2.06.2012

NOÇÕES DE CIÊNCIA DA CARNE


1. Introdução


Um produto de qualidade é aquele que atende perfeitamente, de forma confiável, acessível, segura, e no tempo certo, às necessidades do cliente. Quando o produto é um alimento, como a carne bovina, e o cliente é um consumidor moderno, e conseqüentemente, exigente e muito seletivo, poder-se-ia adaptar essa definição de modo a incluir os conceitos de valor nutritivo, sanidade e características organolépticas.
A carne bovina é o produto final da bovinocultura. Apesar de teoricamente a cadeia produtiva da carne bovina terminar quando o consumidor adquire um corte cárneo em algum balcão frigorificado, a qualidade da carne somente será determinada quando o corte for consumido. Por isso, sob a ótica moderna de atendimento de demandas do cliente, torna-se importante que a cadeia inclua a preocupação de atendimento às demandas do consumidor.
Quando se fala em qualidade na cadeia produtiva da carne, hoje, lamentavelmente, esse conceito ganha formato diverso e limitado a algum elo dessa cadeia.
Para os criadores o conceito de qualidade se resume a "um nível ótimo de produção de acordo com os recursos disponíveis"; para os engordadores se restringe ao "máximo rendimento de carcaça"; para os frigoríficos seria "um alto rendimento em cortes"; para o açougue pode-se afirmar que é "boa aparência e longa vida de prateleira"; e para o consumidor, em especial para o brasileiro, qualidade é "preço", muito embora alguma parte busque sanidade e aspectos organolépticos como cor, maciez e sabor.
Os atributos de qualidade da carne podem ser classificados em:
a) qualidade visual - aspectos que atraem ou repelem o consumidor que vai às compras;
b) qualidade gustativa - atributos que fazem com que o consumidor volte ou não a adquirir o produto;
c) qualidade nutricional - nutrientes que fazem com que o consumidor crie uma imagem favorável ou desfavorável da carne, como alimento compatível com suas exigências para uma vida saudável, e
d) segurança - aspectos higiênico-sanitários e a presença ou não de contaminantes químicos, como resíduos de pesticidas.

2. A carne como alimento

Carne, leite e ovos são as fontes básicas de proteína para o homem em função do alto valor biológico das mesmas.
O consumo de proteínas de origem animal é utilizado como indicativo do desenvolvimento de um país ou região, ou seja, quanto maior o desenvolvimento do país maior será o consumo de proteínas de origem animal em relação ao de proteínas de origem vegetal.

2.1. Definições de carne 

O conceito de carne depende do ponto de vista:
Carne : músculo
Carnes : todos os tecidos comestíveis dos animais de açougue, englobando músculos, com ou sem base óssea, gorduras e vísceras, podendo os mesmos ser in natura ou processados.
Carnes Vermelhas : bovino, búfalo, ovinos, caprinos, suínos, equídeos e coelhos.
Carnes Brancas : aves (galináceos, perus) e peixes.
RIISPOA : Carne de açougue são as massas musculares maturadas e demais tecidos que as acompanham, incluindo ou não a base óssea correspondente, procedentes de animais abatidos sob inspeção veterinária.

3. NOÇÕES DE CIÊNCIA DA CARNE

3.1. Estrutura da carne  

O músculo é constituído por uma unidade estrutural, a fibra, e por uma unidade funcional, o sarcômero. Existem três tipos básicos de músculos, os estriados esqueléticos, os estriados cardíacos e os voluntários viscerais.
Pela representatividade, a estrutura do tecido muscular será definida como aquela do tipo esquelético.



3.1.1.1. Miofilamentos 

Os músculos são constituídos por uma série de proteínas, sendo estas dispostas em forma de filamentos ou dispersas no sarcoplasma.
As proteínas dos miofilamentos possuem basicamente função motora, enquanto as sarcoplasmáticas função regulatória.
As principais proteínas dos miofilamentos são a actina (filamentos finos) e a miosina (filamentos grossos), que respondem por cerca de 75% a 80% do total das proteínas dos miofilamentos e encontram-se sobrepostas de maneira a tornar possível o deslizamento de uma sobre a outra no momento da contração muscular. Uma série de outras proteínas, principalmente com função reguladora e estrutural (ligação), constituem os miofilamentos; como as que formam os discos Z.

3.1.1.2. Miofibrilas 

A organização dos miofilamentos formam as miofibrilas, nas quais é possível identificar a unidade funcional do músculo, o sarcômero, que é definido como a distância entre dois discos Z.

3.1.1.3. Miofibra 

É a unidade estrutural do músculo (fibra muscular), sendo constituída por um conjunto de miofibrilas banhadas por um líquido, o sarcoplasma, várias estruturas celulares (núcleos, mitocôndrias, lisossomas, retículo etc.) e rodeada por uma membrana, o sarcolema. Cada miofibra é ainda rodeada por uma camada de tecido conjuntivo, o endomísio.

3.1.1.4. Feixes de fibras

As fibras musculares são agrupadas formando feixes, os quais são rodeados por tecido conjuntivo, o perimísio.

3.1.1.5. Músculo 

Conjuntos de feixes de fibras musculares formam uma estrutura organizada, o músculo. Esta estrutura é envolta por uma película de tecido conjuntivo, o epimísio, que tem a função de unir o músculo aos pontos de origem e inserção, formando, em muitos casos, os tendões dos músculos.

3.1.2. Tecido conjuntivo

Com a função estrutural está presente em todos os cortes, porém, com proporções variáveis em cada um.
Apresenta vários tipos, porém os mais importantes na carne são o colágeno e a elastina.

3.1.2.1. Colágeno 

O colágeno responde por parte da dureza de um corte cárneo.
Quando o animal é muito jovem, a proporção de colágeno é maior, porém, a estrutura desse tecido é termo-lábil, ou seja, sob calor verifica-se sua transformação em gelatina, de forma que a carne torna-se tenra.
Em animais adultos a proporção de colágeno é menor, porém, com a idade ocorre a formação de ligações cruzadas nas moléculas de colágeno, o que confere uma termo-estabilidade, ou seja, não se observa sua transformação em gelatina com o calor, o que torna a carne menos macia.

3.1.2.2. Elastina 

A elastina tem pequena participação na constituição da carne, entretanto, é importante pelo fato de estar presente nos vasos sangüíneos e por apresentar termo-estabilidade.
Com a cocção a elastina se intumesce e se alonga mas não se dissolve.

3.1.3.Tecido adiposo  

A gordura na carne seria uma transformação do tecido conjuntivo para depósito energético.
Conforme o local de deposição na carcaça pode-se classificar a gordura em externa (subcutânea), interna (envolvendo os órgãos e vísceras), intermuscular (ao redor dos músculos) e intramuscular (gordura entremeada às fibras musculares, marmoreio).
A grande função da gordura na carne está relacionada às suas características organolépticas.

3.2. Composição química da carne bovina (valor nutricional) 

A carne pode ser considerada como um alimento nobre para o homem, pois serve para a produção de energia, para a produção de novos tecidos orgânicos e para a regulação dos processos fisiológicos, respectivamente, a partir das gorduras, proteínas e vitaminas constituintes dos cortes cárneos.
O grande mérito nutricional da carne é a quantidade e a qualidade dos aminoácidos constituintes dos músculos, dos ácidos graxos essenciais e das vitaminas do complexo B presentes, tendo também importância o teor de ferro.

3.2.1. Proteínas 

A proteína miofibrilar da carne apresenta elevado valor biológico pela disponibilidade em aminoácidos essenciais e pela digestibilidade dos mesmos, sendo que o tecido conjuntivo apresenta menor valor biológico.
A digestibilidade da fração protéica da carne varia de 95% a 100% e a proteína da carne contém todos os aminoácidos essenciais ao ser humano.
Existem variações no teor protéico da carne em relação aos cortes cárneos, idade, alimentação, sexo e raça do animal, embora não sejam significativas.

3.2.2. Lipídeos 

Existe grande variação no teor de lipídeos presentes na carne bovina e essa é influenciada por vários fatores, tais como sexo, raça e alimentação do animal, assim como do corte cárneo.
O valor energético da gordura da carne é da ordem de 8,5 cal/g.
A gordura da carne, além do aspecto energético, é importante pelos ácidos graxos essenciais, colesterol e vitaminas lipossolúveis, sendo também indispensável para os aspectos organolépticos de sabor e uso culinário.
A digestibilidade da gordura varia em função dos ácidos graxos constituintes, sendo que a gordura interna (mais saturada) tem digestibilidade em torno de 77% enquanto a externa (peito) chega a 98%.

3.2.3. Vitaminas 

A carne apresenta todas as vitaminas lipossolúveis (A, D, E e K), as hidrossolúveis do complexo B (tiamina, riboflavina, nicotinamida, piridoxina, ácido pantotênico, ácido fólico, niacina, cobalamina e biotina) e um pouco de vitamina C.
Existem variações do teor vitamínico em relação à idade. Animais jovens apresentam níveis menores de B12, enquanto aqueles na fase de acabamento apresentam maiores teores de vitaminas lipossolúveis.
A principal importância das vitaminas se verifica pela sua participação nas enzimas do organismo humano.
Com relação às vitaminas lipossolúveis, destaca-se a importância da carne como fonte de vitamina A, pois os alimentos de origem animal são as únicas fontes de vitamina A biologicamente ativa.
O grande mérito da carne como fonte de vitaminas é pela disponibilidade em vitaminas do complexo B, que exercem funções indispensáveis ao crescimento e à manutenção do corpo humano.

3.2.4. Minerais 

A carne bovina possui todos os minerais, destacando-se a presença de ferro, fósforo, potássio, sódio, magnésio e zinco.
Todos os minerais essenciais ao ser humano estão presentes na carne bovina, sendo que esses estão mais ligados ao tecido magro.
Cabe destaque o fato de que a carne apresenta-se como fonte expressiva de ferro, onde ressalta-se que de 40% a 60% desse elemento é altamente absorvível.

3.2.5. Água  

Cerca de 70% a 75% do músculo é constituído de água. Em animais jovens essa proporção é maior; por outro lado, em músculos com maior teor de gordura essa proporção diminui.
A importância da água da carne não é direta, mas pela sua função transportadora, já que serve de veículo para muitas substâncias orgânicas e inorgânicas. Além disso, ela é parte integrante das estruturas celulares.

3.3. Conversão do músculo em carne 

Mesmo após a morte do animal a musculatura ainda permanece "viva", sendo que somente após um conjunto de reações bioquímicas e biofísicas é que o músculo transforma-se em carne.

3.3.1. Contração muscular 

O músculo em um animal vivo se contrai por um processo de gasto/recuperação de energia sob condição aeróbica (presença de oxigênio). Apesar disso, o processo de contração é possível em condições anaeróbicas; essa forma, no entanto, só é utilizada sob condições anormais, por ser pouco eficiente.



3.3.2. Rigor Mortis 

Com a morte e, por conseqüência, com a falência sangüínea, o aporte de oxigênio e o controle nervoso deixam de chegar à musculatura. O músculo passa a utilizar a via anaeróbica, para obter energia para um processo contrátil desorganizado; nesse processo há transformação de glicogênio em glicose, e como a glicólise é anaeróbica, gera lactato e verifica-se a queda do pH.
Com o gasto dos depósitos energéticos, o processo contrátil tende a cessar formando um complexo irreversível denominado de acto-miosina. Nesse estado, a musculatura atinge o rigor mortis, ou seja, os músculos transformam-se em carne.
Um dos aspectos mais marcantes da transformação do músculo em carne é a queda do pH, inclusive, a ponto de determinar a futura qualidade da carne.

3.4. Características organolépticas da carne 

3.4.1. Cor 

A cor da carne é considerada como o principal aspecto no momento da comercialização (apelo visual).
A mioglobina é a principal substância na determinação da cor da carne. O teor de hemoglobina só influenciará a cor da carne se o processo de sangria for mal executado.
Aspectos como idade, sexo, músculo e atividade física afetam a cor da carne. A cor natural e ideal da carne é um vermelho brilhante.

Problemas na coloração da carne 

a. Carnes PSE (Pálida, Flácida e Exsudativa) - problemas de estresse no momento do abate levam a um acúmulo de lactato (redução de pH) que, juntamente com a temperatura alta do músculo, provocam um estado em que a carne libera água, torna-se flácida e com coloração amena.

b. Carnes DFD (Escura, Firme e Seca) - problemas de estresse prolongado antes do abate podem esgotar as reservas de glicogênio, impedindo que o pH decline; dessa forma, o músculo passa a reter mais água (seco), ficando estruturado (firme) e de coloração escura tanto pela menor refração de luz quanto pela maior ação enzimática, com gasto periférico do oxigênio.

3.4.2. Odor e sabor 

O aroma da carne é uma sensação complexa que envolve a combinação de odor, sabor e pH. Por serem aspectos complementares, o odor e o sabor podem ser agrupados em um complexo denominado de saboroma, sendo que ao eliminar-se o odor, o sabor de um alimento fica alterado.
A melhor maneira de avaliação é por meio de painéis de degustação, embora possam ser criticados pela subjetividade.
O saboroma da carne é aumentado com a idade do animal, sendo que em algumas espécies, a carne de machos inteiros apresenta sabor diferente.
O sabor cárneo seria semelhante entre as espécies de açougue, entretanto, o que as torna diferentes é o teor e a qualidade da gordura presente em cada espécie animal.
A gordura na carne bovina pode conter uma composição de ácidos graxos que torna a carne peculiar quanto ao sabor.
A temperatura e a duração do processo de cozimento é passível de influenciar a intensidade do saboroma da carne. Quanto maior o tempo de cozimento maior a degradação protéica e perda de substâncias voláteis. A carne tem mais sabor quando assada até 82°C internamente, com um forno a 288°C por 30 minutos, do que outra a 177°C por 2 horas.
A ransificação das gorduras é o principal problema de sabor na carne.

3.4.3. Suculência 

Segundo alguns autores a perda de suco durante a cocção é proporcional à falta de suculência da carne ao paladar.
A suculência depende da sensação de umidade nos primeiros movimentos mastigatórios, ou seja, da liberação de líquidos pela carne. Uma sensação de suculência é mantida pelo teor de gordura na carne que estimula a salivação e lubrifica o bolo mastigatório.
A carne de animais jovens costuma ser suculenta no início, mas, pela falta de gordura, torna-se seca ao final do processo de mastigação.
Os processos de resfriamento/congelamento em si não afetam a suculência da carne, entretanto, o tempo de congelamento prejudica a suculência.
O processo de cozimento é fator determinante da capacidade de retenção de água da carne (suculência). Carne que atinge uma dada temperatura interna mais rapidamente apresenta-se mais suculenta, sendo que esse fato é melhor observado até 70°C, pois a partir dessa temperatura as alterações protéicas são tão intensas que o tempo de cozimento torna-se indiferente.
Quando a carne é assada forma-se uma superfície (capa) de proteína coagulada que impede a perda de suco; quanto mais rápido o processo de aquecimento mais rápida será a formação dessa capa. Fato semelhante ocorre quando se cozinha a carne mergulhando-a em água já quente em comparação quando é cozida mergulhando-a em água que inicialmente estava fria.

3.4.4. Maciez 

É o principal quesito de avaliação ou apreciação por parte do consumidor, inclusive, podendo suplantar aspectos como uma cor ou um soboroma não muito agradáveis (atrativos).
Organolepticamente, a maciez de uma carne seria sentida como um conjunto de impressões:

a. Consistência da carne: conforme o contato com a língua e bochechas pode-se sentir se a carne é mole ou firme.

b. Resistência à pressão dental: força necessária para a penetração dos dentes na carne.

c. Facilidade de fragmentação: capacidade dos dentes para cortar ou desagregar as fibras musculares. Podem acontecer dois extremos: a carne ser tão fragmentável que partículas aderem-se à língua e bochechas dando a sensação de secura; ou a carne apresentar fibras demasiadamente unidas, quase sempre em virtude de excesso de tecido conjuntivo.

d. Resíduo ou restos de mastigação: restos de carne que permanecem após o processo mastigatório, geralmente tecido conjuntivo originário de perimísio ou epimísio.

Muitos fatores interferem na maciez da carne, podendo ser divididos em inerentes (ante-mortem) ou não inerentes (post-mortem) ao animal.
Entre os inerentes tem-se a genética, a fisiologia, a alimentação e o manejo do animal.

a. Com a idade do animal há a formação de ligações cruzadas entre as moléculas de colágeno que as tornam indissolúveis e endurece a carne.

b. A deposição de maior ou menor teor de colágeno sob a forma de perimísio (grão da carne) promove diferenças raciais quanto à maciez da carne.

c. Animais inteiros apresentam carne menos macia!?!

d. O marmoreio (gordura intramuscular) ajuda na maciez por lubrificar a mastigação e diluir o teor de tecido conjuntivo da carne.

Como fatores externos ao animal têm-se aspectos como uso ou não de processos visando ao amaciamento da carne e distúrbios de refrigeração.

a. Encurtamento pelo frio: quando um músculo é resfriado imediatamente após o abate, apresenta energia para contrair-se fortemente sob ação do resfriamento, que, em geral, ocorre quando um músculo atinge 10°C em 10 horas post-mortem.

b. Rigor pelo descongelamento: quando um músculo congela antes de atingir o rigor mortis, posteriormente, quando do descongelamento ocorre o encurtamento pelo frio e uma excessiva perda de suco.

c. Posição de resfriamento: evita o encurtamento e o respectivo endurecimento, por ação física.

d. Eletroestimulação: uma corrente elétrica que, provocando contrações, faz com que os músculos consumam energia e no momento do resfriamento não possam contrair-se demasiadamente.

e. Maturação: mantendo-se os cortes cárneos em embalagem a vácuo e em temperatura de 1ºC a 2ºC por cerca de 14 dias, ocorre desnaturação protéica desagregando as fibras musculares e ocasionando maciez. A ação enzimática não é sobre o complexo acto-miosina, sendo o principal alvo o disco Z. Além da ação sobre a maciez, com a maturação ocorre  desenvolvimento de sabor.

f. Cocção: a maciez é dependente da temperatura e da velocidade de cozimento. Nas carnes bem cozidas ocorre uma maior rigidez por um fenômeno denominado "endurecimento protéico", que é devido à coagulação das proteínas, principalmente as miofibrilares, já que com o calor, o colágeno transforma-se em gelatina, favorecendo a maciez da carne. Enquanto a ação positiva do colágeno depende do fator tempo, o endurecimento miofibrilar tem na temperatura de cozimento, o ponto crítico. Entre 57ºC e 60ºC ocorre o amaciamento do tecido conjuntivo sem que haja ação sobre as proteínas miofibrilares, ou seja, sem endurecer a carne. Com base nisso é que se recomenda o cozimento prolongado a temperaturas baixas para a carne rica em tecido conjuntivo e o contrário para aquelas pobres em colágeno.

g. Substâncias amaciantes da carne: pode-se fazer o amaciamento artificial da carne por uma série de ingredientes, como vinagre, suco de limão, sal e enzimas vegetais. A papaína proveniente do mamão, a bromelina proveniente do abacaxi e a ficina proveniente do figo possuem efetiva ação amaciante, sendo que o efeito não é apenas sobre as proteínas miofibrilares mas também sobre o tecido conjuntivo, principalmente sobre a fração de colágeno solubilizada pelo calor.

3.5. Alterações na carne processada

As qualidades organoléptica e nutricional da carne podem modificar-se em virtude de tratamentos tecnológicos e culinários.

3.5.1. Efeito do frio 

3.5.1.1. Resfriamento 

Sob esta condição desenvolve-se o processo de maturação, ou seja, a estrutura muscular vai paulatinamente sendo degradada e provocando o amaciamento.
A quebra de peso que ocorre com o resfriamento provoca um problema econômico. Essa perda diminui com a chamada dessecação pelo frio, quando há a formação de uma camada superficial ressecada que protege contra a evaporação.

3.5.1.2. Congelamento 

Pode ocorrer o rompimento celular pela formação de cristais de gelo, injúria celular pelo aumento da pressão osmótica e desnaturação dos constituintes caloidais da célula. Estes problemas são comuns quando existe a formação de grandes cristais de gelo, os quais são freqüentes quando o processo de congelamento é lento. Como reflexo, a exsudação é intensa, com a conseqüente perda de nutrientes e forte injúria de tecidos.

3.5.1.3. Descongelamento 

A velocidade de descongelamento também exerce importante efeito sobre a qualidade da carne. Quando o descongelamento é rápido, não existe tempo para os tecidos musculares absorverem o líquido extravasado, ou seja, quando o descongelamento é rápido ocorre maior perda de líquido.
Por esses efeitos prejudiciais à estrutura celular é que é proibitivo o processo de recongelamento da carne.
Quando o tempo de congelamento é prolongado (maior que 6 meses) é possível haver a oxidação da gordura, principalmente, aquela camada superficial, o que, além de alterar o sabor da carne, pode gerar subprodutos tóxicos ao homem.

3.5.2. Efeito da salga 

O cloreto de sódio é largamente utilizado no processamento industrial ou caseiro da carne, seja como condimento (palatabilizante) ou como agente conservante.
Dependendo da concentração salina e da temperatura, a adição de sal à carne faz com que essa ganhe ou perca água. Quanto maior a concentração em sal, maior será a perda.
Em baixas concentrações, a adição de sal provoca, inicialmente, um aumento da capacidade de retenção de água, entretanto, com a difusão do sal pelo interior do músculo começa a ocorrer o efeito inverso.
Com relação ao charque cabe mencionar que o sal é um elemento pró-oxidante da gordura, portanto, quanto mais gordo for o charque mais propenso este será à oxidação.

3.5.3. Efeito da cocção

O êxito do cozimento da carne, além das características do corte, baseia-se no binômio tempo-temperatura.

3.5.3.1. Sobre as proteínas 

Com o calor as proteínas desnaturam-se, ocorrendo coagulação. Quando a carne é bem cozida ocorre endurecimento, sendo esse denominado de "endurecimento protéico". Ao atingir uma temperatura em torno de 64°C as proteínas miofibrilares se tornam menos tenras e vão perdendo a capacidade de reter água.
Em relação ao colágeno, esse fato é inverídico, pois é após a temperatura de 64°C que a molécula de colágeno solubiliza-se e, em presença de água, forma gelatina. Sendo que o processo térmico, nesse caso, melhora a digestibilidade da carne, já que da forma natural o colágeno é pouco digestível.
Substâncias voláteis são liberadas com a cocção, conferindo o cheiro característico da carne cozida, em geral, são substâncias sulfuradas. Já a cor é devida a reações entre proteínas e açúcares naturais do músculo, que originam a cor acastanhada como conseqüência do aquecimento.
Em síntese, o tratamento térmico deve ser moderado para que não haja resultados desfavoráveis, incluindo, nesse caso, diminuição da digestibilidade protéica e da disponibilidade de aminoácidos indispensáveis.

3.5.3.2. Sobre a gordura 

Um aquecimento exagerado torna as gorduras impróprias à alimentação, pois leva à formação de ACROLEÍNA, substância tóxica e volátil. Cabe ressaltar o perigo das gorduras de frituras, já que esse fato ocorre em óleos que são aquecidos a mais de 200°C por tempo prolongado.

3.5.3.3. Sobre as vitaminas 

O calor destrói facilmente as vitaminas, sendo relevante a porção de vitaminas que passa para a água de cozimento.
Em síntese, calor excessivo é prejudicial à qualidade vitamínica da carne, portanto, é conveniente reduzir-se o quanto possível a temperatura de cocção.

Por Gelson Luis Dias Feijó, publicado pelo 'EMBRAPA-GADO DE CORTE, com o título de' I CURSO "CONHECENDO A CARNE QUE VOCÊ CONSOME"  e disponível em  http://www.cnpgc.embrapa.br/publicacoes/doc/doc77/index.html. Adaptado para ser postado por Leopoldo Costa.

No comments:

Post a Comment

Thanks for your comments...