10.15.2011

PECUÁRIA GAUCHA NO SÉCULO XVII


Missionário jesuita relata como era a situação da pecuária no atual estado do Rio Grande do Sul no final do século XVII

[...] A terra, nota bene, é tão fértil, que por toda a parte encontrarás uns 12 a 15 mil bois e vacas, dos maiores e mais bonitos, deitados no capim ou pastando. São livres e não fazem parte de nenhum rebanho. Se te aprouver carnear uma rês, basta ires ao campo, atirar-lhe uma corda pelos chifres, trazê-la para casa; pertence-te. Nosso colégio, recentemente, mandou reunir 20 mil cabeças de gado e o vendeu por 12 mil talers. Portanto, a cabeça sai mal por um gulden. Não seria isto um alto negócio para os mercadores de gado e corretores da Europa! Nestes bois e touros, que são extraordinariamente crescidos e todos brancos, a gente só considera o couro e quiçá também a língua. A carne, que sobrepuja a das reses húngaras, deixa-se abandonada no campo, como pasto para as aves de rapina e cães selvagens. [...] Nota bene: há aqui índios e negros (ambos bons católicos) e espanhóis. Os índios só comem carne de rês, sem pão e sem sal, e quase crua. No campo aberto, atiram o laço em direção de um boi, com uma faca bem grande cortam-lhe um nervo na pata traseira, de modo que o animal tem que cair. Depois, cravam a faca referida na cabeça do animal, atrás da nuca. Após o terceiro golpe, a rês deixa de viver. Cortam-lhe, então, o pescoço, atiram-lhe a cabeça fora e a estripam. [...]
Há tantos bois, vacas, terneiros e cavalos em nossos campos, que tu em muitos lugares nada mais vês, de tanto gado gordo e bonito. As vacas maiores custam aqui, quando muito, quinze kreuzers, não em dinheiro, mas em valor monetário. Entende-se que essas vendas só se fazem de uma aldeia para outra ou para os espanhóis, porque dentro dos aldeamentos o padre missionário distribui, gratuitamente, duas vezes ao dia, a carne que os índios precisam. [...]
Também não faltam galinhas, leitões, cordeiros, ovelhas, cabras. A aldeia de São Tomé já há anos contava com mais de 40 mil ovelhas.
Aldeamento que não fosse capaz de criar de 3 a 4 mil cavalos de montaria seria considerado pobre. Particularmente apreciadas são as mulas, possuindo eu também um animal bem criado. Um cavalo vale, quando muito, um taler, não em dinheiro, mas em fumo, mate, agulhas, facas ou anzóis.


Publicado no livro 'Viagem às Missões Jesuíticas e Trabalhos Apostólicos' do padre Antônio Sepp (1655-1733), São Paulo, Livraria Martins Editora, 1951, apud Darcy Ribeiro e Carlos de Araujo Moreira Neto (orgs.), 'A Fundação do Brasil. Testemunhos 1500-1700'. Petrópolis, RJ: Vozes, 1992, p. 359. Editado e adaptado para ser postado por Leopoldo Costa.

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