando-se depois a carne a pouco e pouco, mexendo a mistura para homogeneizar (Janeiro, 1948).

Para que se possa obter um enchido de qualidade, a mistura da massa com os condimentos tem de ser perfeita, ou seja, com uma distribuição correcta quer dos condimentos quer da matéria-prima, evitando-se que este fique demasiado gordo ou demasiado magro (Abreu et al., 1962).

A mistura das matérias-primas realizava-se manualmente. Actualmente, existem recursos mecânicos para realizar esta operação, permitindo obter homogeneizações eventualmente melhores, e, reduzir o risco de contaminação (Patarata et al., 1998).
  
3.5.4 - REPOUSO DA MASSA OU MATURAÇÃO

 Após  a homogeneização, segue-se um período de repouso, durante o qual a carne “toma” os condimentos, produz-se a ligação da massa e que se dá parte da maturação do enchido (Janeiro, 1948). Esta fase tem uma duração variável, de acordo com o tipo de produto, região, de entre outros factores. Deve ser o mínimo indispensável por razões de economia e para impedir a proliferação de microrganismos patogénicos. Na tecnologia artesanal, pode durar 3-4 dias a uma temperatura de 4-5 ºC sendo neste caso, a maturação muito influenciada pelas floras microbianas próprias das carnes, dos condimentos e do ambiente das salsicharias. Recomenda-se, mesmo no plano industrial, uma maturação e repouso da massa de 24 horas em câmaras de refrigeração, a uma temperatura não superior a 10ºC (Ribeiro e Sousa, 1983).
  
Nas regiões onde a salsicharia é produzida nos meses de Inverno, a temperatura reduzida necessária para esta fase é assegurada pelas condições climáticas do meio, e pelas condições precárias das habitações onde se realiza o fumeiro. Para poder ultrapassar a sazonalidade de produção, e obter produtos com garantia de qualidade, nomeadamente sanitária, é necessário recorrer à refrigeração. Só através deste procedimento se consegue deter o desenvolvimento microbiano nas massas em repouso, que apresentam condições propícias ao desenvolvimento dos microrganismos (actividade da água elevada, valores de pH próximos do óptimo de desenvolvimento microbiano, elevada disponibilidade de factores nutritivos) (Patarata et al., 1998).

Os enchidos de pasta dura (linguiças, paios, salpicões, etc.) são alimentos fermentados, por isso, exigem para além da sujeição a uma receita, a actividade dos microrganismos que se desenvolvem nas massas (Janeiro, 1948).
 A maturação é um fenómeno complexo, no qual o sal, a água e os microrganismos desempenham um papel de relevo. O sal penetra nos fragmentos da carne e, extrai a água e as proteínas das fibras musculares. Para além disso, contribui para reprimir o desenvolvimento das bactérias que exigem uma grande quantidade de água como é o caso de grande parte das espécies patogénicas (Ribeiro, 1978) e contribui em parte para a acidificação da carne (Janeiro, 1948).

A massa depois de maturada, transforma-se numa substância alimentar com características organolépticas, físicas e químicas diferentes e “sui generis”. Esta transformação é devida às operações físicas e condimentos, mas, especialmente à presença e acção de microrganismos específicos que provocam a maturação (Janeiro, 1948). Estes, para proliferarem, ao contrário dos microrganismos patogénicos, necessitam de um meio ácido, com um teor de humidade  entre 70 e 80% e uma temperatura inferior a 10ºC. Portanto, a temperatura influencia o desenvolvimento dos microrganismos, se esta for superior a 15ºC durante 10 horas, as condições tornam-se propícias à rápida proliferação de microrganismos patogénicos, designadamente o Staphylococcus aureus (Ribeiro, 1978).

A flora microbiana que se desenvolve preferencialmente neste período é halotolerante. As Lactobacillaceae contribuem para acidificar o meio por fermentação láctica dos hidratos de carbono da carne, contrariando deste modo o desenvolvimento dos microrganismos nocivos e melhorando as qualidades ligantes das proteínas musculares pelo sal (Ribeiro e Sousa, 1983).

Durante o repouso da massa, o desenvolvimento dos microrganismos específicos da maturação tem de ser favorecido, enquanto que a proliferação dos patogénicos deve ser inibida, caso contrário, o produto pode ficar alterado. Portanto, a temperatura e a humidade são factores importantes, assim como a limpeza do local, dos utensílios de fabrico e ainda o asseio do salsicheiro (Janeiro, 1948).

Todos estes fenómenos em conjunto com as fermentações próprias dos microrganismos, têm como efeito a ligação e maturação das massas (Janeiro, 1948).

A maturação da carne continua após o enchimento e dentro do invólucro durante a fumagem ou dessecação do produto (Rosário, 1989).

3.5.5 - ENCHIMENTO

 Esta operação consiste em introduzir a massa no invólucro, a tripa, onde vai continuar e terminar o processo de transformação em enchido (Janeiro, 1948).

Antes de iniciar esta operação deve observar-se o estado de conservação das tripas. Estas devem estar íntegras, para poderem suportar a pressão do enchimento, bem lavadas, sem cheiro ou manchas anormais e bem demolhadas.

O enchimento pode ser manual ou mecânico. Deve realizar-se de forma que a massa entre sob pressão e preencha toda a tripa, não deixando espaços que prejudiquem a qualidade dos enchidos, dando-lhe mau aspecto. E ao mesmo tempo, conseguir a dilatação máxima compatível com a sua elasticidade (Janeiro, 1948).

No enchimento manual utiliza-se uma enchedeira (pequeno funil de boca larga) que se introduz numa das extremidades da tripa, através da qual se introduz a massa. O enchimento mecânico depende do tipo de máquina adoptada (Paiva, 1944).

O enchimento mecânico é mais rápido, promove uma redução da manipulação, diminui a probabilidade de ocorrência de bolsas de ar, que provocam defeitos de fabrico, tais como: desenvolvimento microbiano, fenómenos de oxidação lípidica e dos pigmentos, com aparecimento de colorações e aromas desagradáveis (Patarata et al., 1998).
  
3.5.6 - ATADURA E PICADO

 Após o enchimento, a massa é comprimida à mão pela parte externa e distribuída uniformemente,  de maneira a não deixar espaços vazios no interior do invólucro. Este é atado, com cordel, fio de linho ou ráfia, em segmentos maiores ou menores, consoante o enchido fabricado (Paiva, 1944).

Depois de atados, os enchidos são picados em toda a extensão com uma agulha ou com o pico (utensílio apropriado). A perfuração do invólucro do produto tem a finalidade de facilitar a saída do ar e água indesejáveis (Janeiro, 1948).
   
3.5.7 - CURA

 A cura é a fase mais importante da preparação dos enchidos No decorrer desta fase, ocorrem transformações físico-químicas que modificam a carne, transmitindo-lhe qualidades bromatológicas que tornam o enchido mais apetecível ao consumidor e com um período de conservação superior (Janeiro, 1948).

 3.5.7.1 - FUMAGEM

 A fumagem é uma das técnicas mais antigas utilizadas na conservação dos enchidos e outros produtos cárneos. É a primeira etapa do processo de cura dos enchidos. Esta operação consiste em submeter os enchidos frescos a gases resultantes da combustão lenta da madeira. Para isso, os enchidos são colocados em câmaras, estufas, fumeiros ou à lareira, ficando completamente sujeitos ao fumo (Janeiro, 1948). No inicio a fumagem tem por objectivo a penetração do fumo no enchido, facilitada pela grande humidade de que este dispõe. Progressivamente, com o aquecimento melhoram-se as condições de desenvolvimento microbiano. A acidificação torna-se mais intensa devido à acção de bactérias ácido-lácticas. Simultaneamente, vai-se desidratando o enchido (redução de Aw) (Girard, 1991).

A fumagem tem como objectivo o aumento da capacidade de conservação e a modificação adequada da textura, do aspecto (cor), do aroma e sabor dos alimentos(  Prändl et al., 1994). Assim, através da fumagem obtêm-se produtos que se conservam durante mais tempo, e que apresentam cheiro e sabor característicos e muito apetecíveis.

O fumo actua como antioxidante, sendo geralmente os fenóis, os constituintes deste que actuam como agentes antioxidantes. Assim, a fumagem exerce uma acção antioxidante que tem como consequência retardar a degradação oxidativa dos lípidos e, uma acção  bacteriostática,  que permite estabilizar a carga microbiana do produto fumado. Estas acções reflectem-se nas qualidades higiénicas, organolépticas e nutricionais dos produtos finais (Girard, 1991).

A acção conservadora do fumo é exercida pelo efeito combinado do aquecimento, da secagem e dos compostos químicos com acção antimicrobiana, como os aldeídos, os fenóis e os ácidos (Girard, 1991).

A cor dos produtos fumados resulta da sedimentação de substâncias corantes, principalmente compostos voláteis do grupo dos fenóis, os quais sofrem polimerização ou oxidação. No entanto, a principal causa da coloração escura durante a fumagem reside nas reacções de escurecimento não enzimático ou reacção de Maillard (Mohler, 1980).

 O sabor característico que os produtos fumados apresentam, deve-se  à reacção que ocorre entre uma mistura de vários componentes do fumo e a matéria-prima. As proteínas reagem primeiro com os compostos com grupos carbonilo, seguindo-se os fenóis e os ácidos carboxilicos, sendo essencialmente estes os responsáveis pelo aroma a fumo (Mohler, 1980).

A acção do fumo na textura, resulta na modificação por desnaturação ou coagulação das fibras musculares da carne ou da tripa (Girard, 1991).

A secagem que ocorre nos produtos devido ao calor, diminui a humidade do produto, factor importante na putrefacção (Janeiro,1948).

Resumindo, a fumagem determina a cor apetecível, a dessecação, a esterilização, a sapidez, a suavidade e o brilho dos enchidos (Janeiro,1948).
Originalmente, a fumagem realizava-se na cozinha do produtor, mas também pode realizar-se em câmaras específicas. Na escolha do equipamento utilizado nesta fase, é muito importante verificar a sua aptidão. A qualidade dos produtos tradicionais está dependente de uma boa escolha do equipamento, pois pode ser um dos factores mais importantes no fabrico destes produtos, uma vez que, o equipamento pode permitir um controlo muito rigoroso dos parâmetros fundamentais nesta fase (temperatura e humidade relativa) (Patarata et al., 1998).

Os enchidos colocam-se nas estufas, em varas, dispostos de modo a evitar pontos de contacto entre si que impeçam a acção do fumo.

A lenha utilizada na fumagem deve produzir pouca chama e muito fumo, que deve ser limpo, claro, seco, desprovido de partículas carbonosas e não transmitir sabor desagradável aos enchidos (Janeiro, 1948).

A duração da fumagem, que varia consoante os produtos, deve ter uma duração que permita que os gases penetrem suficientemente na pasta dos enchidos, assegurando a sua posterior conservação (Janeiro, 1948).

Distinguem-se dois processos de fumagem consoante a temperatura atingida pelo fumo: a fumagem a frio e a fumagem a quente. Na fumagem a frio, a temperatura do fumo ao nível dos produtos não ultrapassa 30 ou 40ºC, excepto no primeiro dia, em que muitas vezes, pode chegar aos 50 e 60ºC. Na fumagem a quente a temperatura do fumo eleva-se a 70-90ºC (Janeiro, 1948).

 3.5.7.2 - SECAGEM
  
Após a fumagem, os enchidos continuam a sofrer secagem, e para isso são colocados em câmaras  preparadas para o efeito. As transformações iniciadas na fumagem devem continuar, entre as quais a desidratação e a acidificação. Nesta fase dá-se a redução da actividade da água para valores que permitem a conservação e segurança sanitária dos produtos, e ocorre um conjunto de fenómenos bioquímicos que determinam as características organolépticas (sápidas e aromáticas), que são características da salsicharia tradicional (Patarata et al., 1998).

A secagem é um processo muito delicado que exige vigilância e regulação cuidadosa. Deve obedecer a um rigoroso controlo das condições ambientais. É necessário manter o equilíbrio entre a evaporação superficial e a dessecação interna.  A temperatura óptima de secagem, deve oscilar entre os 12 e os 18ºC. Temperaturas mais elevadas que as referidas, favorecem o desenvolvimento de microrganismos prejudiciais e aceleram a dessecação; temperaturas mais baixas diminuem a actividade dos microrganismos favoráveis.  Os valores óptimos de humidade situam-se entre o 85 e 90 º higrométricos, dado que em ambientes secos a dessecação é muito intensa e em ambientes muito húmidos esta é praticamente nula. Outro factor que também afecta a secagem é a ventilação, que não deve ser  muito fraca, nem demasiada (Janeiro,1948).
 
Após esta fase os enchidos são considerados produtos finais prontos a serem consumidos. No entanto, continuam a decorrer muitas transformações bioquímicas, mas com menor intensidade.

 3.5.8 - EMBALAGEM

 A distribuição dos produtos a granel, tem efeitos negativos na rentabilidade, uma vez que, os produtos desidratam consideravelmente durante a distribuição e comercialização e, pode também ser responsável pelo aparecimento de defeitos. Existe no mercado uma grande oferta de embalagens de diferentes tipos, que podem contribuir para a manutenção da qualidade dos enchidos (Patarata et al., 1998).

 4 - MATERIAL E MÉTODOS

 4.1 - MATERIAL

 4.1.1 - INQUÉRITO

 Os inquéritos foram realizados por questionário, directamente aos salsicheiros do concelho de Serpa. Estes realizaram-se de Setembro a Outubro de 1999.

Foi feito um estudo que  abrangeu todas as salsicharias existentes neste concelho, encontrando-se estas licenciadas. Para além disso, também foi  inquirido um salsicheiro que, de momento produz “em casa” (salsicharia caseira), mas tem em vista a construção de uma salsicharia.

 Os salsicheiros inquiridos pertencem às seguintes freguesias:
- Vale de Vargo (2  salsicheiros);
- Pias (1 salsicheiro);
- Vila Nova de SºBento (1 salsicheiro).

O inquérito é constituído por duas partes. Pretendeu-se através da primeira parte deste questionário:
- Caracterizar as salsicharias em termos de: recursos humanos; matéria prima utilizada na laboração e tecnologia de fabrico;
- Identificar os enchidos produzidos no concelho e estimar as quantidades produzidas anualmente de cada um deles;
- Evidenciar as perspectivas futuras dos salsicheiros;
- Conhecer os meios de comercialização dos produtos.

Em relação à segunda parte, pretendeu-se caracterizar os enchidos produzidos em termos de matérias-primas usadas no seu fabrico, e ainda, mencionar o processo de cura utilizado e duração do mesmo.

 4.1.2 - RECOLHA DE AMOSTRAS

 O período de recolha de amostras  deste estudo foi de Novembro de 1999 a Janeiro de 2000.

De cada salsicharia foram recolhidas, do mesmo lote, 4 amostras de linguiça e 4 amostras de paio. Da “salsicharia caseira” recolheram-se apenas 4 amostras de linguiça. Tal facto, deve-se a que, nesta salsicharia só se deu início ao fabrico do paio a partir de Janeiro, o que impossibilitou a recolha de amostras deste enchido. No total foram recolhidas 28 amostras de enchidos curados.

A quantidade de amostras de enchidos recolhidas é muito pequena, havendo certa reserva nas conclusões possíveis e respectiva generalização.
   
4.2 - MÉTODOS
  
4.2.1 - ANÁLISES FÍSICAS  
  
4.2.1.1 -  PESO

 Todos os produtos foram pesados, apresentando-se os valores obtidos em gramas.

4.2.1.2 - COMPRIMENTO

 Os produtos foram medidos com o auxílio de uma régua, apresentando-se os resultados obtidos em cm.   
   
4.2.1.3 - DIÂMETRO

 Para determinar o diâmetro procedeu-se ao corte transversal ao meio e sobre a secção obtida determinou-se com o auxílio de uma régua, o diâmetro maior e menor, obtendo-se como resultado a média dos dois valores. Os valores foram expressos em cm.

Após o corte, observou-se o aspecto e a cor  dos enchidos.

 4.2.2 - ANÁLISES FÍSICO-QUÍMICAS
  
4.2.2.1 -  HUMIDADE

 A humidade das amostras foi determinada segundo a NP - 1614 de 1979, por secagem em estufa a 105ºC, até atingirem um peso constante.

4.2.2.2 - PROTEÍNA TOTAL

 O teor em proteína (P = N x 6,25) das amostras foi obtido por determinação do azoto total  pelo método de Kjeldhal, segundo a NP - 1612 de 1979.

 4.2.2.3 - GORDURA TOTAL

 A  determinação da gordura total realizou-se pelo método de Sohxlet, segundo a NP- 1613 de 1979.

4.2.2.4 - pH

 O pH foi determinado segundo a NP - 3441 de 1990.
         
4.2.2.5 - CLORETOS

 Os cloretos determinaram-se de acordo com a NP - 1845 de 1982.

  Nota: As análises foram realizadas no laboratório da Escola Superior Agrária de Beja.

  5 - RESULTADOS

 5.1 - INQUÉRITO
  
5.1.1 - CARACTERIZAÇÃO  DO SALSICHEIRO

 Tabela 1 - Dados referentes à idade, sexo, habilitações literárias, tipo de formação dos salsicheiros e nº de anos a que se dedicam a esta actividade.


Salsicheiro 1
Salsicheiro 2
Salsicheiro 3
Salsicheiro 4
Idade (anos)
61
55
49
43
Sexo
Masculino
Masculino
Masculino
Masculino
Habilitações literárias
4ªclasse
4ª classe
4ªclasse
6ºano

Tipo de formação

Nenhuma,
aprendeu
com os pais
Nenhuma,
aprendeu
com os pais
Nenhuma,
aprendeu
com os pais
Nenhuma, aprendeu numa cooperativa onde trabalhou
Nº de anos a que se dedicam a esta actividade
10
30
10
6


5.1.2 - CARACTERIZAÇÃO DA SALSICHARIA EM TERMOS DE RECURSOS HUMANOS

 Tabela 2 - Dados referentes ao nº de empregados que trabalham directamente no fabrico, idade e sexo dos mesmos.


Salsicharia 1
Salsicharia 2
Salsicharia 3
Nº de empregados que trabalham directamente no fabrico
5
5
2
Idade (anos)
24 a 55
30 a 50
26 e 50
Sexo
feminino
3
5
2

masculino
2
-
-


5.1.3 -  ENCHIDOS PRODUZIDOS

 bela 3 - Enchidos produzidos nas várias salsicharias


Salsicharia 1( *)
Salsicharia 2 (*)
Salsicharia 3 (*)
Salsicharia 4 (**)
Linguiça
X
X
X
X
Paio
X
X
X
X
Chouriço de sangue
X
X
X

Salsichão
X
X


Salpicão
X




Legenda:
(*) - Produção industrial
(**) - Produção caseira
   
5.1.4 - VOLUME DE PRODUÇÃO

Tabela 4  - Produção anual (kg) de enchidos, das salsicharias licenciadas, no concelho de Serpa




Produção (kg)

Tipos de enchidos produzidos
Salsicharia 1
(*)
Salsicharia 2
(**)
Salsicharia 3
(***)
Total
Linguiça
7 200
48 000
7 000
62 200
Paio
   800
24 000
2 000
26 800
Chouriço de sangue
   960
  9 600
   800
11 360
Salsichão
   100
     720
-
      820
Salpicão
   100
-
-
      100
Total
9 160
  82 320
9 800
101 280

Legenda:
(*) - Utiliza como matéria-prima o porco alentejano e o porco branco
(**) - Utiliza como matéria-prima o porco alentejano
(***) - Utiliza  como matéria-prima o porco branco

 5.1.5 - MATÉRIA-PRIMA

Tabela 5  - Caracterização da matéria-prima utilizada nas várias salsicharias



Salsicharia 1 (*)
Salsicharia 2 (*)
Salsicharia 3 (*)
Salsicharia 4 (**)
Raça
Porco alentejano
Porco branco
Porco alentejano
Porco branco
Porco alentejano
Proveniência
da
carne
Compra a terceiros
- peças e aparas
Própria exploração
Compra a terceiros - peças, leitões, porcos engordados
Compra a terceiros 
- peças
Compra a terceiros
- carcaças
Alimentação final
*
Bolota e cereais
*
*
Peso médio de abate
*
³ 100 Kg
*
*
Idade média de abate
*
1 ano
*
*
Tipo de animal abatido
Machos, fêmeas e  machos castrados
Machos, fêmeas e machos castrados
Fêmeas
Machos e fêmeas

Legenda:
* Não tem conhecimento
(*) - Produção industrial
(**) - Produção caseira

 5.1.6 - TECNOLOGIA DE FABRICO

 Tabela 6 - Dados referentes à tecnologia de fabrico


Salsicharia 1 (*)
Salsicharia 2 (*)
Salsicharia 3 (*)
Salsicharia4 (**)
Miga
Mecânica
Mecânica
Mecânica
Manual

Aplicação
dos
condimentos
Directamente sobre a massa, sendo o vinho adicionado logo a seguir
Directamente sobre a massa, sendo o vinho e a água adicionados logo a seguir
Previamente diluídos em água e vinho, sendo a calda adicionada à massa
Directamente sobre a massa
Mistura
Mecânica
Mecânica
Mecânica
Manual
Duração da
maturação (1)
24 horas
24 horas
48 horas
72 a 96 horas
Local    e temperatura de maturação
Em câmara frigorifica/ 5ºC
Em câmara frigorífica/ 5ºC
Em câmara frigorifica/ 5ºC

Na cozinha à temperatura ambiente

Homogeneização

2-3  vezes durante a maturação
2 vezes durante a maturação
1 vez por dia
1 vez por dia
Enchimento
Mecânico
Mecânico
Mecânico
Manual
Atadura e picado
Manual
Atadura manual Não faz picado
Manual
Manual

Local de cura
Compartimento
com chaminé (2)
Fumeiro (3)/ câmara de
secagem
Fumeiro (4)
Casa de enxugo
(5)
Cozinha com lareira
Tipo de fumagem (6)
Fumagem a frio (20-30 ºC)
Fumagem a frio (30-35ªC)
Fumagem a frio (25-30 ºC)
            -
Tipo de lenha de fumagem
Azinho e oliveira
Azinho
Azinho
Oliveira


Secagem
Ao ar ambiente durante o tempo frio/atmosfera controlada no tempo quente
(10-15ºC)
Atmosfera controlada
T - 10 -15 ºC
H.R - 70 - 80%

Ao ar ambiente durante o tempo frio/atmosfera controlada no tempo quente
(10-15ºC)
Ao ar ambiente


Conservação
Embalagem a vácuo, em sala de conservação (10ºC) e  em óleo
Em sala de conservação
(7-8ºC)
Na “Casa de enxugo”
 Em azeite

Legenda:
(*) - Produção industrial
(**) - Produção caseira
(1) - Idêntica para os diferentes produtos fabricados
(2) - A fumagem é feita no interior da chaminé e a secagem fora desta.
(3) - Fumeiro constituído por dois andares (piso inferior de fogueira e piso superior de colocação dos produtos, separados por uma grelha)
(4) - Fumeiro com salamandra
(5) -  Designação dada pelo  salsicheiro ao compartimento onde decorre a secagem do produto.
(6) - Segundo Janeiro (1948)
T - Temperatura
HR - Humidade relativa
  
5.1.7 - INVÓLUCROS

 Tipo de invólucro - tripa natural, fresca, de suíno.
Método de conservação - salga a seco

  5.1.8 - PERSPECTIVAS FUTURAS

 Os salsicheiros pensam continuar com esta actividade; manter o nível de produção, e até mesmo aumentá-lo, consoante a procura.
  
5.1.10 - ÉPOCA DE PRODUÇÃO, MATÉRIAS-PRIMAS E TEMPO DE CURA DOS VÁRIOS ENCHIDOS

 5.1.10.1 - LINGUIÇA
  
Tabela 7 - Dados referentes à época de produção,  matérias-primas e tempo de cura da linguiça


Salsicharia 1 (*)
Salsicharia 2 (*)
Salsicharia 3 (*)
Salsicharia 4 (**)
Época de produção
Não existe
Não existe
Não existe
De Outubro a Março

Composição cárnea
Carne da pá;
Entremeada; Aparas de carne.

Carne da pá; Entremeada.
Cachaço;
Lombo;
Lombinho;
Entremeada; Toucinho.
Carne da pá; Entremeada;
Cachaço; 
Lombo;
Lombinho;
Toucinho;
Pernas.
Gordura (%)
30
25
30
25

Condimentos
e
excipientes

Alho; (1)
Sal;
Massa de pimentão;
Vinho branco
Alho;
Sal;
Massa de pimentão;
Vinho branco; Água.
Alho;
Sal ;
Massa de pimentão
Vinho branco
Água

Alho;
Sal;
Massa de pimentão;
Pimenta preta; Cravinho.

Invólucro
Tripa delgada, natural, fresca, de suíno
Tripa delgada, natural, fresca, de suíno
Tripa delgada, natural, fresca, de suíno
Tripa delgada, natural, fresca, de suíno
Tempo de fumagem
2 a 3 dias
2 a 3 dias
2 a 4 dias
            -
Tempo de secagem
 15 dias
8 dias (2)
15 dias
15 dias

Legenda:
(1) -  Os salsicheiros inquiridos utilizam massa de alho no fabrico dos vários enchidos; para a obtenção desta, o alho é moído com sal.
(2) -  Secagem em câmara de secagem
(*) - Produção industrial
(**) - Produção caseira

 5.1.10.2 - PAIO

 Tabela 8 - Dados referentes à época de produção,  matérias-primas e tempo de cura do paio


Salsicharia 1 (*)
Salsicharia 2 (*)
Salsicharia 3 (*)
Salsicharia 4 (**)
Época de produção
De Outubro a Maio
Não existe
Não existe
De Janeiro a Março
Composição cárnea
Lombo;
Pernas.
Pernas; Entremeada;
Lombo.
Lombo;
Pernas.
(1)
Gordura (%)
25
25
30
25

Condimentos                 e
Excipientes (2)
Alho;
Sal;
Massa de pimentão;
Vinho branco.
Alho;
Sal,
Massa de pimentão;
Vinho branco; Água.
Alho;
Sal ;
massa de pimentão;
Vinho branco;
Água.
Alho;
Sal;
Massa de pimentão;
Pimenta preta; Cravinho.

Invólucro
Tripa grossa (recto), natural, de suíno.
Tripa grossa (recto), natural, de suíno.
Tripa grossa (recto), natural, de suíno.
Tripa grossa (recto), natural, de suíno.
Tempo de fumagem
3 a 4 dias
2 a 3 dias
8 dias
         -
Tempo de secagem
2 meses
20 dias (3)
1 mês
2 meses
  
Legenda:
(*) - Produção industrial
(**) - Produção caseira
(1) - A mesma composição cárnea da linguiça
(2) -  Os mesmos utilizados no fabrico da linguiça
(3) -  Secagem em câmara de secagem

5.1.10.3 - CHOURIÇO DE SANGUE

 Tabela 9 - Dados referentes à época de produção,  matérias-primas e tempo de cura do chouriço de sangue


Salsicharia 1
Salsicharia 2
Salsicharia 3
Época de produção
Não existe
Não existe
Não existe
Composição
cárnea
Aparas gordas;
Aparas magras;
Sangue.
Carnes ensanguentadas;
Sangue.
Faceiras;
Sangue.
Gordura (%)
50
25
90
Condimentos
 e
excipientes
Massa de pimentão;
Alho;
Sal;
Vinho;
Vinagre.
Massa de pimentão;
Alho;
Sal;
Água.
Massa de pimentão;
Alho;
Sal;
Vinho tinto;
Água.
Invólucro
Tripa delgada, natural, fresca, de suíno.
Tripa delgada, natural, fresca, de suíno.
Tripa delgada, natural, fresca, de suíno.
Tempo de fumagem
2 a 3 dias
2 a 3 dias
2 a 4 dias
Tempo de secagem
15 dias
8 dias (*)
15 dias

Legenda:
(*) -  Secagem em câmara de secagem
  
5.1.10.4 - SALSICHÃO

 Tabela 10 - Dados referentes à época de produção, matérias-primas  e tempo de cura do salsichão


Salsicharia 1
Salsicharia 2
Época de produção
De Outubro a Maio
De Agosto a Abril
Composição
cárnea
Lombo;
Toucinho;
Carne da pá.
Carne da pá;
Perna;
Toucinho;
Lombo
Gordura (%)
5
5

Condimentos

e

excipientes

Alho;
Sal;
Cravinho;
Pimenta preta;
Vinho.
Alho;
Sal;
Água
Invólucro
Tripa grossa(recto)  , natural, fresca, de suíno
Tripa grossa (recto), natural, fresca, de suíno
Tempo de fumagem
3 a 4 dias
                -
Tempo de secagem
2 meses
1 mês *

 Legenda:
* Secagem em câmara de secagem

5.1.10.5 - SALPICÃO

 Tabela 11 - Dados referentes à época de produção, matérias-primas e tempo de cura do salpicão

Época de produção
De Outubro a Maio
Composição
cárnea
Lombo;
Toucinho;
Carne da pá
Gordura (%)
5

Condimentos
e
excipientes
Alho;
Sal;
Cravinho;
Pimenta preta;
Vinho.
Invólucro
Tripa grossa (recto), natural, fresca, de suíno
Tempo de fumagem
3 a 4 dias
Tempo de secagem
2 meses
 5.2 -  CARACTERÍSTICAS  DA LINGUIÇA
  
5.2.1 -  FORMATO
 
Forma de ferradura.
   
5.2.2 - DIMENSÕES/PESO
  
Tabela 12 - Dados referentes ao comprimento (cm), diâmetro (cm) e peso (g) da linguiça produzida nas várias salsicharias


Salsicharias

Comprimento
Amostras
    1     2     3     4
Diâmetro
Amostras
   1       2      3      4
Peso
Amostras
   1         2        3         4
1*
   33   32   31   30
  2,5   2,5    3,0   3,0
169,9  160,4  197,3   179,5
2*
   32   35   32   30
  2,7   2,5    2,7   3,0
196,4  205,6   173,5  186,2
3*
   32   28   38   39
  3,0   3,1    3,8   3,2
190,5  182,7   197,1  180,8
  4**
   28   26   30   29
  2,8   2,7    2,6   2,4
138,2  141,9   151,8  148,0

Legenda:
* - Produção industrial
** - Produção caseira
  
5.2.3 - CARACTERES SENSORIAIS
  
5.2.3.1 - EXTERIORES
  
A linguiça é atada no meio e nas extremidades, ou simplesmente nas extremidades.

5.2.3.2 - ASPECTO AO CORTE

 Cor avermelhada e branca, massa perfeitamente ligada, de aspecto heterogéneo e com distribuição irregular do músculo e gordura.

5.2.4 - CARACTERÍSTICAS FÍSICO-QUÍMICAS

 5.2.4.1 -  HUMIDADE
  
Tabela 13 - Teor em humidade (%) da linguiça produzida nas várias salsicharias

Salsicharias
Amostras
      1         2          3          4
Média
 (%)
Desvio Padrão
1*
32,69   32,60   31,55   32,50
32,33
0,53
2*
28,89   30,83   29,57   29,63
29,73
0,80
3*
40,94   40,46   41,44   41,77
41,15
0,57
  4**
30,38   30,63   30,79   31,88
30,92
0,66

Legenda:
* - Produção industrial
** - Produção caseira
.
 5.2.4.2 - PROTEÍNA TOTAL

 Tabela 14 - Teor em proteína total (%) da linguiça produzida nas várias salsicharias

Salsicharias
Amostras
     1          2          3        4
Média
 (%)
Desvio Padrão
1*
 27,82   29,61   27,94   28,48
 28,46
0,71
2*
 18,26   20,74   19,98   17,81
19,20
1,39
3*
 23,47   23,82   26,15   23,71
24,28
1,25
  4**
 29,78   28,96   30,07   32,40
30,30
1,47

Legenda:
* - Produção industrial
** - Produção caseira
  
 5.2.4.3 - GORDURA TOTAL

Tabela 15  - Teor  em gordura total (%) da linguiça produzida nas várias salsicharias

Salsicharias
Amostras
1         2          3         4
Média
(%)
Desvio Padrão
1*
29,50   29,15   27,64   30,15
29,11
1,06
2*
41,87   39,05   37,13   39,35
39,35
1,95
3*
30,96   29,85   30,20   32,19
30,80
1,04
  4**
32,58   32,64   30,51   31,62
31,84
1,00

Legenda:
* - Produção industrial
** - Produção caseira

5.2.4.4 - pH

Tabela 16 - Valores de pH da linguiça produzida nas várias salsicharias

Salsicharias
Amostras
1        2          3       4
Média
(%)
Desvio Padrão
1*
5,90    5,85    5,85   5,77
5,84
0,05
2*
4,93    4,90    4,89   4,91
4,90
0,02
3*
4,98    4,93    5,15   5,09
5,04
0,10
  4**
6,98    6,85    6,88   6,92
6,90
0,06

Legenda:
* - Produção industrial
** - Produção caseira

5.2.4.5  - CLORETOS

Tabela 17 - Teor em cloretos (%) da linguiça produzida nas várias salsicharias

Salsicharias
Amostras
1          2        3        4
Média
 (%)
Desvio Padrão
1*
5,73    5,78     5,73    5,75
5,75
0,02
2*
5,58    5,63     5,64    5,63
5,62
0,02
3*
5,67    5,70     5,65    5,65
5,67
0,02
  4**
5,73    5,76     5,76    5,71
5,74
0,02

Legenda:
* - Produção industrial
** - Produção caseira

5.3 - CARACTERÍSTICAS DO PAIO

 5.3.1 - FORMATO

 Forma cilíndrica

5.3.2 - DIMENSÕES/PESO
  
Tabela 18 - Dados referentes ao  comprimento (cm), diâmetro (cm) e peso (g),  do paio produzido nas várias salsicharias


Salsicharia
Comprimento
Amostras
1        2        3      4
Diâmetro
Amostras
1       2      3      4
Peso
Amostras
1          2         3        4
1
16,0   14,0   16,0   18,0
3,8    3,5   3,6    3,5
169,8  160,6  178,4  198,7
2
20,0   18,0   21,0   15,5
3,7    3,6   3,5    4,0
204,3  204,0  209,9  184,2
3
13,5   15,5   15,0   16,0
4,0    4,7   4,6    4,5
191,3  237,8  218,6  232,1

 5.3.3 -  CARACTERES SENSORIAIS

 5.3.3.1 - EXTERIORES
  
O paio é atado no meio e nas extremidades ou apenas nas extremidades.
  
5.3.3.2 - ASPECTO AO CORTE

 Cor avermelhada e branca, massa perfeitamente ligada, de aspecto heterogéneo e com distribuição irregular do músculo e gordura.

 5.3.4 - CARACTERÍSTICAS FÍSICO-QUÍMICAS

 5.3.4.1 - HUMIDADE

 Tabela 19 - Teor em humidade (%) do paio produzido nas várias salsicharias.

Salsicharias
Amostras
1          2          3         4
Média
(%)
Desvio Padrão
1
40,65   41,56   41,54   42,07
41,46
0,59
2
27,86   27,90   26,69   26,09
27,14
0,89
3
40,20   40,14   40,36   42,30
40,75
1,04


5.3.4.2 -  PROTEÍNA TOTAL

Tabela 20 - Teor em proteína total (%) do paio produzido nas várias salsicharias

Salsicharias
Amostras
1        2         3          4
Média
(%)
Desvio Padrão
1
27,96   29,42   30,11   30,01
29,37
0,99
2
18,02   17,03   19,66   18,99
18,42
1,15
3
23,70   24,88   25,51   24,01
24,53
0,83
  
5.3.4.3 - GORDURA TOTAL

Tabela 21 - Teor em gordura  (%) do paio produzido nas várias salsicharias

Salsicharias
Amostras
1          2          3         4
Média
(%)
Desvio Padrão
1
 23,87   *4,16   23,86   23,20
23,53
0,47
2
 38,08   37,81   41,74   42,15
39,95
2,32
3
 36,19   33,50   35,17   31,40
34,07
2,09

* Este valor não é considerado na média

 5.3.4.4 - pH
  
Tabela 22 - Valores de pH do paio produzido nas várias salsicharias

Salsicharias
Amostras
1         2         3        4
Média
(%)
Desvio Padrão
1
5,78    5,78    5,77   5,74
5,77
0,02
2
5,09    5,24    5,41   5,45
5,30
0,16
3
5,28    5,30    5,30   5,33
5,30
0,02

 5.3.4.5 - CLORETOS

Tabela 23 - Teor em cloretos (%) do paio produzido nas várias salsicharias.

Salsicharias
Amostras
1         2         3        4
Média
 (%)
Desvio Padrão
1
5,72   5,78    5,79   5,76
5,76
0,03
2
5,75   5,72    5,76   5,61
5,71
0,07
3
5,00   4,90    4,67   4,66
4,80
0,17

APRECIAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
  
6.1 - CARACTERIZAÇÃO  DO SALSICHEIRO
  
Da apreciação dos dados apresentados na tabela 1  oferecem-se os seguintes comentários:
 . Constatou-se que os produtores de enchidos têm idades compreendidas entre os 43 e os 61 anos, confirmando-se assim uma tendência para o envelhecimento destes. Os salsicheiros são do sexo masculino, têm poucas habilitações literárias, não possuem qualquer tipo de formação específica e a maioria adquiriu os conhecimentos por tradição. Estes conhecimentos centram-se principalmente na habilidade, prática e bom domínio das receitas. Um dos salsicheiros começou logo desde muito cedo a trabalhar no fabrico de enchidos, profissão que mantém há 30 anos, enquanto que os restantes iniciaram esta actividade mais recentemente.

 6.2 - CARACTERIZAÇÃO DA SALSICHARIA EM TERMOS DE RECURSOS HUMANOS
 . Relativamente à mão-de-obra, verifica-se que a salsicharia mais pequena emprega, para além do produtor, apenas mais dois assalariados, enquanto que as restantes empregam um número relativamente superior (5 pessoas). As idades dos trabalhadores variam entre os 24 e os 55 anos e a maioria é do sexo feminino ( Tabela 2).

6.3 - ENCHIDOS FABRICADOS

Da observação atenta da tabela 3, surgem alguns comentários, dos quais se destacam:
 . Da grande diversidade de enchidos fabricados em todo o Alentejo, constata-se que no concelho de Serpa se produzem os seguintes: linguiça, paio, chouriço de sangue, salsichão e salpicão. Destes, verificou-se que a linguiça e o paio são produzidos em todas as salsicharias, enquanto que o chouriço de sangue é fabricado apenas nas salsicharias industriais. O salsichão é  produzido por dois salsicheiros, enquanto que a produção de salpicão está confinada apenas a uma salsicharia.
  
6.4 - VOLUME DE PRODUÇÃO

Os comentários a evidenciar através da tabela 4  são:
 . A produção anual estimada pelos salsicheiros perfez um total de 101 280 kg de enchidos. Dos enchidos produzidos, verificou-se que a linguiça é  o que se  produz em maior quantidade, com uma produção da ordem dos 62 200 kg/ano, o que corresponde a 61,4 % da produção total. É de salientar ainda que, este produto é o que apresenta maior volume de produção em todas as salsicharias. No que concerne à produção dos restantes produtos, estes apresentam um volume de produção bastante inferior ao da linguiça.
  . Considerando a produção de enchidos por salsicharia, facilmente se conclui que uma destas se diferencia claramente das restantes. Dado que este salsicheiro utiliza como matéria-prima o porco alentejano, e que a sua produção representa 81,3% da produção total,  não há duvida que a maior percentagem da produção total de enchidos é de porco alentejano. 
  
6.5 - MATÉRIA-PRIMA
  
Da análise da tabela 5 constata-se que:
 . A matéria-prima utilizada no fabrico dos vários enchidos é a carne de porco alentejano e de porco branco. Perante este facto, é de realçar que os enchidos de porco alentejano estão a ser cada vez mais apreciados por possuírem características organolépticas específicas, sendo o porco alentejano a matéria-prima por excelência dos enchidos tradicionais alentejanos.
 . A carne é comprada a terceiros, sob a forma de peças, aparas de carne e carcaças, sendo a aquisição de peças a forma mais usual.
 . Apenas um salsicheiro possui produção própria, mas não utiliza somente carne da sua exploração, uma vez que, também compra porcos já engordados e peças de carne. Assim, este é o único que tem conhecimento sobre qual a idade de abate e alimentação final dos animais. Estes aspectos são importantes, dado que, vão influenciar a qualidade do produto final.

A carne ideal deverá ser a resultante de animais não muito jovens, constituindo a de porca adulta uma boa matéria-prima. Animais jovens dão origem a carnes muito claras, obtendo-se um produto final com coloração pálida (Correti, 1971, referido por Martins, 1995).
Certo tipo de produtos utilizados na alimentação do porco podem veicular odores e sabores estranhos e desagradáveis à carne, que passarão ao produto final, pelo que não devem ser utilizados na alimentação final deste. No período anterior ao abate, a alimentação do animal não deve ser composta por resíduos de cozinha, farinha de peixe, e sementes ou bagaços de oleaginosas, ricos em óleos ou gorduras, por vezes em estado duvidoso (Correti,1971, referido por Martins, 1995).

O porco alentejano na montanheira, desfruta dos frutos do montado de sobro e azinho e do seu prado, sendo esta alimentação considerada como tendo grande importância na boa qualidade dos produtos cárneos. Este tipo de alimentação permite obter uma carcaça mais rica em ácidos gordos, com um sabor raro e peculiar (Vários autores, referidos por Camões, 1995).
 . A carne utilizada é proveniente de machos, fêmeas ou porcos castrados.

Em relação à carne de porco proveniente de machos esta apresenta cheiro sexual, pelo que não deve ser utilizada no fabrico de enchidos. No caso do porco alentejano isso não se verifica (vários autores referidos por Camões, 1995).

 6.6 - TECNOLOGIA DE FABRICO

 Da observação da tabela 6  podemos concluir que:
 . As operações da miga, mistura e do enchimento são mecânicas, excepto no caso da “salsicharia caseira”, enquanto que a atadura e picado dos produtos é manual. Numa das salsicharias o equipamento utilizado no enchimento dispõe de vácuo, o que dispensa o picado dos enchidos, levando à diminuição do período de laboração.
 . A maioria dos salsicheiros aplica directamente os condimentos sobre a massa, adicionando de seguida os excipientes. Apenas 1 salsicheiro os diluí previamente em água e vinho, adicionando depois esta calda à massa.

 A aplicação de uma calda apresenta vantagem em relação à outra aplicação, uma vez que, neste estado os condimentos impregnam igualmente toda a extensão e facilmente a massa, que fica assim muito mais homogénea, sobretudo quando preparada em grande porção (Paiva, 1944).
. O período de repouso da massa nas salsicharias industriais varia entre 24 e 48 horas e decorre em câmaras de refrigeração, a uma temperatura de 5 ºC. Os valores referidos, enquadram-se dentro dos citados na bibliografia consultada (ver ponto 3.5.4). Relativamente ao período de repouso praticado na “salsicharia caseira”, este é mais prolongado, ficando a massa a repousar durante cerca de 72 a 96 horas. A temperatura reduzida necessária para esta fase é assegurada pelas condições climatéricas do meio. Neste caso, em que não se recorre à refrigeração, é preciso ter em conta que a temperatura à qual decorre esta fase, vai influenciar o desenvolvimento dos microrganismos (ver ponto 3.5.4).
 . A fumagem é feita em chaminé ou em fumeiro, e é considerada fumagem a frio, não ultrapassando os 35ºC. A lenha utilizada é a madeira de azinho e/ou de oliveira.
 . A secagem decorre em condições de atmosfera controlada ou ao ar ambiente. A temperatura utilizada está de acordo com a referida na bibliografia consultada, enquanto que o valor da humidade relativa é inferior ao valor referido na bibliografia (ver ponto 3.5.7.2). 
 . Os enchidos são conservados em óleo, azeite, embalados a vácuo, refrigerados, ou não são sujeitos a qualquer tipo de conservação.

 A conservação pelo vácuo apresenta várias vantagens, tais como: não permite que os microrganismos aeróbios sobrevivam; não permite o desenvolvimento dos processos físico-químicos do ranço; detém as perdas de humidade e de gordura, não permitindo que os produtos endureçam, percam  aroma e sabor, contribuindo para a manutenção da tenrura, suculência e sabor dos mesmos (Janeiro, 1948).
  
6.7- INVÓLUCROS
 . Verificou-se que no concelho em estudo se utiliza como invólucro a tripa natural, fresca, de suíno, que é conservada em sal.

Defende-se preferencialmente a utilização de tripas naturais, pois estas apresentam características e aptidões tecnológicas que não se encontram em mais nenhum outro tipo. A elasticidade, rectracbilidade e a permeabilidade são incomparavelmente superiores. Por outro lado, a digestibilidade da tripa natural é superior a qualquer outra tripa. Qualquer enchido envolto em tripa natural apresenta melhores características organolépticas relativamente a outros do mesmo género, envoltos em tripa artificial (Morgado, 1984).

 6.8 - ÉPOCA DE PRODUÇÃO, MATÉRIAS-PRIMAS E TEMPO DE CURA DOS VÁRIOS ENCHIDOS

 6.8.1 - LINGUIÇA
  
Da apreciação dos dados apresentados na tabela 7, destacam-se os seguintes comentários:
 . As salsicharias industriais produzem linguiça durante todo o ano, enquanto que a produção caseira  se restringe aos meses de Outubro a Março.
 . Na composição cárnea deste produto, entra carne da pá e entremeada. No entanto, há salsicheiros que utilizam, um leque mais variado de peças e tipo de carne.
 . No que se refere à quantidade de gordura utilizada no fabrico deste enchido, verifica-se que esta varia entre 25 e 30 %, consoante a salsicharia onde é produzido.
 . Em relação aos condimentos, os que fazem parte dos “básicos” são o sal, o alho, a massa de pimentão e o vinho branco. Com menor expressão utiliza-se a pimenta preta e o cravinho.
 . O invólucro utilizado neste enchido é a tripa delgada, fresca, natural, de suíno.
 . Constatou-se que a linguiça do concelho de Serpa é um enchido curado por fumagem e/ou secagem. A fumagem dura aproximadamente 2 a 4 dias, enquanto que a secagem ao ar ambiente tem a duração de 15 dias, e em atmosfera controlada esta fase tem uma duração inferior (8 dias). O tempo de cura da linguiça, tal como dos restantes produtos, depende das condições atmosféricas.

6.8.2 -  PAIO

Da observação  atenta da tabela 8, oferecem-se os seguintes comentários:
 . Das salsicharias industriais apenas uma se restringe ao período de Outubro a Maio, enquanto que, as restantes produzem paio durante todo o ano. No que diz respeito à “salsicharia caseira”,  a época de produção do paio decorre de Janeiro a Março.

. Relativamente aos constituintes deste produto, pode dizer-se que é constituído por lombo e perna; numa das salsicharias também utilizam entremeada. No que concerne à produção caseira, é utilizada a mesma massa temperada para a linguiça e para o paio.
 . No que diz respeito à quantidade de gordura  utilizada no fabrico do paio, constatou-se que tal como sucedeu com a linguiça, varia entre 25 e 30%.
 . Em relação  ao invólucro, verifica-se que  o paio é cheio em tripa grossa, fresca, natural, de suíno.
 . No concelho de Serpa, o paio é curado por fumagem e/ou secagem. A fumagem dura aproximadamente 3 a 8 dias, consoante a salsicharia onde é fabricado. A secagem ao ar ambiente tem a duração de 1 a 2 meses, enquanto que, em atmosfera controlada esta fase de cura dura cerca de 20 dias.

 6.8.3 - CHOURIÇO DE SANGUE

 De acordo com a tabela 9 verifica-se que:
 . O chouriço de sangue é produzido durante todo o ano.
 . Este enchido tem como elemento base o sangue, quanto aos restantes constituintes, variam de salsicharia para salsicharia.
 . No que diz respeito à quantidade de gordura utilizada neste enchido, este apresenta uma grande variabilidade, consoante a salsicharia onde é produzido; variando entre 25 e 90%. Evidentemente que este facto vai dar origem a produtos diferentes.
 . Em relação aos condimentos, todos os produtores utilizam sal, massa de pimentão e alho, existindo alguns deles que também utilizam vinho e vinagre.
 . No concelho de Serpa, utilizam como invólucro no fabrico deste enchido, a tripa delgada, fresca, natural, de suíno, o mesmo tipo de invólucro utilizado para a linguiça.
 . A cura do chouriço de sangue processa-se por fumagem e secagem, sendo o tempo de cura idêntico ao da linguiça.

 6.8.4 - SALSICHÃO
  
Da análise da tabela 10 constata-se que:
 . A época de produção deste enchido, consoante a salsicharia em questão, restringe-se aos meses de Outubro a Maio ou de Agosto a Abril.
 . Este enchido leva na sua composição cárnea, lombo, toucinho e carne da pá, para além destes, numa das salsicharias também se utiliza a perna.
 . Em termos de condimentos, ambos os salsicheiros utilizam alho e sal, e para além destes, numa das salsicharias também se utiliza cravinho, pimenta preta e vinho.
 . No que concerne à quantidade de gordura utilizada neste produto, comparativamente aos restantes produtos, este apresenta uma quantidade bastante inferior, cerca de 5%.
 . Relativamente  ao invólucro, é utilizado o mesmo referido para o paio, a tripa grossa, fresca, natural, de suíno.
 . No concelho de Serpa, o salsichão é curado por fumagem e/ou secagem. A fumagem tem a duração de cerca de 3 a 4 dias, enquanto que a secagem ao ar ambiente se prolonga durante aproximadamente 2 meses, e em atmosfera controlada esta fase tem uma duração inferior (cerca de 1 mês).
  
6.8.5 - SALPICÃO

 Da apreciação atenta da tabela 11, surgem alguns comentários, dos quais se destacam:
 . A produção de salpicão restringe-se ao período de Outubro a Maio.
 . Da composição cárnea do salpicão fazem parte: o lombo, o toucinho e a carne da pá.
 . Relativamente à quantidade de gordura utilizada no fabrico deste enchido, verifica-se que esta é idêntica à do salsichão, cerca de 5%.
 . No que respeita aos condimentos, utiliza-se alho, sal, cravinho, pimenta preta e vinho.
 . No que concerne ao tipo de invólucro, neste enchido utiliza-se o mesmo tipo de invólucro que no paio e no salsichão.
 . O salpicão é curado por fumagem e secagem. A fumagem tem a duração de cerca de 3 a 4 dias, enquanto que a secagem dura aproximadamente 2 meses.
 . Este enchido é produzido apenas por um salsicheiro, verificando-se que este produtor, utiliza as mesmas matérias-primas no fabrico do salpicão e do salsichão. A única diferença existente entre estes dois produtos, é que: no caso do salsichão, os fragmentos da carne e gordura que fazem parte da sua composição, são moídos, enquanto que no salpicão, isso não se verifica.
  
6.9 - CARACTERÍSTICAS DA LINGUIÇA E DO PAIO
  
A apreciação das características da linguiça analisada é baseada na NP - 590 (1989), «Linguiça». Definição, características e acondicionamento.

Em relação ao paio, não existe norma que caracterize este produto, o que torna a discussão um pouco difícil, pelo facto de não se poderem comparar os resultados obtidos.
   
6.9.1 - FORMATO, DIMENSÕES E PESO
 . Constatou-se que a linguiça produzida no concelho de Serpa apresenta a forma de ferradura, com um comprimento que variou entre 26 e 39 cm, enquanto que, em relação ao diâmetro houve uma variação de 2,4 a 3,8 cm, entre os produtos das várias  salsicharias (tabela 12). Segundo a norma, a linguiça tem formato linear, comprimento variável e diâmetro não superior a 2,2 cm. Relativamente ao exposto, verifica-se que, em relação ao diâmetro, as amostras analisadas apresentam um valor superior ao referido anteriormente.
 . Relativamente ao paio, este produto apresenta forma cilíndrica, comprimento e diâmetro que variaram de 13,5 a 21 cm e de 3,5 a 4,7 cm, respectivamente (tabela 18), verificando-se que as amplitudes dos intervalos foram inferiores às que se verificaram no caso da linguiça.
 .No que diz respeito à dimensão e peso de ambos os produtos, observa-se alguma dispersão nos valores obtidos, em amostras da mesma salsicharia.

 6.9.2 - CARACTERÍSTICAS SENSORIAIS
 . A linguiça produzida no concelho  em estudo é atada no meio e nas extremidades, ou apenas nas extremidades, o mesmo sucedendo com o paio.
 . No que concerne às características sensoriais interiores, ambos os produtos apresentaram cor avermelhada e branca; massa perfeitamente ligada, de aspecto heterogéneo e com distribuição irregular do músculo e da gordura. No que diz respeito à linguiça, verifica-se que as características referidas anteriormente são as mesmas indicadas na norma, excepto em relação à distribuição do músculo e gordura, que a norma refere como sendo regular.
  
6.9.3 - CARACTERÍSTICAS FÍSICO-QUÍMICAS
  
6.9.3.1 - HUMIDADE

O teor de humidade em qualquer tipo de produto de salsicharia, depende da intensidade da fumagem (Monte Costa e Neves, comunicação pessoal, 1994, referido por Cabaço, 1995); da quantidade de água adicionada e proporção de lípidos e proteína que constituí o produto (Silva, 1992, referido por Cabaço, 1995).

Da análise das  tabelas 13 e 19, constatou-se que os valores de humidade da linguiça e do paio mostraram alguma variabilidade. O teor de humidade da linguiça e do paio variou entre 29,73 e 41,15%, e 27,14 e 41,46%, respectivamente. Verifica-se que, a amplitude do intervalo relativamente ao teor em humidade do paio, é superior ao da linguiça.

No que se refere à linguiça, os valores obtidos neste parâmetro estão de acordo com a norma, que indica um teor de humidade inferior a 65%.

6.9.3.2 - PROTEÍNA TOTAL

 O teor de proteína de um produto de salsicharia varia de acordo com a sua composição cárnea (Silva, 1992, referido por Cabaço, 1995) e quantidade de gordura da carne utilizada (Monte Costa, 1995, comunicação pessoal, referido por Cabaço, 1995).

Deve-se assinalar que existe alguma disparidade quanto ao teor proteico apresentado tanto na linguiça como no paio. Isto está ilustrado nas tabelas 14 e 20, onde se pode observar que a linguiça apresenta um teor proteico que variou entre 19,20 e 30,30%, enquanto que, o do paio variou entre 18,42 e 29,37%.

Os valores obtidos para a linguiça, no que diz respeito ao teor proteico, estão de acordo com a norma, sendo superiores ao valor mínimo referido nesta (17%).
  
6.9.3.3 - GORDURA TOTAL
  
Vários são os factores que podem condicionar o teor de gordura de um produto de salsicharia, tais como:  a quantidade de gordura deixada agarrada à carne que se adiciona ao enchido; a quantidade de gordura intramuscular e a proporção em que as várias peças das regiões anatómicas entram na composição do enchido, uma vez que, estas apresentam diferente composição lípidica (Neves, 1995, comunicação pessoal, referido por Cabaço, 1995).

Face aos dados apresentados nas tabelas 15 e 21, constata-se que o teor em gordura total da linguiça variou entre 29,11 e 39,35%, enquanto que, em relação ao paio a amplitude foi superior (23,53 - 39,95%).

Os valores obtidos para a linguiça, encontram-se de acordo com a norma, que indica que o teor em gordura total deve ser inferior duas vezes e meia ao teor de proteína total.
  
6.9.3.4 - pH

 Segundo Girard (1991), quanto mais próximo do ponto isoeléctrico da maioria das proteínas (pH 5,0), o pH se encontrar, maior é a capacidade de retenção da água no enchido, o que favorece a sua desidratação e posterior conservação pela menor disponibilidade de água (Aw).

A partir dos dados apresentados nas tabelas 16 e 22, constatou-se que o valor de pH da linguiça e do paio variou de 4,90-6,90 e de 5,30-5,77, respectivamente; verificando-se que a amplitude do intervalo  foi menor no caso do paio. Apesar das diferenças entre os valores de pH, existem traços comuns, uma vez que alguns produtos apresentam valores de pH relativamente próximos do ponto isoeléctrico da maioria das proteínas (pH 5,0). No entanto, verifica-se também  que alguns valores são relativamente superiores ao valor referido.

6.9.3.5 - CLORETOS
  
 Recorrendo à tabela 17 pode concluir-se que, a linguiça apresentou um teor de cloretos que variou entre 5,62 e 5,75; um intervalo de variação pequeno, apresentado assim as amostras de diferente proveniência valores aproximados. No entanto, o paio apresentou um teor de cloretos que variou entre 4,80 e 5,76 (tabela 23), um intervalo de variação superior ao da linguiça. Através da análise dos desvios padrão, podemos observar que os desvios padrão deste parâmetro, tal como do pH, são relativamente inferiores, em relação aos encontrados para os restantes parâmetros.

7 - CONCLUSÕES

 Após a realização deste estudo e correspondente análise de dados obtidos, podem-se tirar, por um lado, algumas conclusões de certa forma elucidativas da realidade actual deste sector produtivo, no concelho de Serpa (Baixo Alentejo), e por outro, é possível fazerem-se algumas propostas no sentido de solucionar alguns aspectos menos positivos da realidade encontrada.
  
As conclusões mais importantes já foram sendo consideradas no capítulo anterior, e podem resumir-se como se segue:
 . Os salsicheiros inquiridos apresentam idades compreendidas entre os 43 e os 61 anos, não têm  conhecimentos técnicos e têm poucas habilitações literárias; o que demonstra que as  gerações mais jovens não se encontram sensibilizadas a seguir este tipo de profissão.
 . No concelho em estudo existem apenas 3 salsicharias, que se encontram licenciadas. Conclui-se que este número tem tendência a aumentar, dado que, o salsicheiro que produz “em casa”, tem em vista a construção de uma salsicharia.
 . O  fabrico tradicional de enchidos ocupa pouca mão-de-obra neste concelho, que pertence precisamente a uma das regiões mais desfavorecidas de Portugal, sendo a grande maioria dessa mão-de-obra do sexo feminino, ou seja, aquela que maior dificuldade tem de colocação no mercado de trabalho.
 . No concelho de Serpa produz-se linguiça, paio, chouriço de sangue, salsichão e salpicão.
 . Os produtos são comercializados na região, e também para Lisboa, verificando-se que têm alguma difusão a nível nacional. É importante, manter no mercado uma gama de produtos tradicionais que merecem a escolha e a confiança do apreciador, embora mais caros que os produtos industriais, o que significa lutar contra a centralização, a perda de originalidade e autenticidade dos produtos e cultura regionais.
 . Existe alguma disparidade quanto ao volume  de produção entre os diversos enchidos. A produção de linguiça é relativamente elevada, em relação aos restantes produtos. A maior percentagem da produção total de enchidos é de porco alentejano. 

A produção de enchidos típicos é um poderoso factor de desenvolvimento da produção de produtos de salsicharia de qualidade, cabendo às populações da região mantê-la e até desenvolvê-la.
 . Não se utiliza somente a matéria-prima da região, designadamente o porco alentejano, mas também o porco branco.
 . Geralmente, os enchidos sofrem o mesmo tipo de processo de fabrico, havendo no entanto, algumas diferenças entre as várias salsicharias. No caso da “salsicharia caseira”, todo o processo é realizado manualmente, contrariamente ao que acontece na indústria salsicheira. Foram aplicadas algumas inovações tecnológicas, a nível da tecnologia de fabrico destes produtos. Toda esta evolução deve ser encarada com precaução, de modo a não pôr em causa o rigor tecnológico das práticas primitivas e as características específicas do produto. Efectivamente que, esta evolução deve contribuir para a defesa da qualidade e para a viabilidade económica de uma actividade artesanal. Duma forma geral, os produtos são elaborados tradicionalmente, ocorrendo algumas diferenças ao nível do seu processo de fabrico.
 . Ao nível da composição do mesmo produto, depara-se com alguma variabilidade em termos de condimentos, assim como ao nível do tipo de carne utilizada, característico de cada salsicheiro; o mesmo sucedendo quanto ao processo de cura de alguns produtos.
 . O presente estudo permitiu o conhecimento de algumas das características da linguiça e do paio tradicionais do concelho em estudo. Comprovou-se uma diferença significativa das características dos produtos de diferente proveniência.
  
Atendendo:

- Ao número de salsicharias existentes no concelho;
- Ao estrato etário a que pertencem os salsicheiros;
- Ao reduzido interesse dos jovens por esta actividade;
- À importância deste sector produtivo neste concelho;
- À sua perspectiva de evolução, tendo em conta a crescente procura de produtos  tradicionais pelo consumidor nacional, quer à possibilidade de expedição a nível comunitário.
  
Torna-se necessário proceder:

- À incrementação desta actividade, criando condições de forma a torná-la atractiva a possíveis investidores; uma vez que,  as consideráveis possibilidades existentes para o incremento da produção de enchidos, permitem futurar uma tendência para a expansão desta actividade;
- À criação de cursos de formação profissional, de forma a cativar   as camadas mais jovens para o sector, pois a formação e aumento do número de “artesãos” especializados no fabrico deste tipo de produtos é, também, um significativo meio de combater o desemprego e de garantir a manutenção desta actividade no futuro;
 - À promoção da produção de produtos utilizando a matéria-prima da região, nomeadamente o porco alentejano; realçando as características especiais desses produtos.
 Torna-se ainda necessário proceder, através da realização de feiras, colóquios e seminários, a uma maior divulgação destes produtos a nível nacional e internacional.

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