12.30.2011

HISTÓRIA DA PESTE NEGRA

EUROPA- (1347-1351)


75.000.000 de mortos
'Quantos homens valentes, quantas senhoras virtuosas não tomaram o café da manhã com seus familiares e a ceia com seus ancestrais na outra vida. As condições das pessoas eram deploráveis de se ver. Elas adoeciam aos milhares diariamente, e morriam abandonadas e sem assistência. Muitos morriam pelas ruas, outros morriam em suas casas - fato que era percebido apenas pelo cheiro desagradável de seus corpos apodrecendo. Os campos santos das igrejas eram insuficientes para o enterro da imensa quantidade de corpos, que eram amontoados às centenas em enormes valas, como mercadorias no compartimento de um navio, e cobertas com uma fina camada de terra'.
         Giovanni Boccaccio

Jonathan

o vilarejo de Jonathan era uma metrópole de cemitérios. Havia dúzias de pequenas construções alinhadas junto às estradas sem pavimentação de seu pequeno povoado na Inglaterra, e quem ocupava essas edificações eram os mortos. A peste havia dizimado o lugar com tal rapidez que famílias inteiras permaneciam insepultas sem que uma prece sequer tivesse sido dita para aqueles cadáveres. O fedor da cidade dos mortos alastrava-se por quilômetros nos campos.
Jonathan ignorava o vento morno e fora de época e se movia vagarosamente pelas paredes laterais de sua pequena casa, apoiando-se com o auxílio da mão esquerda à medida que avançava em direção ao poço no quintal. Era o quarto dia de sua doença, e restava-lhe menos de uma hora de vida.
A cabeça de Jonathan latejava com uma dor lancinante que ele jamais sentira. Ele estava tão exausto que mal encontrava forças para se arrastar até o quintal a fim de urinar. Apesar de sua casa de um só cômodo estar impregnada de fezes, vômito e sangue de sua esposa e filhas falecidas, Jonathan não desejava sujar ainda mais a própria casa.
A Bíblia falava das virtudes da limpeza, e Jonathan era um temente a Deus, um homem piedoso. Por isso ele se arrastara, passo a passo, até o buraco que sua família usava como latrina e, enquanto cambaleava, rezava para que não sucumbisse e morresse ali, do lado de fora, distante de sua família.
Jonathan chegou ao buraco e permaneceu em pé por um momento, pendendo de um lado para outro devido à tontura e às dores. Quando se sentiu ereto o suficiente para continuar, afrouxou o laço das calças e retirou o pênis. Tomou fôlego e, quando a urina começou a fluir, sentiu um dor lancinante que percorria a parte inferior de suas costas e ia até a virilha. Respirando com dificuldade, Jonathan olhou para baixo e viu que estava urinando um fluido vermelho-escuro e espesso que ardia como fogo à medida que saía de seu corpo e rapidamente desaparecia nas da fossa. Na realidade, Jonathan sentia-se encorajado com a visão abjeta daquele fluido vermelho-escuro.
- Ah, o veneno está deixando meu corpo - suspirou ele.
- Louvado seja Deus em sua glória!
As últimas gotas que pingaram foram as que causaram mais dor. Ele guardou o pênis com cuidado e amarrou fracamente o laço. Virou-se, então, sentindo-se um pouco melhor, aliviado por ter urinado. Jonathan caminhou novamente em direção à casa e sentou-se junto à mesa de madeira em que ele e sua família haviam feito as refeições por quase 12 anos.
Olhou para a cama num canto do cômodo e as lágrimas lhe vieram aos olhos quando viu os corpos sem vida de sua mulher, Sarah, e de suas duas filhas, Mary e Anna. Sarah estava deitada de costas, com as filhas aninhadas em cada um dos braços. A pele delas estava escurecida, quase púrpura, e inchaços bulbosos se projetavam de seus pescoços. Estavam imersas numa poça de sujeira, e moscas zuniam sobre seus cadáveres.
A Peste Negra havia chegado ao pequeno vilarejo de Jonathan havia cinco dias. Sarah e as meninas adoeceram imediatamente, e todas tiveram mortes torturadas num período de três dias. Jonathan sabia que sua hora estava chegando e silenciosamente rezou por uma morte rápida. Sabia que agora isso seria melhor do que uma morte em paz.
Fechou os olhos e tentou diminuir o ritmo ofegante de sua respiração. Respirava com grande dificuldade, e sua dor de cabeça repentinamente piorou, turvando-lhe a visão. No instante seguinte ele deixou de enxergar, começou a vomitar e entrou em violenta convulsão. Caiu da cadeira, continuou a se sacudir e a se machucar, e, ainda assim, sentindo que a morte se aproximava, pensou em sua família. Ansiando por morrer ao lado da esposa e das filhas, tentou com todas as forças rastejar até a cama onde elas jaziam. Era tarde demais. A hemorragia fez com que os fluidos irrompessem de seu corpo. Seus momentos finais foram gastos num estado de agonia absorta. Quando o coração parou de bater, seu braço direito estendeu-se em direção à mulher e às filhas. O vilarejo de Jonathan estava morto.
Um ano após a morte de Jonathan, um grupo de monges andarilhos entrou no vilarejo e encontrou muitas casas ocupadas apenas por esqueletos. O líder dos frades recitou orações pelas almas dos mortos na entrada da cidade e acenou com a cabeça para seus companheiros. Os monges arremessaram tochas acesas e aguardaram até que as chamas atingissem as casas antes de seguir em frente. Naquela noite, a quilõmetros de distância do vilarejo de Jonathan, os monges podiam ver as colunas de fumaça negra elevando-se aos céus.

Os Anos dos Ratos

Qual a diferença entra epidemia e pandemia? Qual termo é o mais apropriado para descrever a Peste Negra? Nós só encontramos resposta na geografia. Epidemia é o irromper de uma doença que afeta uma região ou área geográfica específica. Por exemplo, um surto de tifo em Houston e em outras cidades do mesmo Estado do Texas poderia ser considerado uma epidemia. Pandemia, por outro lado, é um surto que se alastra por uma área muito maior. Um surto de tifo que se espalhasse por todos os Estados do Sudoeste seria uma pandemia, apesar de tal afirmação depender do grau de disseminação da doença. Nos dias de hoje, a AIDS configura uma pandemia porque existe em todos os países do globo.
A Peste Negra, que teve início em alguns países da Europa, foi considerada uma epidemia até se alastrar por uma área muito maior do continente europeu. Tornou-se, então, uma pandemia. A Peste Negra foi o pior desastre isolado a atingir a humanidade. No período de quatro anos compreendido entre 1347 e 1350, ela aniquilou mais de 75 milhões de pessoas na Europa, ou seja, entre um terço e metade da população européia. (Algumas fontes citam a cifra mais conservadora de 25 milhões de mortos aproximadamente, mas é provável que o total de 75 milhões seja mais próximo ao número real, quando todas as mortes - contando-se também as mortes secundárias - devidas à invasão da praga sejam consideradas no cálculo.)
Por volta de dezembro de 1347, a Peste Negra havia iniciado seu ataque na Europa. Sua arma principal eram as pulgas. E o meio de transporte das pulgas, de região para região, de país para país, era o onipresente rato. As pul '3 ' C 'C ndiam-se nos pêlos dos ratos e pulavam para o hóspede humano assim que tinham oportunidade. Portadoras da bactéria Yersinia pestis, causadoras de três tipos de praga que, combinadas, provocaram a devastação conhecida como Peste Negra.
As três formas dessa praga, por ordem de gravidade, eram as pestes bubónica, pneumónica e septicêmica. As três atacavam o sistema linfático, causando aumento das glândulas, febres elevadas, dores de cabeça, vómitos e fortes dores nas articulações. A peste pneumónica também causava acessos de tosse, seguidos de expectoração de escarro e sangue.
A peste septicêmica fazia com que a pele adquirisse uma coloração púrpura à medida que todos os órgãos do corpo entravam em hemorragia. A morte ocorria rapidamente em todos os casos, e a taxa de mortalidade variava de 30 a 75 por cento para a peste bubónica; de 90 a 95 por cento para a pneumónica e era de 100 por cento para a septicêmica. A Peste Negra foi, e ainda é responsável por uma das mais horríveis de todas as mortes.

O Forasteiro Mortal

Os anos com maior índice de mortes pela Peste Negra foram de 1347 até o início de 135l. Em dezembro de 1347, ela havia atingido Constantinopla, as ilhas italianas de Sicília, Sardenha e Córsega, e Marselha, na França. Seis meses mais tarde, em junho de 1348, havia invadido toda a Grécia, toda a Itália, a maior parte da França, o terço leste da Espanha e partes do que é hoje a Iugoslávia, a Albânia, a Bósnia-Herzegovina e a Croácia.
Em dezembro de 1348, um ano completo após seu surgimento na Europa, a Peste Negra atacou o restante da França e a maior parte da Áustria, bem como cruzou o Canal da Mancha em barcos e alastrou-se ao sul por um terço do território inglês. Seis meses depois, em junho de 1349, 18 meses após o início, a Peste Negra havia atravessado a Suíça, a metade sul da Alemanha, a parte central da Inglaterra e toda a Áustria.
Ao fim de 1349, dois anos após o surto inicial, infiltrara-se na Ir1anda, na maior parte da Escócia, nas regiões remanescentes da Inglaterra, na região central da Alemanha, na totalidade de Copenhague e cruzara o Mar do Norte para invadir o terço meridional da Noruega. Em junho de 1350,30 meses após tornar-se pandêmica, já ocupara à maior parte da Noruega e o restante da Alemanha. No fim de 1351, quatro anos após seu surgimento, foi extinta após devastar toda a Suécia e o terço norte da Polônia.
A Peste Negra teve um impacto significativo em todas as áreas da sociedade européia, incluindo economia, criminalidade, agricultura, educação e viagens. Os sobreviventes com habilidades específicas, como carpinteiros, ferreiros e comerciantes, tornaram-se cruciais para o renascimento da Europa. Foram necessárias gerações, no entanto, para que o crescimento populacional pudesse atingir os índices do continente antes da praga.
A derrota da Peste Negra deveu-se, em grande parte, ao desenvolvimento do saneamento, que diminuiu a capacidade de sobrevivência das pulgas portadoras da praga. Alguns historiadores sugerem que o Grande Incêndio de Londres em 1666 também contribuiu para a completa eliminação das pulgas contaminadas na Europa, apesar de que, nesse período, os surtos da praga já eram dispersos e pouco freqüentes. eliminada. Surtos continuaram ocorrendo regularmente ao redor do mundo, incluindo os Estados Unidos. Um deles, em período consideravelmente recente, atingiu Los Angeles em 1924. Foi rapidamente controlado, mas mesmo assim causou a morte de 33 pessoas.

Por Stephen J. Spignesi (tradução de Flávio Marcos e Sá Gomes) no livro ' As 100 Maiores Catástrofes da História', Difel, São Paulo, 2005, p.23-28. Editado e ilustrado  para ser postado por Leopoldo Costa.

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